Taleban usa meios modernos para aumentar influência no Afeganistão.
Toda noite, às 20h, pontualmente, os sinais de telefonia celular desaparecem nesta capital de província. Sob pressão do Taleban, as principais operadoras desligam as suas torres de retransmissão de sinais, o que resulta na interrupção das conexões telefônicas com o resto do mundo.
Atualmente isto vem ocorrendo em algumas áreas de mais da metade das províncias do Afeganistão, e este fato se constitui em um exemplo das novas e mais sutis maneiras encontradas pelo Taleban para se impor, apesar de os generais da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estarem afirmando que os insurgentes perderam força e são incapazes de controlar qualquer área. Porém, não existe a certeza de que o Taleban necessite de controlar territórios como fazia no passado a fim de influenciar a população do país. A impressão que se tem, cada vez mais, é que isso não é necessário.
Táticas como a ofensiva na área de telefonia celular têm permitido ao Taleban projetar a sua presença de formas bem mais insidiosas e sofisticadas, com a utilização de instrumentos da modernidade que o grupo no passado desprezava. A interrupção dos serviços de telefonia celular se constitui em um lembrete para centenas de milhares, ou mesmo milhões, de afegãos de que o Taleban ainda mantém um controle substancial sobre o futuro deles.
Isso representa apenas uma parte da ampla mudança de estratégia por parte do Taleban, que antigamente se concentrava em intimidações, assassinatos cuidadosamente planejados e ataques limitados mas espetaculares. Embora frequentemente evitem combates de grande escala contra as forças da Otan, o Taleban e os seus aliados da rede Haqqani têm efetivamente sabotado as negociações de paz com o governo afegão do presidente Hamid Karzai e procurado criar as condições para um retorno gradual ao poder, à medida que as forças lideradas pelos Estados Unidos começam a reduzir as suas operações militares no país.
Ataques como aquele desfechado com foguetes contra a Embaixada dos Estados Unidos em Cabul em 13 de setembro último, pelo qual os Estados Unidos responsabilizaram a rede Haqqani, deslocaram efetivamente a luta para as cidades, onde é mais difícil para a Otan responder com poder aéreo devido ao grande risco de atingir civis. Tais estratégias têm também permitido ao Taleban apossar-se do espectro de frequências de comunicação por horas a fio, especialmente nas áreas urbanas saturadas por esse tipo de mídia, e alimentar uma sensação de crise.
Da mesma forma, o assassinato em 20 de setembro, em Cabul, de Burhanuddin Rabbani, o diretor do conselho de paz do Afeganistão, dominou as manchetes da imprensa e reabriu fissuras perigosas entre o norte do país, que fala a língua dari, e o sul, onde a etnia predominante é a pashtun, com um único golpe bem calculado. Ao que parece, esse novo Taleban não pretende matar uma grande quantidade de pessoas, mas sim alguns indivíduos selecionados que se encontram em locais e posições de poder específicos.
O assassinato de Rabani não só demonstrou a rejeição do processo de paz pelos insurgentes, mas fez também com que a população se lembrasse da capacidade que o Taleban possui para modelar o próximo capítulo da história do país neste momento em que os norte-americanos preparam-se para ir embora. De forma similar, o Taleban tem procurado reformular a sua imagem neste ano como forma de se posicionar como o protagonista de um papel proeminente no futuro do Afeganistão. Essa é uma estratégia dupla.
Entrevistas feitas com dezenas de afegãos indicam que em todo o país o Taleban conjugou campanhas terroristas formuladas para as condições locais a uma nova flexibilidade quanto a questões como educação e desenvolvimento empresarial.
Essa combinação foi criada para capitalizar a incerteza que corrói os afegãos quanto à iminente retirada dos Estados Unidos, e para tirar o maior proveito dos recursos limitados dos quais dispõe a insurgência. O objetivo é minar o governo afegão ao fazer com que o povo passe a duvidar da capacidade das autoridades de protegê-lo, e ao mesmo tempo projetar a imagem de um grupo que está mais aberto para o mundo do que quando o Taleban governava o país na década de noventa.
Por ora, especialmente nas áreas do país de etnia pashtun, o Taleban, que também é composto de pashtuns, parece estar atingindo a sua meta de criar condições para conquistar o poder no futuro.
“A moral da população civil, no mês de julho, em Kandahar, em Oruzgan, em Helmand e em Cabul encontrava-se no nível mais baixo já presenciado”, adverte Ahmad Nader Nadery, vice-diretor Comissão Afegã Independente de Direitos Humanos. “As pessoas dizem que a capacidade do governo afegão de implementar e aperfeiçoar as estruturas de segurança já existentes é mínima, e elas chamam atenção para o fato de que o governo se encontra em meio a uma crise maior. Além disso, elas percebem que a retirada da comunidade internacional já teve início”.
Não há dúvida de que enquanto as tropas da Otan permanecerem no Afeganistão o Taleban não poderá impor as suas ideias – mas com a transição em andamento, todo mundo sabe que as forças ocidentais estão de partida. Assim, embora a Otan insista em afirmar que o Taleban está perdendo terreno físico, os insurgentes podem estar ganhando espaço psicológico.
“A campanha militar da primavera e do verão afegãos de 2011 não se materializaram da forma que eles previam, já que eles se encontram sob uma pressão sem precedentes”, diz o tenente-coronel Jimmie E. Cummings Jr., um porta-voz da sede da Otan. “O Taleban foi impedido de recuperar o Ímpeto que tinha antes do aumento do contingente da Otan”, afirma Cummings.
A Otan enxerga também menos apoio da população civil ao Taleban.
“Nós vimos que, depois que os combatentes deixaram os seus refúgios no inverno, eles retornaram a comunidades que não mais os apoiavam”, diz Cummings. “Eles perderam os seus esconderijos, fábricas de dispositivos explosivos improvisados, estoques de armamentos e liberdade de locomoção”.
“Comandantes da Otan admitem que ataques espetaculares, como aquele contra a Embaixada dos Estados Unidos, representam vitórias no campo das operações de informação”, diz o general John R. Allen, comandante geral das forças da Otan no Afeganistão. Eles resistem a afirmar que tais vitórias significam conquistas maiores, embora reservadamente alguns oficiais militares admitam que a capacidade do Taleban de interromper as comunicações por telefones celulares se constitui em mais uma vitória desse tipo.
Os diplomatas esperam que o fato de o Taleban estar recorrendo a métodos mais psicológicos possa ser um prenúncio das negociações de paz, mas eles também admitem que seria uma estratégia mais inteligente por parte do Taleban preservar a sua força até que o Ocidente retire mais tropas do país.
“Nós ferimos o Taleban, mas eu não sei até que ponto “, disse Ryan C. Crocker, embaixador dos Estados Unidos no Afeganistão, em uma entrevista em agosto. “Não sei se saberemos dentro de algum tempo até que ponto nós os atingimos”.
“Isso poderia acabar sendo algo positivo”, disse Crocker, mencionando o raciocínio de Karzai. “É assim que Karzai descreveria o Taleban afegão: reconhecendo que a sua forma anterior de governo não conquistou corações e mentes, eles estão alterando a sua estratégia para que possam lidar novamente com a população, e isso na verdade faz com que eles se aproximem mais de um diálogo com o governo”.
Outros acreditam mais que o Taleban esteja se posicionando para tornar-se o poder principal em várias áreas do país, assim que a maior parte das tropas da Otan se retirar. Um observador ocidental antigo das táticas do Taleban diz que “os insurgentes estão entrando em uma fase caracterizada pela estratégia de esperar e construir; eles estão se preparando para 2014”.
Quase todas as forças de combate da Otan deverão se retirar do Afeganistão até o final de 2014, deixando as forças de segurança afegãs no controle. Até agora, os militares afegãos têm demonstrado uma capacidade limitada de lutar por conta própria. Tendo isso em mente, muitos afegãos estão aguardando e deixando uma opção aberta para o Taleban, por acreditarem que o governo poderá não protegê-los assim que a Otan partir.
A província de Wardak, que faz fronteira com Cabul, é um dos locais que dá a impressão de poder ser conquistado no futuro pelo Taleban. Em grande parte da província os telefones celulares ficam sem funcionar 13 horas por dia. O Taleban vê esse corte da telefonia celular como uma linha de defesa, segundo comandos e porta-vozes do grupo. Quando os telefones não funcionam, os informantes não têm como passar para as tropas dos Estados Unidos a localização de integrantes do Taleban para que estes sejam alvos de ataques, e os norte-americanos não podem utilizar dispositivos de escuta telefônica para identificar os locais em que os insurgentes se encontram.
“O nosso principal objetivo é degradar a capacidade do inimigo de rastrear os nossos mujahedeens”, diz Zabiullah Mujahid, o porta-voz do Taleban nas regiões leste e norte do Afeganistão.
Mas um efeito mais amplo é lembrar à população que é o Taleban, e não o governo, que controla o país.
Hajji Mohammad Hazrat Janan, diretor do conselho provincial em Wardak, resume assim a situação: “Nas áreas em que o Taleban tem o controle direto ou indireto, ele exige que as torres de telefonia celular sejam desligadas à noite de 17h às 8h. Portanto, nós sabemos que eles estão aqui. Existem vários motivos para enfrentar essa questão das torres de telefonia celular, mas a população local está desesperançada. Onde essas pessoas deveriam reclamar? E a quem? O governo? Pessoas inocentes são presas e assassinadas pelo governo, e ninguém se preocupa com elas, de forma que neste contexto as torres de telefonia celular se constituem em um problema muito pequeno”.
O Taleban faz com que as torres sejam desligadas por meio de ameaças de bombardear ou incendiar essas instalações. As companhias de telefonia celular têm um gasto entre US$ 200 mil e US$ 250 com a reparação de cada torre, e muitas vezes o Taleban ameaça qualquer funcionário que seja enviado para fazer o conserto.
Em alguns casos, a maior parte dos telefones da província pode ficar sem sinal entre 18h e 6h. Em outros casos, o sinal pode desaparecer durante 20 horas por dia. Em algumas províncias, como Zabul, não existe serviço de telefonia celular fora da capital provincial, Qalat, e esse serviço se limita a cinco horas por dia. Algumas poucas províncias, geralmente as mais estáveis, podem ter apenas um ou dois distritos nos quais os telefones celulares não funcionam à noite, mas o resto dos distritos conta com serviços 24 horas por dia.
A Otan vem auxiliando o projeto de construção de torres de telefonia celular que fazem parte da rede de comunicação afegã, em bases militares nas quais essas instalações estarão protegidas no futuro por forças de segurança afegãs. Mas até o momento o número dessas torres em operação é relativamente pequeno.
“Nos últimos 12 meses nós tivemos alguns incidentes como a destruição de torres de telefonia celulares por bombas”, diz Asadullah Hamidi, porta-voz do governo da província de Kapisa, a nordeste de Cabul, onde, segundo ele, três torres de telefonia foram destruídas nos dois distritos nos quais o Taleban se encontrava ativo. “O governo está tentando resolver esse problema, mas nós ainda enfrentamos muitos obstáculos que não podem ser superados muito rapidamente”.
Um outro benefício para o Taleban advindo da campanha contra as torres de telefonia celular é o fato de isso não colocar em risco a vida de civis, algo que se coaduna com a nova estratégia do grupo de reformular a sua imagem.
Aparentemente, em uma tentativa de parecer mais aberto a novas ideias o mulá Muhammad Omar, o líder do Taleban, prometeu em uma mensagem em agosto, no final do mês muçulmano sagrado do Ramadã, que quando o Taleban retornar ao poder o grupo aceitará os afegãos de todas as etnias, será amigável para com todos os países e se concentrará na tarefa de desenvolver a economia.
“O Afeganistão possui ricas reservas de minério e elevados recursos energéticos potenciais”, disse ele. A seguir, o líder do Taleban acrescentou, com um toque meio utópico: “Nós poderemos fazer investimentos nesses setores em uma situação de paz e estabilidade, e nos livrarmos dos tentáculos da pobreza, do desemprego e da ignorância. Os profissionais e os empresários ficarão encorajados”.
Ele não mencionou as mulheres na sua longa mensagem, que foi traduzida pelo serviço de monitoramento SITE, situado em Maryland, nos Estados Unidos, e que rastreia comunicações de militantes jihadistas.
Mujahid, o porta-voz do Taleban, disse que a educação deveria ser acessível tanto para meninos como para meninas, contanto que ela esteja imbuída de valores muçulmanos, revertendo assim as políticas do Taleban anteriores a 2001, quando as meninas eram impedidas de frequentar escolas e os meninos eram encorajados a estudar apenas o Alcorão.
O novo apoio à educação está longe de ser uniforme. Em várias áreas, o Taleban ainda intimida, e até executa, professores, mas em outros locais o grupo parece estar tentando encontrar um currículo que possa apoiar.
Um ex-líder proeminente do Taleban que mora em Cabul, o mulá Abdul Salam Zaeef, que mantém contato com o grupo, criou, juntamente com vários outros ex-membros do Taleban e outros indivíduos, uma escola na capital para meninos e meninas – em prédios separados – que ensina disciplinas básicas: leitura, matemática, inglês, ciência da computação e religião.
O mulá Zaeef descreve isso como sendo uma “educação islâmica”, com valores muçulmanos e conhecimentos modernos.
“Atualmente o Taleban está mais interessado na educação islâmica; eles estão usando tecnologia”, diz o mulá, em uma referência à opção do grupo pelo uso da Internet, incluindo websites, contas do Twitter e o Facebook.
“Nós desejamos proporcionar um meio de acesso à educação islâmica”, diz ele. “Mas educação moderna, e não 100% islâmica”.
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