Enviado: Qua Ago 31, 2005 10:23 am
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«Se um dia Lisboa for ameaçada por uma catástrofe como o «Katrina», fiemo-nos na Virgem, que sempre é mais de confiança que as autoridades, e corramos»
2005/08/30 | 11:37
Bilhete postal - Crónica de José Júdice
O furacão «Katrina» obrigou à evacuação de mais de meio milhão de pessoas de Nova Orleães, aproximadamente o mesmo número de pessoas que vivem em Lisboa. A saída não foi voluntária, embora grande parte dos habitantes da cidade, habituados à devastação periódica dos temporais do Golfo do México, o tivessem feito de qualquer maneira. O ponto a reter é que a evacuação da cidade foi decretada pelas autoridades e foi compulsiva - apenas ficaram os pobres que não tinham para onde ir, cerca de 60 mil, abrigados num estádio, e o pessoal dos serviços essenciais. O êxodo, pelas imagens que todos viram na televisão, decorreu com tranquilidade e sem incidentes graves.
Imaginemos que uma catástrofe semelhante ameaçaria Lisboa - uma «onda gigante», por exemplo, que se seguirá inevitavelmente a um terramoto como o de 1755 - obrigando à evacuação dos seus habitantes de um dia para o outro, como foi o caso de Nova Orleães. Não é difícil imaginar o caos, os engarrafamentos monumentais, os acidentes provocados pelos apressados e chico-espertos, os gritos de histeria e aflição, o acuda-me Nossa Senhora de toda uma população pouco habituada a agir disciplinadamente, para nem falar de problemas secundários, mas igualmente graves, como a criminalidade oportunista resultante de prédios e negócios vazios e ruas sem policiamento. Não faltaria quem aproveitasse para aparecer na televisão com críticas histéricas aos governantes, à Câmara, à polícia, às autoridades - aos outros, porque a culpa é sempre dos outros - por não haver centros de acolhimento disponíveis, por não haver informação, por não haver isto ou não haver aquilo.
Pensemos apenas nas cenas de pânico e confusão que resultaram da evacuação de meia-dúzia de pessoas de lugarejos ameaçados pelas chamas dos incêndios deste Verão, e projectemos isso à gigantesca escala de uma metrópole subitamente ameaçada. Se o Estado não consegue prevenir ou fazer aplicar as leis e regulamentos existentes para evitar pequenas catástrofes como o incêndio de uma aldeia, que certezas é que podemos ter sobre o que acontecerá numa situação em que uma cidade inteira esteja ameaçada?
O sr.Presidente da República, naturalmente afligido com a devastação dos incêndios, sugeriu que os proprietários florestais fossem obrigados a limpar os seus terrenos - ao que um ministro foi obrigado a lembrar que já existe legislação que obriga os proprietários a isso mesmo. O que ameaça Portugal não é a falta de leis, de planos, de projectos, de regulamentos, e mesmo de multas e coimas para quem não cumpra. Temos, como os políticos não se cansam de se auto-elogiar, das melhores leis do mundo. O que não temos é maneira de as aplicar. Se um dia Lisboa for ameaçada por uma catástrofe como o «Katrina», fiemo-nos na Virgem, que sempre é mais de confiança que as autoridades, e corramos.
«Se um dia Lisboa for ameaçada por uma catástrofe como o «Katrina», fiemo-nos na Virgem, que sempre é mais de confiança que as autoridades, e corramos»
2005/08/30 | 11:37
Bilhete postal - Crónica de José Júdice
O furacão «Katrina» obrigou à evacuação de mais de meio milhão de pessoas de Nova Orleães, aproximadamente o mesmo número de pessoas que vivem em Lisboa. A saída não foi voluntária, embora grande parte dos habitantes da cidade, habituados à devastação periódica dos temporais do Golfo do México, o tivessem feito de qualquer maneira. O ponto a reter é que a evacuação da cidade foi decretada pelas autoridades e foi compulsiva - apenas ficaram os pobres que não tinham para onde ir, cerca de 60 mil, abrigados num estádio, e o pessoal dos serviços essenciais. O êxodo, pelas imagens que todos viram na televisão, decorreu com tranquilidade e sem incidentes graves.
Imaginemos que uma catástrofe semelhante ameaçaria Lisboa - uma «onda gigante», por exemplo, que se seguirá inevitavelmente a um terramoto como o de 1755 - obrigando à evacuação dos seus habitantes de um dia para o outro, como foi o caso de Nova Orleães. Não é difícil imaginar o caos, os engarrafamentos monumentais, os acidentes provocados pelos apressados e chico-espertos, os gritos de histeria e aflição, o acuda-me Nossa Senhora de toda uma população pouco habituada a agir disciplinadamente, para nem falar de problemas secundários, mas igualmente graves, como a criminalidade oportunista resultante de prédios e negócios vazios e ruas sem policiamento. Não faltaria quem aproveitasse para aparecer na televisão com críticas histéricas aos governantes, à Câmara, à polícia, às autoridades - aos outros, porque a culpa é sempre dos outros - por não haver centros de acolhimento disponíveis, por não haver informação, por não haver isto ou não haver aquilo.
Pensemos apenas nas cenas de pânico e confusão que resultaram da evacuação de meia-dúzia de pessoas de lugarejos ameaçados pelas chamas dos incêndios deste Verão, e projectemos isso à gigantesca escala de uma metrópole subitamente ameaçada. Se o Estado não consegue prevenir ou fazer aplicar as leis e regulamentos existentes para evitar pequenas catástrofes como o incêndio de uma aldeia, que certezas é que podemos ter sobre o que acontecerá numa situação em que uma cidade inteira esteja ameaçada?
O sr.Presidente da República, naturalmente afligido com a devastação dos incêndios, sugeriu que os proprietários florestais fossem obrigados a limpar os seus terrenos - ao que um ministro foi obrigado a lembrar que já existe legislação que obriga os proprietários a isso mesmo. O que ameaça Portugal não é a falta de leis, de planos, de projectos, de regulamentos, e mesmo de multas e coimas para quem não cumpra. Temos, como os políticos não se cansam de se auto-elogiar, das melhores leis do mundo. O que não temos é maneira de as aplicar. Se um dia Lisboa for ameaçada por uma catástrofe como o «Katrina», fiemo-nos na Virgem, que sempre é mais de confiança que as autoridades, e corramos.