Página 9 de 14
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Seg Set 27, 2010 3:04 am
por legionario
O primo do Ahmed estava à minha espera no aeroporto e depois de calorosas boas-vindas arrancamos num taxi em boa velocidade para a sua casa que ficava num bairro popular junto à avenida da Medina, perto do porto.
A situaçao na Somalia neste mês de setembro de 1990 estava muito mais grave do que aquilo que eu pensava. No proprio aeroporto e nas suas imediaçoes viam-se muitos militares armados até aos dentes. Nos cruzamentos das grandes arterias por onde passamos, estavam estacionados carros de combate T54/55. Carrinhas civis de caixa aberta com metralhadoras pesadas montadas em cima e carregadas de homens armados circulavam em algumas ruas e bairros. A toda a hora ouviam-se tiros isolados ou rajadas e à noite as traçantes rasgavam o céu por cima de varios pontos da cidade.
Começava a perceber a ironia dos policias comigo : os ocidentais estavam a deixar o pais, e eu estava obviamente em contra-corrente…
As revoltas contra o regime corrupto deste pais ja tinham começado, gerando uma guerra civil que dilacerou este pais. Dentro de pouco tempo, a Somalia deixaria de existir como Estado organizado, situaçao que ainda prevalece hoje.
No tempo que permaneci em casa do primo do Ahmed nunca me aventurei, por razoes de segurança, a sair sozinho, e mesmo acompanhado nunca ia para muito longe do bairro. Mais uma vez vesti-me com trajos arabes para dar menos nas vistas, apesar daquela gente ali à volta saber toda que eu era português.
Era convidado frequentemente pelos amigos e vizinhos do meu anfitriao para beber o tradicional cha em casa deles e conversar, um dos passatempos preferidos dos somalis e dos africanos em geral. Recusar o cha poderia significar que eu recusava a sua amizade e por esta razao, acho que bebia litros desta bebida ao longo do dia.
Tinha observado alguns barcos no porto e outros ancorados ao largo. Logo no dia seguinte, acompanhado pelo meu novo amigo, fui dar uma vista de olhos pela zona portuaria mesmo antes de tentar contactar a embaixada de Portugal, que eu nem sequer sabia se ainda funcionava, ou onde se localizava...nem sabia mesmo se existia uma embaixada de Portugal na Somalia.
A minha intençao era falar com os capitaes dos barcos para lhes pedir que me levassem até um porto mais seguro, de preferencia para a Europa.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Seg Set 27, 2010 3:09 am
por legionario
Nao era a primeira vez que eu pedia boleia a um barco e tambem nao era a primeira vez que eu me encontrava « encalhado » numa zona de conflito.
Três anos antes desta data, quando fiz a minha viagem por terra, de Portugal até à Guiné-Bissau , tinha ficado bloqueado em El Aioun, na costa do Sahara Ocidental. Fui impedido pelos militares marroquinos de continuar a minha viagem para sul, pelo deserto até à Mauritania, por causa da guerra com a Frente Polisario. Foi num barquito de pesca que segui viagem de El Aioun até Nouadibou, uma cidade portuaria mauritana situada logo depois da fronteira. Depois, tinha prosseguido a minha viagem pelo Sahara mauritano até ao Senegal, num Land Rover que servia de taxi colectivo.
No regresso, meses depois, quando voltava da Guiné-Bissau para Portugal pelo mesmo itinerario, aconteceu a mesma coisa pelo mesmo motivo. Depois de ficar mais de um mês em Nouadibou, dormindo e comendo com, e como os locais ; um barco cargueiro espanhol aceitou levar-me até às ilhas Canarias, e daqui, novamente à boleia de barco, até Cadiz, na Peninsula Ibérica.
Três dias depois decidi-me a fazer um pedido ao capitao holandês de um pequeno barco privado que tinha tazido ajuda humanitaria e que devia regressar ao norte da Europa levando para casa um grupo de volontarios de uma ONG. Aceitou imediatamente levar-me com ele,… quando partisse. Estava à espera que chegassem do interior dois dos seus passageiros e poderiam demorar ainda alguns dias … Eu esperaria tambem, disse-lhe agradecido !
Perguntou-me se eu nao me importava de me transferir para o barco imediatamente, pois precisava de alguem que o vigiasse … Claro que nao me importei nada !
Despedi-me e agradeci à familia do Ahmed o que tinham feito por mim, e instalei-me nesse dia no barco, onde fiquei até à nossa partida uns dias mais tarde.
Nos principios de outubro, estava em minha casa, em Portugal.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Seg Set 27, 2010 3:12 am
por legionario
Tenho neste momento diante dos olhos uma copia do meu "Etat Signaletique et des Services" (o meu dossier miltar) onde esta escrito o seguinte :
" Ausente à chamada do seu regimento, 13aDBLE, em 03.09.90,
- Declarado desertor em 07.09.90
- Riscado do efectivo em 03.11.90
- Detido pela PAF (policia das fronteiras) de Biriatou em 08.02.91
- Interrupçao de serviço du 08.09.90 ao 07.02.91, ou seja, 5 meses e quatro dias
- Reeintegrado no serviço por decisao do COM.LE (comando da legiao) em 08.02.91."
Apesar de alguns desentendimentos, a Legiao e eu continuavamos a gostar muito um do outro e recomeçamos juntos nova vida !
Detido pela policia francesa na fronteira, fui posteriormente conduzido, algemado e escoltado por dois gendarmes, de comboio, até Marselha.
Na gare de St. Charles, em Marselha, esperavam-me dois cabos-chefe da PM da legiao, que depois de me retirarem as algemas, me conduziram, sem dizer uma palavra até ao quartel, onde fui logo "alojado" na prisao.
O 1° Régiment étranger, de que ja falei ao principio, é essencialmente uma unidade administrativa. O oficial general que comanda a Legiao, assim como o seu estado-maior, estao aqui sediados e é a partir daqui que sao geridas todas as outras unidades.
NoTa : Do ponto de vista operacional, os regimentos metropolitanos da legiao dependiam (dependem) do general que comandava a 6a Divisao Ligeira Blindada (que depois passou a brigada).
Devido ao seu caracter administrativo, a mentalidade neste regimento é muito diferente da dos demais regimentos da legiao e muito mais parecida com a de uma unidade do exército regular…mesmo no que diz respeito à prisao , aos carcereiros e à PM, que sao muito mais « mansinhos ». Nao tenho pois absolutamente nenhuma razao de queixa do « tratamento » que me foi dado.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Seg Set 27, 2010 3:15 am
por legionario
Estavamos na altura da primeira guerra do Golfo onde a França intervinha com a sua Divisao Daguet. Foi esta a razao que me fez regressar a Franca e à Legiao.
O 1° RE preparava na altura uma companhia de transportes para enviar para o Golfo e quando compareci diante do coronel para ser ouvido e castigado, expliquei porque tinha desertado e porque tinha regressado … pedindo ao mesmo tempo, muito insistentemente, para ser integrado nesta companhia.
- Veremos ! Respondeu ele.
A minha « motivaçao » para servir a França na guerra nao caiu em cesto roto porque apesar de ter apanhado 40 dias de cadeia, so cumpri uma semana de carcere.
Fui afectado e alojado em seguida na CAPLE, (Companhia Administrativa do Pessoal da L.E. ) à espera de ser afectado na companhia destinada ao Golfo, (que acabou por nao partir) ou num regimento operacional .
Um ano mais tarde, estava eu ja no 6°REG, compareceria livre, diante do tribunal em Paris para responder novamente pela minha deserçao. Sai daqui sem pena de prisao ou qualquer multa, o que era rarissimo...
Antes de ser afectado ao 6°REG, fiquei alguns meses a trabalhar ne enfermaria regimentar do 1°RE, onde como enfermeiro, participava na seleçao dos "engagés volontaires".
Ainda na CAPLE, fui enviado para o 4°RE em Castelnaudary para fazer uma formaçao na area administrativa "Traitement automatisé de l'information", que terminei em 1° lugar, o que me deu direito a poder escolher o meu futuro regimento operacional : o 6°REG (regimento de engenharia)
Chegado a este regimento fiz uma formaçao de "minas e explosivos" que terminei tambem em 1° lugar com a média de 19 valores.
Tinha assumido um compromisso com o coronel e fazia tudo para o cumprir. Estes resultados assim como todos os seguintes provam-no.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Ter Set 28, 2010 8:54 am
por legionario
Todos os legionarios, ao fim de algum tempo de serviço, e paralelamentet às formaçoes de cariz militare, têm que se especializar tambem noutro tipo de formaçao de natureza menos marcial, do tipo : cozinheiro, enfermeiro, secretariado e informatica, mecanico, transmissoes, condutor de diversos tipos de maquinas, diversas formaçoes ligadas à construçao, etc.
Estas formaçoes « civis » sao obrigatorias e constituêm uma mais-valia nao so para os regimentos, como para os legionarios, que uma vez regressados à vida civil têm mais facilidade na sua reconversao.
Quando fui afectado ao 6°REG, (que atualmente se chama 1°REG), ja tinha, nao uma, mas duas destas especialidades « civis » : a de « auxiliar sanitario » e a de « T.A.I » , (enfermeiro e administrativo).
Estas duas areas eram consideradas na altura como criticas, devido às carencias que existiam nas companhias em pessoal formado nestes dominios
.
Ainda antes de ser afectado a uma Companhia, tive que seguir mais duas formaçoes, uma delas especifica ao regimento que é a de « génie combat » (minas e explosivos) e ainda uma outra a que chamamos VRAC , esta ultima incluia nao so a carta de pesados como as noçoes basicas de mecanica e de manutençao dos veiculos.
Como terminei estas duas formaçoes em primeiro lugar, e como todas as companhias eram carentes nas minhas especialidades, acordaram-me o direito de escolher a minha nova companhia.
No 6°REG, existiam 5 companhias : 3 companhias de combate, (uma de montanha, uma anfibia e outra heli-transportada) ; a CCL (companhia de comando e logistica) de que fazia parte a prestigiada secçao de « nadadores de combate », e finalmente a Companhia de Apoio. Esta ultima companhia tinha uma secçao de « trabalhos » com maquinas identicas aos civis (obras publicas) e tambem 2 secçoes de maquinas de « engenharia de assalto » : veiculos destinados a enterrar minas (minagem mecanica), outros destinados à desminagem, pontes auto-transportadas, pontes desmontaveis em modulos, etc.
Foi a Companhia de Apoio que eu escolhi pois dentro do regimento era a unidade que mais saia para missoes exteriores. Cada vez que uma companhia de combate era enviada para fora, levava normalmente uma secçao da Companhia de Apoio em reforço.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Ter Set 28, 2010 8:56 am
por legionario
Pouco tempo depois de ser afectado à minha nova companhia, um novo oficial, o capitao Delamarle assumiu o seu comando. Este oficial, proveniente do exército regular, era oriundo da classe de sargentos. Tinha subido os diversos escaloes da hierarquia a pulso, possuia uma grande autoridade natural e era um bom conhecedor da natureza humana, dai o ser muito respeitado por todo o pessoal.
Fui colocado na secçao de comando da Companhia, mais exactement no « Bureau Major », onde me ocupava de todos os aspectos administrativos da unidade ; ao mesmo tempo acompanhava, como enfermeiro, a secçao quando esta partia em manobras ou exercicios, o que acontecia frequentemente.
O serviço do Bureau Major, cujo efectivo normal é de 3 ou 4 homens, estava na altura da minha chegada, sem o seu sargento e sem o seu cabo, e 2 meses depois o legionario mais antigo que la se encontrava acabou o seu contrato, deixando-me sozinho com a minha inexperiencia…
Eu na altura era somente legionario de 1a classe, mas cumpri bem a minha missao e justifiquei bem o salario que me pagavam.
O capitao Delamarle enviou-me para o curso de cabos e prometeu-me que me metia na proxima missao exterior em que a Companhia participasse. Ele sabia exigir mas tambem sabia recompensar !
Faço aqui mais um àparte para explicar uma coisa : na legiao, nao é o militar que se propoe para o curso de cabos ou de sargentos. Cada chefe de secçao escolhe um ou dois homens, entre aqueles que ele considera meritorios, e propoe-os ao capitao. Dos varios nomes que lhe sao apresentados o capitao seleciona tambem um ou dois que envia para o curso de cabos. A mesma « manobra » é feita para selecionar os melhores cabos que serao enviados ao curso de sargentos.
Existe contudo uma regra na legiao : o legionario ou o cabo que é selecionado pelas chefias para seguir a formaçao para o posto superior, tem que ser volontario, ou seja, pode recusar a « oferta ». Foi o que aconteceu comigo.
Um ano depois de ser nomeado cabo, recusei varias vezes voltar para Castelnaudary para fazer o curso de sargentos. Fui promovido cabo-chefe em 01 de agosto de 1994, nem sequer tinha 2 anos como cabo…o que nao é coisa frequente em condiçoes normais, muito menos para um ex-desertor…
Finalmente, foi o proprio coronel, comandante do regimento que me convocou, para, contrariando a regra do volontariado, me ordenar , comigo na posiçao de sentido, pois ele nao me tinha dado a ordem de me pôr «à vontade » :
- De Sousa, vais para Castelnaudary fazer o BSTAT ! Podes destroçar !
So pude responder :
- à vos ordres mon colonel !
NT. O BSTAT (brevet supérieur téhcnique armée de terre) é o cursus que da acesso à carreira de Sous-officiers, a classe de sargentos..
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Ter Set 28, 2010 9:22 am
por legionario
Pelotao de cabos, 4° Régiment étranger, Castelnaudary, 1992
A formaçao de cabos dura cerca de 3 meses.
Um cabo na Legiao, tambem chamado "chefe de équipa", comanda dois binomios, ou seja, 4 homens.
Esta funçao tem muita importancia na organica militar, pois é o cabo quem transmite e faz cumprir aos homens, no final da cadeia de comando, as ordens que recebe do seu chefe de grupo (sargento), que este por sua vez recebeu do seu chefe de secçao.
Uma equipa de combate dispoe, para além do armamento individual do legionario, de uma ou mais armas colectivas : arma anti-carro (LRAC), metralhadora pesada...
Um grupo de combate na Legiao é constituido por 2 equipas de combate (cada uma delas formada de 2 binomios + o cabo), comandadas directamente pelo sargento chefe de grupo que é sempre acompanhado por um "tireur d'élite" (atirador especial ou snipper) e pelo condutor do veiculo.
Um cabo deve conhecer na ponta da unha todas as armas colectivas normalmente utilizadas pelo grupo de combate : os lançadores de roquetes anti-carro, as metralhadoras pesadas 7.62mm e as 12/7, etc.
Aprende, claro esta, a manobrar uma equipa no terreno e tem tambem uma formaçao mais exigente no dominio da orientaçao e topografia, técnicas de combate em corpo-a-corpo, socorrismo, utilizaçao do material de transmissoes, etc.
Esta formaçao é sempre acompanhada de muito desporto, marchas forçadas e... muito, mesmo muito tiro ; nao so com as armas individuais como com as armas colectivas, para além, claro esta, do "percurso do combatente" (pista de obstaculos), percurso de lançamento de granadas, etc.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Ter Set 28, 2010 9:49 am
por legionario
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Ter Set 28, 2010 7:46 pm
por Naval
Tu vai ter muita assunto pra contar p/seus netos.
Valeu!
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Qua Set 29, 2010 3:15 am
por legionario
O capitao Delamarle era um homem de palavra e a 5 de Janeiro de 1993 mandou-me para o Cambodja integrado numa secçao da Companhia de Apoio que reforçava a 2a Companhia de Combate do meu regimento.
Eu fiz parte do grupo de precursores da unidade, ou seja, juntamente com alguns oficiais e sub-oficiais (sargentos) , parti para aquele pais do extremo-oriente, 15 dias antes do resto da Companhia. Eu, com o posto de cabo era o unico praça do grupo.
Haveria de ficar nesta parte do mundo durante mais de 6 meses.
Chegada ao aeroporto de Pnomh Penh (capital do Cambodja) e preparando para embarcar no heli em direçao de Siem Reap
Visitando Penomh Penh num taxi local...
Fazendo um voto a Buda pelo sucesso da missao
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Qua Set 29, 2010 3:16 am
por legionario
Um pequeno apontamento sobre o Canbodja, para se perceber o contexto em que eu fui enviado para este pais integrado numa missao da ONU, a APRONUC : Autoridade Provisoria das Naçoes Unidas para o Cambodja. Em inglês : UNTAC.
Antigo protectorado francês, o Cambodja fazia parte da Indochina francesa e obteve a sua independencia em 1953, dirigido pelo muito jovem rei Norodom Sihanouk.
Durante a guerra do Vietnam, o pais, apesar de oficialmente neutral, dava facilidades de passagem ao Viêt-Cong (Vietnam du Norte) , o que nao era do agrado dos norte-americanos que bombardearam o pais provocando a morte de numerosos civis.
Em 1970, um golpe de estado instigado pelos EUA, aproveitando a ausência do rei que se encontrava em visita à Russia e à China, instaura um regime republicano, pondo fim ao reino deste rei original e idealista, que, para além de monarca, era (é) poeta, compositor e escritor.
Refugiado em Pekin, na China comunista, o rei cria um governo no exilio e com a ajuda do reino da Tailandia que o apoiava, as forças monarquicas iniciam lado a lado com a guerrilha comunista, uma oposiçao armada contra o regime fantoche pro-americano que se tinha instalado no Cambodja.
Segue-se um periodo muito conturbado de guerras e de guerrilhas em que os comunistas maoistas dirigidos por Pol Pot (os khmers vermelhos) acabam por tomar o poder, de abril de 1975 a dezembro de 1978, … dando inicio a um dos maiores massacres do séc XX, em que morreram mais de um milhao de pessoas.
Durante o periodo de terror de Pol Pot, o rei que entretanto tinha regressados ao pais, foi feito prisioneiro no seu palacio. Em 1979, quando os vietnamitas invadiram o pais, pondo fim ao regime Khmer vermelho, ele refugiou-se na Coreia do Norte onde cria mais um movimento de resistencia.
Os vietnamitas abandonam o Cambodja em 1989, ... e a ONU, no principio de 1990 envia uma força que se destinava a assegurar a transiçao para um regime democratico, a APRONUC, de que eu fiz parte em 1993.
A popularidade do principe Sihanouk era tao grande no seio da populaçao, que , mesmo com as reticencias iniciais da ONU e a oposiçao dos norte-americanos, a unica opçao que existiu para encontrar um compromisso que assegurassse a establidade, foi trazê-lo de regresso ao seu pais, onde o puseram no seu palacio, restaurando a monarquia, apesar de ele nao possuir praticamente nenhum poder oficial.
Abdicou do poder em 2004 a favor do seu penultimo filho, ex-dançarino classico que habitava em Paris. Reside atualmente em Pekin, onde tem o seu titulo de Rei-Pai.
Este rei, de quem o seu amigo Mao Tse Tung disse um dia que se ele fosse chinês, seria imperador da China, era considerado no seu pais como uma semi-divindade ( a exemplo do monarca tailandês) .
Quando ele visitou em 1993 a cidade de Siem Rep onde eu me encontrava estacionado, assistimos a cenas dignas do filme « O ultimo imperador » de Bernardo Bertolucci : à sua passagem, as pessoas que tinham invadido as ruas aos milhares, inclinavam-se profundamente juntando as duas maos abertas em frente do rosto, na mesma posiçao em que rezam diante das estatuas do Buda. Muitos prostravam-se no chao, ajoelhando e inclinando-se até quase tocar com a cabeça no solo.
Para os ocidentais que nos eramos, foram cenas verdadeiramente surrealistas.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Qua Set 29, 2010 3:23 am
por legionario
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Qua Set 29, 2010 3:24 am
por legionario
A Conpanhia reforçada da legiao ia substituir uma outra do RPIMA (Regimento de Paraquedistas da Infantaria de Marinha), que estava a terminar a sua comissao neste pais.
O nosso grupo tinha sido enviado antes do resto da força principal de cerca de 150 homens para preparar a chegada desta : conferir e controlar os materiais deixados pelo RPIMA, fazer o reconhecimento das instalaçoes e da cidade, etc.
Siem Reap é uma cidade do norte do Cambodja, a 320 quilometros de Phnom Penh a capital, e fica localizada junto do lago Tonle Sap um dos pulmoes economicos do Cambodja e tambem perto do conhecido complexo de templos de Angkor.
O nosso campo estava situado perto do centro da cidade ao longo de uma das vias que a atravessava. Tinha a forma de um rectangulo com cerca de 2 hectares, cercado por uma barreira de rolos de arame farpado e protegido por postos de combate semi-enterrados com sacos de areia à volta.
Um posto e um serviço de guarda assegurava o contrôle das entradas e saidas do campo.
No interior do rectangulo : os bungalows de madeira onde dormiamos, um grande barracao que servia ao mesmo tempo de refeitorio e de cozinha e alguns contentores que serviam de ateliers, enfermaria, etc.
Duas desenas de civis, sobretudo mulheres, trabalhavam para nos, ocupando-se da cozinha, da lavagem das nossas roupas e das limpezas.
Os duches eram ao ar livre e «tudo-ao-monte » ; uma simples esteira de bambu protegia a nossa nudez dos olhares dos civis que passavam no caminho.
As latrinas eram rudimentares e deviam ser despejadas regularmente. Ao principio eram os legionarios que faziam esse desagradavel trabalho, mas depois passamos a dispôr de « prisioneiros » para essa tarefa. Estes « prisioneiros » eram garotos muito pequenos (7/10 anos), que foram "capturados" durante a noite quando surpreendidos a tentar infiltrar-se por entre os rolos de arame farpado no interior do campo, para pilhar. Ao fim de alguns dias de trabalho eram soltos, mas havia sempre outros candidatos para os substituir…
Estes pequenos prisioneiros eram por vezes maltratados por alguns dos meus colegas : uma manha em que o meu grupo pegou no serviço da guarda, fomos encontrar 3 miudos que tinham sido capturados nessa noite, amarrados e suspensos como vulgares presuntos numa das vigas de madeira no interior do bungalow que servia de posto de guarda. Evidentemente que a primeira coisa que fizemos, foi tira-los de la.
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Qua Set 29, 2010 3:29 am
por legionario
Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.
Enviado: Qua Set 29, 2010 7:07 am
por cabeça de martelo
legionario escreveu:Pelotao de cabos, 4° Régiment étranger, Castelnaudary, 1992
A formaçao de cabos dura cerca de 3 meses.
Um cabo na Legiao, tambem chamado "chefe de équipa", comanda dois binomios, ou seja, 4 homens.
Esta funçao tem muita importancia na organica militar, pois é o cabo quem transmite e faz cumprir aos homens, no final da cadeia de comando, as ordens que recebe do seu chefe de grupo (sargento), que este por sua vez recebeu do seu chefe de secçao.
Uma equipa de combate dispoe, para além do armamento individual do legionario, de uma ou mais armas colectivas : arma anti-carro (LRAC), metralhadora pesada...
Um grupo de combate na Legiao é constituido por 2 equipas de combate (cada uma delas formada de 2 binomios + o cabo), comandadas directamente pelo sargento chefe de grupo que é sempre acompanhado por um "tireur d'élite" (atirador especial ou sniper), um radio e pelo condutor do veiculo.
Um cabo deve conhecer na ponta da unha todas as armas colectivas normalmente utilizadas pelo grupo de combate : os lançadores de roquetes anti-carro, as metralhadoras pesadas 7.62mm e as 12/7, etc.
Aprende, claro esta, a manobrar uma equipa no terreno e tem tambem uma formaçao mais exigente no dominio da orientaçao e topografia, técnicas de combate em corpo-a-corpo, socorrismo, utilizaçao do material de transmissoes, etc.
3 meses? É muito mais tempo que o curso de Cabos nos Páras em Portugal (5 semanas). No vosso curso também fazem marchas, sessões de tiros, topográficas, etc?
Só mais uma coisa, todos sabemos que os Comandos Portugueses sofreram muitas influências da Legião, lendo estas linhas vê-se bem essa mesma inflûencia.