28 Setembro 2008 - 14h30
Mário Soares
"José Sócrates é o anti-Guterres”
Mário Soares, antigo Presidente da República,.... . NATO e neoliberais são criticados pelo ex-líder do PS, que aposta tudo na vitória de Barack Obama nas presidenciais dos EUA.
Correio da Manhã/Rádio Clube – Afirmou que os líderes europeus continuam subservientes de Bush. No seu tempo era assim ou não? A Europa, no seu tempo, era mais independente dos EUA?
Mário Soares – Talvez não fosse mais independente. Mas de qualquer maneira havia governos bastante europeístas e que tinham uma estratégia de desenvolver a então Comunidade Europeia, que depois de transformou em União Europeia. Tinham um projecto.
- Um projecto político.
- Sim. Não tinha propriamente a ver com os Estados Unidos, embora quisessem manter a aliança atlântica com os EUA, isso não se punha em causa.
- Por causa da União Soviética.
- Nessa altura era tempo da Guerra Fria, em que havia dois blocos e a Europa estava claramente no bloco ocidental, com os Estados Unidos.
- Hoje é considerado um anti-americano primário. É só por causa de Bush ou mudou as suas posições face aos Estados Unidos?
- Sabe. O que é extraordinário é que eu nunca fui pró-americano. Pró-europeu sempre fui. Mas fui simpatizante e amigo dos EUA e do povo dos EUA. Sempre fui. Apesar de no tempo da ditadura, e é preciso não esquecer esse tempo, nós termos entrado indevidamente no pacto Atlântico.
- A NATO não admitia ditaduras.
- Por principio não. Deixaram-nos entrar porque convinha à política americana anti-soviética. Convinha-lhes fechar os olhos à situação de ditadura que existia em Portugal e noutros países. Mas quando veio o 25 de Abril eu percebi muito rapidamente que a situação tinha mudado e que nós deveríamos fazer uma democracia, que eu pretendia que fosse de esquerda, e uma descolonização, duas coisas muito difíceis, mas sem pôr em causa a nossa aliança atlântica.
.....
- Mas nessa altura a qual era a sua posição sobre os EUA?
- Nessa altura o ataque que me faziam, diziam que eu era pró-americano.
- Exactamente.
- Nunca fui propriamente pró-americano. Mas amigo dos americanos fui, dos que nos ajudaram e ajudaram a Europa a salvar a guerra. Tinha uma grande admiração pelo Roosevelt. Depois, quando eu comecei a atacar a administração Bush, começaram a dizer que eu era um anti-americano primário.
- Ainda dizem.
- Mas realmente nunca fui anti-americano. Fui contra a administração Bush desde o início. Isso sim. Também não conheço o Bush filho, conheço o Bush pai, que é bastante melhor do que o filho e que por sinal até me convidou para a festa dos seus 80 anos já o filho era Presidente.
- Não foi.
- Não. Mandei-lhe dizer que não ia por várias razões. Uma delas era que estava lá o Bush filho. Não era correcto ir.
- Para sua festa dos 80 anos não convidou o Bush pai.
- Nem o Bush pai, nem o Bush filho, nem convidei ninguém. Foi uma festa que as pessoas organizaram um pouco à minha revelia. Isso é outra questão.
- Voltando aos EUA, apesar de eu ter notado que nos primeiros três minutos fez logo uma piscadela de olho ao PC.
- Não, não se trata de uma piscadela, trata-se de um facto histórico.
- Estou a brincar. A Europa de Mitterrand , Kohl, González, Tatcher, Mário Soares foi substituída por uma Europa de personagens menores, sem grande substância política? E acredita que Obama é mais do que um enormíssimo produto de marketing? Acredita que Obama pode mudar um pouco a história das ideias?
- Acredito a cem por cento e sobre isso não tenho a menor dúvida. Não o conheço pessoalmente, não sei, nunca o vi em pessoa, mas tenho seguido a sua carreira desde que se candidatou. Antes disso não fazia ideia nenhuma que existia Obama. Mas as ideias que lançou, a maneira como fez a campanha, as pessoas que o rodeiam no Partido Democrático e tudo aquilo dão-me a maior da confiança. Aliás, fui talvez dos primeiros em Portugal que comecei a falar no Obama e a defender o Obama.
- Barak Obama. Pode ganhar as eleições presidenciais, mas também as pode perder. Ainda não se sabe. As diferenças são muito pequenas. Em sua opinião, o que é que vai acontecer ao Mundo se não ganhar?
- Resta saber que Mundo. Mas acho que a Europa, o Ocidente em geral, a América em particular e a própria América Latina vão entrar inexoravelmente num período de decadência.
- De decadência?
- De decadência. Há um grande autor alemão, um filósofo chamado Oswaldo Spengler, do princípio do século, entre as duas guerras, que escreveu um livro chamado ‘A Decadência do Ocidente’. Ele preconizou essa decadência com o advento dos outros mundos. Nessa altura era inimaginável que tivessem crescido tanto, como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, os chamados países emergentes. Mas a verdade é que isso já foi preconizado. Mas depois veio o nazismo, tudo isso, mas agora estamos numa altura em que o mundo ocidental pode entrar em decadência.
- Porquê?
- Repare. Isso é que as pessoas normalmente não vêem quando se discute o problema fundamental do que se vai passar a seguir, se é o Obama ou o Mcain. O que é fundamental perceber é que há um sistema e um paradigma da economia e da política americana que é considerado neoliberal.
- Neoliberal porquê?
- Porque se baseia no mercado e na liberdade do mercado. Menos Estado e mais privados. E a economia livre vai regular-se. É a mão invisível que maneja o mercado. Este era o sistema neoliberal.
- Ainda se lembra do livro do Fukuyama, ‘O Capitalismo é o Fim da História’.
- Exactamente. Mas a verdade é que o que se passou...
- Esta crise financeira internacional?
- Mas está a passar-se desde há anos a esta parte. Não quero estar aqui a armar-me em profeta. Mas se virem os livros que eu publiquei nos últimos cinco ou seis anos, desde o terrorismo, esse fenómeno novo, que agora está a ser posto em causa, dir-lhe-ei que estava claro que isto ia acontecer. Simplesmente ninguém viu, nem ninguém quis ver.
- A crise só começou a ser falada há uns meses.
- Repare. Quando falavam aqui há três ou quatro ou cinco meses que havia uma crise financeira nos EUA...
- Começou com o sub-prime...
-... Sub-prime e isso. Mas quando se falava que podia vir uma recessão económica, que estava iminente, os nossos grandes economistas diziam que não, era apenas um pequeno abrandamento.
- No Império Romano os bárbaros estavam nas fronteiras e em Roma via-se alegremente teatro e a falar-se da sua eternidade. Agora há um cheiro a decadência no ar. Podemos estar a assistir a um fim de um ciclo?
- Estamos a assistir a um fim de um ciclo. Isso é indiscutível. E o ciclo anterior estava podre. E o que me preocupa não é a questão dos bancos falirem ou não falirem, das pessoas terem mais ou menos emprego, já se viu em 1929 e isso foi superável de alguma maneira.
- Agora não será superável também?
- Nessa altura a crise foi superável com a administração do Roosevelt. E foi uma intervenção de tipo socialista. Foi um percursor do socialismo democrático.
- Falou agora do socialismo democrático. Já disse que os líderes socialistas europeus, como Schroeder e Blair, se deixaram colonizar pelos neoliberais.
- Pelo fascínio dos negócios.
- Exacto. Falando de Portugal. Este Governo do PS, socialista democrático, também se deixa fascinar pelos negócios?
- Bem, é possível que sim. É possível que algumas figuras que estão no Governo tenham algum fascínio pelo dinheiro e pelo sistema. E ao princípio sim. Quer dizer, quando aqui há quatro ou cinco anos o Blair lançou a sua terceira via e que eu disse que era uma vigarice pura e que não acreditava no Blair.
- Tanta gente o criticou na altura.
- Pois claro. Por exemplo, eu lembro-me que o meu amigo Guterres tinha pelo Blair uma verdadeira...
- Fascínio, uma admiração...
- Fascínio, uma grande admiração. É um homem brilhante, isso é.
- Blair ou Guterres?
- São ambos. Guterres é do mais inteligente que passou pela política portuguesa. Incontestavelmente e bem preparado. O Blair também é um homem de grande inteligência, fala muito bem, bom orador, eu conheço-o pessoalmente. Aliás, é muito simpático. Mas ele estava a vender...
- Uma ilusão?
- Gato por lebre. Gato por lebre.
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- O PS não se deixou também iludir, não se deixou levar por essas ideias neoliberais?
- Muitos dos dirigentes do PS apostaram na terceira via. E foram blairistas ao princípio. Mas agora já não são.
- Agora já não são?
- Acho que não.
- O que são, então?
- Bem, voltaram, regressaram aos valores socialistas, muitos deles. E espero que esse regresso continue. Porque há um grande economista, que não é socialista, que é o Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, que publicou um artigo há pouco tempo em que diz isto: “O Ocidente só se pode salvar se o sistema for reformulado”. Todo. E se partirmos do princípio que o sistema está apodrecido e só vejo que haja entidades capazes de fazer isso que são os socialistas. Os socialistas democráticos. Bem, mas para isso é preciso que sejam socialistas, isto é, que tenham a preocupação primeira nas questões sociais...
- No trabalho também.
- No trabalho, que é uma questão social, na luta contra o desemprego, na luta contra a pobreza. E esses são os grandes valores. E a luta a favor do ambiente.
.......
- Snu Abecassis.
- A Snu, que era social-democrata e que tinha uma linha que vinha do Olof Palme, era grande admiradora do Palme e conhecia os sociais-democratas. Bem. Eu tinha a maior simpatia por ela e até pela coragem que o Sá Carneiro teve. Mas naquele período eleitoral houve uns tipos do PS que resolveram levar isso, não eu, mas levaram e eu não os desautorizei, não fiz aquilo que devia ter feito. E nessa altura eu disse à Snu, porque ela também disse “eu nunca julguei que você fizesse uma coisa dessas”, pois está bem, não fui eu que fiz mas, enfim, encaixo porque eu era o responsável. E peço desculpa pela minha parte, porque realmente não devia ter feito. Mas enfim, essas coisas das competições eleitorais são difíceis. Mas claro que eu acho que o Sá Carneiro era um homem que tinha uma visão social-democrata do Mundo mas muito. Muito liberal no sentido antigo do termo.
- Claro.
- Muito ligado a certas concepções muito anti-comunistas. Coisa que eu nunca fui. Até porque eu tenho uma origem inicial do Partido Comunista.
- Exactamente.
- Mas não tinha dúvidas que era preciso vencer o Partido Comunista em Portugal. Como foi vencido.
- Respondeu ao Luís Osório e disse que está mais próximo de José Sócrates. Mas agora sinceramente. Já lançou alguns avisos à navegação socialista, dizendo cuidado, não se aproximem tanto do capital, aproximem-se mais dos sindicatos, das confederações sindicais, das pessoas. Olhando para toda esta política, para estas reformas, como o recente Código de Trabalho. Conhece o novo Código do trabalho?
- Não, não li. Por acaso não li.
......
- Vamos falar do futuro. Do País, do Mundo e da Europa também, claro.
......
- Futuro de Portugal. Neste momento as pessoas estão a viver pior do que viviam.
- Sim.
- Têm menos dinheiro, têm dificuldades graves. A classe média está a sofrer imenso, os outros também.
- Há uns que não sofrem. Os que têm mais dinheiro e enriquecem mesmo nas crises.
- Esses nunca sofrem. Ao longo destes anos todos, Portugal na União Europeia, Portugal com fundos europeus, chegamos a 2008, há evidentemente uma crise em todo o Mundo, mas Portugal chega a este ponto e está a ser ultrapassado por outros países. Há razão para sermos optimistas sofre o futuro de Portugal ou não?
- Há, absolutamente.
- Mas como?
- Em primeiro lugar é preciso confiar no povo português. Eu confio no povo português e no génio do povo português. E um povo que tem a história que tem Portugal e fez aquilo que fez, incluindo a revolução de sucesso que foi a revolução do 25 de Abril, que realizou todos os seus objectivos, um País que consegue ter a melhores relações com África e com as antigas colónias portuguesas como não têm nem os franceses nem os ingleses.
- Exactamente.
- É verdade.
- E agora Angola. Angola está a ser o futuro para Portugal. Em termos de investimento, até de emprego.
- Essa é uma das ironias do nosso tempo.
- É que nós estamos a emigrar para Angola.
- E vice-versa. Há muitos angolanos em Portugal. Isso não é assim. Mas se me dá licença eu tenho uma grande confiança em Portugal. E penso que não se pode abstrair da circunstância do Governo Sócrates ter resolvido um grande problema que nós tínhamos, que era o problema da redução do défice. É possível que isso venha a reaparecer, mais longe, com a crise. É possível. Mais longe. Mas ele fez esse trabalho. E esse trabalho foi feito e deu-nos o prestígio de nós termos abordado a Presidência europeia em boas condições, sem dever nada a ninguém. Portanto, os portugueses têm a mania de dizer mal deles próprios. Quando vão para o estrangeiro percebem rapidamente que o nosso País tem muita qualidade e muito interesse. Mas só no estrangeiro.
- Em termos de segurança. Mas ao nível da qualidade de vida chegamos a Londres e Paris e é outro mundo.
- Os dois exemplos que deu são maus exemplos. Porque Londres está numa situação muito difícil. Londres e toda a Inglaterra. Quando se dizia que aquilo tinha sido uma vitória brutal e que estava num grande desenvolvimento. Não está nada. A Irlanda, que era o exemplo, agora está em recessão, coisa em que nós não entrámos ainda. Está em recessão. E nós vamos talvez ser capazes de reagir a esta crise melhor, que não está resolvida nem será resolvida com os 700 mil milhões de dólares que puseram.
- Ou vão pôr.
- Porventura vão pôr. Ainda não se sabe. Isso pode ser um remendo. Porque o sistema é que faliu. O sistema económico que eles têm, a globalização neoliberal, a chamada democracia liberal faliu.
- Faliu lá e também faliu na Europa.
- Faliu lá, faliu na Europa e faliu no Mundo. Mas o que é que vem? Não é o capitalismo que vai desaparecer. O capitalismo vai, talvez, se for capaz, se houver a possibilidade de regulamentar o capitalismo e ter Governos de esquerda na Europa e no Mundo, na América.
- Acha que só com Governos de esquerda é possível reformular o capitalismo?
- Neste momento sim. Porque os outros são os responsáveis da crise. Esta crise tem de ter responsáveis. Houve responsáveis.
- O Reino Unido teve nestes doze anos um Governo de esquerda.
- De esquerda? Bem. Não me faça rir.
- O alargamento da Europa não está a tornar mais visível que a construção europeia é hoje apenas uma construção de interesses.
- Não é apenas.
- Se esta crise se alargar não pode estar em causa a própria União Europeia?
- Pode. Evidentemente que pode. A União Europeia alargou-se muito precipitadamente. Os alargamentos foram feitos para esconder outros fracassos e outras incapacidades. Como a reforma institucional. A indispensável reforma institucional. Como sabe eu sou um europeísta federalista e acho que deve haver um Governo europeu e que devem haver símbolos europeus. Não há por timidez, por cobardia, por falta de coragem.
- Numa Europa a 27 é totalmente utópico.
- Numa Europa a 27 começa a ser uma grande balbúrdia cá dentro. Mas, enfim, o sistema tem de continuar e é possível que vá continuar. E o grande projecto europeu é um projecto de paz e nós com a Europa temos conseguido viver em paz estes anos todos. E não é um pequeno feito. Temos de continuar a acreditar na Europa e a avançar na Europa e com os projectos europeus.
- Falou em paz. Mas a Europa, em termos de Defesa, vive da NATO.
- Por acaso tem feito alguns progressos.
- Mas poucos.
- Alguns progressos que são sensíveis.
- Um analista militar ainda dizia recentemente que os exércitos europeus são ridículos.
- Bem, isso é excessivo.
- Mas não acha que a NATO continua a ser importante em termos do futuro da Europa e da paz?
-
Eu acho que não. Eu pergunto-me se a NATO tem sentido. Eu acho que a NATO não tem sentido e que depois da Guerra Fria ter acabado devia ter acabado. Não houve coragem para fazer isso. E isso cria muitos problemas.
- Tem consciência que essa opinião é mais uma vez contra a corrente dominante.
- Claro, com certeza que é. Absolutamente. Porque não pensaram nisso. Vão seguindo. O que se está a passar na NATO é que a NATO vai ter os maiores problemas, não na Europa, mas no Afeganistão. E o Afeganistão vai ser um caos maior e mais grave do que foi o Iraque, o que tem sido o Iraque até agora e que vai continuar a ser, ao contrário do que dizem. É preciso mudar isso tudo. E é nesse sentido que eu acredito muito no Obama. Não que ele vá mudar tudo, que não vai. Mas o Obama vai levantar um vento fresco que vai soprar sobre a Europa e sobre o Mundo que é extremamente salutar.
- Sobre o Médio Oriente também vai soprar esse vento fresco?
- Sim, se o meu amigo ver o que se está a passar no Médio Oriente percebe que isso é indispensável.
A própria sobrevivência de Israel, com a situação que criou com aquele enclave no mundo árabe, é uma situação muito periclitante. Basta que mudem as coisas e aos americanos percam o poder que têm para isso tudo vir abaixo. Porque eles vivem da América. Esses é que vivem da América. Bem, eu acredito que o Mundo vai se aperceber com a crise de algumas questões que são fundamentais. Que o sistema tem de mudar, temos de avançar num sistema social a sério, num sistema ambiental a sério e que para o bom funcionamento da economia é preciso que os trabalhadores tenham uma palavra dizer e sejam tratados com dignidade.
- No meio de tudo isto os velhos partidos comunistas não podem ter uma janela de oportunidade?
- Não creio. Onde é que estão os velhos partidos comunistas? Estão a repetir a cartilha. Sinceramente não creio. Evidentemente que eles têm uma voz contestatária e o protesto é útil. Acho que o PC tem importância.
......
- Falou nos trabalhadores, no respeito pelos seus direitos. Mas o Estado Social, a Europa social...
- Não tem sustentabilidade.
- Não está falido?
- É uma receita do neoliberalismo para tapar a boca.
- Os cidadãos que nos estão a ouvir e a ler têm menos reformas hoje em dia. Não é verdade?
- Têm de ter mais.
- Mas têm menos.
- Mas têm de ter mais. A verdade é esta. O Estado social é indispensável para que a economia funcione. E os anos de progresso da Europa foi porque tinha um Estado social. Não foi por mais nada.
- E isso não faliu?
- Está a ser dito. Agora está a ser reconhecido por toda a gente. Claro que há pessoas que já viram isto há uns anos atrás. Mas isto é a mudança fundamental. E os americanos vão sair desta crise reforçados. Porque só podem sair se houver políticas como o Roosevelt na crise de 1º929. Se não não saem.
- Sabendo que é uma referência e é um homem do futuro, o que é que tem a dizer às pessoas que vivem momentos dramáticos para serem optimistas?
- As razões são as que eu disse. Espero que se consiga vencer esta crise. E o Obama dará uma boa contribuição se for eleito.
- Está a jogar as cartas todas no Obama.
- Não estou aqui a jogar as cartas.
- Mas disse que se ganhar o McCain, se perder o Obama vai ser um desastre.
- O McCain é mais do mesmo. O McCain é a mesma coisa do que o Bush. E a senhora que ele escolheu ainda é pior do que o Bush
-
A Sarah Palin.
- Sim, é muito pior do que o Bush. Aquilo tudo é uma ilusão. Se os americanos fizerem isso é porque são tontos. Há uma massa americana muito pouco crítica. Mas tudo o que é sólido na América, tudo o que é inteligência, nas universidades, nas artes, nas ciências, está com o Obama. Tem alguma dúvida disso?
- Não tenho dúvida. Mas noutros tempos estavam com o Al Gore. E depois perderam.
- Pois estiveram. Perderam.
- A democracia é assim.
- Perderam e houve também alguma falta de coragem dos lideres democratas e que têm responsabilidades. Com toda a estima pelo Al Gore. Mas agora não é o caso. Este tipo tem mostrado, o Obama, que não só tem cabeça como tem coragem.
- Tem defendido algumas vezes a democracia directa de Hugo Chávez.
- Não é uma democracia directa, desculpará.
- Como é que a define.
- É uma democracia, que não é ainda uma democracia social, mas que para lá caminha, se tiver tempo, com grandes laivos de populismo. Essa é a questão de toda a América Latina, em que houve uma evolução total, há uma revolução pacífica na América Latina que nós não acompanhamos. Eu acompanho porque sou muito partidário da América Latina e acho que tem muito a ver connosco. Nós temos 700 mil portugueses na Venezuela, temos de ter boas relações, bati-me por isso. E a propaganda que se faz contra o Chávez, muita dela sabe-se de onde vem. Mas o Chávez tem algumas qualidades. Eu conheci-o, tornei-me amigo dele, fiz uma conversa com ele na televisão em que mostrou que não é um imbecil como se julgava, nem é um louco, porque foi muitíssimo hábil.
- Não tem comparação com Lula da Silva.
- São diferentes.
- Lula da Silva mostrou que é um estadista.
- Sim. Eu sou grande amigo do Lula, como sabe.
- Eu sei.
- Mas acho que o Lula e o Chávez, eles compreenderam isso, têm necessidade um do outro. O Chávez não é um homem cruel. Nunca matou ninguém, não mete os inimigos na cadeia, não faz essas coisas. E perde eleições e respeita esse veredicto. Isso é importante.
......
- Depois de preso doze vezes, deportado, lutador, por convicções. Valeu a pena?
- Absolutamente. Sinto-me perfeitamente realizado e não tenho dúvida nenhuma sobre isso. Só gostaria de ter tido tempo para escrever mais dois ou três livros.
- As memórias? Isso não?
- Eu acho que não tenho categoria para escrever memórias.
PERFIL
Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu em Lisboa no dia 7 de Dezembro de 1924. Casado, com dois filhos, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa e em Direito na Faculdade de Direito de Lisboa. Fundador do PS, esteve preso doze vezes na ditadura e foi deportado por Salazar para São Tomé. Daí partiu para o exílio em França. Regressou a Portugal depois da revolução de Abril, foi deputado, ministro, primeiro-ministro e Presidente da República de 1986 a 1996.
António Ribeiro Ferreira (Correio da Manhã) e Luís Osório (Rádio Clube Português)