Meu Deus, como tem animal escrevendo em nossos jornais. =====================================================
Elípticas nucleares
O Brasil por acaso acredita que a nuclearização do Irã abriria espaço para o colapso do tratado de
não proliferação, permitindo-nos avançar no domínio da tecnologia para fins militares?
Por Alon Feuerwerker
Chegou a hora de o governo brasileiro esclarecer sua posição sobre se convém ao mundo o Irã
possuir armas nucleares. Se a resposta é “não”, basta dizer. Se é “sim”, a coisa pode ser afirmada até
com mais sutileza, só reforçando o direito de todas as nações à soberania nesse campo. Então, com
tudo esclarecido, vai ser possível debater onde afinal entra o interesse brasileiro na história.
Até agora é um tema conduzido elipticamente pela nossa diplomacia e pelo presidente da
República. O mais importante é omitido. E talvez não pudesse ser mesmo de outro jeito. Oficialmente, o
Brasil rejeita que as pressões sobre o Irã cheguem ao limite das sanções. Defende o diálogo.
Ótimo. Mas diálogo com que objetivo? Isso não está claro.
Luiz Inácio Lula da Silva tem dito também, direta ou obliquamente, ele próprio ou pela palavra de
outros, que países já atômicos não devem meter o bedelho na vida alheia, pois lhes faltaria moral para
tanto. É uma defesa do “sim” como resposta à questão que abre esta coluna, e exatamente com o
argumento da soberania.
Talvez o governo brasileiro acredite que um Irã nuclear é necessário para desbloquear a
emergência do Estado palestino, sem pré-condições impostas por Israel ou pelos Estados Unidos. É a
posição, entre outros, do Hamas e do Hezbollah. Mas enfrenta feroz resistência entre a ampla maioria
dos árabes, pois daria a Teerã a vantagem estratégica capaz de desequilibrar o jogo na região.
Possivelmente Israel teria como defender-se no novo contexto. Os outros vizinhos do Irã, não.
Talvez o Itamaraty considere que um arsenal nuclear iraniano poderia enfraquecer a posição
relativa dos Estados Unidos no Oriente Médio, abrindo espaço ao Brasil como potência planetária
emergente, ainda mais por sermos interlocutor privilegiado daquela república islâmica.
O governo Lula tem insistido para ser convidado à mesa nas discussões (hoje bloqueadas) entre
israelenses e palestinos, mas nosso poder de fogo é relativo, menor ainda que o da Europa. Quem dá as
cartas na barafunda levantina são os Estados Unidos, a Rússia e Israel. Possivelmente pela
superioridade militar.
O Brasil por acaso acredita que a nuclearização do Irã abriria espaço para o colapso do Tratado
de Não Proliferação de Armas Nucleares, de que somos signatários, permitindo-nos avançar no domínio
da tecnologia para fins militares? A pergunta é um pouco longa mas necessária. É isso? Nós queremos
ter a bomba? O governo está em busca de motivos, ou pretextos, para tomar as providências jurídicas e
materiais para tal?
Para que nós precisaríamos mesmo da bomba? Para construir uma hegemonia hemisférica à
margem da área de influência dos Estados Unidos? Pois para atacar a Argentina é que não vai ser. Não
temos qualquer contencioso com ela ou outros vizinhos. Pelo menos não contenciosos que demandem
solução militar. E, se um dia possuirmos artefatos nucleares, certamente os colegas da América do Sul
correrão a neutralizar a vantagem brasileira. O que poderia se dar por dois caminhos. Eles próprios
possuindo a bomba ou então permitindo aos Estados Unidos uma presença de dissuasão aqui ao lado.
A América do Sul é um continente privilegiado, livre do terrorismo e de todo tipo de arma de
destruição em massa. É o cenário perfeito para a expansão de um “soft power” como o Brasil, baseado
na pujança relativa da economia, na proximidade da língua, na nossa herança histórica desprovida de
ímpetos coloniais.
Será o caso de mudar a abordagem? Se for, o governo poderia explicar por quê?