Mais um ministro caiu. No vento
O general que cuida da segurança da presidente brinca com a família em um simulador de queda livre do Exército – sem pagar pela diversão
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general José Elito Siqueira, exerce funções estratégicas no governo. Elito comanda a equipe responsável pela segurança pessoal da presidente Dilma Rousseff, do vice-presidente, Michel Temer, e dos familiares de ambos. Ele também é comandante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão encarregado de buscar informações estratégicas, fazer contraespionagem, municiar o governo com dados capazes de antecipar crises e descobrir segredos de inimigos.
Recentemente, o general Elito se tornou vítima de uma indiscrição daquelas que seus agentes descobrem diariamente. Duas fotos mostram que ele levou a família para brincar num equipamento em instalações do Exército. Elito, a filha Ana Helena Cintra e o neto visitaram um simulador de queda livre, uma espécie de túnel de vento, usado para treinar paraquedistas no quartel da Brigada de Operações Especiais, em Goiânia, Goiás. Como visitantes, os três vestiram os obrigatórios macacão, óculos e capacete para sentir os efeitos do simulador de salto. Nas imagens divulgadas entre amigos, Ana Helena aparece flutuando sobre a rajada de vento. Ao que parece, todos se divertiram bastante.
Paraquedista da reserva do Exército, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 1969, o ministro Elito está familiarizado com simuladores. Equipado com três motores, o túnel do Exército em Goiânia consegue produzir ventos de até 280 quilômetros por hora, suficientes para sustentar até quatro pessoas no ar ao mesmo tempo. Trata-se de um equipamento público, voltado para os militares. Paraquedistas civis também podem usá-lo para treinamento. Mas não sai barato: o aluguel é de R$ 1.800 por hora. A família do ministro, com vínculos militares, não pagou nada. Além de Elito ser militar da reserva, a filha Ana Helena é dentista e oficial temporária do Exército desde 2007. Os contratos temporários de oficiais do Exército duram 12 meses, prorrogáveis por igual período, até que se completem oito anos. Em dezembro de 2010, quando o pai se tornou ministro, Ana Helena foi promovida a primeiro-tenente por tempo de carreira.
Elito é um dos ministros que trabalham próximos à presidente Dilma Rousseff. Ele ocupa uma sala no 2º andar do Palácio do Planalto, onde funciona o GSI. Ao chegar para trabalhar, Dilma é recebida por Elito. Ele entrega à presidente um memorando com uma relação de assuntos que julga relevantes para a avaliação presidencial – o texto é elaborado a partir de informações dos agentes da Abin. Elito fica atento ao interesse da presidente para aprofundar a pesquisa sobre um ou outro tema específico. Mas a proximidade entre o ministro e a presidente é apenas geográfica. Dilma não dispensa tanta atenção aos relatos do general. Certa vez, barrou Elito na porta do elevador de acesso da garagem a seu gabinete. Pediu a ele que aguardasse o próximo.
O distanciamento entre o general e a presidente começou na largada do governo. Elito foi o primeiro ministro repreendido por Dilma. Em sua posse, em 3 de janeiro, ele afirmou a jornalistas ser contra a criação da Comissão da Verdade, destinada a apurar violações aos direitos humanos durante o regime militar. Elito afirmou que o golpe de 1964 e os casos dos desaparecidos políticos durante o regime não deveriam provocar vergonha ou sentimentos de glória. Deveriam, sim, ser estudados como fatos históricos. Chamado para explicar suas declarações, Elito levou uma bronca de Dilma, ex-guerrilheira que combateu a ditadura (1964-1985) e foi vítima de tortura praticada por agentes do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, em 1971. Ele se desculpou e afirmou ter sido mal interpretado. Permaneceu no cargo graças a uma ajuda do então ministro da Defesa, Nelson Jobim. Elito segue no posto, mas, desde o desembarque de Jobim do governo, em agosto, ficou mais isolado.
Antes de se transferir para o Planalto, em janeiro, o sergipano José Elito Siqueira exercia o cargo de chefe de Preparo e Emprego do Ministério da Defesa. Foi também comandante militar do Sul. Em sua gestão, tem sido acusado de aumentar o grau de “militarização” do GSI e, por tabela, do serviço secreto. Subordinada ao GSI, a Abin é a sucessora civil do Serviço Nacional de Informações (SNI). Criado em 1964, o SNI era formado por militares. Servidores propõem que a agência seja desvinculada do comando militar e que haja um assessor especial de inteligência, com acesso direto ao presidente da República, como nos Estados Unidos. É o contrário do que pensa Elito.
Um dos pontos de controvérsia do general com parte do governo são os preparativos para os grandes eventos que serão sediados pelo país, como a Rio+20, a Copa do Mundo e a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Elito não concorda com a ideia de dividir o comando geral das ações de segurança com a Secretaria Especial de Grandes Eventos (Sesge), ligada ao Ministério da Justiça e criada para essa tarefa. Recentemente, Elito negou um pedido do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para ceder o diretor do Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência da Abin, Carlos Athaíde Trindade, para a Secretaria. Também recusou o pedido de Cardozo para instalar a Secretaria em um prédio vazio na área da sede da Abin, em Brasília.
O ministro Elito afirmou, por meio de nota, que não tem saltado de paraquedas ultimamente. Ele disse que esteve em Goiânia, no dia 1º de junho, em caráter particular. Estava com a família e visitou as instalações da Brigada de Operações Especiais, inclusive o túnel de vento. “A convite do comandante da Brigada, usou o simulador de queda livre, por cerca de 30 minutos, não sendo solicitada indenização”, diz a nota. Elito afirma que foi a Goiânia para uma homenagem “em função de sua passagem para a reserva remunerada e, ainda, pelo seu passado na Força Terrestre como oficial com o curso de forças especiais”. Sobre seu trabalho com Dilma, diz que assessora a presidente sempre que necessário e no momento oportuno. Até agora, a única queda que Elito viveu foi num túnel de vento, num momento de lazer.
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