Fórum Defesa Brasil

Mísseis e o tango de Obama

A decisão do presidente Barack Obama de cancelar o escudo antimísseis que seu antecessor programara para os territórios da Polônia e da República Tcheca pode se enquadrar em uma de duas categorias --ou em ambas: ou se trata de uma ousadia vizinha à temeridade ou se trata de extrema firmeza em suas convicções, bem maior da que lhe é usualmente atribuída.

Temeridade porque, sob fogo cerrado dos ultra-conservadores que utilizam argumentos não raro indecentes (talvez racistas, como suspeita o ex-presidente Jimmy Carter), não parece o melhor momento para cutucar essas feras com a renúncia ao escudo anti-mísseis.

É inevitável que seja acusado de render-se aos russos, que fizeram desde o princípio frontal oposição ao escudo.

Acusação, aliás, já esgrimida horas após o anúncio por John Boehner, líder da minoria republicana na Câmara de Representantes: "Derrubar o sistema de mísseis da Polônia e da República Tcheca não faz mais do que fortalecer a Rússia e o Irã, às custas de nossos aliados na Europa".

Obama diz o contrário, como é óbvio, em um teorema bem mais complexo do que o raciocínio simplificador do líder republicano.

Por partes:

1 - O abandono do escudo anti-mísseis é uma decisão que leva em conta uma nova avaliação de segurança, na qual ficou claro que "a ameaça representada pelos mísseis balísticos iranianos de curto e médio alcance avança mais rapidamente do que antes se projetava, enquanto a ameaça de potenciais mísseis intercontinentais se desenvolve mais lentamente do que antes estimado".

Na prática, significa o seguinte: no curto prazo, a maior ameaça potencial dos mísseis iranianos não alcança o território norte-americano, mas os aliados europeus dos Estados Unidos e o pessoal norte-americano baseado no Oriente Médio e na Europa.

2 - Em consequência, é mais eficaz --além de mais barato-- trocar o escudo convencional em terra por novos sensores e interceptadores no Norte e no Sul da Europa, a bordo de navios e também em terra.

Ou, em termos retóricos, "nossa nova arquitetura antimísseis na Europa aportará defesas mais fortes, mais inteligentes e mais rápidas das forças norte-americanas e seus aliados", como disse Obama.

Duvido que convença os republicanos e outros setores conservadores.

Mas o ponto em que a firmeza de convicções parece mais nítido se dá no relacionamento com a Rússia.

Desde o princípio, Obama anunciou que gostaria de apertar o botão de "reset" com a Rússia. Para tanto, nenhuma iniciativa seria mais emblemática do que "deletar" o escudo anti-mísseis.

Significa rendição aos russos? Não. Significa que Obama parece acreditar mesmo no multilateralismo, ou seja, na necessidade e na conveniência de conduzir os assuntos internacionais de mãos dadas com outros países. No caso específico dos mísseis, o presidente fez um nítido aceno à Rússia para que se torne relevante no esforço para conter o que chamou de "crescente ameaça dos mísseis iranianos".

Disse Obama: "Saudamos a cooperação russa para trazer suas capacidades de mísseis de defesa para um defesa mais ampla de nossos interesses estratégicos comuns".

Em uma frase, uma definição e um convite implícito: se há "interesses estratégicos comuns" com a Rússia, Moscou não é um inimigo a bater. O convite: Putin e Medvedev, juntem-se a nós para evitar que o Irã se torne uma potência nuclear.

O problema maior desse multilateralismo não está nas mãos de Obama mas dos líderes - regionais ou globais - aos quais estende a mão. Como diz um ditado muito usado nos Estados Unidos, é preciso dois para bailar o tango.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pens ... 5430.shtml