19/02/2008 - 21:07
Poder Naval, autonomia tecnológica e capacidade polivalente
Entre os possíveis projetos de cooperação entre Brasil e França na área de defesa, vem sendo citado o dos submarinos da classe "Merlin", de propulsão convencional (diesel-elétrica). Uma das alegadas vantagens desta classe de submarinos seria a suposta facilidade de adaptação do projeto para propulsão nuclear.
As características de um submarino dotado de propulsão nuclear são distintas das de um de propulsão convencional. Na realidade, nenhum país jamais transferirá a outro esta tecnologia. O Brasil desenvolveu por conta própria, sem ajuda externa, a tecnologia de propulsão nuclear. Forçosamente, terá de fazer o mesmo com relação ao projeto do casco.
Obviamente, a França também pretende oferecer à Marinha do Brasil belonaves de superfície, como navios-patrulha (dois já encomendados, com previsão de unidades adicionais) e fragatas. Uma variante do novo navio-aeródromo francês PA2 poderia ser oferecida, como sucessor do NAe "São Paulo" (ex-"Foch" da Marinha francesa).
Entretanto, é essencial que o Brasil obtenha certo grau de autonomia tecnológica, com relação ao projeto e à construção de meios para sua Marinha. Mesmo que tais meios sejam, a princípio, mais caros que os importados (devido à dificuldade em obter uma economia de escala na produção), independência e soberania não têm preço.
Os itens tecnológicos de fácil obtenção no mercado não são críticos. Prioridade máxima deve ser dada ao desenvolvimento, no país, daqueles itens ou produtos que não podem ser obtidos no exterior. O desenvolvimento da tecnologia de propulsão nuclear pela Marinha do Brasil constitui excelente exemplo.
Existem, contudo, dificuldades estruturais, que cerceiam os programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de obtenção de meios para as Forças Armadas brasileiras. Entre elas, podemos citar o Orçamento da União autorizativo, a inexistência de orçamentos plurianuais e a legislação que trata dos processos de licitação.
Foi proposta a dispensa de licitação, para obtenção de equipamentos de defesa. Foi até sugerida a criação de um imposto para a defesa. Este imposto, que já existe em alguns países, incidiria sobre o faturamento de grandes empresas, cujas atividades poderiam sofrer interrupções, em caso de ataque terrorista ou conflito externo.
No início do Século XXI, a ênfase no emprego do Poder Naval está passando da guerra no mar para a projeção de poder sobre terra, em operações de tipo expedicionário. As tendências na obtenção de meios, pelas diferentes Marinhas, mostram uma valorização dos navios de assalto anfíbio, assim como de outros navios otimizados para combate em áreas litorâneas.
A rigor, tais navios não podem ser considerados "pequenos". A capacidade oceânica é necessária ao trânsito até uma área de operações distante e à permanência nessa área por períodos relativamente prolongados. Unidades de pequeno porte só conseguem operar com eficácia, longe de suas bases, se dispuserem do apoio de navios maiores.
A capacidade anfíbia da Marinha do Brasil está nucleada no Corpo de Fuzileiros Navais (CFN). Nossos fuzileiros navais (que no dia 7 de março de 2008 comemoram 200 anos) constituem um núcleo de excelência, cujo emprego eficaz depende do apoio de meios de desembarque adequados, bem como de outros elementos do Poder Naval.
O Brasil necessita de uma Marinha polivalente, capaz de atuar em toda a extensão do Atlântico Sul, assim como nas bacias internacionais do Amazonas e do Rio da Prata. Os meios flutuantes, aéreos e de fuzileiros navais devem ser adequados ao emprego em todos os ambientes em que nossa Marinha poderá operar.
A quantidade de meios disponíveis e a proporção entre os diferentes tipos podem evoluir, ao longo do tempo. A presença naval brasileira é mais intensa na área marítima sob jurisdição nacional, conhecida como "Amazônia Azul", onde se encontra a maior parte de nossas reservas de petróleo, bem como outros recursos naturais. Entretanto, isso pode mudar no futuro.
Mesmo atualmente, nossa Marinha também deve atuar na área sob responsabilidade do Brasil para fins de busca e salvamento, assim como nas áreas de interesse situadas na parte oriental do Atlântico Sul. As rotas marítimas que cruzam este oceano são de especial interesse para o país, pois delas depende seu crescente comércio exterior.
A extensão dos interesses do Brasil no mar tende a ampliar-se além da "Amazônia Azul". Sem dúvida, a manutenção de uma força naval polivalente, com significativa capacidade oceânica, justifica-se plenamente. Ainda que, no estágio atual, esta opere com mais freqüência na parte ocidental do Atlântico Sul.
Eduardo Italo Pesce
Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Cepuerj) e colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra Naval (Cepe/EGN).
Fonte:
http://www.monitormercantil.com.br/most ... ?id2=48614