Clermont escreveu:Os políticos são os primeiros a abandonar o navio.
Ancelmo Gois - O Globo, 27.02.16.
Divórcio entre a cria e o criador é, na política, mais comum do que andar pra frente. O Rio mesmo foi governado por uma geração de políticos — Marcello Alencar, Saturnino Braga, Garotinho e Cesar Maia — nascidos no brizolismo e que depois romperam com o caudilho.
O Lula, cuja capacidade de sobrevivência na selva é admirável, já se vacinou, mesmo no período de vacas gordas, para caso houvesse rompimento. Ele sempre deixou espalhar suas discordâncias na condução da economia e da política, além de ter oferecido ombro amigo àqueles que, dentro do partido, trombavam com Dilma.
Mas a questão não é essa. O problema é que hoje o governo Dilma é um rotundo — a primeira vez que eu ouvi esta palavra, sinônimo de grande, foi na boca de Brizola — fracasso. Ela tropeçou até na questão energética, tema de sua especialidade.
E os políticos — e não os ratos — são os primeiros a abandonar o navio que está naufragando.
Isso sempre foi assim, e com o PT pode não ser diferente. Político não quer ser sócio do fracasso. Fazem isto em nome do espírito de sobrevivência, mesmo que para tanto tenham que mandar às favas os escrúpulos de consciência.
Aliás, pular do barco é o que mais vem ocorrendo no Congresso, a começar pelo impávido Eduardo Cunha, que serviu ao governo petista — e ao próprio bolso — até 2014.
Só assim se explica por que Dilma — cuja base governista elegeu 340 deputados, num total de 513, em outubro de 2014 — luta dia sim, outro também para aprovar um simples projeto no plenário da Câmara.
Para o PT, aparentemente, ainda é vantajoso aderir ao grupo que bate em retirada do governo Dilma. A presidente ameaça, com os péssimos indicadores sociais do seu governo, conspurcar, na média, as estatísticas no campo social que o presidiário João Santana costuma badalar.
O partido já perdeu o monopólio da honestidade e de anjo da guarda da Petrobras. Perder a patente de protetor dos pobres seria o fim.
O PT já largou Dilma; o que o partido quer é salvar Lula.
Ironicamente, PT e mercado não confiam na presidente.
Lauro Jardim - O Globo, 27.02.16.
A distância entre o PT e Dilma Rousseff atingiu seu pico nos últimos dias. E só tende a crescer daqui para frente. Dilma decidiu não ir à festa de aniversário do PT neste sábado para não ter que ouvir discursos e mais discursos condenando sua política econômica e as mudanças no pré-sal (embora até a noite de sexta-feira, ela ainda ouvisse apelos para que mudasse de ideia). Um sinal explícito da fissura.
Embora, não seja a primeira vez que Dilma deixe a cadeira vazia num evento do PT, essa ausência ocorre num momento único — que junta uma crise econômica aguda com o esfarelamento da credibilidade do partido com as revelações da Lava-Jato.
Mas a aposta numa ruptura é alta demais. Ainda que, de parte a parte, só se ouçam xingamentos e reclamações, Dilma depende do PT e vice-versa.
O que não se verá mais, contudo, é sua defesa pelo partido. O PT já largou o governo Dilma — não os cargos, mas isso é outra história.
A essa altura, o que o partido quer é salvar Lula por acreditar que ele é o único que pode tirar a legenda da ruína. Ou, como me disse na sexta-feira, um dirigente petista: “O governo acabou, precisamos defender o Lula”. Distanciar-se de Dilma é, portanto, uma questão de sobrevivência — eis um consenso entre os lulistas. Dilma, para essa turma, optou por uma agenda negativa.
Os petistas acham que eleger a (necessária) reforma da Previdência como uma das âncoras do governo é dizer amém ao mercado. Também não admitem qualquer alteração na fórmula de reajuste do salário mínimo.
A presidente vê a coisa de outro modo. Tem dito que o PT parece não querer entender que o dinheiro acabou. Para tentar contrabalançar os discursos que ecoarão neste sábado no encontro do PT, Dilma já decidiu falar sobre economia na semana que vem. Um discurso que vai mirar justamente o mercado, a quem ela sabe que precisa reconquistar.
Sem isso, nada de investimentos. Sem investimentos, o PIB não cresce. É irônico constatar que o PT e o mercado concordam quando o assunto é Dilma: ambos não confiam na presidente.
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Wingate