Galera.
Tá lá no blog naval. Não sei se já postaram aqui, mas achei pertinente com o assunto e deveras interessante. Fui
Entrevista do vice-almirante Othon Pinheiro da Silva,
o “Rickover brasileiro”
31 de Outubro de 2007 @ 20:59 - Galante
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Em 2004, o jornal “Momento das Relações Exteriores” entrevistou o Vice-Almirante da reserva da Marinha do Brasil, Othon Pinheiro da Silva, considerado o “pai” do programa nuclear da Marinha. Na entrevista, o Vice-Almirante relata os bastidores do desenvolvimento do programa, que gerou uma das mais altas tecnologias de enriquecimento de urânio no mundo. Formado em engenharia naval no ano de 1966, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), o almirante Othon Pinheiro assumiu o posto de chefe do Departamento de Construção Naval aos 34 anos. Em seguida, cursou pós-graduação em engenharia nuclear no Massachusetts institute of Technology (MIT).
MRE - Por que a Marinha escolheu o sr. para fazer um curso no MIT?
Comuniquei a meus superiores que pretendia cursar pós-graduação em engenharia nuclear no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Mostrei para eles que era uma especialidade onde a Marinha brasileira já havia graduado algumas pessoas e que, naquele momento, não tínhamos nenhum oficial formado em engenharia nuclear. Eu achava importante que a Marinha, na pior das hipóteses, pudesse interpretar o que estava acontecendo com o resto do mundo e esta seria uma oportunidade para nos atualizarmos com o que estava sendo absorvido por outras marinhas na área. Foi uma decisão minha, apoiada por um oficial que tinha uma visão muito grande, Almirante Arnaldo Januzi. Ingressei no MIT em 1975 e me lembro que, três dias antes de partir, estava inaugurando uma embarcação na Baía de Guanabara. Numa quarta-feira estava no Brasil e na segunda-feira estava tendo aula de física quântica no MIT! Foi uma mudança bastante interessante em minha vida.
MRE - Quando o sr. ficou sabendo que o acordo Brasil-Alemanha na área nuclear estava fadado ao insucesso?
Em 1977, o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha tinha duas facetas. A faceta das centrais e a faceta do ciclo do combustível. As centrais, em geral, eram de muito boa qualidade. Porém, no que diz respeito ao ciclo do combustível, o Brasil quis comprar a tecnologia certa, a qual lhe foi negada por pressão dos norte-americanos. Em razão disso, os alemães ofereceram outra tecnologia, chamada jato-centrífuga, cuja concepção ainda era muito embrionária, praticamente pré-laboratorial. O Brasil comprou esta tecnologia.
Eu estava tendo aula com o professor Manson Benedict, que é um dos ícones da engenharia nuclear do mundo. Em uma de suas aulas, comentando sobre o projeto brasileiro, ele se esqueceu que eu estava em sala de aula e afirmou: “os brasileiros acreditaram e compraram isso”. Dois dias depois, eu estava no refeitório, ele pediu para almoçar comigo e disse: “olhe, eu esqueci que tinha um brasileiro em sala de aula e fiz um comentário muito desagradável”. Eu respondi que “quem fala a verdade não precisa pedir desculpas”. Aquele episódio me causou uma postura investigativa.
Em 1978 me formei e o almirante Maximiniano era o diretor-geral de Material da Marinha (antes de se tornar ministro). Ele era uma pessoa formidável e um homem de visão, que me perguntou: “Quais são as possibilidades de produção nuclear da Marinha? Eu vejo que todo o mundo desenvolvido tem produção nuclear, quais são nossas chances?” E então disse: “me faça um relatório”.
Em meu relatório foquei a questão do ciclo do combustível, que deveríamos nos dedicar a isso. Por duas razões, o que tínhamos comprado era muito limitado, muito caro e realmente não poderia funcionar, e os termos do acordo com a Alemanha diziam que nada decorrente do mesmo poderia ter uma aplicação militar. Ou seja, num certo sentido, era mais restrito que o tratado de não-proliferação. A própria Agência Internacional só considera bélico o que vai para bomba. Ela não interpreta produção nuclear como atividade bélica. Tanto é que se não fosse assim, os navios e submarinos de propulsão nuclear das potências mundiais não poderiam trafegar em épocas de paz.
MRE - Quando houve uma decisão por parte do comando de adotar seu relatório?
Entreguei o relatório em maio de 1978 e em novembro fui chamado a Brasília. Quando cheguei ao aeroporto, encontrei um oficial da reserva da Marinha, que também possuía formação em engenharia nuclear. Ele me disse: “Você deve ter sido chamado aqui pela mesma razão que eu. Tem um maluco propondo que a gente enriqueça urânio!” Muitos anos depois, em novo encontro com ele, comentando sobre este episódio, ele me disse: “se arrependimento matasse não teria comentado aquilo”. Fui para Brasília ser sabatinado por um superior, que também tinha pós-graduação nos Estados Unidos, sobre diversos pontos da produção nuclear.
No fim de novembro fui chamado para receber uma missão. Esse programa se chamou Chalana e foi classificado como programa secreto. Naquela época tínhamos uma limitação. Os institutos da Comissão Nacional de Energia Nuclear haviam sido transferidos para a Nuclebrás, a qual tinha uma cláusula que me incomodava. O diretor técnico tinha que ser necessariamente um alemão. Pela letra do acordo, todos os diretores técnicos eram alemães.
Contudo, houve um fato importante, o Almirante Ricarti, Vice-Chefe do Estado-Maior da Armada, me levou para uma conversa com o chefe do Estado-Maior da Armada e na frente dele me disse: “você está recebendo uma das mais importantes missões de um oficial de Marinha em nossa história, Deus te ilumine”. Confesso que senti o peso da missão.
O projeto Chalana se desmembrava em dois projetos. O Ciclone, que perseguia o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear e o projeto Remo, que era o desenvolvimento de propulsão nuclear para submarino. Aramar veio numa fase seguinte, a de testes e demonstração industrial. Para tal, precisávamos de um lugar que reunisse todas as condições favoráveis, a região de lperó, próxima a Sorocaba, tinha vocação para a mecânica, além de ser próxima de São Paulo e da Unicamp, dois pólos de alta tecnologia do país.
Em 1982 fizemos o primeiro teste bem sucedido com equipamento completamente concebido e desenvolvido aqui no país. Isso mudou completamente o cenário. Em nossa missão já tínhamos gasto sete milhões de dólares e no programa todo (desde o acordo com a Alemanha) já haviam sido gastos setecentos milhões de dólares e ainda não possuíamos uma garrafinha de urânio. Mas já tínhamos nossa ampolinha.
MRE - Em determinado momento houve dificuldade com a chamada liga leve?
Havia uma limitação para se adquirir o material mais indicado na época. Poucos países o produziam e seu comércio era fechadíssimo..
Os Estados Unidos, Áustria, Rússia e Alemanha a produziam. Era um elemento essencial para a centrífuga. Fomos obrigados a desenvolvê-la aqui mesmo. Reunimos mais de 30 professores doutores, de São Carlos, do Instituto Paulista de Tecnologia, da Unicamp, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina, quem poderia contribuir era bem vindo e tudo foi centrado na empresa Eletrometal, de José Diniz, engenheiro e empresário. Um ano e meio depois já tínhamos a liga no Brasil, passando a ser um patrimônio nacional. Para se ter uma idéia da importância desta liga, na época os italianos tinham um míssil que não conseguiam vender para a OTAN, por deficiência na estrutura. Propusemos uma parceria, dizendo que faríamos cinco testes com nossa liga e que, se desse certo, eles comprariam ao preço que estabelecêssemos. Fizemos os cinco teste com pleno sucesso.
MRE - Quando o mundo tomou conhecimento de que o Brasil tinha a tecnologia do urânio enriquecido?
Em 1987 o presidente Sarney anunciou ao mundo que o Brasil tinha esta tecnologia e que todo o aparato era brasileiro, tudo o que fosse necessário nas usinas.
MRE - O que a proibição de venda de supercomputadores por parte dos Estados Unidos ao Brasil tem a ver com nosso programa nuclear?
Havia um embate diplomático entre o Brasil e os Estados Unidos, pois os americanos achavam que pelo fato de ainda não sermos signatários do Tratado de Não-Proliferação (TNP), esse tipo de equipamento pudesse ser usado pra outros fins. A posição da diplomacia brasileira era que já tínhamos assinado outros acordos que garantiriam os mesmos aspectos de segurança e transparência, o Tratado de Tlatelolco e o acordo trilateral Brasil-Argentina. O primeiro (não ratificado pelas potências centrais) era mais rigoroso, pois não permitia o desenvolvimento e o armazenamento de artefatos nucleares. Curiosamente, recentemente vazou para a imprensa que um navio inglês carregava artefato nuclear na época do conflito nas Ilhas Malvinas, algo totalmente irregular.
MRE - Sabe-se de pesquisadores, com o mesmo grau de conhecimento que o sr., que decidiram trabalhar para outras nações que não as suas. O sr. recebeu algum convite neste sentido?
Sim, houve duas sondagens. E pelo que tenho conhecimento, eu e os componentes de nossa equipe não nos deixamos seduzir por estas propostas. Esse é um orgulho para o Brasil. Veja o exemplo do que ocorreu com o Paquistão, que desenvolveu seu programa baseado na espionagem e vendeu esta tecnologia.
MRE - Ao longo do processo, a equipe da Marinha linha percepção de que havia interesses estrangeiros trabalhando de forma organizada contra o desenvolvimento do programa?
Havia esta percepção. Mas este tipo de pressão só estimula, vira um desafio. Sempre conversávamos com a equipe e trocávamos idéias. A linha de confiança permeava toda a equipe.
MRE - Como o sr. avalia a relação do governo brasileiro, tanto do executivo federal como do Congresso Nacional, com nossa inteligência militar?
Eu vejo duas fases. Até o início da década de 90, o país acreditou muito em suas possibilidades, o que levou a um crescimento econômico exemplar no mundo, naquela época. Apesar de ter sido um modelo muito criticado pelos neoliberais, foi o que durante quase cinqüenta anos levou o país a um crescimento muito grande. De repente chegou um pessoal que achou que deveria vender nossas empresas por meio de financiamentos com capital nosso, sem contrapartida nenhuma. Na década de 70 se faziam grandes obras e a imprensa começou a chamar isso de “obras faraônicas”. Ouvi recentemente numa palestra que “é melhor termos obras faraônicas que imobilismo faraônico”.
MRE - A energia nuclear é tida como uma das alternativas de geração de energia frente ao problema da emissão de gás carbônico na atmosfera e sua aplicabilidade é ampla. Há muita desinformação a respeito da importância da energia nuclear?
Cada país depende de sua matriz energética para desenvolver sua economia. O ideal é que se tenha uma malha polivalente que dê segurança. Cada país deve procurar desenvolver um mix que lhe dê segurança e que tenha menor custo para a sociedade. Assim, as soluções energéticas são diferentes de país para país. Na França, por exemplo, a componente nuclear é muito maior que no Brasil. Isso porque a França tem pouco carvão, não tem petróleo, não tem queda d’água e a solução foi a energia nuclear. No Brasil, em decorrência de fatores naturais, concluímos que a hidrelétrica deve ser o principal componente. Em seguida, vem a energia nuclear. O petróleo é algo muito mais nobre e devemos deixá-lo para outras atividades.
Existe uma grande desinformação com relação à energia nuclear e o caminho é a educação. Na França existe isso. Como o mundo tomou conhecimento sobre energia nuclear por meio de dois holocaustos - Hiroshima e Nagasaki - as pessoas têm muito medo. Chernobyl é um caso diferente, a concepção do reator era equivocada. Já houve acidentes semelhantes nos Estados Unidos e lá não tivemos vítimas nem contaminação.
MRE - O Brasil tem uma legislação específica sobre extração e comercialização de urânio?
Não há. Mas existe uma discussão em âmbito do governo sobre a necessidade de se desenvolver um quadro geral, em termos de lei, sobre a extração deste tipo de minério.
MrE - Se o Brasil quiser entrar no mercado internacional deste tipo de comércio, nos é facultado vender urânio enriquecido?
Qualquer comércio de energia nuclear é controlado pela AIEA para que seja usado em reatores e não em aplicações bélicas. Dentro deste parâmetro é facultado ao Brasil vender.
MRE - Como o Irã e a Coréia do Norte desenvolveram suas instalações e tecnologia nucleares?
Pelo que se sabe, havia um contencioso entre o Paquistão e a Índia. Um paquistanês, com cidadania holandesa, trabalhava no consórcio formado entre Holanda, Inglaterra e Alemanha (para desenvolver centrifugação) e por meio de um sistema muito engenhoso de espionagem, com bom aporte de dinheiro do Paquistão, teve acesso a plantas, desenhos e modelos. Dessa maneira, essa tecnologia foi exportada para a Coréia e para o Irã.
MRE - Com relação à matéria do “Washington Post”, que causou tanto tumulto, e à posição do governo brasileiro, o que o sr. diria?
Todas as instalações brasileiras são inspecionadas. Agora os americanos querem que todos adiram ao Protocolo Adicional aos Tratados de Salvaguarda. Este protocolo é um cheque em branco para se inspecionar qualquer lugar do território de um país, a qualquer momento, onde se desconfie haver instalações nucleares. Pelas inspeções atuais, existe acesso a quase tudo. Fitas de vídeos mostram o que entra e o que sai e têm acesso a miligramas do minério que entra e do que sai, o que é o mais importante numa instalação.
Se nós aceitarmos o protocolo adicional, eu sugiro rasgarmos nossa constituição, pois seu primeiro fundamento é a soberania. É uma cláusula pétrea. Permitir a inspeção de qualquer ponto de nosso território, segundo a vontade deles, é inaceitável. Nosso país tem tido um comportamento exemplar nesta área. Temos assegurado uma transparência muito grande. O protocolo adicional permite que se visite a ultracentrífuga. Ora, isso é uma instalação mecânica, há questões de tecnologia de alto nível envolvidas. Há quem diga que nossa tecnologia é a mesma utilizada por outros países. Quem disse isso está provando que não entende nada de ultracentrífuga. É coisa de cientista político. Conhecemos o motor dos automóveis há 90 anos, mas cada fabricante tem seus detalhes. Podemos entrar na fábrica da Coca-Cola e ter acesso à composição do xarope deles? Claro que não. Uma coisa é controlar o material que entra e que sai para que não seja utilizado para outros fins. Outra é ter acesso à tecnologia.
MRE - Qual sua avaliação a respeito da postura do Ministério das Relações Exteriores?
O ministro tem tido uma postura muito firme e sensata no sentido de não inflar o tema. Tem colocado o assunto na posição devida. Não aceitamos e ponto. A ninguém interessa confrontação.
MRE - Com relação aos custos do programa, são muito altos para se manter?
Não. Com esta filosofia de âncora cambial, o país ficou ancorado. Não há verba para nada. Não temos mais investimento. Temos homens preparados e não utilizamos esta força. O Brasil tem capacidade para fazer vinte ultracentrífugas por dia. Os recursos secaram, não por falta de dinheiro, mas por questões de prioridade. A Marinha enviou vários de seus oficiais para estudar em diversos locais do mundo, para obter conhecimento. Um de nossos oficiais, comandante Braid, foi estudar em Berkeley. Lá tinha alguém que se aproximou dele, sempre muito solícito. Ele me comunicou sobre essa pessoa e eu lhe disse para continuar dando corda. Logo descobrimos tratar-se de um araponga. Um dia, numa festa, esse sujeito bebeu um pouco mais e disse ao Braid: “let me give you a good piece of a good advice” - que seria algo como “deixa eu te dar um bom conselho”: “os recursos da Marinha vão zerar, vão isolar o Almirante Othon”. Eu tenho este relatório de 1993! Ou o camarada tinha uma bola de cristal formidável ou estava muito bem informado, pois ocorreu exatamente o que ele disse.
MRE - Ou seja, a inteligência americana estava muito mais efetiva no Brasil do que imaginávamos.
Obviamente. Mas penso que eles estão no seu papel. Gostaria de ressaltar que sou um admirador da cultura americana. É o país que nos deu a penicilina e uma série de coisas. Porém, desrespeitar nossas potencialidades é um desserviço à humanidade. Não tenho antipatia pelos chamados serviços de informação deles, tenho antipatia pelos nacionais que submeteram a isso.
MRE - Em que estágio se encontra o projeto do submarino nuclear brasileiro?
Em 1993, a propulsão nuclear era prioridade um na Marinha. Isso porque num mundo com satélites, o único instrumento militar de defesa num mar maiúsculo para um país que tem menos recursos é o submarino. Essa prioridade durou nas quatro administrações, dos ministros Maximiniano (Maximiniano Eduardo da S. Fonseca - 1979/84), Karam (Alfredo Karam - 1984/85), Sabóia - quando tivemos o pico do programa (Henrique Sabóia - 1985/90), e o almirante Flores (Mário César Flores - 1990/93). De repente, entrou um ministro e baixou a prioridade de 1 para 18, sem que houvesse um estudo maior, e começou a priorizar navios secundários de superfície. Comprou navios cuja vida útil tinha se esgotado na Inglaterra (por US$ 135 milhões) e navios varredores para fazer patrulhamento costeiro. É o mesmo que comprar tartaruga para fazer papel de colibri. Nestes últimos dez anos se gastou mais de US$ 800 milhões para comprar sucatas. Se tivéssemos investido este dinheiro na prioridade da propulsão, este ano teríamos a plataforma do submarino nuclear, ou seja, um submarino a propulsão convencional do porte de um nuclear. Em mais três ou quatro anos trocaríamos a propulsão pela nuclear.
MRE - Gostaria de acrescentar algo?
Tudo pode ser feito neste país. Temos uma quantidade enorme de jovens bem formados em nossas universidades. Vemos essa excelência em vários segmentos como Embrapa, Fapesp e Fundação Osvaldo Cruz. Não faltam exemplos de competência.”