#17
Mensagem
por LeandroGCard » Sex Mar 28, 2008 11:19 pm
Minha contribuição para o assunto:
Como exemplos de mísseis de combustível sólido temos desde o Honest John até o Peacekeeper, ambos americanos, passando pelos Topol e muitos outros modelos russos, a família M-X francesa, o Jericho israelense, e diversos outros modelos destes mesmos países, da China, da Índia, do Paquistão, etc... . Os mísseis listados acima são todos capazes de levar uma ou mais ogivas nucleares, e tem alcances variando de míseros 30 Km até intercontinental. O fato é que hoje os mísseis de combustível líquido é que estão virando raridade.
Na verdade, os motores foguete de combustível sólido não estão ultrapassados ou obsoletos, eles tem as suas características próprias e suas aplicações. Resumindo um assunto que é bastante técnico e pode ser um pouco árido, acho que se pode dizer o seguinte:
- Até um peso de lançamento na faixa de algumas centenas de kilogramas, os motores-foguete de combustível sólido tendem a ser bem mais simples de desenvolver e construir que os de combustível líquido (embora sejam conhecidas exceções, como o Taifun alemão da SGM). Praticamente não existem foguetes de combustível líquido deste porte.
- De algumas centenas de Kg até algumas toneladas existe uma “zona cinzenta”, em que o esforço tecnológico (e financeiro) total para o desenvolvimento de ambos os tipos de motor é aproximadamente igual, embora os investimentos sejam aplicados em áreas diferentes. No caso do combustível sólido o esforço tende a ser maior na infra-estrutura de produção, e no caso do combustível líquido a tendência é que se aplique mais esforço no foguete em si. Nesta faixa de tamanho e peso a tendência atual é que se utilize mais o combustível sólido por um outro fator, que é a sua inerente simplicidade de manuseio e capacidade de ser estocado por longos períodos com um mínimo de supervisão. Estes fatores são críticos principalmente no caso de aplicações militares.
- A partir de 10 ou 20 toneladas de peso de lançamento a tendência é que os foguetes de combustível sólido se tornem cada vez mais difíceis de desenvolver e construir, dificuldade esta que aumenta com o aumento do tamanho, o que ocorre de forma bem menos acentuada com os foguetes de combustível líquido. Apenas para aplicações militares eles ainda podem ser vantajosos, pelos motivos listados no item anterior. Por isto, em alguns países a complexa infra-estrutura de produção de motores-foguete de combustível sólido de grande porte é construída apesar das dificuldades e do custo, e após montada ela pode aí sim favorecer (ou mesmo forçar) o uso deste tipo de foguete para aplicações civis.
Falando agora especificamente sobre o VLS, sua gênese está no desejo dos militares brasileiros das décadas de 60 e 70 de que nosso país possuísse a capacidade de construir mísseis com tamanho suficiente para lançar uma bomba atômica do território brasileiro até qualquer ponto da América do Sul (e principalmente da Argentina, nossa grande rival na época). Por isto um programa de foguetes foi iniciado no âmbito da aeronáutica (o exército tinha possuído um programa similar na década anterior, mas ele foi descontinuado). Os mísseis imaginados ficariam na faixa de até algumas toneladas de peso no lançamento, e como teriam aplicação eminentemente militar foi tomada a decisão (bastante acertada) de utilizar apenas combustível sólido.
Em um dado momento dentro deste programa colocou-se como um dos objetivos a atingir o desenvolvimento de um motor de porte médio, com 1m de diâmetro, que já poderia por exemplo ser utilizado em um míssil com capacidade de lançar uma bomba atômica não muito grande a algumas centenas de quilômetros. Muito provavelmente o valor redondo de um metro indica que este motor não foi idealizado tendo em vista nenhuma especificação definida de desempenho, mas que serviria apenas para mostrar o nível de desenvolvimento do programa quando o objetivo fosse atingido. Por uma série de razões (uma delas sendo o simples fato de que isto seria possível), tomou-se também a decisão se desenvolver um foguete lançador de satélites utilizando-se este mesmo motor. Alguns estudos foram feitos para definir qual a maior carga que um lançador composto apenas por motores deste porte e com uma configuração razoável seria capaz de lançar, e dadas estas pré-condições a configuração que hoje conhecemos do VLS-1A era praticamente inevitável.
Até aqui estava tudo OK, o programa tinha uma finalidade definida (desenvolver a tecnologia de mísseis, embora nenhum requisito específico de desempenho para um míssil tenha jamais sido publicado pelo que eu sei) e haviam objetivos claros a alcançar, que eram fazer funcionar o motor de 1m de diâmetro dotado de sistema de guiagem e construir o maior lançador viável com este motor.
Aí as coisas começaram a degringolar. Os militares foram aos poucos desistindo dos mísseis com capacidade nuclear, e a principal razão de ser do programa, que definiu todo seu escopo, deixou de existir. Nenhuma autoridade militar ou civil quis arcar com o ônus de ser aquela que mandou jogar no lixo tudo o que já havia sido feito (e gasto) até então, e o programa virou um zumbi, nem vivo nem morto, que se arrastou ao longo dos anos e continua assim até hoje. Apesar da saída dos militares os objetivos definidos quando o programa ainda era deles (o motor de 1m e o lançador que o utilizaria) continuaram sendo o objetivo a alcançar, e assim é até hoje. E os fracassos das tentativas de lançamento efetuadas só contribuíram para acentuar ainda mais este quadro melancólico.
Nesta toada, algum dia talvez sejam finalmente lançados com sucesso um ou dois VLS-1A, ainda com a configuração inicialmente imaginada e com duas ou mais décadas de atraso com relação ao prazo inicialmente estipulado. Mas, e depois?
A única idéia com a qual alguma autoridade se comprometeu até agora é a substituição dos dois estágios finais do foguete por um único de combustível líquido, o que pode torná-lo um pouco mais preciso na inserção de cargas em órbita e talvez aumentar um pouco a sua capacidade de carga. Mas estes não são os objetivos primários do programa VLS-1B, na verdade o novo estágio de combustível líquido novamente é apenas uma realização técnica escolhida para guiar o desenvolvimento da tecnologia deste tipo de motor em si. A eventual melhoria do desempenho do VLS será apenas um bônus. E esta evolução não deverá ser obtida facilmente, pois colocar um grande foguete de combustível líquido (que tende a ser leve e frágil) em cima de um estágio inicial de combustível sólido (que tende a vibrar bastante e ter uma aceleração violenta) não é uma tarefa fácil (é por isso que esta solução em geral é evitada). O que se costuma fazer é no máximo fixar pequenos boosters de combustível sólido na base de foguetes de combustível líquido bem maiores, fazendo com que a maior inércia deste último minimize os problemas causados pelos primeiros.
O que se pode prever então (e é claro que prever o futuro é sempre uma coisa arriscada, mas vamos lá) é que após o VLS-1A haverá um longo tempo de desenvolvimento até que se consiga tornar o VLS-1B operacional. E depois de 5, 10 ou 15 anos, quando ele estiver pronto, estaremos em um novo beco sem saída, pois ainda será um foguete relativamente pequeno e de pouca aplicação, e o novo motor de combustível líquido dele também será pequeno demais para ser a base ideal de um foguete maior. Além disso, a decisão de se utilizar o foguete Cyclone ucraniano (caso venha a se concretizar) deixará pouco espaço para este tipo de projeto ser desenvolvido no Brasil.
Resumindo, o programa foi uma boa idéia lá pelos idos da década de setenta, mas hoje faz pouco ou nenhum sentido e mesmo que funcione não irá acrescentar praticamente nada ao País ou ao mercado internacional de lançadores.
Leandro G. Card