colunistas
CLÓVIS ROSSI
Catalunha serve de consolo para o Brasil
01/10/2017 02h00
Aqui, a crise é explicável e tem causas reais; na Espanha, o gatilho tem sido uma "sem-razão coletiva".
Juan Arias ("El País"), que acaba de ser eleito o melhor correspondente estrangeiro no Brasil, conta que recebeu um telefonema de Antonio Jiménez Barca, que foi diretor da edição brasileira do jornal e voltou a Madri. Disse Jiménez Barca:
"Juan, acredite em mim. Se eu pudesse, voltaria para o Brasil. Aí os problemas são graves, mas reais, e por isso acabam tendo solução, enquanto aqui os inventamos", em óbvia alusão ao drama que a Espanha está vivendo com a pretendida separação da Catalunha.
Não sei se nós brasileiros seremos mesmo capazes de resolver os problemas de uma maneira adequada para todos, mas faz tempo que estou para escrever, no caso Catalunha x Espanha, que se trata de uma crise sem sentido. Só não o fiz pelo pudor de mexer com os corações de gente que adoro, certa ou errada.
Jiménez Barca me libera para fazê-lo, com o reforço de artigo de José María Lassalle também para "El País", no qual diz que "a Catalunha avança rumo a um cenário de sem-razão coletiva generalizada".
É verdade que Lassalle é secretário de Estado e, como tal, funcionário do governo central empenhado em impedir o plebiscito pela independência, a realizar-se neste domingo (1º), contra vento e maré. Mas é difícil encontrar argumentos racionais a favor da separação.
Nada impede que os catalães falem a sua língua, que seus jornais sejam em catalão (e espanhol), que a TV catalã faça extensiva propaganda pela independência, e que o governo regional catalão controle a educação, a saúde e a polícia.
Nada impede tampouco que ganhem bem a vida dentro da Espanha. Pesquisa do Centro de Estudos da Opinião da própria Generalitat indica que são precisamente os mais ricos que mais apoiam a independência (54% dos que ganham mais que € 4.000 ou R$ 15 mil). Entre os que recebem apenas € 900 (R$ 3.400), a porcentagem cai para 32%.
O sentimento independentista, ademais, embora sempre tenha sido forte, nunca foi predominante. Prova-o plebiscito anterior, de 2014, igualmente ilegal, em que 2,2 milhões votaram pela independência, mas 3,2 milhões preferiram nem sequer comparecer para votar.
Nada disso importa muito agora, pois confluíram a sem-razão dos independentistas e a incapacidade do governo central de dialogar para encontrar uma saída que evitasse o choque de trens que está por vir. Ou, como prefere María Lassalle, "um empate catastrófico na Catalunha".
Empate porque deve haver algum tipo de votação, salvo um cataclismo na véspera ou no dia. Para o governo catalão, o número de votantes não importa. Qualquer que seja, proclamará a independência, que Madri não aceitará, estendendo o impasse para além deste domingo.
É como escreve para o "Financial Times" James Badcock, editor da versão em inglês de "El País": "O momento ótimo para um acordo negociado parece ter passado".
É surrealista, mas, comparadas as duas crises, a Catalunha acaba servindo de motivo para otimismo em relação à situação do Brasil, como diz Jiménez Barca.
clóvis rossi
É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
crossi@uol.com.br