"Daqui a alguns anos, será que um paciente não desconfiará de um cirurgião negro antes de se submeter a uma operação? "Doutor, o senhor entrou na faculdade pelas cotas ou por nota?" Há, sim, o risco de que profissionais negros sejam vistos com desconfiança e tenham seu talento e potencial contestados". (Kaíke Nanne, jornalista - http://noticias.aol.com.br/colunistas/k ... 4/0002.adp)Você acredita mesmo que a reserva de vagas para "afrodescendentes" e descentes de índios é uma medida honesta que reduzirá desigualdades sociais e não comprometerá nem a qualidade da Universidade nem os princípios constitucionais pétreos que asseguram direitos iguais, independente de raça, cor ou credo?
Pois eu diria, antes de me aprofundar na matéria, que, paradoxalmente, não há proposta mais racista do que a fixação de cotas. E mais: tal medida só serve à grande conspiração contra o ensino público, já vitoriosa nos primeiros graus, num retrocesso irresponsável.
Essa é uma manobra diversionista, uma desculpa esfarrapada para tentar encobrir o grande mal que essa turma fez ao povo brasileiro, ao aliar-se à mídia mais retrógrada, para inviabilizar os CIEPs que Brizola e Darcy Ribeiro começaram a implantar no Rio de Janeiro como a mais transcendente obra de governo.
Se esta não tivesse sido deliberadamente solapada por essa turma fabricada sob medida, teríamos NAS UNIVERSIDADES, PELA PORTA DA FRENTE, mais negros e mais pobres brancos ou mulatos e, de quebra, não estaríamos a lamentar a exacerbação incontrolável da violência urbana.
Contrabando "made in USA"Essa política de cotas para negros, batizada de "ação afirmativa" é mais um contrabando "made in USA", como quase tudo que inspira essa turma que conseguiu a proeza de se apropriar das causas do povo para em seu nome torná-lo sujeito ao convívio com a injustiça e a opressão, assim como um bom psicanalista consegue acalmar as mentes inquietas e um pastor pentecostal domar as almas em conflito.
Lá, o Ku Klux Klan deitou e rolou até as grandes marchas da década de sessenta, em que afloraram lideranças como Martin Luther King (moderado, assassinado em 1968) e Malcolm X (radical, assassinado em 1965). Lá, no "grande teatro da democracia e dos direitos humanos", era farta a legislação racista em boa parte dos seus Estados.
Com a "guerrilha" de Macolm X, dos "panteras negras" e a pregação envolvente de Luther King, o sistema percebeu que não dava mais para legitimar no papel os guetos em chamas, como o Harlen, em plena "New York, New York".
Era a década em que a África negra, rica em minérios e pedras preciosas, rompia seus grilhões com a Europa colonialista, tempo de Patríck Lumumba, no Congo; Kwame Nkrumah, em Gana; Sekou Thouré, na Guimé; Julius Nierere, na Tanzânia; Jomo Keniatta, no Quênia; Nelson Mandela, na África do Sul; Agostinho Neto, em Angola;, Samora Machel, em Moçambique e tantos outros líderes nacionalistas.
De olho no continente africano, os imperialistas norte-americanos concluíram que precisavam encobrir o racismo atávico e adotaram várias medidas compensatórias. Uma delas, a reserva de vagas para negros nas universidades, instituída nos primeiros anos da década de 70, foi fulminada em 1978 pela Suprema Corte, o que ocorrerá fatalmente no Brasil, como já advertiram juristas sérios. Então, algumas universidades, valendo-se de sua autonomia, passaram a adotar outros critérios que aparentavam boa vontade com os negros.
Na de Michigan, como narra Kaíke Nanne, "ser negro, hispânico ou indígena conta 20 pontos de um máximo de 150. Em outras faculdades, ser atleta, pintor ou dançarino ajuda na classificação. A direção de uma escola pode, por exemplo, considerar válida a presença de um guitarrista punk numa turma de Administração composta basicamente por almofadinhas conservadores. De todo modo, é sempre a instituição que decide a própria política de preferência - ou mesmo se haverá alguma".
No Brasil, foi tudo diferente, beirando a galhofa. Tem racismo ainda? Tem, mas, digamos, no "caixa 2", por baixo do pano. Até a libertação de 1888 foi usada capciosamente para lançar milhares de negros ao relento e ao desemprego.
E os brancos pobres?Aqui, com toda certeza, há brancos em situação de discriminação social semelhante aos negros. Isso quer dizer que reservar vagas apenas para os que se declaram descendentes de negros e de indígenas já configura por si uma baita injustiça.
Mas não é só. O que se proclama inclusão social dos negros só vale para os em melhor posicionamento na pirâmide social. Veja o que relata o jornalista Kaíke Nanne: "No Brasil, o que se viu quando uma universidade teve de cumprir leis de cotas criadas em Assembléia Legislativa foi uma completa bizarrice.
No ano passado (2003), dos 1.969 negros aprovados no vestibular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), apenas 329 conquistaram suas vagas pelo bom desempenho nas provas. O restante, mais de 80 por cento, entraram pelas cotas. Esses alunos obtiveram notas muito inferiores a de colegas brancos que acabaram reprovados.
Há mais um dado relevante a considerar. Ao preencher a cota racial de 40%, a Uerj teve de selecionar os candidatos melhor qualificados entre aqueles que se declararam negros. Que eram, via de regra, oriundos de escolas particulares. Ou seja: os grandes beneficiados foram os alunos negros de classe média".
Qualquer um sabe que é muito mais honesto fortalecer a escola pública nos ensinos de primeiro e segundo graus do que entregar nossa sorte a doutores mal preparados e que poderão concluir um curso como milhares de precários bacharéis que acabam procurando emprego em áreas que não dizem respeito aos seus diplomas.
Como apoio emergencial, uma boa parte dos professores sérios já vem sugerindo há muito tempo a implantação de cursos preparatórios gratuitos, onde, aí, sim, os que não puderam ter um bom segundo grau poderão se habilitar à Universidade Pública pela porta da frente, segundo as pétreas exigências da Constituição.
Forçar a entrada da Universidade para quem quer que seja é, sem dúvida, um crime contra todos os cidadãos - os que têm direito a oportunidades iguais de acesso e os que precisam de profissionais com o mínimo de competência.
*Pedro Porfírio