IMPLICAÇÕES DA MUDANÇA E HISTÓRIA DO QUARTEL DA ATALAIA Rangers treinam em TaviraCarlos Varela, Vasco Célio /
http://jn.sapo.pt/2007/08/20/nacional/Acho bem. David Pereira da Silva gosta do que vê, o olhar dividido entre a leitura do JN e os soldados de Operações Especiais de Lamego, também conhecidos por "rangers", que passam a seu lado, armados e equipados em plena praia de Tavira. Os soldados fazem parte das primeiras forças do Exército que regressaram à cidade algarvia após anos e anos de ausência.A determinação veio do chefe de Estado-Maior do Exército, general Pinto Ramalho, que na sua directiva determinou já para este ano uma efectiva ocupação do quartel de Tavira, que até agora tem servido apenas como centro de férias para praças.
"É uma forma de manter uma presença militar mais forte a sul", justifica ao JN uma fonte do Estado-Maior do Exército. E, no entanto, o Quartel da Atalaia, em pleno centro de Tavira, é das áreas mais apetecidas do ponto de vista imobiliário. Só que o Exército não prescindiu do velho mas bem conservado edifício do século XVIII e deu-lhe o destino para o qual foi concebido, albergar soldados.
A primeira leva de forças veio do quartel de Lamego, o Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE), uma companhia com cerca de 60 homens que assentou arraiais no Quartel da Atalaia.
A população recebeu com surpresa o regresso dos soldados a Tavira. "É normal o soldado que está à porta de armas ser interpelado por quem passa", explica o capitão Neto, comandante da companhia.
David Pereira da Silva, de 51 anos, que passa férias em Tavira, faz parte do grupo que interpela os militares, mas também por outras razões. É de uma aldeia da zona de Guimarães, mas fez parte do serviço militar obrigatório em Tavira. "Tenho saudades, sabe, e acho bem que o quartel seja ocupado pelos soldados, não há problema".
É do Quartel da Atalaia que a força de operações especiais sai diariamente para treinos, primeiro ginástica logo ao romper da manhã e depois todo um conjunto de actividades integradas na instrução. E um dos cenários é a infiltração de uma força a partir de uma zona de praia.
Tavira é o ideal para este cenário, consideram os militares, porque tem uma zona de ria e outra de mar, espaços que Lamego não pode oferecer. Às nove da manhã, os meios começam a chegar à praia da ria e os soldados armados e equipados para combate cruzam-se com os turistas carregando o chapéu de sol e a indispensável cadeira. Uma menina olha incrédula, mas a avó descansa-a "Anda filha, são os soldados a treinar, não fazem mal".
Os kayakes e os botes são lançados à água, os primeiros transportando uma equipa de quatro homens que vai reconhecer a zona de desembarque.
Os soldados saem das pequenas embarcações e percorrem a praia à procura de um sinal de perigo. Na água, mais longe, estão os botes com a força principal, à espera de um sinal para avançar.
Embarcações de turismo cruzam-se com os botes, que à força de remos se aproximam da praia. Os soldados continuam a deixar sorrisos de surpresa, enquanto avançam no areal a caminho do objectivo, em passadas cuidadosas.
A operação está concluída e a força regressa ao ponto de origem. Fernanda Nunes, algarvia de gema, olha para a cana de pesca e mira os soldados de soslaio. "Então eles não espantam o peixe?" pergunta o JN. "Não espantam nada e o que não falta aí é peixe e mar. Deixar os soldados andar a treinar. É para defender o país não é? Então está bem, não é?" e ri-se.
Segurança pessoal e resgate de refénsOs operações especiais do Exército têm a casa-mãe no quartel de Lamego.
Das principais missões fazem parte as patrulhas de reconhecimento, cujo objectivo é recolher informação sobre determinado alvo ou mesmo anulá-lo, seja ele um homem ou uma infra- -estrutura. O armamento usado é ligeiro, mas o soldado é equipado consoante o tipo de missão, o que inclui também os meios de transmissões, preparados para o envio de voz, dados e imagens.
Das novas missões fazem parte a segurança pessoal, para protecção de individualidades, já tendo sido empenhados nas zonas onde há forças nacionais destacadas.
O treino é também intenso na área do combate próximo, normalmente aplicado no resgate de reféns ou na captura de indivíduos procurados, e em estruturas edificadas, onde a coordenação entre todos os elementos é vital.
Equipamento com ênfase nas comunicações rádioA arma base das operações especiais do Exército é a espingarda SIG 43, no calibre 5,56mm, que no entanto, nunca recolheu grandes simpatias junto dos utilizadores. Cada homem está também equipado com uma pistola também SIG, de 9mm, e há elementos inclusive especializados no tiro de sniper, inclusive com a espingarda Barrett, de calibre 12,7mm.
A base de trabalho é, porém, as transmissões, estando cada homem dotado com meios de comunicação próprios, o que permite ao comandante estar em contacto directo com toda a força.
Dispõem ainda de rádios VHF e HF, enquanto não é operado o rádio português da EID, que consegue congregar os vários tipos de onda num mesmo equipamento. Rotação entre unidades operacionais do Exército
As operações especiais são a primeira força a reocupar militarmente o Quartel da Atalaia, seguindo-se depois em sistema de rotação outras unidades operacionais do Exército, sempre no escalão companhia, até 120 homens.
A alimentação tem sido cedida pela messe de Tavira, mas estão a ser preparadas obras no quartel para adaptar um espaço a cozinha, o que vai autonomizar a força militar que ali estiver destacada. O edifício vai, no entanto, continuar a ser usado como centro de férias para praças, o que não colide com a nova aplicação determinada pelo chefe de Estado-Maior do Exército.
Construção do quartel data do século XVIIIFoi no Quartel da Atalaia que teve início em 1989 a primeira incorporação de mulheres no Exército, destinada a licenciadas.
Aliás, a unidade teve a partir de 1993 o encargo de formar sargentos que vinham da vida civil já com licenciaturas. No entanto, o espaço tem ocupação militar desde o século XVIII, tendo o quartel sido mandado construir pela rainha D. Maria I, em 1795, para albergar o Regimento de Infantaria de Tavira. Desde então, o espaço no centro de Tavira não mais deixou de ter ocupação militar, até que em 1996 foi transformado no centro de férias para praças em regime de voluntariado e de contrato.
Extinguiram-se, no entanto, as anteriores funções de instrução, até que, com a chegada de Pinto Ramalho à chefia do Exército, foi decidido que o quartel iria albergar unidades operacionais em sistema de rotação, numa alteração de filosofia que está a estendender-se a todo o restante dispositivo do Exército.