Jobim quer flexibilizar licitações para Defesa
Sergio Leo
As indústrias consideradas estratégicas para a defesa nacional deverão ter tratamento especial em licitações, e excluídas da regra que obriga o setor público a dar preferência aos fornecedores com menor preço, informou ao Valor o ministro da Defesa, Nelson Jobim. As medidas pretendem promover criação de tecnologia de defesa no país, e deverão fazer parte da estratégia nacional de Defesa, cujas definições principais Jobim quer concluir em até 45 dias. Pela primeira vez desde a criação do ministério, haverá um plano integrado de operações e equipamentos das três forças armadas.
"Teremos de ter uma política de compras públicas, com flexibilização de licitações, e é isso que estamos examinando", informou o ministro. Ele quer ter, em março, as linhas gerais da política industrial de defesa, e não descarta o envio de um projeto de lei ou medida provisória para as mudanças. O prazo final para anunciar a nova política de Defesa é 7 de setembro de 2008.
Antes, porém, ele considera necessário concluir o trabalho do comitê criado pelo governo em setembro para propor uma política nacional de Defesa para o país. Jobim e o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, também querem criar, no BNDES, condições de financiamento para as indústrias do setor, que hoje se ressentem da falta de instrumentos de garantia e de crédito para capital de giro, especialmente nas encomendas ao governo.
O governo já recebeu, do setor privado, uma proposta de projeto de lei com mudanças na legislação para favorecer as empresas instaladas no país e dirigidas por brasileiros, nas compras de produtos com similares no país. O projeto, elaborado por um comitê especial designado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com participação de empresários, de representantes das Forças Armadas e de outros setores do governo, sugere mudanças na atual lei de licitações, a 8.666, para garantir o desenvolvimento de tecnologia de defesa.
Pela proposta da Fiesp, o governo, nas compras das Forças Armadas, terá de dar preferência ao fornecedor no país; e, quando não houver produto fabricado no Brasil, mas houver empresas com competência para fabricá-lo, deve ser mantida a preferência. Nos casos em que só uma empresa estrangeira é capaz de fornecer o produto ou serviço desejado, a compra será com o fornecedor estrangeiro, que terá, porém, de comprometer-se com algum tipo de transferência de tecnologia, o chamado off-set.
"O critério de menor preço não pode ser o principal, quando se fala de defesa", argumenta o presidente do Comitê da Cadeia Produtiva da Defesa da Fiesp, Jairo Cândido. "Indústria de defesa e Forças Armadas são duas faces da mesma moeda, devem ser vistas como uma questão de soberania", argumenta, citando exemplo da Argentina, que teve dificuldades técnicas para usar mísseis importados na Guerra das Malvinas, contra a Inglaterra. No setor, especialistas citam casos como o do Chile, que não teve permissão para comprar mísseis que equipariam seus caças F-6, comprados dos EUA.
"O Brasil deve ter condições de, eventualmente, pagar para o produtor nacional um preço mais caro para determinado tipo de produto, desde que esse setor privado nacional tenha compromisso de desenvolver sua tecnologia", concorda Jobim. Essa política, segundo comenta, poderia até, em casos limite, chegar a setores mais presentes na vida civil, como fabricantes de uniformes. "Será que não é interessante estimular o setor têxtil no país?" sugere. "O único jeito de incorporar a Defesa na agenda nacional é acoplar essa questão à questão do desenvolvimento", acredita. "Vamos elaborar e apresentar nossa proposta de estratégia nacional de Defesa vinculada à uma estratégia de desenvolvimento em longo prazo, vinculado ao desenvolvimento de tecnologia."
Jobim esclarece que a decisão sobre compras de equipamentos das Forças Armadas dependerá de definição anterior, inédita no país: a política nacional de Defesa fixará prioridades e objetivos das ações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, de forma coordenada, para evitar duplicação de esforços. "Hoje a definição dos equipamentos decorre de uma situação já constituída historicamente, tanto que se fala em reaparelhamento", diz. "Os equipamentos dependem da existência do plano estratégico; não se pode inverter a regra."
A forma de "flexibilizar" a lei 8.666 ainda depende dos estudos do comitê do governo, adianta. A legislação atual já permite que o governo ignore a regra do menor preço para produtos que envolvam "cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional". Em alguns casos, porém, há interesse em estimular fornecedores nacionais de componentes de tecnologia pouco complexa, como uniformes e munição, argumenta o ministro.
"Hoje temos pessoal qualificado e bem preparado, mas não temos equipamento", diz o Secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do ministério, general José Benedito de Barros Moreira. "Nossas empresas também podem ser as primeiras no mundo, desde que haja incentivo para produção e venda aqui", defende ele. O general Barros Moreira endossa as queixas dos empresários nacionais, que criticam vantagens para os fornecedores estrangeiros de equipamentos bélicos, isentos, por exemplo, de impostos pagos pelos concorrentes nacionais.
O governo terá de decidir maneiras de cobrir deficiências, como a proteção inadequada do espaço aéreo nacional, alerta o general. Ele defende que, a exemplo do que ocorre com a Petrobras, que paga royalties para financiar a Marinha, grandes parques industriais ou empresas estratégicas, como a hidrelétrica Itaipu, destinem parte de seus lucros às Forças Armadas, para financiar, por exemplo, a manutenção de baterias anti-aéreas perto de suas instalações. O custo desses equipamento chega a US$ 50 milhões anuais, e a sociedade tem de discutir se está disposta a pagar esse preço, argumenta o general, que, nos dias 5 e 7 de novembro, realiza mais um seminário fechado com empresários da indústria de defesa para mapear as necessidades do setor.
Empresários acreditam que, com Jobim, setor terá política industrial
De Brasília
O prestígio do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que tirou do Palácio do Planalto a pressão provocada pela crise aérea, é apontado pelos empresários do setor de equipamento militar como a principal garantia de que o projeto de política industrial de Defesa não ficará no papel como os anteriores (a última proposta é de 2005, do então ministro Waldir Pires). Há forte entusiasmo no setor privado com as idéias de Jobim, enquanto entre especialistas da academia levantam-se dúvidas e ceticismo.
Para os empresários, com fortes aliados no Ministério da Defesa e nos comandos militares, é fundamental, para a sobrevivência do setor, o apoio do governo e a garantia de orçamento estável para compra, no país, de material para as Forças Armadas. Eles argumentam que a sociedade teria, como benefício, a autonomia em matéria de Defesa e o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas com desdobramentos importantes para a vida civil.
"Quatrocentos exames de carótida são feitos anualmente no Brasil baseados em isótopos derivados do programa nuclear brasileiro", argumenta o vice-presidente da Associação das Indústrias de Material de Defesa, Carlos Afonso Gamboa, almirante reformado da Marinha. O sucesso da Embraer começou como pesquisa militar, reforça o presidente da Associação Brasileira da Indústria Aeroespacial, Walter Bartels.
Como derivados das pesquisas em Aramar, centro de desenvolvimento nuclear da Marinha, o Brasil ganhará o domínio da tecnologia para reatores nucleares compactos, que poderão ser usados para abastecer cidades na Amazônia, sugere o secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, general José Benedito Barros Moreira. Ele argumenta que, por ter intenções dissuasórias, de desencorajar agressões ao país, muitos equipamentos militares são comprados para, em caso de sucesso, não serem usados. "Um equipamento comprado lá fora que não foi usado e se tornou obsoleto é dinheiro que sai pela janela; mas comprar no país gera renda, empregos e tecnologia", defende.
Barros Moreira advoga os gastos com a indústria de Defesa como questão de segurança nacional. Só Forças Armadas bem equipadas poderão, no futuro, defender as jazidas de petróleo descobertas no litoral brasileiro, a distâncias cada vez maiores, argumenta ele.
Os empresários se queixam de que a falta de encomendas no país compromete as vendas para o exterior, por provocar desconfianças em eventuais compradores externos, que pedem referências sobre o uso dos equipamentos pelas forças armadas nacionais. "Uma das primeiras coisas que nos perguntam é: suas Forças Armadas compram esse produto?", comenta o diretor da Fiesp Jairo Cândido.
Além de avisar à equipe econômica para atender aos planos do Ministério da Defesa, o presidente Luis Inácio Lula da Silva, que na recente viagem á África viu um de seus aviões reserva retido no solo por problemas de manutenção, já mostrou ter assumido os argumentos em favor do reequipamento das Forças Armadas. O orçamento dos comandos militares para 2008 foi aumentado de R$ 6 bilhões para R$ 9 bilhões, com promessa de chegar a mais R$ 1 bilhão, e foi assegurado o desembolso de R$ 130 milhões anuais para os projetos de Aramar.
A movimentação em torno do assunto levanta críticas, porém, entre alguns dos mais conhecidos especialistas em Defesa no país. Para Renato Dagnino, da Unicamp, os argumentos dos defensores da indústria de defesa não têm respaldo na experiência internacional, que mostram estreitamento dos mercados para produtos potencialmente fornecidos pela indústria brasileira, tendência das empresas civis a importar tecnologia, mais que desenvolvê-la de forma autônoma e vantagens geopolíticas questionáveis para o Brasil, segundo a literatura sobre relações internacionais.
"Com a revitalização das Forças Armadas, pode haver escala para essa indústria por três, quatro anos, e depois, sobrará a conta para o Estado", afirma o especialista Clóvis Brigagão, da Universidade Cândido Mendes. (SL)
Empresas atendem aos clientes civis e militares
De Brasília
As estrelas do setor de material de Defesa são empresas que se voltaram ao mercado civil, e encontraram clientes alternativos ao vacilante poder de compra dos militares. Algumas companhias conseguem sobreviver com a produção de material bélico, mas ocupam boa parte de suas linhas de produção com equipamentos destinados ao mercado externo.
O caso mais evidente é a Embraer, com quase 90% de suas atividades no mercado civil, cujos executivos evitam até comentar a faceta militar da companhia. Do lado das empresas tradicionais, a situação mais emblemática é a da Imbel, estatal deficitária, com prejuízos acumulados superiores a R$ 400 milhões em 2006.
A vinculação entre atividades civis e militares torna ainda mais difícil saber o tamanho dessa indústria, que, segundo as associações do setor, pode chegar a 300 companhias, e beirar 30 mil empregos diretos. Não há estatísticas confiáveis e o último levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Material de Defesa (Abimde), de 2005, aponta cerca de 300 empresas (46 associadas à Abimde), com quase 22,7 mil empregados.
Uma das maiores perdas do setor foi a da Engesa, que faliu no início dos anos 90. A Avibrás, especializada em foguetes, sobreviveu diversificando produtos, e hoje vende de antenas parabólicas a sistemas eletrônicos para trolébus. Uma política governamental para o setor poderia garantir bons negócios e fôlego até para empresas cronicamente deficitárias, como a Imbel. A empresa chegou a ganhar, em 2005, licitação para fornecer munição ao governo do México, mas não assinou o contrato por falta de garantias bancárias.
"Não temos encomendas do Exército, e temos prejuízo porque é grande o custo fixo de nossas cinco fábricas paradas", comenta o diretor comercial da Imbel, Ubirajara D´Ambrósio. "E como posso tentar vender lá fora se não tenho nem referências de cliente no país?".
A Imbel sobrevive com encomendas das forças policiais e da construção civil, que compra seus explosivos. Ela pesquisa novos produtos, como uma pistola de polímero e um rádio GPS que deverá equipar blindados usados importados pelo Exército. (SL)