Dá para acreditar...é políticamente inviável...
http://www.joserobertoafonso.com.br/att ... 0Tanzi.pdf
"É preciso tributar menos o capital "
O economista italiano Vito Tanzi é um dos maiores
especialistas mundiais em tributação.
Por Cláudio Gradilone
STO É DINHEIRO
18jan2011
Ele descreveu os problemas que a inflação causa na arrecadação fiscal, fenômeno que seria
chamado “efeito Tanzi”. Trabalhou por três décadas no Fundo Monetário Internacional (FMI)e
no Banco Mundial, onde estudou os problemas fiscais de países pobres. Tanzi assessorou por
dois anos o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, de cujo governo se afastou por
discordar de sua orientação, e atualmente é escritor e palestrante. Participou de um seminário
na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, em dezembro de 2010, quando
falou com exclusividade à DINHEIRO:
DINHEIRO – O Brasil vem tentando fazer uma reforma fiscal há duas décadas e não
consegue. Por que isso é tão difícil?
VITO TANZI – Discutir imposto nunca é fácil, pois não é só uma discussão técnica, mas
também uma discussão política. Trata-se de saber quem ganha e quem perde, algo que sempre
provoca muita controvérsia.
DINHEIRO – Há um consenso de que o Brasil cobra demais e entrega pouco em troca.
TANZI – Reclamar do imposto é um esporte mundial, bem mais popular que o futebol. Se a
sociedade estiver convencida de que o dinheiro arrecadado é bem gasto, o imposto é tolerável
mesmo que as alíquotas sejam elevadas. No entanto, a tributação no Brasil é comparável a dos
países desenvolvidos. Se você analisar os sistemas fiscais da França e da Suécia, que estão
entre os países que mais cobram imposto na Europa, e descontar os tributos cobrados sobre
tabaco, carros e gasolina, a faixa de arrecadação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) vai ficar em 36%, igual a do Brasil. Cobrar mais de um terço do PIB é muito para o nível de renda
brasileiro.
DINHEIRO – Esse percentual pode cair?
TANZI – É pouco provável, pois desde os anos 1930 os governos só crescem e, claro, isso faz
com que cobrem mais impostos. A arrecadação avançou muito nas últimas décadas. No início
do século passado, um país como a Suécia cobrava em média impostos equivalentes a 15% do
PIB. Hoje esse percentual chega a 50% e seria maior ainda se os suecos não tivessem feito uma
pesada reforma tributária há alguns anos. A arrecadação nos países desenvolvidos cresceu
muito a partir da década de 1960, quando as teorias econômicas que defendiam mais
intervenção do Estado ganharam força. A arrecadação parou de crescer por um tempo com a
onda de privatização do governo Reagan nos anos 1980 e 1990, mas agora ela está avançando
de novo. A exceção são os Estados Unidos, que arrecadavam 30% do PIB há 50 anos e mantêm
esse percentual até hoje.
DINHEIRO – Além de cobrar mal, outra reclamação recorrente é de que o sistema
tributário brasileiro é confuso e burocrático. O sr. concorda?
TANZI – Esse também é um fenômeno mundial, não é exclusividade brasileira. As economias
tornam-se mais complexas e os impostos acompanham esse movimento. Há dez anos, por
exemplo, não havia comércio online. A legislação tributária americana tornou-se tão complexa
e tão detalhada que o conjunto das normas e regulamentos fiscais poderia alcançar a impressão
de 70 000 páginas. Dá para encher uma estante de tamanho médio, mesmo usando papel-bíblia.
Quanto mais complexo o sistema, mais trabalhoso de operar e menos compreendido ele será
pelos contribuintes. No caso brasileiro, embora não seja um especialista, eu diria que o
principal problema está no imposto sobre valor agregado, que é arrecadado dos Estados.
DINHEIRO: O ICMS?
TANZI – Isso. Esse é um imposto de valor agregado, é a forma mais comum de tributar o
consumo. Em geral, ele é pago diretamente pelo consumidor no momento da venda, mas no
Brasil essa tributação não está clara. Na maioria dos países, esse imposto equivale a 10% da
arrecadação, mas no Brasil é muito mais importante, equivale a 25% da receita do setor
público. E é onde é possível fazer mais mudanças para melhorar a distribuição.
DINHEIRO – Quais mudanças?
TANZI – Aqui, a discussão é quem paga, se o produtor ou o consumidor. Há outros focos de
discórdia, uma vez que o imposto é estadual. Uma maneira de resolver a disputa seria
transformar esse tributo em um imposto federal, com uma alíquota unificada e válida para todo
o País, e aumentar a base de arrecadação. A distribuição poderia ser feita segundo dois
critérios. Uma parte do dinheiro seria dividida como ocorre hoje, e a outra seria dividida
segundo os critérios populacionais. Os Estados mais populosos receberiam mais dinheiro
DINHEIRO – Como isso funcionaria?
TANZI – Suponha que a arrecadação do imposto atingisse 10% do PIB. Isso poderia ser
dividido assim: 3% para o governo federal, 4% para os Estados, usando a metodologia de
distribuição que vale hoje, e os outros 3% também, mas segundo a população de cada um
deles.
DINHEIRO – Quais as vantagens?
TANZI – Ao vincular o imposto à população, isso beneficiaria os Estados mais pobres e os
mais populosos, que hoje são os mais prejudicados com o fato de o ICMS ser cobrado na
origem. Estruturando o imposto dessa maneira, você aumentaria a eficácia da fiscalização,
acabaria com as disputas entre os Estados e resolveria problemas de difícil solução, como a
compensação tributária das exportações, por exemplo. Outra vantagem é que essas mudanças
tornariam o imposto mais simples.
DINHEIRO – O sr. acha isso possível no curto ou no médio prazo ?
TANZI – Não tenho grandes ilusões. Processos como esse mexem profundamente com as
finanças públicas e com a vida das pessoas, e por isso eles são muito difíceis de se conduzir
politicamente. Mas essa dificuldade não é uma exclusividade brasileira. Veja o caso da Europa,
que está tendo de enfrentar sérios problemas fiscais devido à crise.
DINHEIRO – Como a crise afetou a situação fiscal na Europa e nos Estados Unidos?
TANZI – Profundamente. Os países em situação mais crítica, como Portugal, Grécia e
Espanha, estão cortando gastos, mas terão de elevar os impostos, o que é ruim em momentos de
crise. A Irlanda também precisará cortar, mas será necessário elevar mais as taxas para
recompor a arrecadação.
DINHEIRO – Um novo “efeito Tanzi”, mas em países desenvolvidos?
TANZI – Prefiro dizer que são os efeitos colaterais da concentração de renda. Nos últimos
anos, a renda das famílias nos países desenvolvidos se concentrou nos mais ricos. Além disso,
os lucros dos bancos aumentaram mais do que os do setor produtivo. Nos anos 1940, a fatia dos
lucros totais da economia que era auferida pelos bancos era de 5%, e hoje está ao redor de 40%.
A concentração de renda em um único setor fez o governo arrecadar muito mais, e arrecadar
muito mais depressa, o que gerou pesados efeitos colaterais.
DINHEIRO – Quais?TANZI – A aceleração da arrecadação tornou os planejadores estatais excessivamente
confiantes. Eles passaram a acreditar que sempre seria possível fechar as contas. Quando a
bolha do setor financeiro explodiu e os bancos passaram a perder dinheiro, essa receita
tributária desabou, e agora será necessário cortar gastos.
DINHEIRO – O que esperar do futuro em termos fiscais?
TANZI – Acredito que uma das tendências será, sempre que possível, tentar simplificar as
estruturas tributárias. Complexidade gera problemas. Um deles é que abre espaço para confusão
fiscal e dificulta ao próprio governo a tarefa de arrecadar. Outro problema é que os
contribuintes acabam se atrapalhando e pagam a mais ou a menos, ainda que não haja intenção
de sonegar – o que nem sempre é o caso, aliás.
DINHEIRO – Simplificar ajuda os governos, além dos contribuintes?
TANZI – Sem dúvida. Alguns especialistas defendem a alíquota única, a chamada flat rate, em
que todas as atividades e todos os contribuintes pagam o mesmo percentual independentemente
da renda. Não sou favorável, pois acho que isso é muito regressivo, ou seja, prejudicial a quem
ganha menos. Aplicar a mesma alíquota a um professor e a um executivo bilionário é uma
injustiça muito grande. Mesmo assim, é possível facilitar as regras e tornar o sistema mais
equânime e transparente.
DINHEIRO – Algum exemplo a seguir?
TANZI – Voltemos ao caso sueco. Nos anos 1990, os suecos pagavam os impostos mais altos
da Europa, o que acabava comprometendo a competitividade da economia. Com a privatização,
eles cortaram gastos e redesenharam a estrutura fiscal. A maior mudança foi que eles deixaram
de tributar os rendimentos das aplicações financeiras como salários. O governo percebeu que o
percentual ganho no mercado financeiro era marginal na renda das famílias. Por isso, em vez de aplicar diversas alíquotas, o governo estabeleceu um percentual linear de 30%, sem deduções.
Isso gerou outra vantagem, que foi reduzir o imposto sobre o capital, algo que é essencial.
DINHEIRO – Muitos economistas sugerem exatamente o contrário, que se aumente a
tributação sobre o capital.
TANZI – Hoje, a maioria dos países precisa trazer capital, especialmente o capital produtivo, e
não afastá-lo. O capital financeiro é móvel e migra para onde há menos impostos. Assim, se um
país taxa excessivamente seus investimentos, ele vai espantar os investidores e terá de
praticar juros muito altos para manter-se atraente no mercado.