Algum tempo atrás nosso amigo Alcmartin começou a escrever sobre Estratégia Aérea em um tópico específico.
Falei com ele que iria contribuir, e o mesmo me escreveu para que eu o fizesse aqui, pois é como aprendemos fundamentos de Estratégia Aérea na MB.
Cumprindo minha palavra segue o texto abaixo, que peço considerarem minha homenagem aos meus irmãos que vestem o Azul Celeste.
Hoje há vários outros companheiros oriundos de nossa brava Força Aérea aqui no DB, que muito podem contribuir.
O USO MILITAR DO AR
Quando os fundadores do estudo sistemático da guerra em terra e no mar escreveram suas obras, fizeram-no tendo como base milênios de história sobre que apoiarem suas reflexões. O mesmo não ocorreu com o estudo da guerra no ar. Com efeito, o avião, inventado na primeira década do século XX já como fruto da investigação científica, foi empregado para fins bélicos menos de dez anos após sua invenção; ou seja, antes que amadurecessem sequer práticas regulares sobre sua utilização na guerra, que dizer de um pensamento sistemático sobre seu emprego militar. Pior ainda, entretanto, as próprias tendências e linhas fundamentais de seu desenho e desenvolvimento técnico ainda não se haviam consolidado quando de sua estréia efetiva, na I Guerra Mundial. A reflexão sobre as experiências da I Guerra Mundial, ao contrário, é que consolidaria essas tendências.
Dessa forma, a primeira geração de pensadores da guerra no ar teve que basear suas reflexões não sobre a experiência da Grande Guerra — então, uma base muito frágil para reflexão — mas sobre as possibilidades e promessas (muitas delas só cumpridas muito mais tarde do que então se antevia, ou nunca cumpridas), inscritas na pesquisa e desenvolvimento tecnológico da aviação do período entreguerras. A experiência da II Guerra Mundial e dos anos que se seguiram propiciaria nova base, desta vez muito mais sólida, para reflexão sistemática e bem fundamentada na experiência.
Mesmo antes da invenção do avião, já se antevia seu emprego militar. Escritores de ficção científica como H. G. Wells e J. Verne descreviam, na virada do século, guerras imaginárias conduzidas do ar, com efeitos devastadores e impressionantes. Embora houvesse alguns espíritos céticos, o avião foi incorporado à guerra em menos de dez anos depois de sua invenção, na primeira década do século. Seu primeiro emprego militar em larga escala foi na I Guerra Mundial.
A I GUERRA MUNDIAL
Os dois lados que se confrontaram na Grande Guerra foram surpreendidos com o quanto haviam mudado as realidades táticas e logísticas da guerra desde a vitória da Prússia sobre a França, em 1870 e 1871. Com efeito, à medida que as tropas foram avançando, após o início efetivo das hostilidades, em agosto de 1914, viu-se que, uma vez que o território invadido era rico e a época do ano favorável, era perfeitamente possível alimentar os homens a partir do campo. O mesmo não se podia dizer dos cavalos, então a principal força motriz dos exércitos em campanha. Esse problema era particularmente crítico, uma vez que não havia forragem em quantidade suficiente e, de resto, as necessidades de forragem das forças invasoras era tal que qualquer tentativa de supri-los a partir da Alemanha pelo sistema então vigente teria tornado toda a campanha impossível. Na verdade, o problema do abastecimento desde a retaguarda revelou-se intratável: alguns grupos de artilharia foram paralisados logo no início do avanço já que os cavalos morriam em grande quantidade, obrigando a reorganização do transporte. Na Batalha do Marne, identificada como o ponto de inflexão da guerra, a cavalaria alemã sofreu baixas desnecessárias simplesmente porque seus cavalos estavam fracos demais para transportar os cavaleiros com rapidez. Durante o avanço, tropas de cavalaria que precediam o avanço dos 1° e 2° Exércitos Alemães, ponta de lança do plano de guerra alemão, simplesmente tiveram que parar diminuindo o ímpeto da ofensiva.
A Forrragem: viver do campo
A prática logística do fluxo de suprimento exclusivamente por linhas de comunicações é uma idéia relativamente recente. A prática até recentemente — na verdade até mesmo durante parte da I Guerra Mundial — era ou viver do campo, ou conjugar esta forma de logística de obtenção com um fluxo limitado da retaguarda, quando os territórios conquistados ou a dinâmica bélica tornassem absolutamente impossível obter recursos para alimentar os exércitos em campanha. A munição era tipicamente o suprimento que não se podia obter do território, mas os alimentos e água eram a maior necessidade em termos de carga. Como um território tinha uma quantidade finita de alimentos, a regra de viver do campo — de forragear — era se manter em movimento ou perecer.
O entendimento dessa característica torna possível entender-se muito do planejamento e execução das campanhas napoleônicas, onde essa prática — executada de forma planejada e metódica — permitiu alimentar exércitos de massa em rápido deslocamento, que de outra forma não teria sido possível. Some-se a isso o entendimento de que a quantidade de munição deslocada junto com os exércitos era suficiente (estimada) para atender a toda a campanha e teremos outro aspecto na revolução napoleônica nos assuntos militares: uma nova forma de planejar e gerir o espaço de batalha voltado não somente para o combate mas também para o provimento logístico que permitisse grandes contingentes de exército se deslocarem rapidamente para a obtenção de uma concentração estratégica, sem serem limitados ou atrasados pela logística, mas carregando consigo trens de munição consideráveis.
A introdução de armamentos modernos, vorazes consumidores de munição, já acenava com a inviabilidade de transportar com a tropa toda a munição necessária para a campanha. As linhas de comunicação se tornavam linhas de suprimento.
Mas o principal problema era o suprimento de munição e de peças de reposição. Embora as tropas pudessem vir a ser de alguma forma alimentadas a partir do próprio território invadido e os cavalos pudessem ser sacrificados ao longo do avanço, as tropas não podiam lutar sem ter com que lutar. O consumo de munição foi infinitamente maior que o que se calculara antes da guerra.
A metralhadora favoreceu desproporcionalmente a defensiva, ao contrário do culto à ofensiva então vigente — e de maneira exacerbada no caso do Exército francês, com sua doutrina da ofensiva a qualquer custo — baseado numa leitura simplista e surpreendente de Clausewitz (que sempre ressaltou as vantagens intrínsecas da defesa sobre a ofensiva) e de sua avaliação do papel do moral no combate. Assim, as tropas eram ordenadas a avançar, mas eram dizimadas pelo poder de fogo inimigo. A inesperada força da defensiva combinada com a avaliação equivocada da força da ofensiva levaram então a um consumo muito maior de munição que o imaginado, para o qual os esquemas de suprimento das tropas (e os níveis então vigentes da produção industrial dos beligerantes) eram insuficientes. Particularmente, a disponibilidade de veículos de motor a explosão, notadamente caminhões, era muitíssimo aquém do necessário.
Na medida em que a guerra ia se desenrolando e a munição se consumia sem reposição adequada, as tropas começaram a cavar trincheiras para se protegerem. No que um dos lados tentava flanquear o inimigo, automaticamente se estendia a linha de trincheiras, até que uma única linha de trincheiras se formou, cobrindo toda a frente ocidental. As técnicas de artilharia que se haviam desenvolvido, notadamente a de tiro indireto — a artilharia não precisava estar vendo o alvo para atirar, podendo, portanto, se proteger do fogo inimigo —, ajudaram a criar, no terreno que separava as forças combatentes, uma “Terra de Ninguém”. A existência da Terra de Ninguém, por sua vez, reforçava a defensiva, pois era mais fácil trazer homens para reforçar a defesa do que para explorar qualquer eventual sucesso. Consolidava-se, portanto, a linha de trincheiras. A guerra perdera a mobilidade.
Aos comandantes parecia não restar alternativa a não ser ataques com um número enorme de baixas e cujos eventuais sucessos não tinham qualquer repercussão significativa no desenrolar da guerra — afinal, em função das ferrovias, os defensores podiam, como já dito, reforçar-se muito rapidamente, ao passo que os atacantes não tinham nenhuma maneira de explorar eventuais rupturas na linha de trincheiras com velocidade comparável. Formara-se o impasse na frente ocidental: os alemães não tinham por que recuar de uma posição vantajosa e sólida, mas não tinham como avançar; os aliados não pareciam ter como expulsá-los, mas também não podiam abrir mão de tentá-lo. Os dois lados tentavam encontrar alternativas para o impasse. Os aliados desenvolveram o tanque; os alemães desenvolveram a técnica da infiltração.
O tanque foi desenvolvido de maneira inicialmente independente tanto entre os ingleses quanto os franceses. Quando o War Office finalmente se interessou pelo tanque, em junho de 1915, a concepção básica já evoluíra de um veículo blindado de transporte de tropas para a de um veículo armado autopropulsado, já que se percebera que seu verdadeiro papel era não só o de transportar infantaria através da terra de ninguém, mas também eliminar posições inimigas, principalmente as metralhadoras, atirando ou passando por cima delas, o que implicava atravessar trincheiras alemãs.
Do ponto-de-vista tático, o primeiro teórico foi também o primeiro comandante do Tank Corps, Ernest Swinton. Sua concepção era a de que o tanque seria como uma arma de sítio, a ser deixada de lado uma vez que se conseguisse uma ruptura nas linhas inimigas. Para ele, o grande trunfo de um ataque de tanques era seu efeito-surpresa, e sua existência deveria ser mantida em segredo até que todos estivessem prontos e pudessem ser utilizados em combinação com um grande assalto de infantaria. Uma vez que os tanques eram muito lentos para acompanharem a cavalaria em terreno aberto, a idéia de Swinton era utilizá-los todos numa tentativa de estabelecer uma ruptura de cinco milhas num único assalto, já que, supunha-se, uma vez aberta a brecha, restaurar-se-ia a mobilidade da guerra tradicional.
Com inspiração em sugestões de J. F. C. Fuller, os tanques foram empregados de maneira eficaz pela primeira vez em Cambrai (novembro de 1917). Tanques e infantaria foram empregados como forças interdependentes, apoiando-se mutuamente. A pouca mobilidade do tanque em terreno aberto mostrou-se uma limitação sensível, pois o sucesso obtido não pôde ser convenientemente explorado. Isso levou à introdução de novos tanques em 1918.
O primeiro tanque alemão só apareceu em 1918. A principal alternativa alemã para o impasse das trincheiras foi a tática de infiltração, baseada numa inovação da artilharia: a técnica de “atirar pelo mapa”, contra alvos específicos, ou seja, tiros de precisão por parte da artilharia sem que os alvos fossem registrados previamente. Esse tipo de tiro dependia bastante da habilidade dos soldados e contrastava com a imprecisão das técnicas então vigentes de tiro indireto e com a vulnerabilidade e ausência de surpresa do fogo convencional. Esse tipo de fogo concentrado e preciso mostraria seu valor em 1918, graças à sua magistral utilização pelo Coronel Brüchmuller, da artilharia alemã. Ao mesmo tempo, completou-se o armamento da infantaria com peças de artilharia leve, basicamente metralhadoras leves, morteiros e lançadores de granadas, além de algum armamento mais pesado.
Em 1 de janeiro de 1918, o Alto Comando Alemão publica O ataque na guerra de posições, base doutrinária das ofensivas de 1918, cujo fundamento era a combinação do fogo de artilharia curto, intenso e concentrado à la Brüchmuller, o uso de gás e fumaça sobre os centros de resistência inimiga, que seriam evitados (ao invés do ataque linear), o assalto pelas Sturmtruppen (tropas de choque) armadas com rifles de assalto, morteiros e metralhadoras leves e ataques para desorganizar a retaguarda inimiga. Constituía-se, assim, a tática de infiltração, utilizada com sucesso em 21 de março de 1918. Na ocasião, a ofensiva alemã baseada na infiltração rompeu as linhas britânicas, penetrando na retaguarda das trincheiras; as forças britânicas recuaram trinta e oito quilômetros em quatro dias, um sucesso enorme e chocante para os padrões da I Guerra Mundial. O colapso só não veio por causa do sangue-frio do comando britânico, que ordenou o recuo de todas as posições de maneira a reconstituir uma linha defensiva estável, mas, principalmente, porque o exército alemão não teve como explorar a brecha, por causa da já aludida incapacidade, de ambos os lados, de aproveitar os sucessos táticos: cavalaria e infantaria careciam da mobilidade para tanto. A tática de infiltração era extremamente eficaz para instaurar uma ruptura e até para ganhar batalhas, mas não a guerra.
A AVIAÇÃO NA I GUERRA MUNDIAL
Mas havia uma outra alternativa para se contornar o impasse das trincheiras, para a qual ambos os lados olharam com atenção: o avião. Seu papel mais óbvio era o reconhecimento aéreo. Quando os alemães passaram a utilizar a artilharia para a infiltração, por exemplo, o reconhecimento aéreo já se havia tornado crucial para que se pudesse determinar os alvos. Entretanto, percebeu-se rapidamente que, uma vez que obter esse reconhecimento era vantajoso, era necessário também impedir que o inimigo o obtivesse, e logo a aviação passou a ter um segundo papel: combater os aviões inimigos. Os alemães foram pioneiros dos aviões especificamente desenhados para combater outros aviões: os famosos Fokker, que tinham um sincronizador que permitia que se atirasse através da hélice sem atingi-la.
Por outro lado, já que o avião podia voar por sobre as linhas inimigas e observá-lo, vislumbrou-se a possibilidade de bombardear pelo ar alvos por detrás das linhas inimigas. Porém, os aviões de então tinham alcance, precisão e capacidade de transporte bastante limitados. Mais uma vez os alemães deram o tom da inovação e desenvolveram o Gotha, que entrou em serviço no começo de 1917. O bimotor Gotha foi o primeiro bombardeiro pesado da história da aviação, podendo voar a 129 km/h a 4.600 m de altura com uma carga de bombas de até 300 kg. Em 13 de junho de 1917, uma formação de 14 Gothas lançou 118 bombas sobre Londres em pleno dia, matando 160 pessoas e voltando em segurança para suas bases na Bélgica, tendo escapado dos 100 caças britânicos que partiram em seu encalço. O clamor público foi enorme, e o governo britânico encarregou então o general sul-africano Jan Smuts de estudar a melhor forma de se defender do bombardeio inimigo.
A Comissão Smuts — cujos dois membros eram o próprio Smuts e ninguém menos que o próprio primeiro-ministro britânico, Lloyd George — produziu dois relatórios. O primeiro apenas sacramentava as medidas que já vinham sendo tomadas para a defesa aérea da Grã-Bretanha. Já o segundo relatório de Smuts era radical: advogava que a defesa contra ataques de bombardeiros era pouco efetiva, sendo a única alternativa realista retaliar com bombardeios às cidades alemãs. A conclusão do relatório era que a vantagem residia com a ofensiva, e que o bombardeio era, na verdade, a principal forma de guerrear. Portanto, era necessário um Estado-Maior especializado para lidar com uma arma de tão grande importância. Assim, a aviação do Exército (Royal Flying Corps) e da Marinha Real (Royal Navy Aviation Service) deveriam ser fundidas numa força única e independente. Em 1º de abril de 1918 surgia, expressando as idéias de Smuts, a RAF — Royal Air Force ou Real Força Aérea. O Relatório Smuts era a primeira exposição sistemática de uma concepção de emprego militar da aviação que, em diversas versões, foi chamada de bombardeio estratégico.
No entanto, o que deteve o bombardeio alemão não foi a retaliação sobre as cidades alemãs, mas a defesa aérea britânica. Já em 1917, os britânicos haviam desenvolvido um sistema de defesa aérea, que consistia de várias estações de detecção conectadas por telefone a um quartel-general central em Londres, que por sua vez estava conectado a vários aeroportos que abrigavam esquadrões de interceptação; os aeroportos, por sua vez, comunicavam-se com seus aviões em pleno vôo através de rádio. Esse sistema eficaz permitiu aos caças britânicos imporem baixas proibitivas aos bombardeiros alemães. Os Gothas começaram então a voar à noite. Esse procedimento, entretanto, padecia de dois inconvenientes. O primeiro é que a precisão dos bombardeios, que já era baixa em operações diurnas, diminuía drasticamente em operações noturnas, limitando sua capacidade de infligir danos: entre 1917 e 1918, estima-se que apenas 835 ingleses foram mortos e 1.972 ficaram feridos em função dos bombardeios alemães; comparados com as baixas em operações terrestres, esses números eram desprezíveis. Além disso, as operações noturnas eram extremamente inseguras: dos 60 bombardeiros que os alemães perderam em 1917 e 1918, 36 foram destruídos em acidentes quando voltavam para suas bases na Bélgica.
Não obstante, esses fatos passaram mais ou menos desapercebidos, pois, à época do armistício, a RAF aguardava a chegada de 225 Handley Page V/1500, um superbombardeiro com quatro motores, capaz de ir e voltar a Berlim com uma carga de 1.500 kg de bombas. A idéia da Independent Force, o ramo da RAF que cuidaria da ofensiva dos bombardeiros, ficou como uma espécie de grande promessa que não teve tempo de mostrar toda sua força e sua eficácia. Apesar, portanto, dos sucessos da defesa aérea, o governo britânico cuidava de implementar as medidas do Relatório Smuts. A implementação e desenvolvimento de suas idéias, entretanto, ficaria a cargo de Hugh Trenchard.
Trenchard
Já em setembro de 1916, quando ainda era o Comandante do Royal Flying Corps (RFC) na França — cargo que exerceu de 1915 a 1918 —, Trenchard considerava que o avião era uma arma inerentemente ofensiva. Em outubro de 1917, propunha que o Royal Navy Air Service (RNAS) e o RFC fossem combinados numa única força sob a autoridade de um Secretário do Ar e um Chefe de Estado-Maior do Ar. Em novembro do mesmo ano, defendia o desenvolvimento “vigoroso” do bombardeio de longa distância como parte do RFC.
Entretanto, Trenchard nunca advogou a tese de que os bombardeios podiam por si mesmos ganhar a guerra sozinhos. Sua posição era que o enfraquecimento do moral inimigo era uma espécie de pré-requisito para que os Exércitos pudessem avançar contra uma oposição bem mais fraca. Durante a I Guerra Mundial, consciente da indisponibilidade de quantidade suficiente de caças para proceder às tarefas de escolta, Trenchard argumentava que a primeira tarefa da aviação era atacar os aeroportos alemães de maneira a garantir a superioridade aérea, mantendo os alemães fora do ar. Para ele, tratava-se de uma precondição para a continuidade das operações militares. Fora isso, considerava que sua principal tarefa era proteger a força terrestre, já então em situação precária. Seus alvos prioritários eram, então, parques de montagem de trens, pontes, depósitos de suprimentos e redes ferroviárias. Para além desses alvos, Trenchard antevia outras possibilidades: minas de ferro e carvão, siderúrgicas, indústria química, fábricas de explosivos, indústrias de armamentos, fábricas de motores de avião, estaleiros, fundições e oficinas de reparos em motores. Muitos desses alvos teriam sido selecionados em função de seu tamanho e facilidade de identificação. Entretanto, o objetivo de Trenchard era atingir o moral da população — ele julgava que os efeitos psicológicos do bombardeio eram superiores aos materiais numa pseudo-razão de 20 para 1 — o que produziria efeitos econômicos e militares. A base do seu raciocínio era a seguinte: os bombardeios sobre as fábricas disseminariam o pânico entre os trabalhadores. Ao mesmo tempo em que estes espraiariam o pânico pelo restante da população, o medo do bombardeio às fábricas induziria ao absenteísmo, o que, somado ao estrago que os bombardeios em si fariam às instalações, diminuiria a capacidade produtiva e militar do inimigo, contribuindo ainda mais para a quebra de sua vontade de persistir na luta. Portanto, era mais útil bombardear o máximo de alvos, ainda que não se os destruísse inteiramente.
Era essa a concepção de quebra do moral inimigo de Trenchard, e não o bombardeio indiscriminado às cidades. Em mais de uma ocasião — e uma delas em 1928, um ano antes de deixar o cargo de Chief of Air Staff (que exerceu, com uma breve interrupção, de 1918-1929) — Trenchard expressou enfaticamente sua frontal discordância com relação ao bombardeio indiscriminado de áreas residenciais, embora admitindo o ataque a alvos legítimos que porventura se localizassem em regiões urbanas. As idéias de Trenchard se consolidaram na RAF, corporificando-se em doutrina e institucionalizando-se e difundindo-se através dos manuais de doutrina e da Escola de Estado-Maior da RAF.
O bombardeio estratégico, porém, apesar de predominante, não era a única concepção de emprego militar da aviação que a Grande Guerra propiciou. Na própria Grã-Bretanha, uma alternativa foi desenvolvida, fora do âmbito da RAF, pelo já citado J. F. C. Fuller, centrada na cooperação com as forças terrestres, notadamente com os tanques. Refletindo, ainda em 1918, em plena guerra, sobre os resultados e possibilidades mostrados pelos tanques, Fuller concebe seu famoso Plano 1919. Convencido do desperdício advindo do ataque frontal puro e simples, Fuller defendia o seguinte conceito: uma vez que o quartel-general alemão na média ficava aproximadamente 30 km (18 milhas) atrás das linhas, era necessário concentrar-se para um violento ataque no setor escolhido. Esse ataque seria conduzido da seguinte forma: colunas de tanques de alta velocidade atacariam simultaneamente e sem qualquer aviso (como uma barragem prévia de artilharia, por exemplo) em ambos os flancos, penetrando as linhas inimigas rumo aos centros de comando previamente identificados, ao mesmo tempo em que os aviões bombardeariam as linhas de suprimento inimigas por trás do front. Considerando-se uma linha de frente de aproximadamente 150 km (90 milhas), o assalto principal seria lançado no momento de máximo pânico: essa linha seria dividida em vários segmentos de aproximadamente 25 km (15 milhas) que seriam alternadamente penetrados e envolvidos pela infantaria e tanques pesados. O passo lógico, entretanto, era a mecanização de todo o exército e seus suprimentos, de maneira que o sucesso obtido no ataque pudesse ser explorado em busca de vitórias decisivas. Quando o plano foi concebido, os tanques disponíveis não eram rápidos o suficiente (o Whippet fazia apenas 13 km ou 8 milhas por hora). Fuller sabia disso, mas sabia também que o novo tanque (que ele chamava de Medium D) exigido pelo seu plano era já tecnicamente viável. O Plano 1919, entretanto, não chegou a ser testado, uma vez que o armistício veio antes.
Observe-se, entretanto, que a idéia do bombardeio estratégico — com seu pressuposto de um papel independente para a aviação e seu corolário de que era necessário um órgão de planejamento específico para seu emprego unificado — oferecia um excelente argumento em prol da independência das forças aéreas, que em muitos países permaneciam atreladas às marinhas e/ ou aos exércitos. No caso da Grã-Bretanha, o horror diante da carnificina da I Guerra Mundial, a convicção razoavelmente difundida de que aquela havia sido “a guerra para acabar com todas as guerras” e a sensação de conforto advinda de sua vantajosa posição geográfica levaram a que as lideranças políticas britânicas se desinteressassem, em larga medida, das questões militares. Isso deixou enorme espaço para que as forças — principalmente a RAF, ansiosa por consolidar sua autonomia — perseguissem suas estratégias e doutrinas preferidas, fortemente determinadas por fatores organizacionais. Havia, portanto, pouca integração entre as diversos forças, inviabilizando a produção e mesmo a busca de uma doutrina unificada que viabilizasse a condução efetiva de uma guerra.
Também em outros países, os pilotos se sentiam fortemente atraídos pelo bombardeio estratégico, e sua promessa de ganhar guerras sem o desperdício de vidas que a experiência da I Guerra Mundial levara a associar com as operações terrestres impressionava vivamente as lideranças políticas. Nos EUA, os pilotos se apegaram ao bombardeio estratégico de maneira entusiástica. A maneira desabrida com que muitos oficiais a defendiam levou a que alguns deles fossem julgados por insubordinação. O exemplo mais famoso é o de William “Billy” Mitchell, nos EUA, levado à corte marcial em 1925.
É nesse ambiente que é publicado, em 1921, o livro de Giulio Douhet.
William “Billy” Mitchel (1879 – 1936)
Pertencia a uma família de origem escocesa, de posses e, em 1898, deixou a faculdade antes de se graduar e entrou para o Exército a fim de participar da Guerra Hispano-Americana, onde se distinguiu pela iniciativa, coragem e liderança, o que continuou por toda a carreira. Posteriormente, se interessou por aviões, pagando de seu próprio bolso um curso de aviação que realizou em 1915.
Conseguiu ser enviado para a França em 1917 como observador militar e, quando os EUA entraram na guerra, já era o primeiro aviador americano na área; além disso, conheceu muito bem Trenchard, que se tornou seu mentor nos aspectos relacionados com Poder Aéreo.
De Trenchard tomou as idéias de que o Poder Aéreo era fundamentelmente ofensivo e o conceito de “Supremacia Aérea”, demonstrando-o na “Ofensiva de Saint Michel” em setembro de 1918, como Comandante do Primeiro Exército Expedicionário, no comando de 1500 aviões, operação que constituiu a maior ofensiva aérea da Primeira Guerra Mundial.
Voltando da guerra, teve que enfrentar os problemas de desmobilização e, sendo subordinado a um oficial que não era piloto, enfrentou uma série de problemas, dando-se conta de que não ia conseguir nada contra a mentalidade conservadora de seus chefes. Isto o levou a tornar pública sua causa – de que o Poder Aéreo estava sendo subestimado, enfrentando o Exército e posteriormente a Marinha, ao afirmar que esse poder seria capaz de afundar encouraçados.
Face a tais colocações, a Marinha o ridicularizou e ele contra-argumentou dizendo que, com o custo de um encouraçado se podia construir 1000 bombardeiros e, ante o Congresso, insistiu que os aviões podiam afundar encouraçados e que a Força Aérea deveria ser uma arma independente.
A Marinha aceitou o desafio com a esperança de ver Mitchel fracassar mas isso não aconteceu. O teste foi realizado em 1921 contra o ex-encouraçado alemão Ostfriedland, conseguindo seu afundamento. Apesar do horror provocado, a Marinha foi a principal beneficiária, pois imediatamente abraçou o conceito dos navios-aeródromos, que dominariam o Pacífico 20 anos depois.
Mitchel se preocupou com a falta de recursos para desenvolver novos caças e bombardeiros num quadro de graves restrições financeiras e, como sabia que deveria vender a imagem da aviação à opinião pública antes de enfrentar o Congresso, estimulou a realização de vôos demonstrativos à população.
Apesar disso, em meados dos anos vinte se converteu em “persona non grata” pelos artigos e discursos ofensivos por uma força aérea independente. Foi levado à Corte Marcial depois de um incidente ocorrido com um dirigível da Marinha em que acusou essa força de incompetência.
Essa Corte Marcial, que durou sete semanas, se converteu na realidade em um seminário sobre a teoria do Poder Aéreo, na qual ele predisse:
- que a próxima guerra seria global;
- que os EUA enfrentariam o Japão;
- os acontecimentos da futura guerra contra o Japão, no Pacífico, inclusive, o ataque a Pearl Harbour e às Filipinas;
- os navios-aeródromo não poderiam fazer frente à aviação baseada em terra; e que
- um forte Poder Aéreo era a única forma de enfrentar com êxito tal situação.
Em face da situação, Mitchel pediu demissão em 1926 mas continuou escrevendo e contando com o apoio dos generais Henry H. Arnold e Carl A. Spaatz que, praticando suas idéias, permitiram o desenvolvimento do Poder Aéreo americano que foi vital para a vitória na 2ª Guerra Mundial.
Mitchel não viu suas profecias se realizarem pois morreu em 1936 e foi postumamente reconhecido, tendo recebido a Medalha de Honra do Congresso em 1948. Posteriormente, sua história foi objeto de um filme de Holliwood e seu nome foi dado a um aeroporto internacional nos EUA.
GIULIO DOUHET
O oficial de artilharia e engenheiro italiano Giulio Douhet é o mais radical dentre os autores da primeira geração de pensadores do emprego militar da aviação. Desde o início do século, antes mesmo que o avião fosse inventado, Douhet já pensava sobre as operações militares pelo ar, discutindo as possibilidades dos dirigíveis (os famosos Zeppelins). Com o surgimento do avião, suas reflexões se voltaram rapidamente para este, que considerava mais versátil que os Zeppelins. Já em 1910, Douhet afirmava que “o céu se tornaria um campo de batalha tão importante quanto a terra ou o mar”, e que era necessário obter o domínio do ar de maneira a explorá-lo adequadamente, antevendo que o correto emprego da aviação dependia de sua autonomia em face das necessidades dos comandantes em terra e no mar. Já então, Douhet defendia a criação de uma força aérea separada, comandada por aviadores. Em 1912, ao considerar que tipos de aviões uma força aérea deveria ter, Douhet concebeu um tipo de avião de emprego geral, que pudesse desempenhar os papéis de reconhecimento, combate aéreo e bombardeio. Essa aeronave deveria carregar uma grande carga de bombas.
Douhet expôs suas idéias embrionárias em relatórios oficiais e em artigos. Estes, entretantos, não foram suficientes para convencer seus superiores, oficiais e políticos. Ainda durante a I Guerra, a impaciência de Douhet levou-o a uma intensa atividade proselitista, ao mesmo tempo em que externava críticas acirradas à condução da guerra por parte das autoridades italianas. Essas atitudes lhe valeram várias advertências e culminaram com uma corte marcial que determinou seu aprisionamento em 1916. Após a guerra, entretanto, os resultados de uma investigação oficial sobre a batalha de Caporetto — em que os italianos perderam 300.000 homens — validaram muitas das críticas de Douhet, levando à sua reabilitação em 1920.
O DOMÍNIO DO AR
Na verdade, sua reabilitação foi tal que, no ano seguinte, a primeira edição de seu livro Il dominio dell’aire (O Domínio do Ar) foi publicada sob os auspícios do Ministério da Guerra italiano. Em 1926, entretanto, numa nova edição, revisada e modificada, Douhet radicalizou ainda mais suas idéias, renegando explicitamente alguns pontos da edição anterior de Il dominio dell’aire, pontos esses que ele qualificou de “concessões” feitas para evitar chocar o público; Douhet escreveu, na edição de 1926, que era preciso ser absolutamente franco, expondo noções que, independentemente de uma eventual reação negativa, era preciso trazer à luz. Conforme o próprio autor, portanto, considera-se a edição de 1926 como sendo o seu pensamento maduro, e é este que será exposto aqui.
Douhet considerava que o impasse das trincheiras da I Guerra Mundial era a realidade definitiva da guerra em terra, tendo a defesa assumido tal vantagem com relação ao ataque que a tendência nas guerras era o morticínio improdutivo. Essa tendência era intensificada pelo fato de que as guerras tinham passado a ser, na sua opinião, guerras totais, em que toda a sociedade se via envolvida. Com isso, graças às enormes vantagens da defesa na guerra em terra, as populações tendiam a ser dizimadas em inúteis ataques fadados ao malogro.
Para Douhet, a continuação desses ataques refletia uma concepção, segundo ele obsoleta, típica de comandantes terrestres: a de que a ação em terra era necessária para permitir a ocupação do território inimigo. Douhet sustentava que esse não era o objetivo real da guerra: tratar-se-ia, na verdade, de quebrar a vontade inimiga de permanecer lutando. Para Douhet, portanto, o principal objeto da guerra não eram as forças armadas inimigas, mas o próprio moral de sua população. Para Douhet, havia um modo de atingi-lo diretamente, e essa maneira era o bombardeio aéreo.
Douhet sustentava que a enormidade das dimensões do espaço aéreo e a velocidade, alcance e capacidade de se mover desimpedido em todas as direções davam ao avião a capacidade de atingir praticamente sem oposição qualquer ponto do território inimigo, desconsiderando suas forças de terra, de mar e também do ar. Com efeito, para Douhet a capacidade de surpresa do avião era praticamente infinita. Segundo Douhet, só seria possível saber onde os bombardeiros atacariam quando já não houvesse mais tempo hábil para reagir, a não ser que cada alvo potencial estivesse permanentemente protegido por uma força de aviação no mínimo igual à que atacava. Como, para Douhet, a artilharia antiaérea seria absolutamente ineficaz, e a defesa pelo ar contra os bombardeiros era na prática impossível, restava que, na guerra no ar, todas as vantagens residiam na ofensiva, nunca na defesa.
Dessa forma, para Douhet, o bombardeio aéreo poderia atingir diretamente o moral da população inimiga, causando tal pânico que a pressão da população sobre seu governo o levaria a fazer a paz imediatamente. Para Douhet, a melhor maneira de fazê-lo era um ataque que lançasse uma combinação de bombas explosivas — para causar destruição —, bombas incendiárias — para atear fogo nos destroços — e bombas químicas — para impedir o combate ao incêndio.
Douhet fazia, entretanto, uma advertência: uma vez estabelecido um alvo, era necessário destruí-lo completamente, de maneira a não ser necessário repetir a operação. Para Douhet, o ideal era que as forças de bombardeio fossem dimensionadas para destruir completamente um círculo de 500 metros de diâmetro. Para consegui-lo, Douhet calculava que dez toneladas de bombas — supondo-se bombas em que o explosivo respondesse por metade de seu peso e a carcaça pela outra metade — eram capazes de produzir tal estrago, implicando que, para as condições da época e do futuro imediatamente próximo, cinco bombardeiros deveriam compor a unidade que destruiria completamente um alvo. Para dar uma larga margem de segurança, Douhet calculava que se deviam alocar dez bombardeiros para uma unidade de bombardeio. Note-se aqui, incidentalmente, a omissão das necessidades de transporte de bombas incendiárias e químicas.
Para que isso fosse possível, entretanto, era necessário que as forças de bombardeiros pudessem operar livremente. Embora Douhet considerasse impossível a defesa contra ataques aéreos, havia, segundo ele, uma maneira de impedi-los: era destruir a força de bombardeiros inimigos quando esta ainda se encontrasse no solo. De fato, para Douhet, essa era a primeira operação de guerra: as forças de bombardeiros inimigos no solo eram o primeiro alvo, absolutamente prioritário, pois esse ataque permitiria ao lado que destruísse os bombardeiros inimigos obter o domínio do ar e, em seguida, dar início à destruição dos alvos — inclusive, potencialmente, as cidades inimigas. De fato, numa peça de ficção publicada em 1930, um mês após a sua morte, uma guerra durava apenas 36 horas porque mais de duas dúzias de cidades da França e da Bélgica teriam sido reduzidas a cinzas nesse prazo.
Dessa maneira, a perspectiva do bombardeio tornava a guerra tão terrível que, paradoxalmente, menos mortes seriam necessárias, tornando a guerra menos mortífera, humanizando-a. Rigorosamente falando, a mera destruição da própria força de bombardeiros seria suficiente para levar os governos a fazer a paz.
Mas, pode-se indagar, e quanto às forças terrestres e navais? Para Douhet, o tempo das operações destas era tão lento em comparação com as operações aéreas que a guerra estaria decidida muito antes que os efeitos das ações dos exércitos e marinhas se pudessem fazer sentir. De resto, para Douhet, uma vez obtido o domínio do ar, era possível bombardear com tranqüilidade e sem qualquer oposição os exércitos e marinhas inimigos — embora isto fosse, na prática, desnecessário, pois a guerra então já estaria decidida. Para Douhet, uma estratégia aérea independente teria que ser conduzida de maneira desimpedida dos preconceitos dos comandantes de terra e de mar, que tenderiam a utilizar os aviões para seus propósitos imediatos, desperdiçando seu potencial revolucionário. O planejamento e a condução da guerra no ar deveriam ser feitos por uma força aérea independente, comandada por aviadores, os únicos que poderiam utilizar os aviões da maneira adequada.
A composição da força aérea independente é um dos temas onde a posição de Douhet se modificou na segunda edição de Il dominio dell’aire. Na primeira edição, Douhet considerava que, além da aviação de bombardeio, era necessário ter uma aviação de escolta, composta de aeronaves semelhantes ao bombardeiro, com o mesmo alcance, mas que, ao invés de carregarem bombas, carregassem armamento que permitisse o combate contra outras aeronaves; além disso, Douhet reconhecia a necessidade de aviões de reconhecimento, que pudessem, entre outras coisas, identificar alvos para os bombardeios. Já na segunda edição, Douhet radicaliza sua posição: como seria impossível a um defensor atacar os bombardeiros, a aviação de escolta era um desperdício, cujo único resultado era subtrair recursos da aviação de bombardeio; os bombardeiros deveriam carregar seu próprio armamento defensivo, de maneira a que pudessem fazer frente a um eventual golpe de sorte do defensor. Douhet considerava que a aviação de escolta, que defendera na primeira edição, era inútil, mas que era uma concessão ao moral da tripulação dos bombardeiros. Na segunda edição, ele deixava claro que constituir uma aviação de escolta era um equívoco. A força aérea independente, portanto, para Douhet, seria composta apenas pelos bombardeiros e aviões de reconhecimento. Também os caças, para Douhet, eram um desperdício de recursos, pois, segundo ele, nunca seria possível se defender dos bombardeiros inimigos, a não ser, como já dito, destruindo-os preventivamente no chão.
A constituição de uma força aérea independente impunha, para Douhet, uma nova configuração institucional dos arranjos de defesa de um Estado. Para ele, era inadmissível que, sendo a força aérea independente tão mais importante que as marinhas e os exércitos, os recursos fossem igualmente divididos entre forças que tinham capacidades e responsabilidades desiguais. Para ele, esse seria o resultado inevitável da distribuição dos recursos orçamentários, a não ser que se criasse um ministério responsável pela guerra que subordinasse as três forças e que fosse comandado por um civil. Para Douhet, essa reconfiguração institucional era indispensável para a correta condução de uma guerra e para proteger a força aérea independente; caso contrário, os interesses das demais forças tendiam a prevalecer sobre os da força aérea independente e, portanto, para Douhet, sobre os do Estado, no que se referia à condução da guerra.
Na concepção de Douhet, os aviões de bombardeio e de reconhecimento eram em pouca coisa diferentes, em linhas gerais, dos aviões de transporte de uso comercial. Em tempo de guerra, portanto, estes podiam ser facilmente convertidos para uso militar. Assim, Douhet defendia que o governo subsidiasse a aviação comercial civil em tempo de paz, tanto para dispor rapidamente, caso necessário, de uma grande aviação militar em tempo hábil e a baixo custo, quanto para criar uma espécie de mentalidade aérea na população em geral. No entanto, Douhet alertava que era necessário dispor permanentemente de uma aviação militar, para que se pudesse fazer frente com presteza a qualquer eventualidade.