Bourne escreveu:Para quem estiver interessada apresento os slides de uma apresentação sobre estrutura produtiva. Existem coisas interessantes sobre vários aspectos abordados relacionado a crise do fim do mundo, especialmente os desequilíbrios globais e estratégias de industrialização. Serve em parte para pensar em transferência de tecnologia.
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Olá Bourne,
Se for do seu interesse, seguem abaixo minhas próprias idéias sobre os itens relativos às estratégias de desenvolvimento dos países de industrialização recente. São minhas opiniões próprias, baseadas em observações ao longo de minha carreira como engenheiro e consultor e na leitura de dezenas de livros ao longo dos mais de trinta anos, desde que antes de entrar na faculdade.
Lido diariamente tanto com empresas nacionais (em geral utilizadoras de tecnologia) quanto com multinacionais de vários países (em geral geradoras de tecnologia), e sempre me interessei por observar como são feitas a geração, absorção e uso do conhecimento técnico. Integrar novas tecnologias nos processos da indústria é hoje meu trabalho diário, e eu tenho que prestar muita atenção nos processos envolvidos em todas as etapas, da decisão à implementação e avaliação dos resultados.
Por serem minhas opiniões pessoais não vou listar referências, se as idéias te interessarem caberá a você ir buscá-las por si mesmo. Confesso que alguns aspectos do mundo acadêmico para mim são muito estranhos, observo que muitas vezes em um trabalho a ser apresentado é mais importante o conceito ter boas referências do que estar correto ou se atual. Mas deixemos este assunto pra lá, pode ser que eu escreva um livro sobre o assunto e aí eu mesmo passo a ser uma “referência citável”.
Ponto-1 (Slides 22 a 25)- Estratégias dos países asiáticos:
O ponto principal aqui é que a busca pela industrialização foi uma decisão estratégica da nação (governo + elites). Estes países tinham consciência, vinda de uma perspectiva histórica muito mais ampla (milenar), de que a superioridade político-econômica mostrada pelas potências ocidentais nos séculos 18, 19 e 20 era devido à sua superioridade tecnológica e base industrial, e decidiram racionalmente construir uma base similar ( os primeiro exemplo na verdade é o do Japão, depois de Mathew Perry em 1853).
Foi esta decisão deliberada que levou às características citadas nos slides 22 e 23, as quais não foram derivadas apenas de circunstâncias históricas e/ou sociais fortuitas. O objetivo desde o princípio não era apenas “produzir o que a população precisava” para melhorar seu padrão de vida ou aproveitar as oportunidades de negócios oferecidas pelo mercado consumidor local, mas sim criar uma base tecnológica/industrial (empresas, universidades, centros de pesquisa, etc..) semelhante à que caracterizava as potências ocidentais. O posterior desenvolvimento do bem estar da população local seria decorrência disso.
Neste cenário fica claro o porquê de investimentos diretos não serem bem vindos (eles competiriam pelo mercado local e inibiriam as iniciativas nacionais), a preocupação com a absorção de tecnologia estrangeira e posterior criação de tecnologias próprias (este era o objetivo principal desde o início ) e a ênfase nas exportações (os mercados locais não eram suficientes para criar a demanda necessária para sustentar uma base industrial/tecnológica forte).
Os resultados deste modelo são conhecidos, e foram potencializados em muito pelo arranjo financeiro/produtivo mundial descritos nos slides 14 a 20, mas o modelo de desenvolvimento destes países já havia sido adotado antes deste arranjo se consolidar. Um exemplo bem atual de nação que aplica o mesmo modelo é a Índia. Na Coréia do Sul o ciclo já está completo, e ela já pode sem dúvidas ser listada entre os países desenvolvidos.
Ponto-2 (Slides 26 a 28)- Estratégias dos países latino-americanos (vou me ater ao Brasil):
A industrialização é mais antiga que nos países asiáticos, mas ocorreu de forma fortuita e não planejada. Governo, elites e população em geral não vislumbram a posse de uma base tecnológica/industrial nacional forte como um diferencial estratégico importante. Fora poucas exceções sem continuidade (p.ex. a construção da frota de guerra brasileira na Guerra do Paraguai), o impulso inicial veio dos imigrantes europeus que eram trabalhadores de indústrias em seus países de origem, e embora tenham vindo trabalhar na lavoura trouxeram o conhecimento de como produzir bens (Know How), que originalmente eram importados pelo país. Logo formou-se uma “elite industrial” que produzia bens de consumo para o mercado interno, visando aproveitar a oportunidade econômica da proximidade do mercado local. Não havia interesse em competir nos mercados globais, até porque sem coordenação superior (como nos países asiáticos mais tarde) não haveria nem capacidade de financiamento para a ampliação da produção nem capacidade tecnológica de manter a produção e os produtos competitivos (Know Why).
Todos os esforços de industrialização posteriores tiveram este foco, fornecer para o mercado local bens similares aos que ficavam disponíveis às populações dos países mais desenvolvidos. Fora casos esporádicos não houve preocupação estratégica com a criação de uma base industrial/tecnológica nacional, era no máximo desejável que os bens fossem produzidos aqui (principalmente para redução de custos e geração de empregos, mesmo que de baixa qualificação). Neste cenário tanto fazia montar indústrias locais ou trazer fábricas de empresas estrangeiras, e em muitos casos as empresas locais eram preteridas em favor de filiais de multinacionais com maior capacidade financeira/tecnológica (FNM, CAP, estaleiros nacionais, etc...).
Como não havia a preocupação nem de reforçar as indústrias nacionais nem de gerar produtos competitivos a nível internacional para exportação, as capacidades de absorção de tecnologia/pesquisa/engenharia nunca se desenvolveram além do ponto necessário para a implantação de linhas de produção locais de produtos estrangeiros (com as poucas e notáveis exceções conhecidas, como a Embraer). Como consequência a real absorção de tecnologias além deste nível (simples produção – Know How sem Know Why) é muito difícil, pela falta tanto de uma base de instituições que possam absorvê-la quanto de capacidade gerencial para organizar esta absorção e gerar reais benefícios com ela.
O resultado é a situação observada atualmente, onde qualquer projeto de importância a ser desenvolvido (novamente com as poucas e notáveis exceções conhecidas) precisa necessariamente contar com apoio estrangeiro para ter chances de sucesso em prazos razoáveis (Urutu-III, SNA, etc...), e projetos totalmente locais simplesmente não decolam, ou demoram tempos excessivos em desenvolvimento, ou geram produtos de qualidade/eficiência duvidosos (programa espacial, míssil piranha, etc...).
Não conheço exemplos em que este modelo tenha levado ao desenvolvimento de algum país no longo prazo. Os casos que conheço de sua adoção levaram à recorrente perda por obsolescência da base industrial adquirida a custos elevados, até que o país não tivesse mais capacidade de renovar as aquisições e ficasse definitivamente defasado em termos industriais e de desenvolvimento (Argentina, Polônia, Iraque, etc...).
Leandro G. Card