EB - AGSP
credito: Christian Castanho / Luiz Luna / Bete Ander
Veteranos na ativa
Pode parecer surreal imaginar uma linha de montagem de onde saem modelos fora de linha. Mas é isso o que acontece no interior do Arsenal de Guerra de São Paulo, em Barueri, na Grande São Paulo. Lá, tanques blindados e outros veteranos veículos militares são desmontados, têm seus componentes reparados e são novamente montados para voltar à ativa. Uma próxima missão está prestes a ter início: restaurar 40 Toyota Bandeirante alguns com duas décadas de serviço militar usados como ambulância.
Tudo começou 13 anos atrás, quando os militares deram a largada em um projeto para recuperação de blindados. Em 1998, os estudos foram abandonados, mas não de todo esquecidos. Tanto que, em 2000, foi feita a linha de montagem e desmontagem em um parque industrial que inclui oito pavilhões, cinco pontes rolantes e duas cabines de pintura, e logo começaram os trabalhos de reforma dos primeiros tanques.
Lá é possível recuperar os sistemas mecânico, óptico, de armamento e de comunicação de 80 veículos por ano.
Se o visual de um tanque impressiona, imagine seus 4000 itens isolados. Trabalhoso demais? “O custo benefício é excepcional”, diz o general Sinclayr Maia, diretor de material do Exército. Dos 6000 veículos que os militares usam, 2000 são blindados, enquanto
veteranos como os jipes Willys passam de 300. Recuperar e manter esses velhinhos na ativa é vital para o Exército. “As viaturas ganham sobrevida de dez anos, no mínimo”, afirma o general, fazendo um raciocínio que se estende a jipes e utilitários 4x4, assim como carros de passeio usados em funções administrativas. “Não dá para matar os veículos e ficarmos sem eles.”
A missão
Com as unidades de saúde no total, são
347 os Bandeirante transformados pelo Exército em ambulância, a ideia é fazer manutenções corretiva e preventiva. Assim, veículos em estado avançado de decomposição ou que estejam sem um eixo, por exemplo, devem virar sucata. Os motores serão retificados quando necessário. As primeiras 11 ambulâncias já estão no Arsenal de Guerra e vieram de bases do interior (Itu, Pirassununga e Caçapava), do litoral (Guarujá) e da Grande São Paulo (Osasco e Barueri). Nove são chamadas operacionais têm equipamentos para enfrentar qualquer terreno, como pneus mais largos e quebra-mato reforçado, entre outros, sendo que três delas chegaram a participar da missão de paz liderada pelo Exército brasileiro no Haiti (leia na pág. 6).
Restaurar um Bandeirante transformado em ambulância é bem mais simples que cuidar de um Urutu, cujos vidros suportam tiros de metralhadora e a carroceria, de fuzil. Mesmo assim, cada viatura passará por 12 etapas até voltar à ativa. O programa de recuperação dos Bandeirante só deve ser encerrado em novembro de 2010. Em um espaço de 600 metros quadrados, serão feitos ajustes mecânicos e elétricos, batidas serão desamassadas e o verde-musgo ganhará uma demão para voltar a brilhar. O mais difícil será confeccionar o baú: são necessárias três semanas de trabalho, segundo estimativa do capitão Guilherme Eduardo da Cunha Barbosa, responsável pelo restauro no Arsenal de Guerra.
Sol do Caribe
Uma das principais tarefas assumidas pelo complexo de Barueri é equipar os veículos que atuam na missão no Haiti, a mais de 5000 km de distância. O Arsenal de Guerra foi responsável, por exemplo, pela instalação de lâminas de aço balístico do tipo limpa-trilhos, capazes de remover obstáculos que impeçam o trânsito dos veículos, principalmente em áreas hostis às forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU).
Outra tarefa foi a criação de proteção balística para o motorista e outra para o atirador, que foram produzidos em Barueri, mas instalados lá no Haiti. As equipes do Arsenal viajam com frequência para fazer a manutenção dos veículos usados na missão.
No armazém de peças às margens da rodovia Castelo Branco, rolos de borracha esperam o embarque para aquele país. Serão usados como “tapete” nos blindados. Também há veículos em preparação para serem levados ao Haiti. Os blindados de até 14 toneladas são equipados com motores de caminhão, como o cinco-cilindros de 9650 cm³ do 1519, lançado pela Mercedes-Benz nos anos 70. Eles passam por retificação e pintura antes de serem instalados nas viaturas militares.
Hierarquia
Como as patentes do Exército, a manutenção dos veículos militares também tem diferentes escalões. O primeiro dos quatro níveis envolve os cuidados básicos com pneus e óleos, responsabilidade de quem utiliza a viatura. O segundo escalão equivale ao serviço oferecido por uma concessionária e é executado em batalhões logísticos, espalhados pelo território nacional. Se é preciso um reparo mais complexo, são os parques regionais que assumem a missão. Por fim, a recuperação completa de um veículo é exclusividade dos arsenais, existentes no Rio de Janeiro, em General Câmara (RS) e em Barueri, o mais avançado dos três.
Por esse motivo, missões especiais como o restauro dos Bandeirante são destinadas ao complexo à beira da rodovia Castelo Branco. Mas também há tempo e espaço para serviços mais simples, como alinhar e balancear um Land Rover Defender de um quartel da região, fazer a revisão de um jipe Engesa ou reparos na carroceria e na mecânica de um caminhão anti-incêndio fabricado pela Jamy.
Também é comum os quartéis usarem carros civis de mais de uma década para as funções administrativas, como levar um documento de um quartel a outro. Em muitos casos, são veteranos de mais de uma década de uso e modelos que já foram dispensados por suas montadoras, como Fiat Tempra ou Uno fabricados no início dos anos 90. Seja qual for o tipo e uso do veículo, a missão principal do Arsenal de Guerra de Barueri é deixar os veteranos ativos como um recruta.
QUARENTÕES EM PONTO DE BALA
Os Toyota Bandeirante usados como ambulância pelo Exército têm, em média, 20 anos de serviço na ativa. Mas não são nem os únicos nem os mais veteranos da força. A frota ainda conta com
318 Jeep Willys, com idade média de 41 anos. Apesar da experiência, muitos desses jipes chegaram a atuar na missão de paz no Haiti, e aos poucos foram substituídos por modelos Land Rover Defender e Agrale Marruá. No 13º Regimento de Cavalaria Mecanizada, em Pirassununga (SP), sobrevivem 13 Willys, que diariamente passam por manutenção básica. Hoje esses veículos são usados em exercícios de garantia da lei e da ordem, mas também em treinamento externo e desfiles. A suspensão é o componente que mais exige trocas e, por isso, volta e meia os Willys precisam de uns dias de baixa até a chegada das peças. Os mecânicos militares, formados pela Escola de Material Bélico, no Rio de Janeiro, buscam peças de reposição em outros quartéis. Quando não encontram o que procuram, fazem como muito bom jipeiro e improvisam.