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27-10-2007
O negócio das armas :: Dalmo Dallari
professor e jurista
O negócio de armas movimenta quantias elevadíssimas e proporciona lucros imensos aos fabricantes e comerciantes, como também, em muitos casos, a intermediários das negociações e a pessoas que atuam como abridores de caminhos ou facilitadores dos negócios. Como tem sido muitas vezes noticiado, essa é uma área cheia de sombras, em que muitos dos participantes ficam ocultos ou semi-ocultos. Um capítulo especial dessa atividade, que consome recursos substanciais, é a venda de armamentos a governos, sob pretexto da necessidade de reaparelhamento e modernização das Forças Armadas.
Muitas vezes a imprensa deu notícia do envolvimento de altas personalidades da política e do governo em negócios de armamentos, sendo inúmeros os casos de governos de países subdesenvolvidos que receberam auxílio financeiro internacional para aplicação na melhoria das condições de vida de suas respectivas populações e que desviaram parte substancial desses recursos para a compra de armamentos, evidentemente com bom proveito pessoal.
Podem ocorrer casos em que a compra de armamentos, embora retirando recursos do socorro às populações pobres e marginalizadas, seja necessária para a defesa da soberania do Estado e a proteção do povo. Mas quando ocorrem tais circunstâncias, as ameaças são evidentes, pois a preparação de uma invasão do território de outro Estado não pode ser feita às ocultas, exigindo a mobilização e o treinamento de tropas, a concentração de armamentos pesados e outras medidas prévias que são, inevitavelmente, ostensivas. Além disso, para avaliação de um risco verdadeiro e não fantasioso, é indispensável levar em conta a relação de forças, as vulnerabilidades do Estado ameaçado, a fragilidade de seus meios de defesa, bem como o conjunto das circunstâncias geopolíticas.
Essas considerações foram inspiradas numa sucessão de registros estranhos que, de um momento para outro e sem que exista qualquer justificativa razoável, começaram a aparecer na imprensa brasileira, parecendo mais que se quer criar a aparência de uma preocupação e demanda de diferentes setores da população brasileira. Com efeito, no dia 17 de outubro, estranhamente, na página de eventos sociais de uma prestigiosa colunista do jornal Folha de S. Paulo, apareceu o registro de que o senador José Sarney, fazendo críticas ao presidente da Venezuela, disse estar preocupado, acrescentando que o Brasil precisa estar militarmente no mesmo nível da Venezuela, para se defender. E acrescentou, profeticamente, que "o presidente (Lula) vai começar a ser pressionado por Aeronáutica, Marinha e Exército para se armar". Como informa a colunista, o ex-presidente fez tais declarações em Mendoza, num fórum para empresários, acrescentando que tal manifestação do ex-presidente "deixou todos surpresos". Os motivos da surpresa de todos são mais do que evidentes, pois neste momento o presidente venezuelano está quase mendigando o apoio do Brasil para ingressar no Mercosul, o que é absolutamente contraditório com a afirmação de que a Venezuela está ameaçando o Brasil. Confirmando a profecia de Sarney, começaram a ser divulgadas pela grande imprensa manifestações de altos chefes militares sobre a necessidade de modernização dos armamentos. Ao mesmo tempo, na coluna de correspondência dos leitores de vários jornais, começaram a aparecer cartas de pessoas cuja atividade profissional não se identifica, falando enfaticamente na necessidade de modernização e reequipamento do arsenal brasileiro. Tudo isso é revelador da existência de uma fonte comum, pois na realidade a ameaça sobre o Brasil é absolutamente fantasiosa e não tem qualquer apoio nas circunstâncias da realidade latino-americana de hoje. O povo brasileiro tem reais necessidades, que demandam recursos substanciais, não se podendo admitir que a carga tributária que pesa sobre o povo brasileiro seja utilizada para cobrir despesas que estão muito longe de ser prioritárias.