Brasil terá mais pelotões do Exército na fronteira oeste, anuncia Tarso
Publicada em 07/05/2008 às 22h44m
Jailton de Carvalho, Carolina Brígido e Evandro Éboli - O Globo; O Globo Online
BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Tarso Genro, anunciou nesta quarta-feira que o governo vai instalar novos pelotões do Exército na região da fronteira oeste do país, onde está localizada a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, palco do conflito que deixou dez índios baleados no início da semana. O ministro informou que vai preparar um decreto junto com o colega Nelson Jobim (Justiça) e apresentá-lo nos próximos dias ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tarso não detalhou onde os novos pelotões serão instalados e qual será o tamanho do contingente deslocado. A avaliação hoje das Forças Armadas é que os militares estão muito concentrados no litoral do país.
O ministro afirmou ainda que a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança vão trabalhar para empreender uma ação de desarmamento da região da reserva. Segundo Tarso, que esteve terça-feira no estado, não há agravamento da situação na área e não devem haver novos conflitos, principalmente após a prisão do líder arrozeiro Paulo César Quartiero.
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Há uma distensão a partir dessa ação da Polícia Federal, que anulou o principal foco de tensão. Os próprios índios estão convencidos, eu conversei com eles, que têm que aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal. Agora a PF e a FN vão continuar operando e trabalhar no sentido de desarmar a região. Isso diz respeito não somente a fazendeiros, mas a qualquer pessoa que circula na região, índios e não-índios. Aqueles que estiverem armados serão desarmados. Se alguém for pego com armas ilegais, será preso em flagrante - disse.
Tarso relatou que o enfrentamento na região não parte de todos os produtores de arroz que vivem dentro da reserva:
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É com um ou dois arrozeiros que estavam fazendo um trabalho de sabotagem, de ações paramilitares de pistolagem e exacerbando os ânimos de uma forma sem precedentes.
O ministro da Justiça ressaltou que não haverá perdedores ou vencedores a partir da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirá pela manutenção ou não da atual demarcação da reserva, o que pode levar à saída dos não-índios.
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Quando o STF dita uma interpretação é uma posição de Estado que a nação tem que acolher com normalidade. Portanto, não há nenhuma derrota, seja qual for a decisão do Supremo - afirmou.
Supremo deve apressar julgamento sobre demarcação
O Supremo quer apressar o julgamento da ação que questiona a demarcação contínua da reserva. O presidente da Corte, Gilmar Mendes, confirmou nesta quarta-feira que, para o tribunal, a situação da reserva é emergencial. Já o ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo, disse que concluirá seu voto sobre o tema até o fim da semana. Com isso, ele prevê que o caso seja julgado ainda neste mês. A retirada de não-índios da região depende do julgamento no Supremo.
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Quero crer que no final dessa semana tenha condições de fechar o meu voto e possibilitar ao ministro Gilmar Mendes (presidente do STF)
ainda no mês de maio pautar esse assunto - anunciou.
Bem-humorado, o ministro disse que está "
entocado por conta de raposa", empenhando-se ao máximo para concluir logo seu voto.
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Eu estou visitando a Constituição de ponta a ponta, como se fosse uma passarela - contou.
Gilmar Mendes manifestou preocupação com a situação de violência na reserva e disse que vai conversar com Ayres Britto para decidir a data do julgamento, mas não quis antecipar o calendário.
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Esse é um assunto prioritário para nós - afirmou - Foi isso que determinou ao tribunal a suspensão daquela ordem de desintrusão (desocupação)
. O tribunal manteve as forças de segurança lá exatamente para evitar que houvesse conflito. Mas a avaliação geral que havia naquele momento era de que a desintrusão também levaria a conflitos, pelo menos da forma como estava sendo realizada.
A tensão na área tem crescido desde o início de abril, quando o STF suspendeu uma operação da Polícia Federal para retirar os produtores da reserva até o julgamento do método adotado pelo governo para delimitar a reserva. Os fazendeiros querem anular a demarcação contínua, que os obrigaria a abandonar grandes áreas de cultivo de arroz.
Quartiero, líder dos arrozeiros, é transferido para Brasília
Na terça-feira, foi preso o prefeito de Pacaraima e arrozeiro Paulo César Quartiero - principal nome da resistência à desocupação das áreas indígenas. Ele passou a noite na superintendência da Polícia Federal e prestou depoimento durante a madrugada. Na manhã desta quarta-feira, foi submetido a exame de corpo de delito e no final da noite foi transferido para Brasília. O prefeito, o filho dele e seis funcionários da fazenda foram levados para a Superintendência da Polícia Federal, onde ficarão presos.
Quartieiro foi trazido para Brasília porque é prefeito e tem direito a foro especial. A ação será julgada no Tribunal Regional Federal de Brasília.
O superintendente da PF em Roraima, José Maria Fonseca, disse que a transferência se deu por questões de segurança e para evitar tumulto no estado. O superintendente informou que não haveria vaga para Quartiero na cadeia pública ou na penitenciária agrícola.
No auto de prisão em flagrante de Quartiero e outras sete pessoas, a que 'O Globo' teve acesso, a PF lista um arsenal de guerra encontrado num galpão da Fazenda Depósito, de Quartiero.
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Um verdadeiro arsenal, com enorme poder de fogo. Eles estavam prontos para uma guerra - disse José Maria da Fonseca, que assumiu o cargo há pouco mais de um mês.
No local, os agentes federais encontraram e apreenderam 149 tubos de material semelhante a papelão, contendo no interior substância similar a pólvora; sete papelotes semelhantes a estopins de bombas caseiras amarrados com arame fino, com pólvora e bombril no interior; 12 embalagens de naftalina, com a inscrição "
desodor"; um tubo de PVC com alumínio e arame; um prendedor de roupa de cor azul com pedaços de alumínio e fio de metal; uma fita veda-rosca; um vídeo que ensinava manuseio de arma e um manual de instrução para pistola Taurus. Foram encontrados ainda escudos com "
palavras de guerra" escritas.
Um dos filhos do arrozeiro também está preso
Entre os sete presos pela PF em Roraima está um filho de Paulo César Quartiero, o administrador rural Renato de Almeida Quartiero, que atuou ao lado do pai na resistência à operação Upatakon 3. Mês passado, ele se feriu nas mãos após um explosivo estourar próximo a ele. Outro dos presos é um índio, o cacique Nilo Carlos Borgeia Coelho. Ele trabalha há dez anos para Quartiero na fazenda Depósito, onde é operador de máquinas. Os outros cinco presos também são funcionários do fazendeiro. Os sete são acusados de atacar índios e - também serão transferidas para Brasília.
Índios ajudam a identificar atiradores
Os índios macuxi baleados na terça-feira pelos seguranças de Quartiero foram fundamentais na identificação dos responsáveis pelo ataque e também pela prisão do arrozeiro. Os oito que foram atingidos por balas ou estilhaços de pólvora compareceram à Polícia Federal e ajudaram a apontar os responsáveis pela ação que levou o governo a reforçar o policiamento na região.
Nesta quarta, quatro das vítimas estavam na sede do Conselho Indígena de Roraima (CIR), em Boa Vista, onde se recuperavam do susto e cuidavam de seus ferimentos. As marcas das balas e do chumbo ainda estão em seus corpos. Tiago Pereira de Souza, de 14 anos, foi atingido na perna esquerda por um tiro.
Segundo os autos da Polícia Federal, os indígenas foram atingidos por disparos de espingarda calibre 12, como é possível constatar nas imagens gravadas pelos próprias vítimas. Tiago se lembra apenas que, mesmo atingido, continuou correndo.
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Senti um peso na minha perna. Mas não dava para parar e olhar o que era. Corri o máximo para não ter que morrer - disse Tiago, que ontem reviu as imagens de seu atendimento.
No CIR, os índios demonstravam um pouco de apreensão, mas dizem que não fugirão da luta. Eles vão esperar o julgamento final da ação contra a demarcação da Raposa Serra do Sol, no STF, para avaliar que decisão tomar.
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Difícil, depois desses tiros, que tenha paz em Raposa, se a Justiça não nos der ganho de causa - disse a indígena Teresa Pereira.
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/0 ... 265066.asp