Análise interessante
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A Aproximação Histórica Entre China, India, Irã e Paquistão, e os Esforços Americanos de Semear a Discórdia na Região
Publicado por marco fernandes em 28 outubro 2011 às 1:58 em Internacional
http://blogln.ning.com/forum/topics/a-a ... ist-o-e-os
Duas tendências da política regional estão debilitando seriamente a campanha dos Estados Unidos para fazer o Paquistão ajoelhar-se no contexto do fim-de-jogo afegão. Uma é que Delhi distanciou-se da campanha americana e vem desenvolvendo uma política independente face a Islamabad.
O segundo fator que vem frustrando as políticas americanas destinadas a isolar o Paquistão é o namoro desse país com o Irã. O Paquistão estaria muitíssimo mais isolado caso houvesse uma aguda rivalidade com o Irã em relação ao fim-de-jogo afegão. O atual nível de cordialidade entre os dois permite que Islamabad concentre-se nas suas diferenças com os EUA, e até receba encorajamento de Teheran.
Uma recente declaração do ministro das Relações Exteriores indiano S. M. Krishna em relação à tensão EUA-Paquistão destacou que a India não se alinha automaticamente à visão americana do problema. O momento dessa declaração foi cuidadosamente calculado para mandar um recado a Washington (e a Islamabad), dizendo que Delhi vê com forte desfavor qualquer forma de ação militar americana contra o Paquistão.
Há uma longa lista de provas sugerindo que a liderança paquistanesa sente-se agradecida por essa postura da India. O quartel-general em Rawalpindi agiu rapidamente no domingo, para fazer retornar à India um helicóptero com três oficiais de alta patente a bordo, que extraviou-se devido ao mau tempo e foi forçado a aterrissar no sensível setor de Siachen no Paquistão. Tais gestos conciliatórios são raros (para ambos os lados) na crônica da relação indo-paquistanesa.
Adicionalmente, a India votou na semana passada pela candidatura do Paquistão à vaga da Ásia/Pacífico entre os membros não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU, e o embaixador paquistanês prontamente respondeu que trabalharia em cooperação com o seu colega indiano em Nova York. Ironicamente, a ONU vinha sendo até bem pouco tempo o teatro de frequentes choques entre a India e o Paquistão em torno da questão do Kashmir.
No futuro próximo, os primeiros-ministros da India e Paquistão deverão encontrar-se nos bastidores da cúpula da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional, prevista para 10-11 de novembro em Male. Sob outras condições, Washington ter-se-ia apressado em dizer que agira como "facilitador" na melhoria do clima das relações indo-paquistanesas. Mas em vez disso, os EUA têm constatado com um certo grau de desconforto que a sua complicada sinfonia sul-asiática vem emitindo notas desafinadas. Calibrar as tensões indo-paquistanesas tradicionalmente constituiu-se em um elemento-chave da diplomacia americana para a região.
Washington "retaliou" à declaração de Krishna, alertando aos cidadãos americanos para que evitem visitar a India, devido à escalada de ameaças terroristas. Em troca, Delhi desautorizou Washington, dizendo que considerava o gesto americano "desproporcional" - uma maneira educada de dizer que a recomendação dos EUA não passava de papo furado.
O que vem acontecendo às relações Paquistão-Irã é ainda mais sinistro para os Estados Unidos. Tem havido uma onda de visitas de alto nível entre Islamabad e Teheran, e as duas capitais chegaram a entendimentos mútuos quanto a uma série de questões de segurança. Na semana passada, Teheran reconheceu que não houve um só ataque do grupo terrorista Jundallah à região do Baluchistão partindo da fronteira paquistanesa no curso dos últimos dez meses.
Teheran tem acusado os EUA de estarem por trás dos terroristas do Jundallah, em suas operações clandestinas para desestabilizar o Irã. Entretanto, desde a detenção do agente da CIA Raymond Davis em Lahore em janeiro, Islamabad desbaratou centenas de agentes de inteligência dos EUA agindo em solo paquistanês, reduzindo significativamente a capacidade dos EUA de despachar terroristas do Jundallah para o Irã.
Teheran está satisfeito pelo fato do aparato de segurança paquistanês estar finalmente agindo de forma afirmativa para esmagar a rede do Jundallah patrocinada pelos EUA. Para recompensar a boa-vontade do Paquistão, os iranianos tentam harmonizar a sua política afegã, e escrupulosamente evitaram apontar o dedo para o Paquistão em reação ao assassinato do líder do Conselho de Paz Afegão, Burhanuddin Rabbani, que era um íntimo aliado de Teheran.
Essencialmente, o Irã avalia que a atitude de "desafio estratégico" do Paquistão face aos EUA serve aos interesses da estabilidade regional, pois a peça central da política iraniana é forçar as tropas americanas a deixar a região.
Teheran teve sucesso na busca de um objetivo semelhante no Iraque, ao convencer as elites políticas xiitas de Baghdad a não acederem aos desesperados apelos dos EUA para que permitissem às tropas americanas permanecer no país além do prazo fatal de retirada estipulado para dezembro de 2011, segundo o acordo celebrado em dezembro de 2008 (ocasião em que um iraquiano atirou os sapatos contra Bush). Mas o Afeganistão é outra história, e uma estratégia comum com o Paquistão seria de grande ajuda.
O Paquistão vem mantendo uma atitude ambivalente quanto à questão da presença militar americana no Afeganistão a longo prazo, mas pode contar com o Taliban para opor-se firmemente aos planos americanos de estabelecer bases militares no país. Não surpreendentemente, Teheran persegue uma abordagem multi-facetária em relação ao Taliban.
Em resumo, o cenário regional geral está se tornando um tanto desfavorável aos Estados Unidos. O alívio das tensões nas relações do Paquistão com a India e com o Irã prejudica a estratégia dos EUA de estabelecerem-se na região.
A intenção do alerta aos viajantes americanos era deixar a India insegura com a iminente possibilidade de atividades terroristas patrocinadas pelo Paquistão. Mais uma vez, uma campanha de desinformação promovida por Washington ressuscita as alegações de que a China e o Paquistão estão conspirando contra a India ao instalar bases militares chinesas em áreas do norte do Paquistão, que formam parte do Kashmir.
Isso coincide com uma distinta melhoria na situação da segurança no vale do Kashmir, ao ponto do ministro-chefe Omar Abdullah ter advogado abertamente na semana passada em Srinagar a suspensão progressiva dos regulamentos de emergência em vigor a décadas, e que Delhi tome a iniciativa de engajar o Paquistão rumo a uma solução definitiva para a questão do Kashmir.
A propaganda americana que aponta para a perspectiva de bases militares chinesas no Kashmir paquistanês serve a um duplo propósito: semear a discórdia entre o Paquistão e a India, e simultaneamente azedar também as relações sino-indianas.
O Primeiro-Ministro indiano Manmohan Singh fez um significativo pronunciamento na semana passada, dizendo-se "convencido" de que a liderança chinesa deseja uma solução pacífica de todos os problemas entre a China e a India, inclusive a tradicional disputa fronteiriça. De forma significativa, ele expressou a sua "sincera esperança de que sejamos capazes de encontrar formas e meios através dos quais os dois vizinhos possam viver em paz e amizade, a despeito da persistência da questão fronteiriça."
Os comentários de Manmohan assumiram uma significância especial, já que os dois países estão às vésperas da 15ª rodada de negociações da questão fronteiriça a realizar-se em Nova Delhi. Em um gesto notável, o ministro das Relações Exteriores chinês respondeu às aberturas políticas de Manmohan, dizendo que a China estava "pronta a trabalhar com a India no sentido de fortalecer a parceria estratégica sino-indiana." Disse a declaração:
"Como vizinhos importantes um para o outro, a China e a India têm mantido um sólido ritmo em suas relações bilaterais. Quanto à questão fronteiriça herdada da História, os dois lados têm buscado uma solução justa, razoável e mutuamente aceitável, através de consultas amistosas. Na ausência de uma solução definitiva, os dois lados estão comprometidos em manter a paz e a tranquilidade nas áreas de fronteira."
As alegações especulativas, anônimas - e inverificáveis - referentes às intenções chinesas de estabelecer bases militares em pontos remotos do território de Kashmir controlado pelo Paquistão estão pipocando novamente em um momento formativo da segurança regional. A sua elaborada tese é a de que Delhi deveria encarar com extrema desconfiança as "ardilosas" intenções da China e do Paquistão, e ir mais devagar na normalização de suas relações com esses vizinhos "traiçoeiros."
Curiosamente, Delhi está também sendo bombardeada simultaneamente pela propaganda americana de que Washington está concluindo uma "grande barganha" com o Paquistão em relação ao problema afegão, através da qual haverá uma acomodação mútua das respectivas preocupações, que podem incluir uma intervenção americana para mediar a questão do Kashmir, e uma pressão dos EUA sobre Delhi para reduzir a sua presença no Afeganistão.
Em um motivado comentário na revista Foreign Policy da semana passada, às vésperas da visita da secretária de Estado Hillary Clinton a Islamabad, duas proeminentes fundações americanas conectadas ao establishment de Washington de fato tentaram fisgar Islamabad e assustar Delhi alternativamente, ao colocar sobre a mesa os ingredientes da "grande barganha." Sem dúvida, esta está se revelando uma temporada de pura propaganda.
O x da questão é que os Estados Unidos estão ansiosos por celebrar um acordo estratégico com o governo do presidente Hamid Karzai em Kabul, que permita o estabelecimento de uma presença militar americana de longo prazo no Afeganistão.
Na segunda-feira, centenas de afegãos protestaram em Kabul contra as bases dos EUA. No mesmo dia, a câmara baixa do parlamento afegão rejeitou os termos que regulam a operação do atual acordo entre o governo afegão e a Força Internacional de Assistência de Segurança, alegando que o mesmo é uma violação à soberania do país. O clima no parlamento afegão parece hostil.
Karzai está convocando um loya jirga (grande conselho) para buscar apoio ao pacto afegão-americano. A cobra vai fumar quando ele reunir-se em 16 de novembro. Karzai promete enviar o pacto afegão-americano ao parlamento para ser aprovado, depois de discutido no jirga. Washington insiste que o jirga aprove a minuta do pacto antes da conferência Bonn II em dezembro. O futuro político de Karzai depende da sua habilidade em produzir o pacto.
Todos os parlamentares com mandato, alguns ex-membros, um terço dos membros dos conselhos provinciais, representantes da sociedade civil e cidadãos proeminentes, autoridades religiosas e líderes tribais influentes, foram convidados ao jirga. Duzentos e trinta representantes das comunidades de refugiados afegãos no Paquistão, Irã e países ocidentais também estarão entre os 2.030 membros do jirga.
Em 13 de setembro, o Assessor de Segurança Nacional afegão Dadfar Spanta disse aos parlamentares que os EUA poderiam estabelecer bases militares no Afeganistão após a assinatura do pacto, mas que o pacto somente seria celebrado com a aprovação do parlamento. Spanta acrescentou, "As preocupações dos nossos vizinhos [com o pacto] são genuínas, mas nós não permitiremos que o nosso solo seja usado contra eles."
O temor do parlamento, entretanto, é que Karzai possa ignorar o Poder Legislativo depois de extorquir o aval de um jirga complacente, e interpretar isso como se fosse a opinião coletiva da nação afegã. Na segunda-feira, a casa orientou o líder da bancada a endereçar um comunicado oficial a Karzai, destacando a sua prerrogativa constitucional de aprovar as questões referentes à política estrangeira.
O fim-de-jogo afegão está entrando em uma fase crucial; muita coisa dependerá da política regional. Para os Estados Unidos o pior cenário ocorrerá se, a despeito das contradições existentes nas relações inter-regionais do Paquistão, Irã, India e China, esses países tiverem uma opinião convergente na questão das bases militares americanas. Uma acentuação dessas contradições, portanto, atenderia aos interesses geopolíticos dos EUA na atual conjuntura, daí a estratégia "dividir para dominar" empregada pelos americanos.