Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

Assuntos em discussão: Exército Brasileiro e exércitos estrangeiros, armamentos, equipamentos de exércitos em geral.

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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#151 Mensagem por EDSON » Ter Dez 07, 2010 7:05 pm

V. As Travessias do rio Oder (fevereiro de 1945)

A ação seguinte, que se verificou durante a última faze da guerra, conduziu à formação de uma cabeça de ponte russa que viria a ter importância decisiva algumas semanas após o seu estabelecimento. O procedimento dos russos foi uma variação do exemplo precedente. Neste caso, os russos criaram a cabeça de ponte num único dia, mediante a realização de ataques convergentes bem coordenados. Antes da travessia principal, fortes elementos russos realizaram um ataque diversinário num ponto mais acima do rio. esse ataque secundário teve a dupla finalidade de forçara os alemães a empregarem suas reservas e levá-los a lutar em duas frentes, tão logo o ataque principal cruzasse o rio. Neste caso, as duas forças de ataque coordenam suas operações e receberam eficaz apoio aéreo e e terrestre. Ao avaliar-se esta ação deve-se considerar que as tropas alemãs que se defrontavam com os russos eram constituídas por unidades improvisadas, organizadas em condições de excepcional emergência.


Imagem


Em princípios de fevereiro de 1945, após o colapso da frente alemã na Polônia, em janeiro, o avanço russo deteve-se a leste do rio Oder. uma divisão de infantaria alemã, improvisada, achava-se desdobrada na margem oeste do rio, ao sul de Frankfurt, antes do Oder. O 2º Regimento de Granadeiros dessa divisão, composto de unidades as mais diversas, como guarda de seguranças, unidades SS, batalhões Volksturm, bem como dos instruendos de uma escola militar, recebeu um setor 6,5 Km ao longo da margem do rio que formava um saliente e dominava o terreno limpo, existente entre o aterro e margem do rio enquanto o 3º Batalhão era empregado ao longo de um aterro e a margem do rio. O 2º Regimento de Granadeiros estava apoiado por um grupo de artilharia leve, duas baterias de obuseiros de campanha e um grupo de lança rojões. Seus postos de observação achavam-se localizados em posições avançadas, próximas do PC dos batalhões e sobre o aterro.

Em meados de fevereiro, pontas de lança russas, motorizadas e de carros, tentaram de surpresa uma travessia do rio Oder próximo de Frankfurt, mas fracassaram. Depois disto, os russos aguardaram até que sua infantaria pudesse cerrar com as unidades mecanizadas. Na noite de 22 de fevereiro, várias patrulhas de reconhecimento russas tentaram atravessar o rio sem serem percebidas, mas foram interceptadas e repelidas pelos dois batalhões que se achavam na margem oeste. Uma série de pequenos engajamentos verifico-se nas noites seguintes, mas o comandante alemão estava convicto de que nenhuma patrulha russa havia se infiltrado em seu setor e de que o inimigo não tencionava forças um transposição naquela área.

A noite de 27-28 de fevereiro caracterirozou-se por uma fraca visibilidade, chuvas e fortes ventos oeste. Não obstante o mau tempo, aviões de reconhecimento russo estavam excepcionalmente ativos e o ruído de seus motores pôde ser ouvido durante a noite. Todo o setor regimental, inclusive o aterro, recebeu fogos de inquietação esporádicos.


Às três horas, uma forte patrulha russa atravessou o rio, na extremidade norte do saliente, utilizando botes pneumáticos e sem percebida pelo alemães; penetrou na ala esquerda do 2º Batalhão, silenciou seu defensores e estabeleceu a segurança em ambos os flancos de uma penetração de 200 metros. A tempestade e o barulho dos motores dos aviões abafaram os ruídos dos combates, de modo que enm as unidades vizinhas, enm o pessoal de comando, no PC do Batalhão, tiveram sua atenção despertada.


Em menos de uma hora, um batalhão de infantaria russa com canhões AC, obuseiros e cinco carros leves atravessava o rio no mesmo ponto, utilizando portadas de pontões. Os alemães não tiveram conhecimento da cabeça de ponte até as 04:00 horas quando, subitamente, ouviram ruídos de carros russos dando partida nos motores. O comandante do 2º Batalhão alertou suas reservas, mas seus dois contrataque contra os flancos da cabeça de ponte não conseguiram desalojar os russos.

tendo em vista impedir qualquer outro avanço da cabeça de ponte, o comandante do regimento deu ordem às 9º e 11º Companhias reunirem próximo do centro do bosque enquanto ainda estava escuro. As 05:30 Horas, as duas companhias foram subitamente atacadas por uma forças vinda do norte. Os cinco carros haviam rompido a cabeça de ponte e, apoiados pela infantaria, avançavam pelo lado oeste do aterro. Ao tentar bloqueara a arremetida russa, as duas companhias alemãs sofreram elevadas perdas em feroz combate corpo a corpo. Embora o fogo dos carros russos não fossem muito preciso, foi bastante para paralisar a resistência das inexperientes tropas alemãs. às 06:00 horas um pelotão de infantaria russo tomou a direção leste e atacou o PCdo @º Batalhão pela retaguarda, forçando o pessoal de comando alemão a evacuá-lo apressadamente.

Ao alvorecer, o comandante do regimento fez um estudo da situação. Os russos ocupavam a metade leste do bosque. Alguns focos de resistência alemã continuavam se mantendo imediatamente ao sul do bosque. Rajadas de fogo esporádicas eram ouvidas do interior do bosque. os remanescentes da 9º e 11º Companhias haviam perdido contato com o PC regimental. Em seu novo PC, o pessoal do 2º Batalhão não tinha qualquer controle sobre as unidades subordinadas que ocupavam as posições do rio.

Nessa emergência, o comandante deu ordem a 12º Companhia, unica unidade ainda em reserva, para deslocar-se de sua posição próxima da extremidade sul da saliente, e bloquear qualquer avanço russo. Informou o comando da divisão da situação critica de que encontrava e prometeu-lhe que seria reforçada. Um batalhão seria deslocado para seu setor a fim de desencadear um contrataque contra a cabeça de ponte russa., mas sua chegada não se daria antes do meio dia. Nesse ínterim, o comandante do regimento determinou que o grupo de artilharia batesse as forças russas reunidas no bosque.

Enquanto a atenção dos alemães se voltava para a ameaça ao norte, a força principal de ataque preparava-se para atravessar o rio face ao setor do 1º Batalhão. Às 07:00 horas, aproximadamente 25 baterias russas abriram fogo sobre as posições dos 1º e 2º Batalhões na margem oeste, sobre os PCs alemães de aterro, sobre 12º Companhia ( que se deslocava para o norte) e ainda sobre as posições de artilharia à retaguarda. às 07:40 horas, a força principal de ataque, consistindo de 2 regimentos de infantaria, iniciou a travessia do Oder e imediatamente tomou pé na margem oeste. Simultaneamente a força que fizera o ataque inicial reuniu-se no bosque e atacava para o sul, eficazmente apoiado pelo fogo de artilharia em posição na margem leste do rio. As forças russas repeliram os remanescentes do 3º Batalhão, inclusive a 12º Companhia, eliminaram os PO de aterro não destruídos pela preparação de artilharia e cercaram as forças alemãs que ocupavam posições ao longo da margem do rio. Esse ataque impediu que os dois batalhões se retraíssem para posições previamente preparadas no aterro.

Em vista das circunstâncias, a força principal de ataque não teve dificuldade de abrir uma brecha de 1,5 Km na margem oeste e em fazer a limpeza da área a leste do aterro. Nos dias seguintes, os russos consolidaram a cabeça de ponte, que se tornou uma das principais áreas de reunião para a última grande ofensiva da guerra.

Nesta ação, os russos demonstraram sua proficiência em obter surpresa através da seleção de locais de travessia vantajosos para o estabelecimento de uma cabeça de ponte pelo apoio de artilharia à força incumbida do assalto inicial e mediante a coordenação de ataque secundário com operação de transposição principal. Os dois ataques convergentes através do Oder basearam-se num plano detalhado e bem coordenado. A surpresa foi obtida pela manutenção do sigilo e pela ilusão dos alemães quanto ao ponto principal de transposição. Os desembarques iniciais foram precedidos de completo reconhecimento e tiveram por base as informações colhidas pelas patrulhas que conseguiram atravessar o rio nas noites precedentes. Os russos conheciam a localização dos PC alemães, bem como de seus observadores de artilharia e de suas reservas. O local da travessia principal achava-se a considerável distância daquele selecionado para o assalto inicial. A artilharia russa, na margem leste, proporcionou excelente apoio durante todo o ataque; seus observadores avançados encontravam-se com os elementos do 1º escalão da força de assalto inicial e puderam, assim, localizar os alvos com toda a precisão. essa força, distraindo a atenção dos defensores e atraindo suas reservas, assegurou o sucesso de transposição própriamente dito.




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#152 Mensagem por EDSON » Ter Dez 07, 2010 7:30 pm

VI. Ainda as Operações Russas em Cursos de Água


As operações em transposição em cursos de água, que não dispõe de passagens utilizaveis e cuja a segunda margem encontra-se defendida pelo inimigo, constitui-se em uma operação com características especiais.


O sucesso da operação repousa, dentre outros, nos seguintes aspectos:


1) no sigilo e na dissimulação;

2) no apoio de vulto do escalão superior, em pessoal e meios de engenharia para transposição;

3) na atuação marcante dos elementos de apoio administrativo;

4) nas informações precisas sobre o terreno e o inimigo;

5) na coordenação perfeita em todas as unidades envolvidas na operação;

6) no emprego judicioso dos meios de comunicação;

7) no ensaio de todas as fases de operação;

8) na seleção de locais de travessia adequados;

9) na escolha de estabelecimento de uma cabeça de ponte que permita transpor os meios para outra margem com segurança.



A leitura deste capitulo permite que sejam identificados alguns dos aspectos citados. Convém, no entanto, ressaltar duas passagens peculiares. A primeira referente ao estabelecimento da cabeça de ponte e à segunda construção de pontes submersas.

Quando à primeira passagem, a peculiaridade reside que a cabeça de ponte escolhida não precisa ser, necessariamente, num terreno favorável para tal. Os russos procuravam estabelecê-la num ponto difícil de ser por ele defendido, o que não é normal. a escolha deste local baseava-se no fato de que, por ser o terreno de características adversas, o inimigo não se preocupava em defendê-lo fortemente, apressando ali uma fraca resistência, o que requeria, por conseguinte, um menor esforço no estabelecimento na cabeça de ponte, necessitando no entanto, de um esforço desdobrado na sua manutenção.

Quando à segunda passagem, o fato por si só é inusitado, e não se tem conhecimento da existência de equipagens que permitam tal construção. As vantagens deste tipo de ponte, entretanto, são inegáveis, pois as pontes constituem no elemento básico para as operações de transposição, por conseguinte, alvos prioritários da artilharia e da força aérea inimigas. Sendo a ponte submersa, ela apresentará maior dificuldade pra sua localização e destruição e será o elemento preponderante na surpresa obtida nas forças que transporão o rio.




Editado pela última vez por EDSON em Ter Dez 07, 2010 11:02 pm, em um total de 2 vezes.
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#153 Mensagem por EDSON » Ter Dez 07, 2010 7:31 pm

Qual próximo assunto que gostariam de ver?




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#154 Mensagem por Clermont » Qui Dez 30, 2010 1:09 pm

A INFANTARIA LIGEIRA NA GUERRA DE MANOBRAS - O MODELO ROMMEL.

David A. Grossman
"Dada a mesma quantidade de inteligência, a timidez fará mil vezes mais mal, na guerra, do que a audácia."

Clausewitz, Sobre a Guerra.
O IMPACTO DE ERWIN ROMMEL NO MODO ALEMÃO DE GUERREAR.

Embora a maioria saiba que o líder Panzer da Segunda Guerra Mundial, Erwin Rommel, foi um ousado praticante da guerra de manobras, muito poucos sabem que ele aprendeu e aperfeiçoou suas habilidades de guerra de manobras como um infante ligeiro na Grande Guerra. Na verdade, pode-se argumentar que o modo alemão de guerrear na Segunda Guerra Mundial foi, profundamente, influenciado pelas experiências de Rommel em infantaria ligeira na Grande Guerra, e pelo livro que ele lançou a partir destas experiências.

O livro de Rommel, Ataques de Infantaria, foi publicado, pela primeira vez, em 1937, sob o título Infanterie Greift An, e foi um tremendo sucesso na Alemanha, antes e durante a guerra. Por volta de 1944, o livro já tinha recebido, pelo menos, dezoito edições, e seu impacto sobre o Exército alemão foi incalculável. (Como, também, o impacto sobre líderes aliados como George S. Patton, possivelmente, o maior mestre de guerra de manobras dos Aliados, que era "fissurado" pelo livro e o leu, e releu, "até conhecê-lo de cor e salteado".)

Ataques pode ser visto como um livro de autopromoção no qual Rommel nos conta como ganhou a Pour Le Mérite, a mais alta condecoração da Alemanha, na Grande Guerra - também conhecida como "Blue Max". Seu livro era autocongratulatório e teve um grande papel ao colocá-lo na trilha para a fama e a glória - que terminaram com seu suicídio forçado, em 1944, quando foi implicado no complô contra Hitler. Mas, Ataques também foi uma exortação evangélica para uma geração de soldados alemães (e para qualquer outro soldado que leia e aprenda com ele), construída sobre o sistema "Hutier" de táticas de infiltração e táticas "orientadas para a missão" da Grande Guerra, e falando de uma forma melhor de travar a guerra. Cada capítulo termina com um conjunto detalhado de "observações" ou lições baseadas sobre suas experiências, e estas lições, seguidas de coração pela Wehrmacht, eram lições sobre guerra de manobras de um autêntico mestre.

Para a Alemanha. Ataques foi o toque de clarim para institucionalizar a embrionária doutrina de guerra de manobras, desenvolvida pelo Exército alemão, no final da Grande Guerra. Para um estudante da guerra de manobras, Ataques é uma obra-prima básica, fundamental. Para um Exército dos Estados Unidos, lutando para determinar sua doutrina fundamental e colocar a infantaria ligeira dentro desta doutrina, Ataques funciona como um exemplo soberbo de como a guerra de manobras pode ser executada pela infantaria ligeira.


ROMMEL E A 12ª BATALHA DO ISONZO.

Capturar o exército inimigo é melhor do que destruí-lo.

Sun Tzu.
O ponto culminante dos feitos de Rommel na Grande Guerra foi sua decisiva operação de infantaria ligeira, durante a 12ª Batalha do Isonzo (Batalha de Caporetto) na frente italiana. Utilizando uma combinação de técnicas de infiltração e penetração, conduzidas em terreno montanhoso, sob condições climáticas adversas, ele conduziu uma campanha que é um exemplo de sala de aula das operações de guerra de manobras de infantaria ligeira.

O principal objetivo operacional do Exército italiano, após entrar na Grande Guerra, em maio de 1915, era a captura da cidade de Trieste. Durante os próximos dois anos, dez batalhas tiveram lugar ao longo do baixo curso do Rio Isonzo, durante as quais as forças austríacas, defendendo esta frente foram, lentamente, empurradas para o leste, com os atacantes italianos, aproximando-se de Trieste. De agosto a setembro de 1917, durante a 11ª Batalha do Isonzo, o Exército italiano desfechou um massivo ataque de 50 divisões, num setor estreito, obtendo sucesso em assegurar significativos pontos de apoio além do Rio Isonzo e nas montanhas a oeste do rio. Dali, os italianos estavam numa excelente posição para, finalmente, assegurar Trieste no seu próximo ataque.

Devido ao perigo que esta situação representava para seus aliados austríacos, o Alto-Comando alemão enviou um exército de sete divisões veteranas para dar apoio a uma ofensiva combinada austro-alemã, para rechaçar os italianos de volta para trás do Rio Isonzo, bem no fundo do seu próprio território nacional. Que os alemães devotassem uma tal grande força para esta operação, logo após o tremendo gasto de homens e material em Verdun e Flandres, é indicativo do quão seriamente o Alto-Comando alemão contemplava a situação.

As tropas alemãs chegaram no front após uma série de marchas noturnas, passando seus dias amontoados no que Rommel chamou "as mais desconfortáveis e inadequadas acomodações imagináveis." Esta cuidadosa campanha de segurança operacional foi toda em vão, já que um soldado tcheco, com mapas e ordens delineando a ofensiva, desertou para o lado italiano. Assim, ao alvorecer de 24 de outubro de 1917, após uma extensiva preparação de artilharia, e sob a cobertura de uma pesada chuva, uma força combinada austro-alemã, de aproximadamente 15 divisões, atacou uma força italiana, de sobreaviso, que estava defendendo um íngreme terreno montanhoso, numa série de três cinturões defensivos, extensamente preparados.

No capítulo V de Ataques, Rommel relata como as forças austro-alemãs foram capazes de, rapidamente, penetrar o primeiro cinturão defensivo, devastado pela artilharia, enquanto "os remanescentes da guarnição emergiam das ruínas [de suas posições] e corriam para nós, com as mãos levantadas e faces distorcidas pelo medo." Neste terreno montanhoso, o tenente Rommel, no comando de um destacamento de infantaria de montanha, no valor de três companhias, foi capaz de infiltrar o segundo cinturão defensivo do inimigo, com rapidez, já que a maioria da sua guarnição italiana "tinha procurado abrigo, nas suas casamatas, contra a chuva torrencial" e não tendo percebido que a primeira zona tinha caído. Ao abrir caminho em volta deles e se aproximar das posições defensivas da segunda zona, pela retaguarda, Rommel foi capaz de forçar a rendição da maioria destas posições, no seu setor.

No dia seguinte, 25 de outubro, após extensivas operações noturnas de reconhecimento, Rommel prosseguiu a operação do dia anterior com uma penetração da terceira linha defensiva italiana. Ele era um mestre na manutenção do impulso do ataque, ao reforçar e explorar o sucesso das operações ofensivas prévias. Momento após momento da Grande Guerra, elementos de infantaria ligeira sob seu comando foram capazes de infiltrar ou penetrar as posições de linha de frente do inimigo e, rapidamente, se mover para o fundo de sua retaguarda. Quanto mais por detrás das linhas de frente ele chegasse, mais desprevenido estaria o inimigo e mais bem-sucedidas suas operações. Durante vinte e oito horas de constante operações nos dias 25 e 26, Rommel foi capaz de utilizar estas táticas para penetrar o terceiro cinturão defensivo italiano, capturar o Monte Matajur e assegurar um passo de montanha, chave, que constituía a rota principal de suprimento para a porção setentrional da frente italiana.

Transportando cargas de combate totais, os soldados de infantaria de montanha sob o comando de Rommel, "superaram diferenças de elevação de 2.400 m (8 mil pés), morro acima e 900 m (3 mil pés), morro abaixo, e atravessando uma distância de 19 Km (12 milhas), através de fortificações de montanha hostis." Durante estas operações, os serventes de metralhadoras pesadas, transportando cargas de 40 Kg (90 libras),determinavam o ritmo da escalada."

Seria difícil encontrar um exemplo mais notável de operações de guerra de manobras de infantaria ligeira. O total de prisioneiros e troféus capturados pelo pequeno destacamento de Rommel, durante toda a 12ª Batalha do Isonzo, montava a "150 oficiais, 9 mil soldados e 81 canhões. Não incluídos nestes números estavam as unidades inimigas que, após terem sido isoladas... depuseram as armas, voluntariamente, e juntaram-se às colunas de prisioneiros." As ordens do dia do Corpo Alpino alemão salientavam que a captura de terreno-chave pela unidade de Rommel "provocou o colapso de toda a estrutura da resistência hostil... [e] provocou uma irresistível perseguição em larga escala." O sucesso de Rommel nesta operação, rendeu-lhe a Pour Le Mérite, a mais alta condecoração do Exército alemão.

Durante estas 52 horas de quase contantes operações, o destacamento de Rommel sofreu, apenas, 6 mortos e 30 feridos. Sua segurança repousava no incansável impulso de suas operações ofensivas e a incapacidade dos italianos de reagirem ao ritmo das operações de Rommel.

O rápido sucesso de Rommel, seu número de baixas desigual, e o tremendo número de prisioneiros capturados, pressagiava um sucesso similar, obtido por meio da aplicação dos mesmos princípios da guerra de manobras, durante a blitzkrieg contra a França, em 1940, e a ofensiva terrestre dos Aliados contra o Iraque, na Guerra do Golfo de 1991. Uma cuidadosa análise desta operação da Grande Guerra revela princípios táticos que são, plenamente, aplicáveis às futuras operações de guerra de manobras, particularmente, às operações de infantaria ligeira em terreno íngreme.


(continua, qualquer dia destes...)




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#155 Mensagem por Marino » Qui Dez 30, 2010 1:35 pm





"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#156 Mensagem por Clermont » Dom Jan 02, 2011 8:54 am

AS LIÇÕES.

Brechas e Superfícies, Reconhecimento por Pressão e Ataque por Infiltração.
"A tática militar é como a água, pois esta, em seu curso natural, foge dos lugares altos e corre para baixo. Assim é na guerra: a maneira de evitar o que é forte é atacar o que é fraco. E como a água modela seu curso de acordo com o solo por onde corre: um exército, para obter a vitória, adapta suas ações à situação do inimigo."

Sun Tzu.
O primeiro passo num ataque de guerra de manobras é, geralmente, encontrar ou criar uma "brecha" nas linhas inimigas, enquanto se evita ou ultrapassa as "superfícies" (isto é, as forças) naquelas linhas. Em terreno irregular, uma operação de infiltração (movimento furtivo através das linhas inimigas), ou uma operação de penetração (criação e exploração de uma brecha através das linhas inimigas), e as operações de exploração extensivas que devem, subseqüentemente, ocorrer por detrás de tais linhas, exigem um grau de ocultação, mobilidade todo-terreno, flexibilidade, operações independentes, austeridade logística e adestramento que são característicos da infantaria ligeira. Operações de infiltração são técnicas "naturais" de infantaria ligeira, que baseiam-se nas capacidades desta.

Ao nível operacional, bons planos de dissimulação e de segurança operacional são essenciais para apoiar operações de penetração. Antes da 12ª Batalha do Isonzo, os alemães desenvolveram grandes esforços para ocultar o movimento de suas divisões de infantaria da observação inimiga, enquanto conduziam uma marcha de aproximação para a frente, movimentando suas forças, somente, à noite, e ocultando-as pelo dia. Numa moderna operação desta natureza, um tal movimento de dissimulação seria mais fácil de ser obtido com forças de infantaria ligeira (versus forças blindadas ou mecanizadas) já que elas podem ser, muito mais facilmente ocultadas dos satélites, radares e dispositivos de imagens térmicas.

Ao nível tático, as operações de infiltração e penetração de infantaria ligeira, tais como as conduzidas por Rommel, tendem a se misturar, uma com a outra. Antes de qualquer ataque, um cuidadoso reconhecimento das linhas inimigas, sempre era conduzido para encontrar-se brechas ou áreas onde as forças de Rommel pudessem se aproximar delas. Durante a execução do ataque, ele sempre tentava tirar vantagem do terreno, clima e fraquezas no desdobramento inimigo, para movimentar suas forças atravéas das linhas inimigas com um mínimo de contato. Em outras palavras, ele sempre tentava infiltrar. Se ele pudesse fazer isto sem qualquer contato ou, furtivamente supreendendo e despachando uma pequena posição ou seção da linha inimiga, ele o fazia. Se a opção de infitração falhasse, ele sempre estava pronto para executar uma penetração:

1) tendo um elemento de apoio, normalmente consistindo de metralhadoras emassadas, em posição para suprimir as forças inimigas enquanto

2) um pequeno elemento de penetração criava e alargava uma brecha e

3) seu elemento de exploração (que, normalmente, consistia do grosso de suas forças) passava através da brecha e movia-se para o fundo das linhas inimigas.

A infiltração ou penetração não era o objetivo, era, tão simplesmente, um meio para um fim. O objetivo era atravessar as linhas de frente inimigas, de modo a atingir as áreas de comando e de logística e o terreno-chave na retaguarda inimiga. Os reconhecimentos de Rommel eram, normalmente, feitos enquanto os soldados descansavam, e eram, quase sempre, conduzidos por oficiais e sargentos. Estes líderes estavam mais levemente equipados e não sofriam a mesma fadiga que os soldados, tornando-os disponíveis para missões de exploração.

Os líderes conduzindo estas patrulhas recebiam, normalmente, liberdade para criar e assegurar brechas nas linhas inimigas, se possível. Se estas patrulhas de reconhecimento topassem com elementos inimigos que não estivessem, suficientemente alertas, a patrulha poderia capturá-los e, deste modo, criar sua própria brecha. Freqüentemente, estes elementos de reconhecimento, na forma mais pura do "reconhecimento de pressão" (recon pull), faziam as brechas, enviavam de volta um mensageiro, e "empurravam" o restante da unidade através delas. Tais brechas eram comodidades efêmeras, tênues e Rommel sempre tirava vantagem imediata destas oportunidades, transmitindo para seus homens um sentido de urgência e a sensação de que "um segundo de atraso poderia roubar-lhes a vitória".

Em apoio ao seu reconhecimento de pressão, Rommel fazia extensivo uso de observação visual, utilizando seus binóculos, mais do que qualquer outra peça isolada de equipamento. Em operações posteriores, ele fez excelente uso de um poderoso telescópio (capturado) e de um grupo de observação improvisado, para conduzir reconhecimento visual antes de atacar. Em operações similares, o líder de infantaria ligeira dos dias de hoje, precisa fazer uso criativo de todos os elementos de observação visual - tais como miras de visão noturna térmicas de TOW e "Dragon".

Durante a passagem de suas forças através de três linhas inimigas de posições defensivas de montanha, Rommel fez repetido uso de aproximações furtivas para surpreender o inimigo e infiltrar suas posições. Em várias ocasiões ele tirou vantagem do clima adverso, o nevoeiro da guerra, e situações fluídas de linha de frente, para iludir o inimigo, fazendo-o acreditar que seus soldados eram italianos. Numa situação, ele preparou cuidadoso apoio de fogo e dispôs seus soldados para uma operação de penetração, mas, na esperança de pegar o adversário de surpresa, ele determinou que um GC selecionado, sob um líder escolhido à dedo, "se movesse pela trilha, como se ele e seus homens fossem italianos voltando do front, para penetrar a posição hostil e capturar sua guarnição... Eles deviam fazer isto com um mínimo de tiros e arremesso de granadas de mão. No caso da eclosão de um combate, eles estavam assegurados da proteção pelo fogo e apoio de todo o destacamento." Neste caso, eles obtiveram sucesso em capturar, silenciosamente, uma casamata hostil, com dezessete italianos e uma metralhadora. A brecha foi alargada, enquanto dezenas mais de italianos eram capturados, aproximando-se de suas posições pelo flanco e retaguarda, e o caminho foi aberto para se mover ainda mais profundamente para dentro das posições inimigas - tudo sem disparar um tiro.

A furtividade destes ataques foi mantida a qualquer custo, e se alguns soldados inimigos escolhessem correr antes do que se render, os homens de Rommel "não atiravam contra estes inimigos fugitivos pelo medo de alarmar as guarnições das posições instaladas ainda mais alto." Rommel descobriu que, "quanto mais penetrássemos na zona de defesa hostil, menos preparadas estavam as guarnições contra nossa chegada, e mais fácil a luta."

Recentes operações de penetração/infiltração noturnas, em larga escala, no Kuwait pelo Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, durante a Guerra do Golfo de 1991, comprovaram, de novo, a validade desta clássica técnica. Nesta operação, a 1ª Divisão de Fuzileiros Navais, sob o major-general Myatt, executou uma clássica penetração de infantaria ligeira, com duas forças-tarefa regimentais (FT-Taro e FT-Grizzly), com uma terceira força-tarefa mecanizada (FT-Ripper) passando através da brecha e atuando como elemento de exploração, que não se deteve até alcançar a Cidade do Kuwait. Esta operação e operações extensivas na 7ª Divisão de Infantaria (Ligeira), combinando operações de infiltração com imaginativo uso de dispositivos de visão noturna passiva e dispositivos de imagem térmica, em terreno acidentado, demonstram o tremendo potencial para a execução, bem-sucedida, de operações de infiltração de infantaria ligeira, nos futuros campos de batalha.


Penetração, Aufrollen, Schwerpunkt e Auftragstaktik.

"Há ocasiões quando as ordens do soberano não podem ser obedecidas... Quando você enxergar o curso correto, aja: não espere por ordens."

Sun Tzu.
Quando a passagem inicial através das linhas de defesa inimigas não podia ser conseguida, apenas, por meio de ação furtiva, extenso apoio de fogo era utilizado. Rommel era mestre em utilizar suas metralhadoras para fornecer tal apoio de fogo. Ele dispendia enorme cuidado no embasamento e preparação de suas metralhadoras, posicionando, ele mesmo, cada arma e dando instrução a cada peça de metralhadora sobre seu campo de tiro e sua função na operação.

As metralhadoras suprimiriam a linha inimiga, e um pequeno elemento de penetração a romperia e começaria a envolver os flancos. Durante a Segunda Guerra Mundial, estas arremetidas laterais para explorar a penetração e proteger os flancos do corpo principal foram institucionalizadas no conceito de Aufrollen.

Na Grande Guerra, quando o Aufrollen isolava e protegia os flancos do grosso das forças de Rommel, o elemento de exploração, movimentar-se-ia através da brecha e iniciaria a infiltração profunda na retaguarda inimiga. Na Segunda Guerra Mundial esta concentração de forças, altamente flexível, procurando o ponto mais fraco da resistência inimiga, e dirigindo-se para o fundo da retaguarda inimiga seria conhecida como o Schwerpunkt, um termo usado, primeiramente, por Clausewitz, que se traduz, literalmente, como "força pesada". O Schwerpunkt se tornaria um aspecto tão vital do modo de guerrear da Wehrmacht que o Marechal-de-Campo von Hindenburg, sustentava que "um ataque sem um Schwerpunkt é como um homem sem caráter."

Mais uma vez, a penetração não era o objetivo; este era atingir a retaguarda inimiga. A penetração, o Schwerpunkt, e o Aufrollen eram, todos, meios para um fim, e este fim era uma ação militar decisiva na retaguarda do inimigo.

Rommel salientava que durante as operações por trás das linhas inimigas, ele "não se preocupava com contato à direita ou à esquerda," acreditando que seu elemento era "capaz de proteger seus próprios flancos" contra um inimigo confuso e desprevenido e sabendo que havia fortes reservas por trás dele. Uma forte reserva é, naturalmente, um elemento essencial em guerra de manobras. O Alto-Comando alemão encorajava e apoiava tais operações de penetração em sua ordens de ataque, que neste caso, enunciavam: "Sem limitar a atividades diurnas em tempo e espaço, continue o avanço para oeste, sabendo que há fortes reservas por trás de nós."

Numa ocasião, Rommel, escancaradamente, desobedeceu uma ordem escrita de seu comandante de batalhão, para retrair. Conhecendo a intenção do comandante, e sabendo que a "ordem do batalhão foi emitida sem conhecimento da situação," Rommel preparou-se para executar um bem-sucedido ataque e assegurar o Monte Matajur. O relacionamento dele com seu comandante de batalhão era tal que, sabia que podia fazer isto, e não só ele não foi admoestado, por sua ação, mas ambos, ele e o comandante de batalhão receberam a Pour Le Mérite por seu feito.

Uma ação, de algum modo, similar, ocorreu durante a invasão do Panamá, em 1989, quando a tripulação de um avião canhoneiro AC-130 desobedeceu repetidas ordens para abrir fogo contra uma posição inimiga, porque tinha razões para acreditar que existiam tropas amigas, lá. Acabou se comprovando que haviam tropas amigas naquela localização e a tripulação do canhoneiro foi condecorada por sua recusa em obedecer ordens. Condecorar militares por recusarem-se a obedecer ordens desinformadas é um passo importante no desenvolvimento de um ambiente de Auftragstaktik. Esperançosamente, este incidente indica que o conceito prussiano incorporado no clássico enunciado,

"O Rei o promoveu à major porque acredita que você saberá quando não for para obedecer."


existe, em algum grau, em nossas forças armadas. Mas, o teste real está no que teria ocorrido se Rommel ou esta tripulação de AC-130 estivessem errados. Obviamente, alguma forma de reprimenda é apropriada quando a iniciativa resulta em fracasso, mas se, verdadeiramente, acreditamos em abrir espaço para que os subordinados cometam "erros de comissão" (em oposição a "erros de omissão", que nunca devem ser tolerados), então, nosso julgamento precisa ser temperado com um desejo de continuar a alimentar a preciosa chama da iniciativa no peito de nossos subordinados. Este é um princípio de desenvolvimento de lideranças que está bem representado pela defesa de um controverso incidente, envolvendo cadetes na Real Academia Militar de Sandhurst.

"Nós aprendemos," responderam as autoridades em Sandhurst, "que um jovem desordeiro pode aprender a sabedoria, enquanto fica mais velho - se ele sobreviver - mas um jovem sem vibração não pode aprender a ousadia que vence batalhas."


Por toda a operação do Isonzo, Rommel demonstrou iniciativa e espírito, extraordinários, mas suas ações foram conduzidas de acordo com a mais ampla intenção do comandante, e a combinação de

1) um alto-comando que delegava os mais elevados níveis de independência e liberdade de ação para seus subordinados com

2) um subordinado que tinha a iniciativa de utilizar esta liberdade foi uma das chaves para o tremendo sucesso alemão nesta batalha. Porém, as repercussões deste sucesso foram além de seu impacto operacional e estratégico na Grande Guerra. A 12ª Batalha do Isonzo e sua ampla divulgação em Ataques, estabeleceu o padrão para o ambiente de Auftragstaktik ou táticas orientadas para a missão, que foi essencial para o sucesso da geração posterior de soldados alemães.


(continua...)




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#157 Mensagem por Clermont » Sex Jan 07, 2011 10:39 pm

(parte final.)

A Exploração.
"Quando uma represa é rompida, a água corre com força irresistível. Agora, a forma de um exército se assemelha à da água. Tire vantagem do despreparo do inimigo; ataque-o quando ele não esperar; evite a força dele e ataque sua fraqueza, e como a água, ninguém poderá se opor a você.

Sun Tzu.
Uma vez tendo penetrado a linha de frente inimiga, Rommel foi, repetidas vezes, capaz de capturar unidades, de longe, maiores que a sua, simplesmente, por se aproximar delas de uma direção que consideravam como segura. A confiança de Rommel, postura e audácia, foram os elementos-chave para convencer o inimigo a se render. Quando uma unidade sente-se segura por detrás de suas próprias linhas amigas, ela é particularmente vulnerável, uma vez que for isolada da autoridade de seus superiores e do apoio de suas unidades irmãs. Rommel, freqüentemente, capturou centenas de prisioneiros com, apenas, uns poucos soldados audaciosos. Embora algumas forças inimigas em potencial possam estar, de alguma forma, menos inclinadas a se renderem do que estavam os italianos de Rommel (ou os iraquianos de Schwarzkopf), todos os seres humanos são vulneráveis aos mesmos processos psicológicos quando estão cercados ou quando são, repentinamente, confrontados com ação agressiva, num momento quando se imaginavam seguros. O potencial para tais rendições em massa se apresenta para qualquer unidade que possa penetrar a linha de frente inimiga e, de forma rápida e audaciosa, explorar sua posição na retaguarda do inimigo.

O fato de Rommel ter sido capaz de surpreender tantas forças inimigas o levou a enfatizar, de forma veemente, a importância da segurança em 360º por todas as unidades, independente da proximidade delas do front, e a exigência de proverem adequadas operações de patrulhamento. Ele salientou que "não basta ter sentinelas observadoras na posição principal; a área avançada precisa ser, constantemente, vigiada por patrulhas, especialmente em clima ruim e em terreno irregular e coberto." Hoje, uma aplicação em 360º de sistemas de alerta antecipado e dispositivos de imagem térmica seriam uma importante parte deste processo.

Durante estas operações, por trás das linhas inimigas, quaisquer contatos casuais, à curto alcance, com elementos inimigos em movimento, eram efetuados sobre tortuosas trilhas e estradas montanhesas. Rommel, quase sempre, obtinha superioridade sobre o inimigo durante tais contatos casuais, já que seu pessoal estava alerta e esperando o contato e o inimigo estava se movendo através da (presumida) segurança de suas próprias linhas de retaguarda. Uma técnica usada, repetidas vezes, e com sucesso, era "conter o inimigo - que era (normalmente) superior em número e armamentos -, frontalmente e, de forma simultânea, atacá-lo no flanco e retaguarda, com grupos de assalto." Durante estes contatos na retaguarda inimiga, o único apoio de fogo disponível para Rommel eram seus próprios elementos orgânicos de metralhadoras. Na ausência de apoio de artilharia, ele era um mestre em concentrar as metralhadoras médias e leves do seu destacamento para desfechar fogo emassado sobre o inimigo, enquanto seus soldados se aproximavam. Um equivalente dos dias modernos poderia ser achado no emassamento dos lança-granadas e armas automáticas dos GCs.

Numa ocasião, Rommel tirou vantagem de uma curva num passo de montanha (por trás das linhas inimigas sobre uma rota principal de suprimentos) para capturar viaturas inimigas enquanto elas cumpriam suas missões. Em certo momento, ele tomou 100 prisioneiros e 50 viaturas. Em emboscadas contra um inimigo desdobrado e cauteloso, ele atacava no alcance máximo eficaz. Contra um inimigo não-desdobrado e despreparado, ele aguardava até estarem em alcance de ponto em branco, normalmente, dando-lhes uma oportunidade para renderem-se, primeiro.


Operações de Infantaria Ligeira em Terreno Restrito.

"O general sábio faz questão de se suprir no inimigo. Uma carga de provisões do inimigo é equivalente a vinte próprias... Ao transportar provisões por mil li, vinte cargas de provisão serão consumidas... Se terreno difícil precisar ser atravessado, ainda mais será exigido.

Sun Tzu.
Um dos mais difíceis e impressionantes aspectos desta operação foi ter sido ela conduzida em terreno montanhoso íngreme. A capacidade da infantaria ligeira para conduzir movimento de soldados pesadamente sobrecarregados por sobre esta espécie de terreno é uma fonte de considerável discussão e preocupação entre os soldados. O fato de que Rommel ter sido capaz de movimentar seu comando, onerado com cargas de mais de 40 Kg, por sobre tal terreno, e através de "fortificações de montanha hostis", é um testemunho para a capacidade da infantaria ligeira.

A experiência passada com problemas no suprimento de munição em operações de montanha, levou as companhias de infantaria de montanha alemãs a transportarem munição extra para as suas metralhadoras. Embora o peso das metralhadoras retardasse a cadência do movimento, elas eram escalonadas bem à frente, para que houvesse uma "potente força de combate pelo fogo" se fosse encontrada resistência. Este nem sempre foi o caso e, dependendo da situação, Rommel, às vezes, movia-se à frente, de um modo quase desordenado, para garantir objetivos profundos, deixando para trás os elementos de movimento lento, para cerrarem à frente quando pudessem. Um ponto interessante neste movimento de montanha é o fato de que Rommel fez uso extensivo de comunicações por fio, sempre estendendo fiação por trás dele, quando se movia à frente. Com freqüência, esta fiação servia como auxílio à navegação para os elementos de seguimento e mensageiros, que eram capazes de utilizar a fiação como guia durante movimentos noturnos durante chuvas torrenciais. Hoje, más comunicações radiofônicas, pobre navegação terrestre e interrupções no contato são alguns dos atuais problemas na conduta de operações de montanha. Combinado com isto, está a ênfase potencial do inimigo em guerra eletrônica, que pode tornar as comunicações radiofônicas um negócio extremamente arriscado. O fato de que Rommel fosse capaz de fazer uso extensivo de comunicações por fio neste ambiente e, então, usá-las como auxílio navegacional é uma lição útil.

Em terreno montanhoso o ressuprimento de forças de infantaria ligeira, penetrando fundo no território inimigo é outro problema significativo, mas o impulso de seu ataque tornou possível para as forças de Rommel, repetidas vezes, compartilhar dos suprimentos achados nas viaturas e posições inimigas que eles capturavam. No ataque sua unidade viajava leve, sabendo que se eles fossem detidos, seriam capazes de levar à frente seus elementos de rancho e se fossem bem-sucedidos, eles seriam capazes de sobreviver com os suprimentos do inimigo. Ele e seus homens fizeram bom uso dos animais de carga e bicicletas inimigos capturados durante os ataques. (Tivesse ele necessitado de mobilidade motorizada, isto estaria, prontamente, disponível com o uso das viaturas capturadas em suas emboscadas, mas sua força estava na capacidade para se aproximar de direções inesperadas por sobre terreno acidentado.) Numa operação posterior eles foram capazes de usar roupas de baixo secas e limpas, e material de cama, de um depósito de lavanderia italiano capturado, e, em várias ocasiões eles acabaram por se garantir "com os abundantes depósitos de armas e munições" capturados aos italianos. O item mais comum, e que parecia dar a ele e a seus homens, o maior prazer, era a comida inimiga. "Os conteúdos das viaturas capturadas ofereciam a nós, guerreiros esfomeados, inesperadas delicadezas. Chocolate, ovos, conservas, uvas e pão branco eram desempacotados e distribuídos. Os valorosos soldados eram servidos primeiro... o moral, três quilômetros por trás das linhas inimigas era maravilhoso!"


Ritmo, Ritmo, Ritmo.

"O que é da maior importância na guerra é velocidade extraordinária; não se pode permitir negligenciar a oportunidade... Um ataque pode carecer de engenhosidade, mas precisa ser desfechado com velocidade sobrenatural."

Sun Tzu.
Provavelmente, a mais importante e consistente lição a ser ganha desta operação é a necessidade crítica de manutenção do impulso do ataque. Repetidas vezes, Rommel teve de "exigir esforços sobrehumanos" de seus exaustos soldados, sabendo que o impulso da ofensiva "não pode ser permitido atolar". Ele sustentava seu notável impulso motivando seus soldados para esforços incríveis, usando seus líderes para conduzir reconhecimentos durante as paradas, constantemente atacando seu estarrecido inimigo, antes que a notícia de seus avanços os tivessem alcançado e nunca parando até ter assegurado seu objetivo final de terreno-chave, profundamente na retaguarda do inimigo - objetivos-chave de tal importância vital que, em coordenação com o esforço principal, sua tomada provocaria o colapso da frente inimiga inteira.


SUN TZU, FORÇAS ORDINÁRIAS-EXTRAORDINÁRIAS, TÁTICAS HUTIER E A EVOLUÇÃO DA GUERRA.
"Na batalha existem, apenas, as forças normais e as extraordinárias, mas a combinação entre elas é ilimitada; ninguém pode apreendê-las todas."

Sun Tzu.
A oportunidade para conduzir o tipo de operações baseadas em manobras que Rommel exemplificou no topo do Monte Matajur pode ser, comparativamente, rara, mesmo num exército que a institucionalize como doutrina. Em muitas situações, apenas umas poucas unidades terão a oportunidade para manobrar e outras forças reforçarão a penetração, porém, muitas outras (por uma variedade e razões) vão ter de engajar-se em operações mais convencionais. Sun Tzu referia-se a esta dicotomia entre forças de atrito e forças de manobra, como forças "ordinárias" e forças "extraordinárias". A dicotomia "ordinário-extraordinário" de Sun Tzu é um bom modo de olhar para a guerra de atrito versus a guerra de manobras. O objetivo é desarticular a defesa inimiga de modo a tornar suas posições irrelevantes, idealmente, derrotando-o sem luta. Mas, ocasiões quando ambas, as forças ordinárias e extraordinárias (isto é, de atrito e de manobras) são necessárias, e, com freqüência, a chave está em encontrar o equilíbrio certo entre as duas. O brigadeiro-general (então, coronel) Huba Wass de Czege esclareceu tal ponto numa carta à revista Army, quando disse:
Gente que lê os proponentes da guerra de manobras como defendendo "dançar em volta do inimigo" ou "a guerra sem sangue" os entenderam mal. Os proponentes da guerra de manobras afirmam, e eu, de todo o coração, concordo, que os mecanismos para derrotar o inimigo não estão limitados a, fisicamente, matar gente e explodir coisas. A vontade de lutar está na essência de todos os mecanismos de imposição da derrota.

Em muitos casos... o único modo eficaz de chegar até esta vontade será matar gente e explodir coisas, numa luta campal, sustentada: vencer pela aplicação direta de força superior, como o general Douglas MacArthur foi obrigado a fazer em Buna e Gona, na Nova Guiné.

Sempre se deve buscar por uma forma de quebrar a vontade e a capacidade de resistir do inimigo, de outras maneiras, entretanto. Se um ponto-forte puder ser ultrapassado, investido e reduzido nos nossos termos, assim deve ser.

O general MacArthur ultrapassou algumas ilhas que, mais tarde, foram evacuadas pelos próprios japoneses. Esta estratégia de manobras foi o principal elemento do esquema para a vitória de MacArthur.


Sun Tzu pressagiou a necessidade por operações orientadas para manobras mais de dois mil anos atrás e MacArthur as refinou no Pacífico, na Segunda Guerra Mundial, mas foi o Exército alemão na Grande Guerra que, primeiramente, começou a institucionalizar a guerra de manobras. As assim chamadas "táticas Hutier", utilizadas com tanto sucesso por Rommel durante esta batalha foram batizadas em homenagem ao general Oskar von Hutier, cujo 8º Exército alemão, primeiramente, usou tais táticas no ataque contra Riga, em 1º de setembro de 1917. As mesmas táticas "tropas de assalto no ponto fraco" foram, então, usadas na 12ª Batalha do Isonzo (também chamada de Caporetto), onde Rommel ganhou sua fama e os italianos perderam mais de 300 mil homens e quase foram postos fora da guerra. As táticas Hutier foram, então, usadas pelas primeira vez na Frente Ocidental, em 30 de novembro de 1917, em Cambrai, em resposta ao ataque de tanques britânicos, por conseguinte, respondendo com sucesso, a uma poderosa inovação tecnológica com uma igualmente poderosa inovação doutrinária. Em março de 1918, os alemães aplicaram as táticas Hutier em grande escala, na Frente Ocidental, num último esforço para vencer a guerra. Estas novas táticas:

... tiveram sucesso muito além das expectativas, particularmente, no setor de Hutier, "o apóstolo do ataque de surpresa," onde seu exército avançou sem impedimentos. Ele tomou 50 mil prisioneiros, esmagou o 5º Exército britânico, e enfiou uma cunha entre as forças francesas e britânicas. Felizmente, para os Aliados, Ludendorff, neste ponto demonstrou uma singular falta de compreensão estratégica. Dos três exércitos que havia empregado na ofensiva, somente o de Hutier continuava a fazer progresso; mesmo assim, Ludendorff falhou em explorar este sucesso, redirecionando os outros dois ao longo do eixo de Hutier. Se Ludendorff tivesse feito isto, possivelmente, poderia ter dividido os exércitos britânicos e franceses e, talvez, vencido uma Sedan, com vinte e dois anos de antecedência.


Mas este não foi o fim da história para Rommel, ou para as táticas Hutier. A história da guerra é um registro da seleção natural no mais árduo dos ambientes possíveis, e neste ambiente de "sobrevivência do mais apto", o exército que completa o próximo desenvolvimento evolucionário terá uma significativa vantagem sobre seus inimigos. A Alemanha aprendeu de sua derrota e desenvolveu um novo estilo de guerrear na Segunda Guerra Mundial. A derrota é, freqüentemente, um catalizador para a mudança - presumindo, é claro, que seus inimigos lhe permitam permanecer existindo, tempo o bastante para aprender com sua derrota. Da mesma forma que a derrota e humilhação da Alemanha, na Grande Guerra, levou a que desenvolvesse um novo estágio do modo de guerrear, assim também, a derrota e humilhação da América, no Vietnam, parece ter tornado possível as reformas que resultaram em nosso próprio desenvolvimento e nossa avassaladora vitória no Iraque.

Naturalmente, Rommel estava, apenas, lutando contra italianos, a Wehrmacht estava, apenas lutando contra franceses e poloneses, as Forças de Defesa Israelenses estavam, apenas lutando contra árabes, e o general Schwarzkopf estava, apenas lutando contra iraquianos. E hoje em dia, nós desconsideramos o grau em que cada um destes exércitos "classicamente ineptos" era respeitado e temido em seu tempo. Porém, os italianos estavam, tranqüilamente, surrando os austríacos, quando as "táticas flexíveis de ofensiva" de Rommel (isto é, as táticas de infiltração de "tropas de assalto" de Hutier, que representavam a embrionária doutrina de guerra de manobras) provocaram o colapso da frente inteira deles. Olhando para os números, equipamento e experiência envolvidos, ninguém no Ocidente sonhava que a França (que possuía superioridade numérica em tanques e homens) cairia perante a Wehrmacht tão rápida e facilmente como ocorreu. Os árabes estavam equipados com os melhores e maiores exércitos que o dinheiro podia comprar quando foram batidos pelos israelenses, severamente inferiorizados em número, em sete dias, em 1967 e de novo, em 1973. E alguém ainda lembra das previsões de "milhares" de baixas que os americanos sofreriam contra a Guarda Republicana iraquiana, "endurecida pela batalha"? Houve sequer um grande analista que tenha enxergado as coisas, corretamente?

Em cada um destes exemplos, nós vimos os mesmos índices unilateriais de baixas, os mesmos números enormes de prisioneiros e o mesmo choque e surpresa por parte dos "especialistas" que fracassaram em levar em conta a doutrina e a fragilidade humana. O que estes casos todos tem em comum não é o tamanho relativo ou a tecnologia dos exércitos envolvidos.

Em cada um destes casos, o fator-chave é a doutrina - uma doutrina que é, talvez, um novo desenvolvimento evolucionário no modo de guerrear; uma doutrina, sistematicamente, focada sobre o centro de gravidade, de forma a derrotar a vontade de lutar do inimigo, antes do que sua capacidade de lutar. Aí se encontra o caminho para o Monte Matajur, o caminho para a glória e o caminho para a vitória decisiva.


_________________________________________________________________________________

O tenente-coronel Dave Grossman reformou-se do Exército dos Estados Unidos como Professor de Ciência Militar. Sua carreira inclui serviço como ranger do Exército; sargento na 82ª Divisão Aeroterrestre; líder de pelotão na 9ª Divisão de Infantaria; oficial de estado-maior geral; comandante de companhia na 7ª Divisão de Infantaria (Ligeira). Foi professor de psicologia em West Point.




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#158 Mensagem por Francoorp » Sex Jan 07, 2011 10:42 pm

Esse topico é fenomenal... pra mim é o melhor do DB até agora!!

Parabéns pessoal!!!

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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#159 Mensagem por Clermont » Sáb Out 01, 2011 9:36 pm

A MOBILIZAÇÃO DE RESERVISTAS SOVIÉTICOS.

Por Andrew Cockburn - 1983.

Comparado com a maioria dos outros exércitos, as forças terrestres soviéticas são antiquadas. No século XIX, os alemães foram os pioneiros no sistema de conscrição em massa de tempo de paz. Jovens eram convocados por um período, aprendiam os rudimentos do adestramento e como manejar suas armas relativamente simples e, então, mandados de volta para casa ao final de seu serviço.
(nota do Clermont: na Alemanha, o serviço militar obrigatório era de dois anos para a infantaria e três anos para a cavalaria e artilharia) Eles, então, passavam a fazer parte da reserva, pronto, se preciso fosse, para reingressar nas fileiras e cumprir seu dever. Pelo início da Grande Guerra, todos os exércitos continentais operavam sob este sistema e as minúcias do procedimento de mobilização eram as principais preocupações dos estados-maiores gerais da época. Tão complexos eram estes procedimentos que, uma vez que o sistema de mobilização era posto em movimento, era muito difícil pará-lo e isto tornou-se uma das razões para a eclosão da guerra.

A maioria dos exércitos da atualidade alterou substancialmente este sistema. Embora muitos países retenham a conscrição e as reservas, os reservistas são regularmente convocados para retreinamento. Os reservistas israelenses podem esperar passar uma porção de cada ano de uniforme. Os oeste-alemães, franceses e holandeses também reconhecem o fato de que habilidades militares valiosas se desvanecem com a falta de uso. Até mesmo nos Estados Unidos, as divisões da Guarda Nacional treinam regularmente. Sem constantes cursos de revalidação, as habilidades que são retidas pelos veteranos constituem-se em pouco mais do que uma familiaridade com rotinas militares, que recrutas bizonhos podem absorver rápido o bastante de qualquer modo.

Apenas os russos, entre as grandes organizações militares do mundo retiveram o sistema do séc. XIX. Oficialmente, o marechal Petrov, tem uma força de 169 divisões à sua disposição (as oito divisões aeroterrestres estão fora do seu controle direto). Deste número, apenas 54 divisões estão plenamente equipadas e guarnecidas e estas são chamadas de unidades de Categoria 1 pela inteligência da OTAN. O restante divide-se em unidades de Categoria 2 e 3, que variam de unidades tendo a maior parte de seu equipamento e talvez metade ou dois terços de seus homens, até unidades não tendo, virtualmente equipamento nenhum e um pouco mais do que um pequeno núcleo de oficiais. O termo militar regulamentar russo para estas unidades de baixa prontidão é kadrirovannye, ou "quadro", mas os oficiais preferem distorcer o nome e chamá-las kastrirovannye, ou "castradas". Em tempo de guerra, estas 115 divisões de reserva seriam reforçadas com antigos recrutas reconvocados para a ativa.

Na teoria este é um sistema formidável. Já que as forças regulares liberam 1,8 milhão de recrutas de volta à vida civil todo ano, a União Soviética poderia ter milhões e milhões de veteranos treinados e prontos para o serviço. Mas, como notado, quase nenhum destes homens terá tido qualquer retreinamento desde que foram dispensados; nenhum dos veteranos com os quais conversei jamais foi reconvocado para retreinamento de rotina. Alguns viram serviço extra durante mobilizações de emergência, mas estes exercícios, como vamos ver, não inspiram muita confiança na eficiência do sistema.

Houveram três mobilizações em grande escala de reservistas soviéticos, nos últimos vinte e cinco anos: em 1968, para a ocupação da Tchecoslováquia; em 1979, para a invasão do Afeganistão; e em 1980, para a abortada intervenção na Polônia.

Em julho de 1968, haviam pelo menos 500 mil oficiais e praças das forças terrestres, posicionados para ocuparem a Tchecoslováquia. Os reservistas da Rússia ocidental, do Báltico à Ucrânia, tinham sido convocados de seus empregos civis, envergando as fardas que lhes foram presenteadas no dia em que deixaram o serviço ativo. A convocação incluía maquinário, tanto como homens; como já mencionado, cada caminhão na União Soviética tinha um conjunto de placas de licenciamento militar, juntamente com o civil. Em 1968, ambos, caminhões e caminhoneiros, eram, com freqüencia, convocados juntos. Já que a convocação aconteceu no começo da temporada da colheita, os resultados para a economia, especialmente o fornecimento de alimentos, foram infortunados. Os efeitos foram tão severos que o general Sergei S. Maryakhin, que estava encarregado de todos os serviços de apoio para a invasão, teve de admitir os problemas no Krasnaya zvezda: "Não é segredo," ele escreveu, "que os exercícios urgentemente exigiram a requisição de milhares de unidades de poderoso equipamento técnico e transporte motorizado da economia nacional e a remoção de milhares de reservistas do trabalho nos campos, numa época quando trabalho pesado no colheita estava no auge, por todo o país."

Enquanto a economia oscilava devido aos efeitos desorganizadores da mobilização, o exército não considerou fácil assimilar o influxo de reservistas. Em "Os Libertadores", sua satírica, porém inestimável memória da vida como oficial soviético, o desertor com o pseudônimo de Viktor Suvorov, descreveu a condição de sua unidade na Ucrânia, na época:

"Após receber sua 'tecnologia de batalha' (o eufemismo militar para a coletânea de caminhões desgastados, agarrados do setor civil) a infantaria foi proibida de deixar a cobertura das florestas. Nas estradas e campos, apenas guarnições de tanques, a artilharia e um batalhão de parada de viaturas blindadas de transporte de pessoal estavam em treinamento. Todo o restante estava posicionado ao longo das clareiras das florestas. Vistos do espaço, poderia parecer ameaçador, mas não do chão. A hierarquia militar estava temerosa de assustar os habitantes locais com a aparência de nosso exército: soldados gordos, destreinados e indisciplinados, que haviam esquecido tudo que aprenderam, em viaturas desgastadas de todo os tipos possíveis e pintadas com as cores do arco-íris... Do espaço, os americanos viam novas divisões crescerem como fungos. Seu reconhecimento observava poderosas colunas de tanques sobre as estradas e calculava que inúmeros infantes estavam ocultos nas florestas. E assim era, de fato, mas esta infantaria nem era organizada, nem controlada e, o que é o mais importante de tudo, era incapaz de combater."


Quaisquer dúvidas sobre a eficácia desta força foram, rapidamente, desvendadas uma vez que o exército soviético entrou na Tchecoslováquia. Por razões políticas, o exército tcheco escolheu não oferecer resistência, embora os soviéticos tivessem ardilosamente enfraquecido a capacidade dele de qualquer modo, ao induzí-lo a consumir a maioria de sua munição em extensas manobras combinadas durante o início do verão. Esta falta de oposição foi afortunada para os russos.

As colunas blindadas rumaram para a Tchecoslováquia em quatro principais penetrações, da Ucrânia, Hungria, Polônia e Alemanha Oriental. Simultâneamente, unidades aeroterrestres capturaram o Aeroporto de Praga. O elemento aeroterrestre era a única parte da operação que pode ser proclamada um sucesso. O primeiro avião foi capaz de aterrisar nas primeiras horas de 20 de agosto, com o simples estratatagema de simular ser um transporte de passageiros em perigo. Uma vez que a tropa que irrompeu do avião tinha dominado os desprevenidos tchecos na torre de controle e outros pontos-chave, o caminho estava limpo para outros aviões de transporte de tropas pousarem. Em outros aspecitos, a invasão rapidamente degenerou-se em caos. Unidades ficaram perdidas, forças blindadas ficaram sem combustível e soldados ficaram sem comida, enquanto, quase desde o momento em que atravessaram a fronteira, as colunas ficaram presas em enormes congestionamentos de trânsito, que teriam oferecido alvos tentadores numa guerra com tiros de verdade. Mesmo após todas as unidades, eventualmente acharem suas posições, outros problemas surgiram, já que os soldados começaram a se perguntar por quê tinham sido mandados ocupar o país, em primeiro lugar. Apesar de rígidas precauções da parte das autoridades, várias centenas de homens agarraram a oportunidade para desertarem através da fronteira com a Áustria.

Depois de dois meses, as unidades que haviam sido despejadas para dentro do país, em agosto, foram retiradas e os reservistas mandados para casa. Eles foram substituídos por divisões descansadas de conscritos; estes movimentaram-se direto para campos reclusos, que foram isolados tanto quanto possível da população local e onde seus sucessores, nas cinco divisões soviéticas da guarnição tcheca ainda permanecem até hoje. Suvorov, cuja unidade foi uma das retiradas em outubro de 1968, vividamente relembra: "Enquanto deixavam a Tchecoslováquia, nossas divisões assemelhavam-se a remanescentes de um exército derrotado, fugindo de acalorada perseguição após uma esmagadora derrota."

A próxima oportunidade para os soviéticos se mobilizarem para uma invasão não veio pelos próximos onze anos, e quando veio, o inimigo estava atirando de volta.

Para o avanço rumo ao Afeganistão, em dezembro de 1979, as autoridades mobilizaram unidades de reserva próximas à fronteira, de acordo com a prática aceita. Isto significava que, pelo menos duas das divisões despachadas para Cabul eram constituídas não de russos, mas de unidades centro-asiáticas, Categoria 3, "castradas", que haviam sido apressadamente recompletadas com antigos recrutas. Infelizmente, a maioria destes homens tinha passado seus anos de serviço militar em unidades não-combatentes, manejando a picareta e a pá ou trabalhando em ferrovias e estradas. Mas, quando foram desmobilizados, eles, automaticamente, foram para os registros da divisão local, que era onde eles tinham de se apresentar quando foram convocados para a operação afegã. Assim, as divisões de fuzileiros motorizados, utilizadas nas fases iniciais da invasão, pareciam belicosas o bastante, mas o grosso dos homens nelas, tinha pouca experiência no emprego e manutenção de transportadores de tanques, baterias de artilharia de campanha, tanques e todas as outras armas modernas.

Para somar aos problemas do antigo mentor do general Ivan Yershov, o marechal Sergei Sokolov, que estava encarregado da operação, estes soldados asiáticos não somente eram destreinados, eles eram politicamente não-confiáveis. Talvez os russo tivessem pensado que utilizando soldados vinculados por raça, cultura, religião e até mesmo linguagem aos afegãos, fosse de ajuda, mas a colaboração se deu na direção errada. Os soldados centro-asiáticos foram vistos repassando munição para os habitantes locais, comprando exemplares do Alcorão nos bazares e, possivelmente, mesmo entregando suas armas pessoais. Houve até relatos de que alguns centro-asiáticos soviéticos estavam dispostos a se oporem ao seu próprio governo, de formas mais diretas. Louis Dupree, um aventureiro e acadêmico de estudos afegãos, passou algum tempo no presídio principal de Cabul, em 1978 quando já haviam algumas tropas soviéticas auxiliando o governo marxista afegão em luta contra os insurgentes. Enquanto encarcerado, ele relatou ter encontrado alguns usbeques, um grupo étnico no lado soviético da fronteira, que tinham vindo para lutar contra seu próprio governo.

Pelo final de março de 1980, as autoridades soviéticas evidentemente tinham concluído que a utilização de tropas asiáticas no Afeganistão tinha sido um erro. Eles as retiraram e enviaram os reservistas de volta para casa, juntamente com milhares de outros que tinham sido mobilizados mas mantidos em campos no interior da União Soviética. Desde esta época, as forças soviéticas no Afeganistão tem sido constituídas, quase exclusivamente, de unidades de conscritos eslavos, militarmente mais eficientes e politicamente mais confiáveis.

Este problema de populações de fronteira não-confiáveis não é necessariamente único ao Afeganistão. Como resíduo da expansão do poder russo durante o séc. XIX e após a Segunda Guerra Mundial, a fronteira soviética tende a dividir ao meio povos com laços étnicos, culturais, religiosos e políticos uns com os outros. Mais de um milhão de poloneses vivem bem no interior da União Soviética, como o fazem 3 milhões de romenos (conhecidos como moldávios), milhões de iranianos (chamados de azeris) e enormes números de cazaques e uigures, separados pela fronteira de seus correligionários nativos na China.

Quando os jovens moldávios, azeris e oeste-ucranianos e semelhantes são recrutados, eles tendem a ser enviados para os ramos não-combatentes das forças; mas uma vez nas listas da reserva, eles são elegíveis para serviço com a unidade combatente mais próxima. Isto deixa as autoridades com a espinhosa escolha de ou aceitar grandes números de soldados destreinados e potencialmente descontentes nas forças durante a mobilização ou, simplesmente isentá-los completamente do dever de reservas, desta forma negando ao estado uma grande quantidade de soldados potenciais.

A terceira operação pelo exército soviético para se aprontar para ação militar, acabou, provavelmente para felicidade de todos envolvidos, sem quaisquer soldados sendo enviados através da fronteira. Por meados de novembro de 1980, como descrevi no Capítulo 4, o Politburo autorizou a mobilização dos Distritos Militares dos Cárpatos, Báltico, e Bielorusso, antes da intervenção na Polônia. Em ao menos um destes distritos, o dos Cárpatos, a mobilização foi um desastre. Relatos alcançaram Moscou que grandes números de reservistas tinham deixado de responder à convocação. Muitos nem mesmo puderam ser localizados pelas autoridades militares (15 porcento da população soviética muda de endereço todo ano). Estes que se apresentaram foram abrigados em tendas, e já que o inverno tinha chegado, isto pode ter sido a razão para que tantos deles, prontamente desertassem e voltassem para casa. Houve de fato, tantos desertores que as autoridades desistiram de tentar pegá-los e puní-los. Outros aspectos da operação exibiram uma severa falta de coordenação. Unidades foram transferidas para lá e para cá, em volta do território, por nenhuma razão aparente, e caminhões foram, inutilmente requisitados em plena rua e no meio da noite.

Como previamente discutido, o estrago deu a Brejnev a alavancagem que ele precisava para virar a mesa contra os intervencionistas no Politburo e no alto-comando do Exército. Este chacoalhar nas fileiras superiores das forças terrestres que se seguiu foi acompanhado por feroz criticismo pelos porta-vozes militares da prontidão das forças. O general Borisov, que assumiu o comando das forças soviéticas na Tchecoslováquia em janeiro de 1980, foi à público com acusações sem precedentes a seus subordinados de "bebedeira, abuso de patente, corrupção, má-administração, desperdício, burocratismo." O próprio marechal Nikolai Ogarkov falou várias vezes nos poucos meses seguintes sobre a necessidade de remodelar o sistema de reserva do exército. Mas, como sempre, a política assumia precedência sobre a eficiência militar, já que o general Belikov, o comandante do Distrito Militar dos Cárpatos, onde os piores casos de desorganização tiveram lugar, não foi demitido devendo isto à sua associação próxima com Brejnev.

Previsivelmente, a Agência de Inteligência de Defesa dos Estados Unidos recusou a reconhecer que qualquer coisa tivesse dado errado com o sistema de reservas soviético. A agência foi inquirida por um comitê do Congresso para comentar sobre relatórios de Kevin Klose, o correspondente em Moscou do Washington Post, sobre a desorganização e as deserções. Klose insistia que ele e outros jornalistas ocidentais pegaram a história "do que sempre tinham sido fontes muito confiáveis, que estavam desconsoladas e específicas o bastante sobre o que havia acontecido, sendo totalmente convincentes." Apesar disto, a Agência de Inteligência de Defesa buscou refúgio em conjecturas. "Conquanto seja possível que a situação tenha ocorrido, como descrito, ela não é considerada provável," o serviço de inteligência militar rigidamente informou ao comitê econômico conjunto. Aderindo firmemente ao condicional, ele apontou que "os órgãos de segurança interna e de administração agiriam para impedir um incidente de tamanha magnitude e para assegurar a punição dos indivíduos envolvidos." Semelhante aos jornalistas militares que presumiam a conquista soviética da Europa Ocidental em quarenta e oito horas, em 1947, o estabelecimento militar continua a preferir teorias aos fatos, uma de tais teorias sendo, para citar Thomas C. Reed, um influente conselheiro do Conselho de Segurança Nacional do presidnete Reagan, que os soviéticos podem mobilizar 200 divisões em trinta dias."

O registro negro dos esforços de mobilização soviéticos tem de ser equilibrado contra o fato de que ele não é um sistema inteiramente inútil. Apesar de decrépito, a organização existe, alguns dos homens se apresentaram, e uma proporção deles é treinada. Em 1941, quando os alemães invadiram a União Soviética, o país mobilizou 5,5 milhões de homems em oito dias. As condições eram diferente então, naturalmente; era muito mais difícil para os cidadãos soviéticos mudarem de casa sem a expressa permissão das autoridades e o exército era organizado em linhas mais primitivas, com armas mais simples do que as de hoje. A condição do sistema de reservas do EUA não apresenta uma imagem demasiado brilhante, embora alguns dos aliados da OTAN, tais como os oeste-alemães e os holandeses, tenham o que é, por todos os relatos, sistemas práticos e bem-organizados.

Entretanto, o fato permanece de que uma grande quantidade destas 177 e tantas divisões soviéticas, tão freqüentemente propagandeadas pelo Pentágono só teriam um papel significativo para desempenhar em qualquer conflito com os Estados Unidos e seus aliados, somente depois de um muito longo período de arrumação, muito mais longo do que os "trinta dias" tão descuidadamente exposto por Reed. Apesar das enormes perdas na Segunda Guerra Mundial, os soviéticos foram capazes de encontrar as reservas necessárias para rechaçar os alemães. É improvável que uma disputa entre Leste e Oeste durasse quatro anos, ou até mesmo seis meses, a extensão de tempo que algumas autoridades de inteligência relatam que os soviéticos levaram para estarem prontos para a Tchecoslováquia ou o Afeganistão. Uma guerra nuclear provavelmente seria bem curta; uma convencional iria, com toda probabilidade, não durar muito também. Além de qualquer outra coisa, a economia soviética atual iria ser muito mais desorganizada pelos efeitos da mobilização em massa do que a de longe mais primitiva economia soviética da Segunda Guerra Mundial. Os israelenses, que estão experimentados em se mobilizarem rapidamente, descobriram que suas guerras podem causar sérios problemas para a economia, se durarem muito mais do que um mês. Por conseqüencia, parece que os soviéticos, se tiverem de ir à guerra, lutarão com o que já tiverem.


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Cockburn, Andrew (1983). "The Threat: Inside the Soviet Military Regime", Random House




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#160 Mensagem por marcolima » Qua Out 19, 2011 12:47 am

Esse tópico está muito bom mesmo.
Não poderia ser criada uma ferramenta no fórum, tipo " versão para impressão", que contivesse apenas os textos presiamente selecionados pelo forista para que fossem impressos?
Eu pelo menos prefiro as coisas impressas, pelo menos aquelas que requerem maior reflexão.
De toda forma, o tema é muito interessante, e me dei conta que já tinha mais de ano que eu não lia esse tópico.
Um abraço, Marco.




A paz é só um período entre guerras...
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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#161 Mensagem por Clermont » Dom Jun 10, 2012 3:47 pm

AS OPERAÇÕES TERRESTRES NAS FALKLANDS - UMA ANÁLISE DA DERROTA ARGENTINA.

Por G. Fremont-Barnes, "Osprey - Campaign 244 - The Falklands, 1982 - Ground Operations in The South Atlantic".

As tropas argentina e britânica.

Uma mitologia tem crescido em volta da campanha no que tange a diferenciação do desempenho das unidades argentinas contendo soldados profissionais e aquelas compostas somente de recrutas. Na verdade, com a exceção de algumas formações de elite, todas as unidades continham uma mistura de ambos, consistente com outros exércitos nacionais operando um sistema de serviço militar obrigatório. Assim, recrutas recém-alistados povoavam todas as unidades juntamente com um quadro de soldados, sargentos e oficiais profissionais. Normalmente uma unidade de infantaria continha uma média de 25 porcento de novos recrutas, mas algumas unidades, devido à rápida necessidade de aumentar sua força através da transferência de outros regimentos, continham uma maior proporção de homens com relativa pouca experiência militar.

As forças argentinas baseadas na própria Stanley, em sua maioria serviam em unidades de comando, administrativas ou de apoio, e geralmente viviam bem, gozando de decente, embora de modo algum luxuriosas, acomodações, facilidades para banho e comida quente. Vivendo entre a população civil, além do mais, elas permaneceram virtualmente imunes a ataque aéreo e de artilharia. Estas unidades desdobradas na costa ao redor de Stanley e no aeroporto, juntamente com o pessoal de artilharia e da força aérea, tinham menos acesso à "confortos paisanos", embora também pudessem ocasionalmente visitar a vila e não sofressem das severas condições climáticas como seus camaradas desdobrados nas colinas. Estes últimos experimentaram considerável desconforto e algumas vezes miséria em suas posições expostas em terreno elevado. Embora situadas não mais do que 11 Km de Stanley, eles não possúiam nenhum transporte e raramente, se alguma vez, visitaram a vila. Tais soldados já tinham entrado em posição bem antes da chegada da Força-Tarefa britânica, sendo condenados assim a mais de seis semanas nas montanhas - o dobro do tempo passado pelas tropas britânicas em terreno aberto. Pior ainda, o principal ônus da ofensiva britânica vindoura iria recair sobre os ombros destes soldados famintos, enregelados e debilitados.

Especificamente, estes homens viviam miseravelmente em tendas, trincheiras ou abrigos improvisados de pedras e turfa, enfrentavam frio intenso e suportavam fome e fadiga, como uma experiência impiedosa. A organização do terreno provou ser extremamente difícil devendo-se a fina camada de solo através da qual a água rapidamente penetrava e abaixo da qual uma camada inferior absorvia e retinha esta água. As trincheiras, por conseqüência, tornaram-se molhadas e até mesmo inundadas quando chovia. Queimaduras de frio e "pé-de-trincheira" eram enfermidades comuns, levando a contínua perda de pessoal por doença. Até mesmo soldados com permissão para caminharem até Stanley, semanalmente, em busca de pequenos confortos, com freqüência, declinavam de fazer esta trilha devido a extrema fome e fraqueza. Como um recruta do 7º Regimento em Monte Longdon explicou:

Estávamos com frio, molhados e famintos - realmente muito famintos - e exaustos. Nosso equipamento era bom, mas realmente não conseguíamos material para mantê-lo limpo; as coisas ficavam muito enferrujadas. Não havia possibilidade alguma de lavar nossas roupas - certamente nenhuma de secá-las depois. Eu tinha três calças de dotação e três de minha propriedade pessoal; simplesmente joguei fora a maioria delas no final. Eu tinha três pares de meias; eu as usei todas de uma vez e nunca as mudei. Nossas roupas tinham sido aquelas atribuídas em La Plata - para o clima de lá... Nós tinhamos três finos cobertores, um saco de dormir e um lençol fino cada - não o suficiente para nos manter aquecidos, mas nós deitávamos junto com outro homem e compartilhávamos.


A carência de comida tornou-se aguda e afetou severamente o moral. As rações argentinas vinham em duas variedades: o tipo padrão atribuído aos praças e o tipo atribuído aos oficiais. Este, um pacote maior contendo maiores porções de comida de mais alta qualidade, assim como cigarros e uísque. Este sistema desigual certamente contribuiu para a alienação que muitos soldados sentiam em relação aos seus oficiais. O chá estava disponível mas nenhum leite, e apenas pequenas quantidades de açucar. Os soldados frequentemente tinham de se manter com uma sopa rala, feita de vegetais desidratados e muito pouca carne. O pão, uma dieta básica do argentino, não era encontrado em lugar algum, embora ovelhas, disponíveis em abundância, pudessem ser abatidas e consumidas. Alguns homens posicionados fora de Stanley recorreram a tentar furtar o depósito em Moody Brook, já que aquilo que o Exército atribuía para um semana de suprimento, muitos soldados devoravam num dia ou dois, com outros cinco dias de espera antes que o serviço logístico atribuísse o próximo pacote de rações.

Mesmo então, os soldados estacionados fora de Stanley regularmente achavam suas rações e pacotes de presentes enviados de casa, saqueados, presumivelmente por aqueles do corpo logístico ou operando o serviço postal na vila. Cigarros tendiam a ser abundantes, mas até estes podiam ser desviados por aqueles com acesso às montanhas de suprimentos baseados em Stanley, vendendo-os para obterem lucro. Mesmo quando os suprimentos eram abundantes, movê-los para fora de Stanley representava grandes desafios, devido a severa carência de transporte adequado, dada a grande ausência de trilhas e a natureza universalmente íngreme do terreno. Mesmo a movimentação de elementos essenciais como munição, com freqüência, exigia que homens servissem de bestas de carga, deixando-os exauridos pelo esforço. Para aumentar esses já formidáveis problemas, o equipamento de rancho de algumas unidades tinha sido deixado para trás na Argentina, negando a grande número de homens, refeições quentes regulares - um fator tão crítico em termos de nutrição como era para a manutenção do moral em circunstâncias que exigiam uma grande ingestão de calorias. Os soldados recrutados das favelas de Buenos Aires tendiam a lidar muito melhor com a situação do que aqueles acostumados a vidas relativamente confortáveis, mas a tensão do tédio, fadiga, frio e fome, tornaram-se palpáveis por todas as unidades; a esperança de evacuação levou uns poucos soldados a se auto-infligirem ferimentos.

Muitos soldados suportaram privações desnecessárias devendo-se ao inadequado vestuário. O 5º Batalhão de Infantaria da Marinha, por exemplo, era a única das três unidades ocupando as montanhas a oeste de Stanley, dotado de vestimentas apropriadas ao clima frio, e especialmente treinado para lidar com as condições severas encontradas nas Falklands. Por marcado contraste, o 4º Regimento de Infantaria do Exército - desdobrado em Monte Harriet e em Two Sisters - não estava aclimatado, já que sua área de recrutamento e treinamento estava situada numa região subtropical da Argentina.

O suprimento de comida melhorou, logo antes do avanço britânico, como a situação dos feridos, que eram regularmente evacuados para o continente, mas até mesmo quando a quantidade de comida se mostrava adequada, o sistema de distribuição funcionava tão pobremente que as unidades avançadas experimentavam grande dificuldade em receberem comida fresca e cozida. O frio de congelar os ossos apenas exacerbava a necessidade por sustentação de alta-caloria e mesmo assim permanecia o paradoxo: toneladas de alimentos ficavam à beira-mar de Stanley, mas sem forma alguma de movimentá-las para as áreas próximas apesar das curtas distâncias até as montanhas, provocando uma aguda disparidade entre a saúde e o moral dos soldados vivendo em campo aberto e aqueles estabelecidos no relativo conforto da capital.

As forças terrestres britânicas proeminentes na recaptura das Falklands incluíam os Comandos 40, 42 e 45 dos Reais Fuzileiros Navais: os primeiros aquartelados próximo a Plymouth e o último em Arbroath na Escócia. Os 2º e 3º Batalhões do Regimento de Paraquedistas (2º e 3º Para), aquartelados em Aldershot; o 1º Batalhão do 7º Regimento de Caçadores Gurkhas (1º/7º Gurkha Rifles) aquartelado em Church Crookham; finalmente, o 2º Batalhão de Guardas Escoceses (2º Scots Guards) e o 1º Batalhão de Guardas Galeses (1º Welsh Guards) aquartelados em Wellington Barracks, em Londres. Estas unidades estavam entre as melhores das Forças Armadas britânicas; colocando simplesmente, o fuzileiro naval e o soldado britânicos podiam marchar mais rápido, se entrincheirar mais eficazmente e atirar mais precisamente do que suas contrapartes argentinas, que dispunham de um padrão muito mais baixo de pontaria, organização do terreno e disciplina geral. As tropas britânicas eram inteiramente compostas por voluntários, com freqüencia, com muitos anos de experiência, tendo sido abolido vinte anos antes, o Serviço Militar Obrigatório na Grã-Bretanha. Este fato, somente, tornava as forças britânicas intrinsecamente superiores à avassaladora maioria dos recrutas argentinos e mais do que páreo até mesmo para aqueles que compunham o quadro profissional.

Derrota e vitória: alguns fatores.

Os militares britânicos sofreram 252 perdas fatais e 777 por ferimentos, em todas as forças engajadas - Exército, Reais Fuzileiros Navais, Real Marinha, Real Força Aérea, Real Frota Auxiliar e a Marinha Mercante. Três ilhéus das Falklands também foram mortos. Deste total, os Reais Fuzileiros perderam 26 mortos e o Exército, 148. A Força-Tarefa como um todo, perdeu quatro belonaves e um navio de desembarque, um navio da frota auxiliar um e navio mercante. As perdas de helicópteros somaram 23 da Real Marinha, 7 da RAF, três dos Reais Fuzileiros e um do Exército.

As fatalidades argentinas somaram cerca de 750, dos quais 261 serviam ao Exército e 37 à Infantaria da Marinha. Em acréscimo, aproximadamente 1.100 elementos foram feridos ou caíram doentes. Números bem-documentados revelam que 12.978 elementos caíram em mãos britânicas durante todo o espectro das operações, da captura da Geórgia do Sul à rendição de Thule do Sul, nas Ilhas Sanduiche do Sul, cerca de 1.600 Km ao sudeste das Falklands.

Um número de fatores-chave podem ser identificados com tendo contribuído para o sucesso e o fracasso dos beligerantes no terreno. É instrutivo primeiro examinar os principais erros cometidos pelos britânicos antes de considerar as virtudes de seu empreendimento. Ao concentrar, irresponsavelmente, tantos de seus helicópteros de transporte pesado à bordo do Atlantic Conveyor, os britânicos negaram a si mesmos este vital elemento de mobilidade, fundamental para manter as operações através de terreno inacessível a qualquer coisa exceto viaturas sobre lagartas ou qualquer-terreno, dos quais, notavelmente, a Força-Tarefa não possuía quase nenhum - tornando o transporte por helicóptero quase indispensável. Restou um número suficiente de helicópteros para atender uma parcela das forças destacadas para o flanco sul da ofensiva de Moore, mas apenas o notável grau de aptidão física possuída pelos paraquedistas e fuzileiros navais permitiu-lhe continuar perseguindo sua estratégia básica - o avanço rumo ao leste sobre Stanley. Na verdade, a maioria das unidades simplesmente não podia ter marchado toda as distâncias atingidas, no tempo desejado e com as cargas exigidas. Enquanto isso, em casa, os britânicos prepararam reservas dolorosamente inadequadas. Por mais rapidamente que elas pudessem ter sido desdobradas para as Falklands, in extremis, a introdução de um único batalhão tinha pouca probabilidade ou de virar a maré ou estabilizar uma crise o que equivaleria a nada além daquilo que é conhecido no jargão militar como "reforçar o fracasso" - o ato de tentar recuperar uma situação desesperada introduzindo mais tropas quando, de fato, ela é irrecuperável, aumentando o erro de alguém ao, tolamente, envolver os reforços no destino de outras tropas, para as quais a derrota já é inevitável. Nas operações de coleta de informações, de outro modo geralmente bem-sucedidas, umas poucas falhas emergiram; notavelmente, a radical subestimação pelo SAS da força da guarnição argentina na área Darwin-Goose Green.

De outro lado, os britânicos adotaram uma estratégia claramente concebida e empregaram táticas bem-executadas. Eles apreciaram desde o início a necessidade de desembarcar sem oposição e de estabelecer rapidamente uma cabeça-de-praia segura, facilmente defensável, e embora escolhessem uma do lado da ilha oposto ao seu objetivo final, San Carlos ainda se localizava suficientemente próximo a Stanley para servir ao seu propósito como entreposto para suprimentos antes que a 3ª Brigada de Comandos e a 5ª Brigada de Infantaria pudessem estabelecer bases avançadas em Teal Inlet e Bluff Cove, respectivamente. Cuidadoso planejamento foi tomado na escolha dos locais de desembarque mais adequados, baseados fortemente nas soberbas pesquisas costeiras de pré-guerra conduzidas pelo major Ewen Southby-Tailyour dos Reais Fuzileiros Navais. Desde o começo os britânicos tomaram a iniciativa no terreno e mantiveram uma rápida sincronia de operações, forçando os argentinos a tornarem-se reativos ao invés de proativos. A incursão sobre Peeble Island, conduzida mesmo antes do desembarque em San Carlos, epitomizou a agressividade com a qual as forças britânicas promoveram a campanha como um todo.

Ao nível tático, eles observaram que o terreno desolado das Falklands fornecia tão pouca cobertura natural que as tropas atacantes operando através de grandes distâncias tornavam-se vulneráveis ao fogo de artilharia e de metralhadoras. Os comandantes de batalhão reconheceram que atacar sob a cobertura da escuridão, embora retardando os movimentos, grandemente mitigaria estas desvantagens, permitindo à tropa adestrada em movimentar-se e combater de noite, aproximar-se de seus objetivos com um grau de proteção.

O governo britânico, ao despachar a Força-Tarefa sem atrasos, demonstrou desde o começo, sua deteminação em recuperar as ilhas pela força se necessário, uma determinação que estabeleceu o tom para a tropa, cujos comandantes compreenderam, desde o início, que o sucesso dependia de derrotar a guarnição argentina e retomar Stanley. Crucialmente, o princípio da "seleção e manutenção do objetivo", tão entranhado na doutrina do Exército britânico, permaneceu preponderante por todo o tempo. E mais ainda, os britânicos tomaram a decisão correta de atacar em Goose Green, bem cedo, de forma a precaver-se de qualquer avanço argentino contra San Carlos e para assegurar uma vitória inicial, que doravante, reforçasse o moral dentro de suas forças, fortalecesse a opinião pública e o empenho do governo em perseguir a campanha com vigor.

Uma meticulosa consideração dos fatores sublinhando sucesso e fracasso no Atlântico Sul precisa levar em conta a perspectiva argentina.

A estratégia argentina nas ações terrestres padeceu de numerosas falhas fatais: Menéndez hesitou em responder durante vários dias após o desembarque das forças britânicas em San Carlos, quando poderia ter prolongado a campanha ao desfechar qualquer coisa, de uma grande incursão, um reconhecimento em força ou até um contra-ataque propriamente dito, empregando, por exemplo, as consideráveis forças desdobradas em Goose Green. Mesmo sem um grande contra-ataque contra a cabeça-de-praia, ele quase certamente poderia ter controlado o curso da campanha, desta forma esticando o prazo dela até bem dentro do inverno, impondo um impasse a um adversário, por esta forma, privado de apoio marítimo devido ao mar pesado e aos ventos fortes.

Também é importante apreciar que se os argentinos tivessem defendido o acesso ocidental para Stanley com maior tenacidade - ou, pelo menos, sustentado as montanhas com números maiores e melhor supridos - a ofensiva de Moore poderia ter sido embotada tempo o bastante para alterar fundamentalmente o resultado da campanha. Os britânicos tinham empenhado virtualmente toda sua força terrestre nesta ofensiva, com apenas um módido de reserva disponível: metade do Comando 40 sediado em San Carlos e uma companhia de gurkhas em Goose Green. Suas forças ao oeste de Stanley tinham até então sofrido apenas baixas mínimas devido à exposição e pé-de-trincheira, mas simplesmente não podiam permanecer no local por muito mais tempo, enquanto as condições invernais ficavam cada vez piores. Manter sua infantaria e artilharia em suas posições necessitaria de convocar as reservas de San Carlos e Goose Green, daí expondo sua desprotegida retaguarda ao ataque da guarnição argentina na Falkland Ocidental ou de forças descansadas despachadas pelo ar do continente para aterrisarem na pista de pouso em Goose Green.

Embora sendo verdade que a Grã-Bretanha ainda possuísse grandes números de tropas alhures - ainda que divididas principalmente entre as guarnições no Reino Unido, Alemanha, Chipre e Brunei - nenhum reforço estava em trânsito, e qualquer um de prontidão, tal como o 1º Batalhão do Regimento Pessoal de Montanheses da Rainha (1º Queen's Own Highlanders), embora certamente capaz de alcançar Ascensão ileso, teria então de ter desembarcado na pista de pouso de Goose Green, sob o risco de ataque aéreo. Em resumo, o sucesso total do esforço britânico dependia de um sucesso rápido nas montanhas em frente a Stanley, pois o fracasso poderia ter forçado o governo Thatcher a negociar um compromisso que incluísse uma completa retirada das forças britânicas.

Os argentinos não precisavam ter considerado as forças de combate terrestres britânicas como o "centro de gravidade" clausewitziano; simplesmente concentrando-se nos elementos aéreos, marítimos e terrestres da extremamente vulnerável logística de seu oponente, poderia ter tornado as operações britânicas insustentáveis. Alternativamente, um golpe decisivo contra um grande navio de tropas como o QE2 ou o Canberra, ou um dos dois porta-aviões, apenas, poderia ter obrigado a Grã-Bretanha a suspender ou cancelar as operações. Ao fracassar ou em resistir aos desembarques iniciais em San Carlos Water ou em desorganizar o posterior estabelecimento de centros logísticos em Teal Inlet e na Baía de Fitzroy, os argentinos perderam mais do que uma oportunidade para retardar ou possivelmente até mesmo paralisar severamente o avanço sobre Stanley, deixando a chegada do inverno forçar um cessar-fogo e um acordo negociado. Finalmente, Menéndez engajou em regulares disputas com os generais-de-brigada Joffre e Daher em Stanley, sobre os meios de, primeiro, repelir a força de desembarque e, depois, defender a capital.

Os argentinos semearam seus campos minados sem considerar apropriadamente a linha de aproximação de seus oponentes, assim permitindo aos britânicos desviar-se deles com facilidade, durante os ataque sobre Monte Harriet e as Two Sisters. Ao nível estratégico, os argentinos adotaram uma estratégia falha que empenhou as tropas mais numerosas e de melhor qualidade no setor de Stanley, portanto, fracassando em antecipar a possível necessidade de se opôr a um desembarque alhures. Além da capital, suas disposições pareciam bem sólidas, com concentrações ao redor da pista de pouso de Goose Green e naturalmente nas montanhas defendendo o acesso ocidental para Stanley. Entretanto, algumas destas posições defensivas que os argentinos estabeleceram eram ilógicas ou totalmente negligentes, tais como na ponta ocidental de Longdon onde eles falharam em se entrincheirarem, desafiando a lógica militar ao tornar vulnerável um ponto onde qualquer assalto provavelmente recairia. Equívocos táticos ocorreram alhures: as posições argentinas em Goose Green não se estendiam longe o bastante para impedir o 2º Para de as flanquear, apesar do fato de que um, de outro modo, eminentemente defensável estreito istmo deveria ter tornado um assalto frontal por sobre terreno aberto, com claros campos de fogo, e com mais do dobro do número de defensores, virtualmente impraticável.

Finalmente, as disposições argentinas na Falkland Ocidental tiveram muito pouco propósito, além de monitorar a atividade naval no Estreito das Falklands e possivelmente interditar vôos sobre seu espaço aéreo. Quase 20 porcento da guarnição argentina nas Falklands ocupavam as duas principais posições na Falkland Ocidental, que a maioria dos estrategistas teria rejeitado imediatamente como trampolim potencial para um ataque britânico contra a Falkland Oriental, já que os desembarques lá, inevitavelmente, exigiriam uma segunda operação anfíbia. No evento, as tropas na Falkland Ocidental - que possuía pouco valor estratégico, exceto a pista de pouso em Pebble Island que, de qualquer forma, o SAS já tinha destruído uma semana antes dos desembarques principais - não desempenharam papel algum nas operações no leste, tornando os cerca de 1.700 soldados lá efetivamente impotentes.

Enquanto os argentinos muito sensatamente estocaram grandes quantidades de alimentos, munição e vestuário em Stanley, sérias deficiências no sistema de distribuição, exacerbados pela prática corrupta de roubar os pacotes de rações e encomendas de casa dos soldados, deixaram estes, que mais precisavam de sustentação e material, sofrendo de sérias carências. Ineficiência e falta de viaturas qualquer-terreno deixaram as tropas nas montanhas, efetivamente encalhadas, mesmo embora em plena vista da capital. Em resumo, no melhor dos casos, o sistema logístico argentino sofria de pobre previsão e, no pior, de chocante má-administração. Se as forças britânicas pelejavam com uma excepcionalmente longa linha de suprimentos - vinte vezes mais longa do que a dos seus adversários - os argentinos, com apenas 650 Km para atravessar, ainda assim a administraram de forma lamentável, fracassando em considerar que suprimentos programados para uma brigada para 30 dias não podiam remotamente esperar servir as necessidades de uma guarnição confrontando a possibilidade de defender as ilhas. Quando em resposta ao envio da Força-Tarefa britânica, a Junta argentina enviou consideráveis reforços, aumentando a guarnição para mais de 11 mil soldados, ela falhou em fornecer tanto a quantidade necessária de suprimentos e vestuário apropriado para o período de ocupação - menos do que três meses - quanto em tomar medidas adequadas para a sua distribuição.

Embora não quantificável, o elevado estado do moral britânico, claramente exerceu uma pesada influência sobre as operações, pois enquanto o típico soldado argentino fortemente apoiava a causa nacional de "recuperar as Malvinas", havia pouca dúvida de que sua contraparte britânica aderia a posição moral de seu próprio país, com pelo menos igual fervor. Os homens quase invariavelmente lutam pelo bem de seus camaradas antes do que por princípios pomposos, mas uma forte crença permeava a Força-Tarefa de que o infringimento dos direitos de soberania e do princípio da auto-determinação não podiam ser tolerados. Como o próprio Moore resumiu:

"A diferença básica é que eles estavam lutando pelas ilhas; nós estávamos lutando pelos ilhéus."


Por toda a campanha, o objetivo britânico permaneceu claro e sem ambigüidades; os meios desdobrados proporcionais; e a avassaladora maioria do público permaneceu ao lado da política do governo e das Forças Armadas, estas abrigando poucas dúvidas sobre a justiça da causa em cuja defesa a nação as convocara.

Ao contrário, apesar da euforia inicial experimentada pelas forças argentinas nas Falklands antes do começo das hostilidades no mar - porém mais particularmente, antes do afundamento do Belgrano - o moral da guarnição sofreu da prematura compreensão de que as afirmações do governo sobre a disposição dos ilhéus em recebê-los como libertadores eram falsas e, pior ainda, equivaliam a mais uma propaganda cínica de um regime já tornado infame pelo seu esmagamento da dissidência interna e a prisão e desaparecimento de dezenas de milhares de seus cidadãos. Esta consideração, de par com os golpes ao moral infligidos pelo desastre em Goose Green e as privações sofridas pelos soldados mal-equipados e famintos nas montanhas, elencam-se entre os numerosos fatores que contribuíram para a derrota argentina.

O fracasso da Argentina em desdobrar suas melhores tropas para impedir a retomada das Falklands se destaca alto entre o catálogo de erros cometidos pelos estrategistas em Buenos Aires. A melhor unidade disponível, o 5º de Infantaria da Marinha, lutou bem em Tumbledown, mas a guarnição como um todo deveria ter incluído uma forte proporção de unidades selecionadas, incluindo comandos de outro modo desdobrados na Argentina para conter uma intervenção chilena num momento de vulnerabilidade. No caso, a maioria das forças argentinas, apesar de seus números maiores, compreendiam no melhor dos casos, soldados profissionais de qualidade ordinária; no pior, recrutas bisonhos de valor negligenciável, mesmo quando firmemente instalados em posições entrincheiradas com a expectativa de não conduzir nada mais substancial do que uma defesa estática e contra-ataques locais em pequena escala. Em resumo, uma vez expelidos de uma posição, os argentinos exibiam um notável grau de passividade, não fazendo nenhum esforço para reorganizar-se e disputar a posse do terreno perdido, para não falar em interditar o avanço de seus adversários bem antes de estes alcancarem seus objetivos.

Treinamento e liderança apropriados poderiam ter feito muito para levantar os padrõe de disciplina e eficiência de combate; mas muitos argentinos sofriam ou da ausência ou de um ou ambos, portanto, uma vez colocados contra unidades que lhes eram quase invariavelmente superiores nestes aspectos, eles tinham pouca chance de sucesso. Não há aqui nenhuma sugestão de que as forças argentinas ofereceram somente resistência simbólica; apenas que, ao serem confrontadas por tropas claramente superiores a elas em todos aspectos, exceto poder de fogo e números, as probabilidades estavam decididamente em favor daqueles cujos altos padrões de liderança, treinamento, disciplina, motivação e moral não eram segundo para ninguém no mundo. Calhou de que a já impressionante 3ª Brigada de Comandos estivesse numa prontidão de sete dias, no Reino Unido e assim, fosse mais provavelmente a primeira a ser desdobrada; mas a judiciosa decisão de enviar várias outras unidades de elite (e seus elementos de apoio) - além do SAS e o SBS, que desempenharam importantes papéis na coleta de inteligência no curso de patrulhamentos e em observações em ambas as ilhas - fundamentalmente contribuiu para o sucesso numa período notavelmente curto.

Ao permanecer em posições estáticas e falhar em patrulhar agressivamente, os argentinos condenaram-se a cegueira operacional, desta maneira permitindo aos britânicos movimentarem-se se serem detetados por uma ampla área em escala estratégica, tanto como ao nível tático - aproximando-se de muitas posições defensivas com pouca ou nenhuma detecção, desta forma introduzindo o elemento de surpresa em sua já existente prática de perseguir uma doutrina de "ataque deliberado". O fracasso em coletar - muito menos avaliar - informações deixou, por exemplo, os defensores em Goose Green completamente ignorantes da aproximação do 2º Para, e também levou-os a superestimar a força desta unidade uma vez que o assalto começou - largamente devendo-se ao pânico surgido da surpresa dos defensores com sua súbita aparição, deixando-os desmoralizados e sem vontade para lutar com a tenacidade necessária para repelir o ataque determinado, ainda que pobremente coordenado do 2º Para. Ao contrário, o regular patrulhamento permitiu aos britânicos coletarem informações vitais sobre as posições defensivas argentinas antes dos assaltos de 11-14 de junho - uma clara melhoria sobre a amarga lição aprendida em Goose Green onde nem as disposições dos defensores, nem seus números foram precisamente conhecidos.




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#162 Mensagem por Clermont » Sex Jul 13, 2012 10:26 am

FOGO NÃO-AMIGO.

William S. Lind - 27 de junho de 2012.

O maior desafio intelectual na Guerra de Quarta Geração - a guerra contra oponentes que não são estados - é como lutar ao nível operacional. A OTAN no Afeganistão, semelhante aos soviéticos três décadas atrás, tem sido incapaz de resolver essa charada. Mas o Taliban parece o ter feito.

O nível operacional da guerra se encontra entre a estratégia e a tática. Enquanto os grandes comandantes sempre tem pensado e lutado ao nível operacional, o conceito não foi formalmente reconhecido até o século XIX. Como usual, foi o Exército prussiano que liderou o caminho. Alguns historiadores pensam que o nível operacional pode ter sido formalizado pelo próprio marechal-de-campo von Moltke na Guerra Franco-Prussiana, como uma forma de manter Bismarck fora do caminho. ("Sim, meu querido Bismarck, você está encarregado da estratégia, mas simplesmente não pode interferir em questões operacionais.")

O Exército dos Estados Unidos não reconheceu oficialmente o nível operacional de guerra até 1982, mas o Exército russo, tsarista e mais tarde soviético, baseou-se nele. Por volta de 1944-45, o Exército Vermelho era tão competente no que eles chamavam "arte operacional" como a Wehrmacht. Isso nunca foi verdade para os Aliados ocidentais.

O termo russo, arte operacional, é bom, pois ao contrário da tática ou da estratégia, ele não é uma coisa mas um elo. Ele é a arte, não a ciência, de utilizar eventos táticos, batalhas e recusas em oferecer batalha, vitórias e algumas vezes derrotas (da perspectiva norte-vietnamita, a Ofensiva do Tet foi uma derrota tática mas uma vitória operacional decisiva) para golpear tão diretamente quanto possível o centro estratégico do inimigo. Devido a recorrer à batalha apenas quando e onde necessário, a arte operacional é uma grande economia de força de combate - mesmo uma batalha vencida devora soldados, combustível, equipamento e, o mais importante, tempo.

Um brilhante exemplo de sua aplicação provém do XIX Corpo Panzer do general Heinz Guderian na campanha de 1940 contra a França. Guderian liderou o famoso avanço através do ponto fraco das montanhas das Ardenas, a junção entre as poderosas forças que os franceses tinham pressionado à frente na Bélgica e aquelas guarnecendo as fortificações Maginot. Após Guderian atravessar o rio Mosa em Sedan, ele confrontou forças francesas vindas do sul. Ele poderia ter permanecido ali, enfrentando-as. Ao invés, raciocinando operacionalmente, ele manteve a travessia com forças mínimas e jogou tudo o que tinha ao norte contra o Canal da Mancha. Isso desmontou a "dobradiça" entre as forças francesas e britânicas na Bélgica e aquelas na França, vencendo a campanha de um golpe só. A França, que pela avaliação de todos tinha o melhor exército do mundo, caiu derrotada em seis semanas.

Onde a guerra permanecer em sua encarnação de Terceira Geração, uma questão de campanhas de rápido movimento lideradas por exércitos de tanques, as Forças Armadas dos Estados Unidos podem eventualmente desenvolver a arte operacional. Mas a guerra mudou: os exércitos de tanques agora são tão irrelevantes quanto exércitos de arqueiros montados. Portanto a questão deve ser perguntada, novamente - como você vincula eventos táticos para ganhar estrategicamente?

O Exército soviético focou seu melhor talento sobre a arte operacional. Mas, no Afeganistão, ele falhou, justamente como nós temos falhado. Semelhante aos soviéticos, nós podemos tomar e manter um pedaço do terreno afegão. E fazendo isto, como os soviéticos, não nos coloca nenhum passo mais próximos da vitória estratégica. O Taliban, ao contrário, descobriu uma forma elegante de conectar estratégia e tática numa moderna guerra descentralizada.

O que se faz passar por estratégia da OTAN é treinar suficientes forças afegãs para conter o Taliban uma vez que tenhamos caído fora. A resposta do Taliban tem sido fazer com que homens em uniformes afegãos - muitos dos quais realmente são soldados ou policiais do governo afegão - voltem suas armas contra seus conselheiros da OTAN. Este é um golpe fatal contra nossa estratégia pois ela torna a missão de treinamento impossível. Contemplem a arte operacional na Guerra de Quarta Geração.

De acordo com o artigo de 16 de maio por Matthew Rosenberg, no New York Times, vinte e dois soldados da OTAN já foram mortos até este ano por homens em uniformes afegãos, comparado com trinta e cinco no ano passado. O relatório descreve um incidente em detalhes - detalhes que a OTAN está ansiosa para suprimir. Haviam três atacantes afegãos, dois deles eram soldados do Exército afegão. Dois americanos foram mortos. O combate - e isso foi um combate, não apenas um tiroteio de passagem - durou quase uma hora.

O que é significativamente operacional foi menos o incidente do que sua conseqüência. A confiança que existia entre soldados americanos e afegãos que aqueles supostamente deveriam treinar, foi despedaçada. Imediatamente após o episódio, relata o Times, os americanos instituíram novos procedimentos de segurança que alienaram seus aliados nativos e, embora algumas destas medidas fossem mais tarde retiradas, os soldados afegãos ainda se queixam de que estão sendo mantidos à distância pelos americanos, figurativa e literalmente. Os americanos, por exemplo, instalaram elevadas barreiras de concreto para separar seu pequeno centro de comando de madeira compensada do acampamento afegão.

Também ainda está em vigor uma regra imposta pelo Exército afegão após o ataque, exigindo que a maioria de seus soldados tranquem suas armas quando na base. O oficial-comandante afegão guarda as chaves.

Um soldados americano, mesmo assim, aconselhou um visitante a levar uma escolta armada para o lado afegão da base, que estava a cerca de 100 metros distante, "apenas para o caso...".

Multiplique a conseqüência deste incidente por vinte e dois desde o início do ano e ele se torna operacionalmente importante. Cada incidente rapidamente torna-se conhecido por todas as tropas da OTAN no Afeganistão, que difunde o impacto. Apenas umas poucas centenas mais destes ataques "verde contra azul", efetivamente acabarão com nossa missão de treinamento.

O Taliban sabe que esta técnica é operacional, não apenas tática. Pode-se esperar que eles ponham todo seu esforço nisso. Que contramedidas nós temos? Apenas dar ordens para nossos soldados para fingirem que isto não está acontecendo - para manter a confiança em suas contrapartes afegãs. Esta ordem, se imposta, colocará nossas tropas numa tal insustentável posição que o moral irá entrar em colapso.

Tão poderoso é o gosto desta arte operacional Taliban que Washington pode temer o exemplo que ela dá. Durante uma recente visita ao Afeganistão pelo secretário de defesa Leon Panetta, nenhum soldado americano teve permissão para aproximar-se dele com armas carregadas. Poderia o Pentágono estar preocupado que nossos próprios soldados possam ter aprendido com o Taliban? Se eu fosse um soldado americano que tivesse recebido ordens para entregar ou descarregar minha arma antes de aproximar-me do secretário Panetta, eu com certeza interpretaria desta maneira.




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#163 Mensagem por Clermont » Qua Set 26, 2012 10:13 am

O QUE HÁ DE TÃO ESPECIAL SOBRE OPERAÇÕES ESPECIAIS?

SEALs e Rangers não são a resposta para nossas aflições militares.

William S. Lind - 26 de setembro de 2012.

Em face do fracasso das forças militares convencionais da América no Iraque e Afeganistão, o establishment de Washington está em busca de uma bala de prata, uma "força de escolha" que possa vencer. Ele acha que encontrou uma nas forças de operações especiais (FOpEsp), que incluém, mais famosamente, os SEALs da Marinha e os Boinas Verdes do Exército.

A experiência é o melhor professor, como diz o antigo ditado, mas ela mata seus pupilos. Experiência, provavelmente, nos ensinará, ao confrontar os inimigos não-estatais de Quarta Geração, as FOpEsp não são nenhuma bala de prata. Nós podemos aprender a mesma lição, de antemão, por meio de um pouco de reflexão, sem desperdiçar as vidas de alguns dos nossos melhores e mais admiráveis homens.

A primeira razão é que os objetivos estratégicos que o establishment de política externa estabelece são inatingíveis por quaisquer forças armadas. Nem mesmo um exército de elfos poderia remoldar os buracos do inferno do Terceiro Mundo numa Suíça. E, como Russell Kirk escreveu, não há forma mais garantida de transformar um homem em seu inimigo do que dizer a ele que você pretende remoldá-lo à sua imagem, para o próprio bem dele.

Segundo, conquanto exista uma ampla variedade dentro da comunidade de operações especiais, a maioria das unidade FOpEsp compartilham os mesmos problemas que afligem nossas forças convencionais. Elas, também, estão atoladas na Segunda Geração da guerra moderna, com uma cultura de ordem, voltada para dentro, que reduz a complexa arte da guerra em lançar poder de fogo sobre os alvos.

As FOpEsp são mais habilidodsas em técnicas que suas contrapartes convencionais, mas técnicas não são uma fraqueza típica americana. Nossas forças armadas são tecnicamente capazes por todo o espectro de operações.

Técnicas e táticas não são apenas diferentes, como são opostas em natureza - as primeiras são formulísticas e as segundas devem ser situacionais - e como nossas forças convencionais, as FOpEsp em sua maioria não são taticamente competentes, pelo menos, do que eu tenho visto delas. Poucas unidades de operações especiais americanas conhecem táticas de infantaria ligeira ("Jäger"), sem as quais elas dependem, taticamente, de maciço poder de fogo (normalmente, ataques aéreos) que na guerra de Quarta Geração trabalha em favor do inimigo. Elas nem mesmo conhecem as básicas táticas de guerra de manobras de Terceira Geração, que o Exército alemão desenvolveu no final da Grande Guerra. Elas usam suas técnicas superiores, meramente, para lançar mais fogo, mais precisamente, sobre mais alvos, em guerras de atrito contra inimigos que não são sensíveis à baixas.

A obsolescência tática das FOpEsp é duplamente prejudicial pois elas são, com freqüência, empregadas para adestrar as forças de estados fracos que estamos tentando apoiar. Ao ensinar-lhes a guerra de atrito/poder de fogo de Segunda Geração, nós solapamos sua efetividade enquanto as tornamos dependentes do poder de fogo que elas, improvavelmente, terão, após nossa partida. Além do nível de técnicas, somos, demasiado freqüentemente, a Typhoid Mary (1) do aconselhamento militar.

O quadro, nos níveis mais elevados da guerra, também é sombrio. As FOpEsp não compreendem melhor a arte operacional do que o restante das forças armadas americanas, o que equivale dizer que elas apenas podem enunciá-la. (Isto está agora evidenciado nas cada vez mais desesperadas tentativas do comando americano no Afeganistão em responder aos ataques "verde-contra-azul". (2) Ele está tentando responder no nível tático a uma ação operacional do Taliban, o que está condenado ao fracasso.) Esta é uma falha especialmente séria para as forças de operações especiais, pois aquilo que torna uma operação "especial" é que ela é operacional, não simplesmente tática. O resultado é que a maioria das "operações especiais" americanas são meramente ações táticas, o equivalente a incursões das equipes SWAT da polícia. Nossas forças de operações especiais acabam esvaziadas em eventos menores que, de novo, somam-se a uma guerra de atrito. Incursões noturnas para matar ou capturar líderes de GCs talibans estão muito distantes do resgate de Mussolini por Otto Skorzeny, que foi um modelo de operação especial. (3)

As FOpEsp não saem-se melhor ao nível estratégico. Aqui, o atrito tem sido e permanece o modo americano de guerrear, e as forças de operações especiais são empregadas de acordo.

Em guerra de Quarta Geração, as forças de operações especiais compartilham, ainda outra, fraqueza com nossas forças convencionais: elas são americanas. Com a importante exceção das Forças Especiais (os Boinas Verdes), elas levam a América com elas, para onde estiver a guerra. Após uma ação, elas voltam para a base que é uma "pequena América", com ar condicionado, bifes e Internet. Os locais, sejam inimigos ou aliados, olham com uma inveja que logo se converte em ódio.

Isso alimenta um problema central em guerra de Quarta Geração, que Martin van Creveld chama de poder da fraqueza. Com nossas avassaladoras vantagens técnica e de equipamento, luxurioso (pelos padrões locais) modo de vida, e belo país para onde voltar depois de termos arruinado o país de algum outro, nós somos Golias. Nossos oponentes, embora repulsivos, tornam-se Davi. Quantas pessoas identificam-se com Golias?

No final, as forças de operações especiais diferenciam-se das forças armadas convencionais, que tem fracassado repetidamente contra oponentes de Quarta Geração, primordialmente, por oferecerem um espetáculo melhor. Suas técnicas podem ser deslumbrantes, mas poucas guerras são ganhas por superioridade em técnicas.

Uma regra geral da guerra é que um nível mais elevado passa por cima de um mais baixo, e a técnica é o mais baixo nível de todos. Nossos SEALs, Rangers, FEs e todo o resto são vastamente superiores ao Taliban ou al-Qaida em técnicas. Mas estes oponentes tem, algumas vezes, mostrado-se hábeis em táticas, operações e estratégia. Nós podemos derrotá-los, somente, tornando-nos superiores nestes níveis mais elevados da guerra. Aqui, lamentavelmente, as forças de operações especiais nada tem a oferecer. Elas são apenas outra bala de chumbo num obsoleto arsenal de Segunda Geração.


______________________________

1 : apelido de uma cozinheira que, no início do século XX, ficou célebre por contaminar pessoas com febre tifóide.

2 : ataques de uma força aliada contra outra. Isto é, os ataques de policiais e militares afegãos contra seus supostos aliados e instrutores da OTAN.

3 : Existem controvérsias se isto foi uma "operação de Otto Skorzeny"... viewtopic.php?f=11&t=625&start=30




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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#164 Mensagem por cabeça de martelo » Qua Set 26, 2012 11:05 am

A pessoa que escreveu este artigo nunca serviu nas Forças Armadas, é na verdade um teórico como qualquer um de nós no fórum.

:arrow: http://www.military.com/Opinions/0,,Lind_Index,00.html




"Lá nos confins da Península Ibérica, existe um povo que não governa nem se deixa governar ”, Caio Júlio César, líder Militar Romano".

Portugal está morto e enterrado!!!

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Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.

#165 Mensagem por Clermont » Qua Set 26, 2012 11:15 am

cabeça de martelo escreveu:A pessoa que escreveu este artigo nunca serviu nas Forças Armadas, é na verdade um teórico como qualquer um de nós no fórum.

:arrow: http://www.military.com/Opinions/0,,Lind_Index,00.html
Só que a "pessoa que escreveu este artigo" também participa em estudos e formulação de manuais de campanha do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.

O que, parece, não é caso de nenhum teórico "como qualquer um de nós, no fórum".

Eu pelo menos, não sou teórico de nada e nunca dei palestras para uma platéia de oficiais do U.S. Marine Corps.


(à propósito, sabia qual era profissão da única pessoa que acertou, quase 90 porcento, de como iria se desenrolar uma eventual grande guerra européia no começo do século XX?

Não era nenhum militar. Era um banqueiro polonês de Varsóvia...)




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