ESTRATÉGIA NAVAL

Assuntos em discussão: Marinha do Brasil e marinhas estrangeiras, forças de superfície e submarinas, aviação naval e tecnologia naval.

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#121 Mensagem por Marino » Qua Dez 26, 2007 6:42 pm

talharim escreveu:Dentro desse texto que o Marino postou.

Colocando tudo isso em prática.


Na Marinha do Brasil.............com a esquadra no Mar.............em formação de combate..............quem manda ? Ou cada comandante de navio tem uma relativa liberdade de decisão ?

Grato.

Antes da Esquadra fazer-se ao mar, todos os navios recebem a Diretiva, ou Ordem de Operações. Nela, toda a Manobra imaginada pelo Almirante está explicitada, com as tarefas a serem cumpridas por cada navio.
Há a realização de briefings e treinamento em simuladores do CAAML antes de suspender.
Ou seja, cada um sabe o que fazer e mesmo que o navio do Alte seja afundado, o mais antigo que se segue assume e continua.
Dentro de cada navio o Comandante é soberano. Ele vai cumprir a ordem do Alte, mas tem liberdade de antecipar postos de combate, p. ex, e é o responsável pela segurança de seu navio e de sua tripulação. Caso avalie que um inimigo o ameace, irá "dar toda a atenção" a este inimigo, dentro da manobra idealizada.




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#122 Mensagem por talharim » Qui Dez 27, 2007 9:48 am

Ok,obrigado pela resposta Marino.

Exatamente a mesma "doutrina" da USNAVY.

São realmente marinhas irmãs.




"I would rather have a German division in front of me than a French

one behind me."

General George S. Patton.
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#123 Mensagem por Marino » Qua Fev 06, 2008 12:43 pm

Estou me preparando para retomar este tópico.
Mas antes, lendo um comentário do Orestes sobre FFAA e Diplomacia, achei pertinente postar este artigo da Revista do Clube Naval, que ainda não foi colocada na internet.
Como me scaner avariou 1 dia após o término da garantia, consegui da casa de meu cunhado:

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#124 Mensagem por Marino » Sáb Fev 09, 2008 4:45 pm

O texto acima, sobre Diplomacia e FFAA, vai servir de "tampão" entre o anteriormente escrito e o que vem a seguir.
Anteriormente eu coloquei textos sobre um tipo de estratégia, que se chama "operacional" (coloquei entre aspas para chamar atenção de que considero estratégia naval clássica o já postado, estou somente fazendo uma separação).
Agora vou começar uma segunda linha de raciocínio, indo para o que se conhece como "Pensamento Estratégico", muito mais teórico, mas imprescindível para entendimento das cabeças pensantes militares.
Como escrevi anteriormente, a Estratégia teve seus primeiros escritores voltados para Estratégia Terrestre. Os escritores de Estratégia Naval vieram depois.
E por aí começaremos.
Vou colocar textos extraídos da publicação chamada Guia de Estudos de Estratégia, usada pelos Oficiais da MB na EGN.
Começo postando sobre 2 escritores clássicos, Jomini e Clausewitz, para depois chegarmos a Mahan e Corbett (este último a cereja do bolo).
Antes dos mesmos são estudados Sun Tsu, Maquiavel, e outros, mas para nosso entendimento creio que os 2 escolhidos bastam.
A publicação continua com estratégia aérea, que se nosso amigo Alcmartin quiser posto nas aéreas, no tópico criado por ele.
Então não estranhem eu colocar textos de estratégia terrestre. Vejam os mesmos como Teoria da Guerra e não limitados ao ambiente terrestre.
Comecemos então.
===============================================

OS FUNDADORES DO PENSAMENTO ESTRATÉGICO

O pensamento sobre a guerra deu um salto qualitativo no século XIX. Foi então que surgiram os primeiros escritos dedicados a uma investigação com pretensões científicas sobre a guerra e sua condução. Em parte, esse salto pode ser creditado ao crescente impacto das ciências no mundo intelectual ocidental. Por outro lado, a surpresa trazida pela revolução nos assuntos militares ocorrida nas Guerras Napoleônicas exigia uma formulação intelectual que permitisse o enfrentamento e incorporação da nova forma de guerrear. Dessas duas vertentes — científica e militar — surgiram os escritos que fundam o pensamento estratégico ocidental: as obras de Jomini e Clausewitz.
Nem Jomini, nem Clausewitz, como aliás nenhum autor individual, foram realmente tomados como referências no sentido moderno do termo, em que se atribui autoria às idéias, embora tenham sido lidos e estudados. De uma forma que hoje conhecemos pouco, suas obras foram transformadas e transmutadas em dezenas de versões e interpretações pessoais. Era comum, no século XIX, que autores praticamente duplicassem, com seus próprios interesses e inclinações, o grosso de trabalhos de outros autores que admirassem e produzissem sínteses e derivações muitas vezes irreconhecíveis por seus autores originais.
No caso de Jomini, isto produziu uma escola que acabou por se confundir — e se tornar — a mais influente vertente da teoria militar e a raiz identitária das forças armadas nacionais profissionais. No caso de Clausewitz, a densidade de seu texto e a cerrada campanha de confusão de seu conteúdo por Jomini mantiveram seus textos praticamente fora da alçada dos estudiosos militares até as últimas décadas do século XIX. E, diriam alguns, ainda mais depois, quando o Da Guerra foi incorporado a um discurso militar já basicamente definido: o do mundo militar profissional de forças nacionais.

3.1 - AMBIENTE POLÍTICO-MILITAR POSTERIOR À DERROTA DE NAPOLEÃO
Como parte do processo de restauração política que se seguiu à derrota de Napoleão e cujo marco foi o Congresso de Viena (1815), muito da tradição internacionalista da profissão militar, que havia sido praticamente varrida pelo fervor nacionalista da Revolução Francesa, foi retomada de uma forma diferente da do século XVIII. A discussão de assuntos militares permaneceu — e ainda permanece — bastante internacionalizada, enquanto que o oficialato e a perspectiva das forças armadas se tornava cada vez mais nacionalista. Aderindo tardiamente ao nacionalismo, as instituições militares européias fizeram de tudo para afirmá-lo em seus comportamentos e ações, ao mesmo tempo em que incorporavam o resultado de uma discussão concretamente internacional.
Foi a partir daí que se começou a pensar a guerra com uma pretensão de rigor científico, ao contrário da tradição ocidental anterior do relato de feitos passados (Frederico, Lloyd, Vegetius, César, Políbio, Xenofonte e Tucídides, entre outros) ou da proposição de reformas organizacionais (Maquiavel, De Saxe, Bourçet, von Bülow, Guibert, entre outros); mais contrariamente ainda à tradição oriental do manual para o governante plenipotenciário (Sun-Tzu, Myiamoto Musashi e outros).

Estratégia
O termo estratégia é um produto do final do século XVIII e início do século XIX. Até então, utilizava-se Arte da Guerra. O grego antigo e o latim não tinham um termo equivalente; os derivados de strategos (general) — tais como strategikon e strategema — referiam-se ao aprendizado da arte da guerra ou a seus ardis (strategema) e não à gestão da guerra.


Há algo que se aprender com o fato de que atualmente Clausewitz é mais conhecido que Jomini, hoje quase restrito a especialistas. Esta relativa anonimidade de Jomini é ainda mais chocante quando se percebe que todo o linguajar e, mesmo, as formas de percepção do mundo militar dos séculos XIX e XX não são mais do que a popularização e até mesmo a distorção de concepções originariamente jominianas, em contraposição ao papel comparativamente menor que Clausewitz teve na construção da instituição militar ocidental até meados do século XX, quando a influência relativa de ambos no pensamento estratégico começa a se inverter, levando a que Clausewitz se torne praticamente sinônimo do estudo da guerra.
Assim, é mais proveitoso, para os propósitos deste Guia, seguir o fluxo da História e apresentar inicialmente Jomini e sua herança, para, em seguida, expor o pensamento de Clausewitz e seus herdeiros.

3.2 - JOMINI
3.2.1 - JOMINI E A CONSOLIDAÇÃO DO MUNDO INTELECTUAL MILITAR
É impossível entender o impacto e alcance da obra de Jomini sem que se levem em conta ao menos quatro fatores: a sua intenção tradicionalista e restauradora, a sua abordagem popularizante e reducionista, a sua longevidade pessoal e a sua vaidade.
Antoine-Henri Jomini nasceu suíço em 1779. Como toda uma geração, sua vida foi dominada pelos eventos momentosos da Revolução Francesa. Jomini se interessou desde cedo pelas campanhas militares pós-revolucionárias. Tendo lido os principais textos militares do final do século XVIII, seu desempenho intelectual acabou por dar-lhe a oportunidade de conviver com o mais alto oficialato de Napoleão durante o período de seu apogeu. Contratado como especialista militar pelos russos em 1813, acabou se tornando o mais influente autor militar do século XIX. Isto se deu por uma vasta publicação de sua obra, especialmente a partir do "Précis de l’Art de la Guèrre" (Sumário da Arte da Guerra), editado pela primeira vez entre 1837-38 e revisto diversas vezes ao longo de sua vida. A partir daí, Jomini viveu de seus escritos, até a sua morte, em 1869, aos 90 anos de idade.
A popularidade de seus escritos, que declinara com o passar dos anos, foi recuperada com grande entusiasmo no final do século XIX. Diversos autores buscaram transportar seus princípios para as realidades de um mundo industrial e marítimo. Nesse processo, a obra se emancipou de seu autor original e o que era um trabalho individual se transformou numa verdadeira escola. Esta escola se tornou dominante, a ponto de se confundir com a própria teoria militar moderna, com influência decrescente após o final da II Guerra Mundial.
Jomini se manteve fiel ao mundo militar tradicional, aos escritos e práticas do final do século XVIII. Retomou o uso dos bem-sucedidos feitos militares de Napoleão e Frederico como formas de exemplificar um sistema teórico formado por princípios de validade universal, independente da era ou circunstâncias de aplicação. Mais que isto, o mundo bélico em Jomini era marcado por uma grande continuidade de valores tradicionais, em que um grande líder inspirava os valores locais de um povo e os fazia transcender sua rotina bélica num grande pulso heróico.
Jomini não tinha realmente interesse pelas questões mais mundanas do abastecimento, da produção de armamentos ou do treinamento de tropas. As forças armadas de Jomini surgiam prontas e aprestadas para serem utilizadas nas guerras. Treinamento, suprimento e armamento eram expressões menores, inteiramente sujeitas à vontade, desígnios e persistência do Comandante-em-Chefe. Jomini entendia, assim, que o mundo militar era distante eseparado do mundo geral, civil, constituindo a expressão da vontade articulada de um grande líder, nele aplicada. A vitória era possível a qualquer um com essa grandeza, desde que suas ações fossem consistentemente apoiadas nos princípios universais da guerra. Este enfoque determinava uma preeminência absoluta da estratégia nas guerras e nos seus resultados.
A forma que Jomini encontrou se encaixava com perfeição nas tradições do modelo memorialista militar, num mundo heróico de grandes líderes e reformas adaptadas às circunstâncias. Já se disse que Jomini preferia persuadir a estar certo. Seus extensos trabalhos históricos sobre Napoleão e Frederico não tinham outra intenção que não a de apoiar seus escritos. Os problemas evidentes deste enfoque, a dificuldade de seleção entre os casos comprobatórios e a justificativa das exceções nunca foram realmente resolvidos. Jomini trabalhava com uma evidente intenção de popularização, glosando dificuldades, reduzindo o complexo mundo bélico a uma série limitada de princípios simples e de fácil entendimento.
Aparece aqui o caráter restaurador, mesmo conservador, da obra de Jomini. Com efeito, ao propor regras simples e claras que, segundo ele, levariam quem as seguisse à vitória, Jomini acenava com uma ilusão: a de que existiam respostas inequívocas a um fenômeno essencialmente ambíguo como a guerra, principalmente depois de Napoleão. Jomini recusava reconhecer em Napoleão uma ruptura com tudo o que houvera antes, tratando-o antes como a culminação de um saber eternamente válido. Tal proposta vinha ao encontro de anseios profundos de estabilidade, diante da transformação radical do mundo que as Revoluções Americana e Francesa haviam trazido e à qual a Revolução Industrial dava continuidade. Jomini prometia a continuada validade do conhecimento militar pré-revolucionário, sua atualização a um mundo que admirava (mas não compreendia adequadamente) os novos métodos científicos de pensamento, e induzia a crença de que quaisquer reformas mais profundas no mundo militar eram desnecessárias; bastava aprender com Napoleão, pela pena de Jomini, os princípios fundamentais com que a guerra sempre fora e sempre seria conduzida.
A grande obra que fez de Jomini o centro de toda uma escola foi a sua terceira ou quarta tentativa de formulação geral, amadurecida por vinte anos de paz. Em Précis de l’Art de la Guèrre, Jomini se propôs um vigoroso processo taxonômico e classificatório, do qual emergiria um conjunto de preceitos para a obtenção da vitória. É provável que um tal arcabouço, deixado por si mesmo, tendesse a ser visto pelo que era: uma tentativa algo limitada e datada de transformar as práticas napoleônicas em princípios e listas de verificação.
A longevidade pessoal de Jomini e seus esforços incessantes e intransigentes na manutenção do valor e importância de seu trabalho emprestaram-lhe a aparência de uma coerência e continuidade extraordinárias. Mesmo que seus escritos mais tardios tenham sido quase ignorados, este esforço continuado de quase uma vida inteira fez com que suas obras originais, em particular as diversas versões do Précis, permanecessem vivas e lidas muito além do que seria de se esperar.
Jomini tinha uma vaidade imensa, e guardava ciosamente a sua grandeza. Em seus escritos, minimizava o trabalho dos autores que o precederam ou reduzia os de seus contemporâneos. Sempre rápido a preservar sua imagem de maior de todos os autores militares, Jomini se permitia práticas como a da publicação anônima de uma “Vida de Napoleão... por ele mesmo” em que seu brilho, saber e acima de tudo a correção e o alcance de suas teorias eram repetidamente reforçados em anedotas colocadas na boca do Imperador. Com a idade, livre de inconvenientes testemunhas oculares, essa história aumentou, até o ponto em que Jomini insinuava que o próprio Napoleão teria reconhecido como o “seu sistema” as propostas e análises jominianas. Que esta abordagem tenha tido o resultado desejado é incontestável: aos poucos, Jomini passou a ser encarado como o grande intérprete de Napoleão. Sucessivas gerações de militares se voltariam para seus escritos como os únicos capazes de revelar-lhes os segredos do Grande Corso.
Jomini, por outro lado, sabia que era apenas um dentre os diversos autores militares que buscavam entender a “arte da guerra”. Muitos podiam ser convenientemente deslocados como obsoletos, por terem escrito antes ou fora dos padrões napoleônicos e principiais que ele afirmava como os únicos pertinentes: von Bülow, Guibert e tantos outros. Os trabalhos do Arquiduque Carlos e, especialmente, os de Clausewitz, eram, entretanto, ameaças de bem mais difícil resposta.
O primeiro, por sua evidente posição de poder como irmão do Imperador da Áustria, teve um tratamento conciliatório, tolerante, em que Jomini mais perdoava que contestava. As vitórias de Napoleão sobre Carlos em 1809 eram realçadas, e seu exílio do poder militar depois destes eventos, apontados de forma discreta, como que desqualificando seus comentários — como se o próprio Napoleão não tivesse sido derrotado e exilado.
Clausewitz era o maior desafio, com seus escritos, ainda que parciais e póstumos, representando uma construção teórica de densidade inegável. Jomini adotou a linha de criticar a integridade intelectual de Clausewitz, por um lado, e, principalmente, de confundir deliberadamente a assertiva principal de Da Guerra, por outro. Clausewitz abordava a questão erradamente, dizia Jomini. Errara ao não compreender a natureza da verdadeira teoria da guerra. Jomini afirmava que Clausewitz, correto ao afirmar que não podia haver um único arranjo universal abstrato para guerra, errava ao não alcançar que poderia haver uma contribuição como a de Jomini, que não era um “sistema” mas um elenco de “fundamentos”, de “princípios”, estes sim passíveis de universalidade.
Era um ardiloso jogo de palavras. Ao disseminar um entendimento restrito e enviesado da obra de Clausewitz, omitindo seus pontos principais quanto às diferenças entre a guerra em teoria e a guerra na prática, a natureza das forças morais e do atrito, o papel delimitador e controlador da política, Jomini contribuiu decisivamente para que Clausewitz não tivesse maiores repercussões durante a maior parte do século XIX.
A abordagem de Jomini era, porém, exatamente aquilo que ele negava. Apesar de construída a partir de princípios, seu objetivo explícito era o de uma prescrição da superioridade do verdadeiro “sistema” da arte militar. Todo saber necessário para a vitória podia ser encontrado em Napoleão, espelhando os princípios universais eternos; e estes podiam ser expressos em uma quantidade restrita de enunciações claras e simples, abarcadas pela obra de Jomini.
3.2.2- O PRÉCIS DE L’ART DE LA GUÈRRE (A FÓRMULA PARA A VITÓRIA)
A teoria jominiana era centrada em um conjunto restrito e limitado deaxiomas. Eram eles:
- A chave da guerra é a estratégia.
- A estratégia é controlada por princípios científicos universais.
Com isto em mente, Jomini procede a um exame histórico que o leva à seguinte conclusão geral: a vitória na guerra decorre de ação ofensiva que concentre forças contra o inimigo no ponto decisivo. Este era o centro, tudo o mais eram detalhes e corolários, formas e meios, proximidades ou distância dos princípios vencedores.
Para Jomini, isto era mais que suficiente para alcançar a vitória, ignorando assim as influências determinantes dos exércitos de massa, da transformação da artilharia e, principalmente, das práticas organizacionais e táticas que haviam feito de Napoleão e dos franceses vencedores em quase 20 anos de guerras e que, de resto, os haviam derrotado quando seus inimigos os emularam.
Jomini foi um dos primeiros a identificar a Estratégia, separando-a da grande tática e da tática. Estratégia dizia respeito ao processo de concentração da força em relação à totalidade dos meios de força disponíveis, na região e, depois, no ponto decisivo. Jomini transportou-a para o centro da reflexão e da prática militar. Neste processo, Jomini fez uma ampla interpretação da história das guerras, muito especialmente dos sucessos recentes nas guerras, reconstruindo-as como aplicações mais ou menos bem feitas de estratégia em acordo com seus princípios. Esta é a marca da linhagem jominiana de pensamento estratégico, retomada por Mahan: vasculhar a história para sustentar suas teses.
Jomini enxergava, na tradição do Renascimento, a arte militar como um contínuo, uma unidade principial que se estendia desde a origem dos tempos. O “princípio fundamental da guerra constante de todas as operações militares”, era apresentado por meio de quatro máximas, que revelavam a mecânica de uma manobra estratégica:
- “levar, por combinações estratégicas, o grosso das forças de um exército, sucessivamente, sobre os pontos decisivos de um teatro de guerra e, tanto quanto possível, sobre as linhas de comunicações do inimigo, sem comprometer as suas próprias;
- manobrar para engajar esse grosso das forças contra apenas frações do exército inimigo;
- na batalha, dirigir o grosso das forças sobre o ponto decisivo ou sobre a parte da linha inimiga que importa destruir;
- arranjar as coisas de tal modo que essas massas não estejam somente presentes sobre o ponto decisivo,
mas que sejam aí postas em ação no momento oportuno e com ampla energia.”
Alexandre, Cipião, César, Frederico e Napoleão eram uma lista de praticantes consistentes desse princípio. Era pela concentração de forças, pela ação ofensiva e pela sua aplicação na batalha decisiva que haviam construído suas vitórias. As peculiaridades táticas, logísticas e circunstanciais eram menos relevantes do que a aplicação de tal fórmula estratégica.
Assim, Napoleão, longe de representar uma ruptura, encarnava a continuidade. Se havia alguma novidade em Napoleão, esta residia na remoção do formalismo militar oitocentista, em que o empenho de forças e o engajamento eram limitados por convenções e usos reconhecidos tacitamente por todas as partes. Napoleão apenas restaurara a violência e o empenho com que os comandantes clássicos conduziam suas guerras. Ao expor para o mundo moderno a crueza de uma guerra como as da Antiguidade, Napoleão era, portanto, mais do que uma simples aplicação dos princípios; era sua própria revelação, límpida e cristalina. Desta forma, Jomini fazia do revolucionário Napoleão um restaurador, atendendo plenamente aos anseios conservadores de grande número de oficiais.
O método analítico de Jomini era a base de um sistema prescritivo, onde a exemplaridade do caso napoleônico era central. Organização e práticas administrativo-táticas napoleônicas eram o receituário auto-suficiente da vitória. A idéia da concentração da força nacional num análogo do Grande Armée era assim mais que uma materialização circunstancial e episódica: era a própria essência da vitória na guerra.
Com isso, Jomini descartava de suas análises uma das chaves das vitórias de Napoleão: a articulação do Grande Armée em Corpos-de-Exército, Divisões e Brigadas instruídos pela idéia sem precedente das armas combinadas. Jomini eliminava, assim, um dos elementos potencialmente mais incômodos da Revolução e de Napoleão: a possibilidade de que o mundo militar pudesse ou mesmo tivesse que ser reformulado. Ao reificar Napoleão como um novo e agora seguro patamar da arte bélica e como o resultado inexorável da aplicação dos princípios científicos aos princípios da guerra, Jomini acenava com uma tranqüilizante estabilidade. Uma estabilidade que permitiria a reconstrução de um mundo relativamente equilibrado, em que o status quo europeu poderia ser redesenhado (ou, mesmo, como o fora o mundo político pelo Congresso de Viena, restaurado), desde que todas as nações adotassem o modelo do sistema jominiano que era, afinal, o modelo de toda a História Militar do Ocidente.
A pretensão de Jomini, sua intenção declarada, era de que seu trabalho fosse o mapeamento científico da arte da guerra. Jomini afirmava enfaticamente não ser um historiador da guerra: afirmava que seu objeto era a arte da guerra, em seu nível mais essencial e elevado. Era conselheiro de príncipes e mestre de generais, não de coronéis e capitães. Sua meta era que, ao final, tivesse terminado a cientificização da arte da guerra, abrindo novos entendimentos e critérios sobre todo o panorama da história militar — presente, passada ou futura. Apesar desta intenção, porém, ao trabalhar primariamente com Napoleão, Jomini de fato mapeava o mundo bélico napoleônico e, indiretamente, o mundo bélico moderno. Foi, de fato, um trabalho monumental, apesar de suas inconsistências.
O conteúdo original de seus termos logo seria perdido, mas a estabilidade dos termos seria assegurada quando esta terminologia se transformasse, como se transformou, na própria linguagem da emergente profissão militar, agora indissociável do nacionalismo.
3.2.3- AS PARTES DA GUERRA
Progressivamente, Jomini deixava de ser um teórico e se transformava num classificador e dicionarista, mapeando o território virgem do mundo militar napoleônico, o explorador que fazia o primeiro mapa de uma região importante, mas pouco conhecida. Neste trabalho, pode-se dizer que Jomini foi bem sucedido, trazendo para o vocabulário militar termos que depois dele seriam amplamente utilizados, ainda que com sentidos inteiramente diferentes. Jomini repartiu a arte da guerra em seis partes principais:
1. Estratégia – “a arte de fazer a guerra sobre o mapa”, que compreendia:
a) definição do teatro de guerra e das diferentes combinações que este oferece;
b) a determinação dos pontos decisivos que resultam dessas combinações e indica a direção mais provável para as operações;
c) a escolha e o estabelecimento de base fixa e da zona de operações;
d) a determinação do ponto objetivo, seja ofensivo seja defensivo;
e) as frentes estratégicas, linhas de defesa e frentes de operações;
f) a escolha de linhas de operações que conduzem ao ponto-objetivo ou à frente estratégica;
g) para uma determinada operação, a melhor linha estratégica e as diferentes manobras necessárias, que considerem todos os casos possíveis;
h) as bases de operações eventuais e as reservas estratégicas;
i) as marchas dos exércitos consideradas como manobras;
j) as relações entre as posições de depósitos e marchas do exército;
k) as fortalezas consideradas como meios estratégicos, como refúgio para um exército ou como um obstáculo à sua progressão; os cercos a fazer e a cobrir;
l) os pontos para campos entrincheirados, as cabeças de ponte, etc;
m) as diversões a serem feitas e os grandes destacamentos necessários.”
2. Logística – “a arte de mover os exércitos”;
3. Grande Tática - "a arte de alocar tropas sobre o campo de batalha de acordo com os acidentes do terreno, levá-las ao ponto de contato, e à arte de lutar sobre o terreno, em distinção a planejar sobre o mapa";
4. Pequena Tática - "a tática...começa com detalhes, e ascende às combinações e generalizações necessárias à formatura e manejo de um grande exército";
5. Engenharia; e
6. A relação entre o estadista e a guerra.
Com o tempo, os termos permaneceram, mas seu conteúdo e as realidades a que se referiam se modificaram de maneira drástica. É possível ver-se nessa permanência o grau em que Jomini moldara a mentalidade militar de seu tempo: a continuação dos termos era expressão significativa da necessidade de afirmar que nada mudara, que os termos propostos refletiam realidades eternas, mesmo diante de mudanças substanciais nos entendimentos e práticas militares. Manifestações dessa mentalidade persistem inercialmente até os dias de hoje na tendência própria do mundo militar de resistir à necessidade de mudanças ou a de continuar utilizando termos consagrados para descrever realidades distintas.
O tempo se encarregaria de dar a alguns desses termos seu significado moderno, mas a marca jominiana estaria para sempre na geografia mental do mundo bélico. Apenas um exemplo: “logística”, para Jomini, era “a arte de mover os exércitos”. Era tudo o que dizia respeito ao processo e controle do movimento. No melhor estilo tradicional, eram as dificuldades do controle da marcha e das pausas, da coordenação do movimento da força (não da manobra) que formavam o centro da “logística”. Os problemas de abastecimento eram uma parte menor desta “logística”; Jomini desconsiderava as dificuldades de articulação de depósitos e forragem com a marcha e o fornecimento e distribuição dos suprimentos. De fato, logística, neste último sentido, não tinha lugar nas preocupações ou análises de Jomini.
3.2.4 - O MÉTODO DE JOMINI
A ofensiva, a identificação e a inflexível concentração da força contra o ponto decisivo eram o que realmente contava. Logística e tática eram questões resolvidas; recalculadas após Napoleão, mas dadas. Mesmo enquanto se focava no moderno, Jomini mantinha um pé firme no tradicional, buscando impor à novidade um arcabouço tradicional.
Como o linguajar militar tradicional estava em ruínas após as guerras napoleônicas, Jomini ocupou o vácuo. O Précis se transformou na chave da reconstrução do entendimento intelectual e logo, concretamente, internacional, da questão militar. Jomini foi amplamente traduzido e publicado, adaptado e parafraseado. Uma verdadeira escola, com Jomini no centro de uma ampla rede de acólitos, oferecia simplicidade e entendimento onde antes só parecia haver complexidade e confusão.
3.2.5 - O TEATRO DE OPERAÇÕES
O ponto de partida do método em Jomini era a questão das alternativas e formas da ofensiva, da concentração e da seleção do ponto decisivo. Jomini entendia que a região de combate — o teatro de operações — admitia uma modelagem na forma de um retângulo, com suas quatro linhas delimitatórias fundamentais — as fronteiras do teatro — cada uma das quais podia estar sob o controle de um ou de outro partido.
O controle destas fronteiras representava as alternativas de pontos de partida (bases de operações) das rotas de abastecimento e comunicação (linhas de comunicação) de cada lado. Quando um lado dominava três destas linhas limítrofes, tinha grande vantagem, pois podia ameaçar a linha de comunicação da força inimiga, interpondo-se entre a força e a base ou manobrando de tal forma a ameaçar essa linha, podendo contar com abastecimentos de três direções. Quando dominava as quatro, o inimigo estava vencido, isolado, pronto a ser submetido.
O ponto inicial do método era diagnosticar o balanço das bases de operação e tentar ganhar a vantagem de diversas linhas alternativas de comunicação. A boa escolha de teatros de operação era a identificação das regiões onde se tivesse esta vantagem. Por definição, uma força invasora estava na situação de desvantagem e uma defensora na posição de vantagem — já que esta naturalmente teria o controle de três linhas. Coligações de forças diferentes, dependentes de linhas de partida distintas, eram mais vulneráveis: a ameaça à linha de um removia-o da contenda, deixando o outro exposto. O mais comum era que cada lado controlasse um ou dois dos lados do retângulo. Aqui, Jomini mostrava-se devedor da abordagem geométrica que lhe antecedia, e que ele explicitamente recusava.
3.2.6 - AS LINHAS INTERIORES
Desse modelo emergia um dos mais fortes resultados teóricos de Jomini, a da vantagem das linhas interiores. Situada no centro do teatro, uma força tinha a capacidade de se movimentar mais rapidamente e dessa forma combater separadamente as partes em que se dividiam as forças inimigas que avançavam desde os lados do retângulo. Uma força, ainda que menos numerosa no total que a de seus inimigos, podia se mover desde o centro, atrasando o avanço de todas as forças inimigas, com a exceção de uma, contra que concentraria o máximo possível de força. Era a teorização da lógica do Grande Armée, integrada de forma explícita com as tradições matematizantes do século XVIII e erigida em princípio universal.
Nesta abordagem, os limites do mundo heróico a que Jomini se filiava se evidenciavam: supunham-se resolvidas as necessidades de provisionamento, de estruturas de comando e controle e de inteligência. A estrutura de um exército organizado em Corpos era o pressuposto oculto da funcionalidade e eficiência de qualquer decisão estratégica. Jomini omitia deliberadamente de seu exame campanhas como a de 1813, onde os aliados haviam explorado linhas externas contra o Imperador. Jomini preferia expor as manobras a partir de posições centrais (assumidas como sendo resultado de decisões deliberadas de Napoleão), como as contra Mack e Kutusov em Ulm, em 1805. Da mesma forma, Jomini se refugiava na abstração para não discutir a questão da forragem e dos limites de uso repetido do mesmo território. As “linhas de suprimento e comunicação” simplesmente existiam.


3.2.7 - O ISOLAMENTO ENTRE OS MUNDOS MILITAR E CIVIL
Com todo o peso de sua autoridade, Jomini se dedicou, na prática, a restabelecer o isolamento entre os mundos militar e civil, que as Revoluções Americana e Francesa haviam extinguido. Ele afirmava que o mundo militar científico, que ele inaugurava, assinalava o fim do amadorismo de governantes ou nobres no campo bélico, afirmando a profissionalização definitiva do oficialato militar. Os civis eram despreparados para a guerra porque ignorantes de seus princípios, incapazes da cultura militar histórica de onde extraí-los e que ensinava como aplicá-los. O mundo militar era um mundo à parte, sujeito às suas próprias leis, que nada tinham a ver com o mundo político. Começada a guerra, a ingerência de governantes só podia ser uma interferência danosa — como a dos dois Imperadores, em Austerlitz: bem-intencionados, mas incompetentes. Aquilo que ele entendia como ciência militar não era para amadores, embora amadores pudessem entendê-la e praticá-la caso se educassem em seus princípios. A guerra era importante demais para ser deixada ao sabor de sucessões ou eleições: era a província dos grandes comandantes e só deles. E Jomini apontava, sereno, para o leque de militares, inclusive o próprio Napoleão, e civis de todas as origens sociais e profissionais que haviam composto o Marechalato, contrastando-os com os desastrosos nobres austríacos, russos e prussianos.
Jomini estabeleceu as bases de sua ciência militar de diversas maneiras. Uma delas foi a descrição de quais seriam as condições essenciais para se fazer um exército perfeito, cuja continuidade no nosso tempo foi limitada; outra foi o conceito de Princípios de Guerra, o que permaneceu válido como idéia, admitindo, tais princípios, em si, várias formulações anteriores e posteriores a Jomini, além de uma de sua própria autoria.
3.2.8 - AS CONDIÇÕES PARA O EXÉRCITO PERFEITO
O exército perfeito atenderia às seguintes condições:
1) um bom sistema de recrutamento;
2) uma boa organização;
3) sistema de reservas nacionais bem organizado;
4) bom adestramento de oficiais e pessoal subalterno na disciplina física dos exercícios militares, nos serviços internos (administrativos etc.), bem como nos de campanha (acampamentos etc.);
5) disciplina estrita e espírito de subordinação e responsabilidade, nascidos da convicção;
6) um sistema de recompensas adequado;
7) engenharia e artilharia bem instruídas;
8) armamento superior, se possível, ao do inimigo;
9) Estado-Maior Geral capaz de aplicar os meios disponíveis e dotado de uma organização planejada para melhorar a formação dos oficiais;
10) bons sistemas de apoio;
11) bom sistema de alocar comandantes e de dirigir as principais operações da guerra;
12) estimular e manter o espírito militar do povo.
Aqui se tem um exemplo do melhor e do pior em Jomini. Ao formular de forma abrangente e vaga os requisitos do exército perfeito (“bom”, “bem”, “se possível”), Jomini delegava a seus leitores o juízo das qualidades de suas próprias forças. Evitava discordar de quem quer que fosse, pois, se os oficiais de um determinado país considerassem adequado o seu sistema de apoio (condição nº 10), estavam autorizados a se sentir apoiados por Jomini; se o considerassem inadequado e quisessem propor modificações, estavam igualmente apoiados. Ao optar, no Précis, por expressões qualitativas, Jomini se exime da responsabilidade pelas conseqüências de suas recomendações, abandona sua meta prescritiva e se coloca numa posição invulnerável à crítica. Se um exército perdesse para outro, sempre se poderia dizer que seus atributos não eram “bons” ou “adequados”; se vencesse, estava comprovada a correção e adequação de seus arranjos. No fundo — e este é um dos motivos pelos quais esta lista de Jomini não é mais usada —, Jomini se omitia com relação a quais seriam, de fato, as condições do exército perfeito e, muito particularmente, como se avaliar e manter tais condições num exército que se quisesse perfeito.
3.2.9 - OS PRINCÍPIOS DE GUERRA
A convicção de Jomini de que havia cientificizado a arte da guerra fez com que ele produzisse uma lista de princípios da guerra, de validade universal. Neste sentido, Jomini fazia uma ponte consciente entre a tradição ocidental da formulação de princípios, típica da literatura memorialista, e a produção de leis naturais que caracterizou o início do edifício científico ocidental. Esta dualidade servia ao propósito de propor regras cuja validade pretendida era a de leis naturais invariantes, mas cuja aplicação estava sujeita ao fato de serem vagas e até à contradição no atendimento a esses princípios. Jomini não utilizava a forma resumida da atualidade para expressar seus princípios; descrevia-os como máximas, em breves parágrafos, circunscrevendo o que denominava de o “princípio fundamental da guerra”. A primeira destas máximas recomendava “arremessar por movimentos estratégicos a massa de um exército, sucessivamente, sobre os pontos decisivos de um teatro de guerra e também sobre as comunicações do inimigo, tanto quanto possível, sem pôr em risco as suas próprias linhas de comunicação”. A segunda máxima determinava “manobrar de maneira a engajar partes do exército inimigo com o grosso de nossas forças”. A terceira máxima comandava “lançar, no campo de batalha, a massa das forças sobre o ponto decisivo, ou sobre aquela porção da linha inimiga que era mais importante atacar”. A quarta máxima aconselhava “arranjar que as massas não apenas fossem lançadas sobre o ponto decisivo, mas que o fizessem em tempo adequado e com energia”.
Para Jomini, a simplicidade da verdade que trazia convidaria críticas, dentre as quais ele antecipava a da dificuldade de identificar o ponto decisivo. Isto, porém, era objeto de outras considerações e Jomini informava que aqueles “estudantes que, tendo considerado com atenção o que se afirmou, ainda considerem a determinação dos pontos como um problema sem solução, podem muito bem abandonar qualquer pretensão de virem a entender de estratégia”. Para Jomini, as questões decorrentes da aplicação do princípio fundamental eram extraordinariamente simples: num teatro de guerra, numa batalha ou nas subdivisões de uma batalha, só havia realmente três direções a escolher. São elas: a esquerda, a direita e o centro e seria muito simples decidir entre elas. “A seleção dentre estas três simples alternativas não pode, certamente, ser considerada um enigma. A arte de direcionar corretamente as massas é certamente a base da estratégia, ainda que não o seja de toda a arte da guerra”. Note-se a dificuldade de dar substância prática a esta enunciação teórica, e a facilidade com que se podem extrair do princípio fundamental de Jomini as mais diferentes leituras.

Os princípios da guerra
A ambição de que o mundo caótico da guerra pudesse ser capturado num conjunto de regras simples que assegurassem a vitória — os princípios da guerra — tem sido uma quimera desde os tempos clássicos. Com efeito, a complexidade das operações militares, das realidades políticas que permeiam as guerras, do ambiente decisional em que os comandantes se vêem envolvidos, a imprevisibilidade intrínseca da ação do inimigo, o balanço das forças morais, tudo isto contribui para solapar a idéia — e a viabilidade — de que regras simples e invariáveis pudessem dar conta do conjunto de riscos e opções difíceis com que qualquer comandante está freqüentemente sendo confrontado. A pretensão de que fosse possível realizar uma ciência da vitória seduziu diversos autores — mas não todos, sendo a exceção mais ilustre o próprio Clausewitz —, levando a que buscassem extrair do passado tais regras e princípios; o malogro dos sistemas baseados em princípios depõe fortemente contra um entendimento dogmático ou mesmo falsamente pragmático de sua validade.
Apesar disto, há quem considere que o conhecimento de uma lista de princípios da guerra pode ser útil para chamar a atenção sobre eventuais riscos que um comandante decide aceitar quando de qualquer iniciativa concreta durante uma guerra ou uma batalha. Não se trataria, para estes autores, de princípios capazes de proscrever iniciativas, invalidando-as quando porventura violem um ou mais dos princípios da guerra — de fato, os grandes comandantes se fizeram grandes por violarem, com sucesso, com consciência, os princípios, agindo de maneira inesperada pelo inimigo ou maximizando os efeitos de suas ações pela aceitação de riscos.
Entretanto, salientam estes autores, exatamente a consciência da violação de um determinado princípio pode ser útil para instruir as precauções de um comandante, clarificando as vulnerabilidades e riscos de sua decisão.
A enunciação dos princípios da guerra tem variado de país para país, de tempos em tempos e de autor para autor. Há os que afirmam que só há um princípio, do qual decorrem todos os demais; para alguns, a concentração de forças; para outros, a surpresa. Há os que identificam aproximadamente uma dúzia de princípios, incluindo basicamente: Objetivo, Iniciativa, Mobilidade, Surpresa, Segurança, Superioridade, Economia de forças, Simplicidade, Unidade de ação, Flexibilidade, Exploração, Prontidão e Moral.
Há ainda princípios que só foram afirmados por um dado país, num determinado momento, reflexo de suas experiências, como o princípio da aniquilação, de origem soviética, ou o princípio da multiplicidade de linhas de ação, de origem chinesa.


3.2.10 A RESTAURAÇÃO DA MODERAÇÃO DA GUERRA
Jomini tinha um projeto evidente: o de restaurar a moderação da guerra, tão bem estabelecida no século XVIII e tão profundamente alterada pelas Revoluções Americana e Francesa. Neste sentido, para além de suas simplificações, reducionismos e desejos de popularidade, a obra de Jomini tinha um apelo irresistível ao seu tempo. O Précis prometia restaurar a etiqueta nos assuntos internacionais e militares que a Revolução Francesa e Napoleão haviam destruído. Assim, não por acaso, lado a lado com Napoleão, Frederico, o Grande, ocupava um lugar de destaque no centro da exemplaridade jominiana.
Onde Napoleão era perdulário, Frederico era parcimonioso; onde Napoleão era arrojado, Frederico era ponderado. Napoleão era o mestre da eficácia e da radicalidade, mas Frederico era o exemplo complementar da eficiência e da medida.
Este desejo de um reenquadramento conjunto de Napoleão e Frederico se revelaria o ponto mais frágil de Jomini. O progresso técnico e a radicalização das tendências pós-napoleônicas de poder de fogo, movimento, comunicação e mobilização nacional, que apontavam para uma guerra totalmente incivilizada e radical, não lhe interessavam nem se encaixavam em seus modelos.
3.2.11 – A SUPERIORIDADE DOS PRECEITOS DA GUERRA SOBRE AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
Guerra era o que Napoleão fizera: as novidades não autorizadas da ferrovia e do fuzil, da artilharia de granadas explosivas e tiro rápido, do telégrafo e do sistema de reservas — introduzidas ainda durante a vida de Jomini — eram ou aberrações ou irrelevantes, que se neutralizariam mutuamente e não resistiriam a um verdadeiro chefe militar à testa de um exército perfeito. A glória das batalhas e a estratégia dos comandantes eram o centro da guerra, como Jomini afirmava que sempre haviam sido. Não havia necessidade e seria mesmo danoso caso se quisesse desviar da senda segura aberta pelo Imperador. Que novos armamentos fossem absorvidos, mas sem mudança nos preceitos sólidos da tática e grande tática napoleônica, da qual ele se dizia o verdadeiro intérprete.
3.2.12 - JOMINI E A PROFISSIONALIZAÇÃO MILITAR
Este mundo simples, glorioso, estático, “científico” se encaixou como uma luva nas emergentes concepções de profissionalização militar da seguinte maneira: havia um intenso movimento de formação para a guerra; o exemplo e o efeito das escolas militares francesas, que haviam formado o oficialato napoleônico, baseadas no mérito e não no status, não haviam passado despercebidos aos demais países da Europa. Escolas militares nacionais surgiram em todos os países. Essas escolas encontraram em Jomini uma base sólida e sistemática, de aparência científica, sobre a qual puderam realizar a difícil passagem entre as tradições do século XVIII, restauradas pela vitória dos aliados sobre Napoleão, e a necessidade evidente de dar conta da novidade napoleônica. A nomenclatura jominiana se revelou a peça-chave da reconstrução da profissão militar pós-napoleônica, delimitando as armas, esclarecendo os relacionamentos, definindo as instâncias de especialização e decisão dentro da instituição militar.
Porém, enquanto os ecos de Jomini se cristalizavam nas estruturas militares novecentistas, um outro caminho estava sendo trilhado. Na obra de Clausewitz, publicada postumamente, a revolução de Napoleão era retomada segundo uma outra ótica.




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#125 Mensagem por Marino » Dom Fev 10, 2008 4:29 pm

Já posso continuar?
Ficou claro que os chamados Princípios de Guerra nada mais eram do que uma receita de bolo que ensinavam como ganhar uma guerra?
Quem perdesse era pq não os aplicou (junto com os demais ensinamentos de Jomini).
Se ganhou, é pq os aplicou corretamente.
Esta era a lógica jominiana.




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#126 Mensagem por Marino » Dom Fev 10, 2008 4:37 pm

Outra coisa sobre Jomini:
O que não foi superado por Napoleão simplesmente não existia.
Exemplo: a guerrilha espanhola contra as forças francesas. O exército francês nunca venceu a guerrilha. Então Jomini nunca tratou em seus escritos sobre este tema. Não se podia vencer uma guerrilha.




"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco
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#127 Mensagem por Marino » Dom Fev 10, 2008 8:30 pm

Já que ninguem apresentou nenhum questionamento, vamos em frente.
Agora vou tratar de apresentar O Mestre: Clausewitz.
Muito se fala, muito se cita Clausewitz, mas poucos se aventuram a ler seus escritos, pesados, filosóficos, não indicados para iniciantes.
O que posto abaixo é mais uma interpretação, como centenas de outras, mas é a que usamos na MB.
Ela não isenta o interessado em Estratégia em procurar o original.
Depois de postá-la devo estacionar um bom tempo, esperando comentários, pois muito se pode extrair desta leitura, e depois começar a parte "naval" do Pensamento Estratégico.
Chamo atenção para as diferenças entre Clausewitz e Jomini, a começar pela utilização de uma metodologia científica pelo primeiro.
Também a busca de uma Teoria da Guerra, o estudo do fenômeno Guerra, e não como vencê-la com receitas.
Boa leitura.

===============================================

CLAUSEWITZ
3.3.1 – CLAUSEWITZ E A TEORIA DA GUERRA
O contraste entre as vidas de Jomini e Clausewitz é profundo. Carl von Clausewitz nascera em 1780 na pequena nobreza alemã, sólido membro do establishment militar prussiano. Posteriormente, filiou-se a uma emergente tradição de ilustração militar e foi membro destacado, junto com Scharnhorst e Gneisenau, de um dos diversos movimentos da reforma militar prussiana. Participou da guerra contra a França aos 12 anos (1792), tendo contato direto com o novo exército francês.

O Estado-Maior
Para dar conta do gênio de Napoleão, os reformadores prussianos metamorfosearam a equipe de assessoria e acompanhantes do comandante numa instituição que, pela divisão coordenada do trabalho intelectual de préparação e gestão da guerra, pudesse agregar os esforços de muitos e igualar o desempenho extra-ordinário do “grande Corso”. Neste processo, na feliz expressão de Trevor N. Dupuy, institucionalizaram o gênio militar: o Estado-Maior passou a ser uma verdadeira instituição nacional, que dava continuidade e aperfeiçoamento ao saber e à estrutura militar de um Estado.
Por um lado, permitia o processo de organização militar de forma racional, informada tanto pela dinâmica técnica quanto pelas necessidades e possibilidades políticas. Por outro, aperfeiçoava e disseminava o processo de condução das guerras de forma racional, informada tanto pela correta atribuição de responsabilidades aos escalões decisórios quanto pela criação e sustentação de uma cultura organizacional militar orientada para a busca solidária da vitória.
Os resultados que a organização de um estado-maior franqueava a um Estado eram de tal ordem que a posse desta estrutura se tornou obrigatória a qualquer país que desejasse conduzir uma guerra moderna. Assim, os elementos do Grande Estado-Maior Prussiano, que era um órgão de Estado que perpassava e controlava toda a instituição militar terrestre, foram emulados e adaptados numa variedade de arranjos nacionais, admitindo variações consideráveis no entendimento que cada país, cada exército e cada marinha tinham do que era ou não era objeto de sua competência. Pode-se argumentar que nenhum exército jamais conseguiu o grau de organicidade e poder militar que o Grande Estado-Maior emprestou às tropas prussianas; pode-se, da mesma forma, afirmar que este sucesso roubou à Alemanha a possibilidade de um estado-maior combinado, capaz de articular todas as suas ações na guerra.


Clausewitz era parte de um conjunto de oficiais que buscava no iluminismo e na educação a atualização do poderio militar prussiano, suspeitando dos efeitos debilitadores da formalização de tradição frederiquiana. Vivia entre generais intelectuais, escritores e leitores de história e teoria, como Yorck e os já mencionados Scharnhorst e Gneisenau. Entre suas obrigações estivera a de ser o mestre-escola militar do neto de Frederico, o Grande, filho do desafortunado Frederico Guilherme III, rei da Prússia quando da fragorosa derrota militar prussiana frente aos franceses e Napoleão na batalha dupla de Jena-Auerstadt, em 1806, em que foi feito prisioneiro.
Clausewitz rebelou-se contra a rendição da Prússia e, em seguida, abandonou sua patente no exército prussiano para servir ao Czar da Rússia contra Napoleão, tendo tido papel relevante na resistência russa ao sítio francês do porto de Riga. Retornou à Prússia e à sua carreira militar para participar da reestruturação e rearmamento secreto do Exército Prussiano, servindo como oficial do staff de Scharnhorst nas campanhas de 1814 e 1815. Clausewitz permaneceu por longo tempo em Berlim, como diretor (à época, um cargo administrativo) da Academia de Guerra Prussiana, a inédita Kriegsakademie, a primeira escola de estado-maior do mundo. Foi designado Chefe do Estado-Maior da mobilização prussiana de 1831, sendo vitimado pela epidemia de cólera daquele ano, falecendo aos 51 anos de idade, no posto de general. Sua viúva, Marie von Clausewitz, organizou e fez publicar, em 1832, seu livro Da Guerra, cujos 150 exemplares só se esgotaram trinta anos depois.
Clausewitz não escrevia para ninguém, se não para si mesmo. Os textos que utilizou para educar o soberano eram apenas uma pequena parte de volumosos trabalhos, ensaios, estudos e notas: um enorme acervo, muitas vezes sem datas ou referências, que acumulava e relia e melhorava, buscando principalmente o seu próprio entendimento.
A complexidade e carência de revisão da obra de Clausewitz induziram muitas e distintas interpretações de difícil solução em função da morte prematura de seu autor. O século XIX não conheceu outros escritos seus além de Da Guerra, cujas primeiras traduções eram simplesmente sofríveis. Sucessivas interpretações nasceram da publicação e divulgação de suas notas e da atualização do texto do Da Guerra, muitas das quais só vieram a público tão tardiamente quanto 1937. O trabalho mistificador de Jomini fez com que Clausewitz se tornasse um autor pouco lido, embora muito citado, mercê de edições parciais, resumos ou simples coleções de frases cujo objetivo era facilitar o entendimento de uma obra difícil, mas que acabaram por comprometer seu conteúdo.
A reputação do Da Guerra resulta de seu valor inegável. Clausewitz é o autor de um grande livro sobre a guerra; talvez, mesmo, o único verdadeiramente grande livro sobre o tema. É extraordinário perceber-se que suas reflexões ainda têm valor um século e meio depois de sua publicação. Clausewitz se confrontara com a complexidade intrínseca do fenômeno bélico, subitamente exposta pelas campanhas napoleônicas. Ao reunir em si mesmo a vivência direta e uma forte tradição intelectual, construiu uma sólida teoria da guerra. Até hoje, nenhuma obra já escrita sobre a guerra pode lhe ser comparada. Nunca antes a busca pelo entendimento pautara de forma tão clara um estudo sobre o bélico.
Ao excluírem as diversas ponderações e qualificações que Clausewitz fazia em suas reflexões, os aforismas construídos supostamente com base em interpretações dos escritos clausewitzianos eram uma leitura mais facilmente assimilável para um mundo habituado aos “princípios claros e simples” de Jomini. Ganharam grande popularidade, mas a obra propriamente dita foi praticamente abandonada. Assim, após a humilhante vitória prussiana do final do século XIX contra a França, a assertiva do triunfante von Moltke, em 1871, de que tudo que sabia de guerra tinha aprendido com Clausewitz, foi recebida como a revelação de um segredo. Uma febre de Clausewitz se espalhou pela Europa e pelo mundo. Clausewitz era difícil de ser entendido, ainda mais em contraste como a simplicidade instrumental de Jomini. Isto levou a que se tentasse uma reconstrução do arcabouço jominiano a partir de uma suposta compatibilidade entre a sua obra e a de Clausewitz.
Assim Clausewitz não pertence, realmente, ao mundo do século XIX, pois só em suas últimas décadas sua leitura ganhou algum espaço. Apenas em inícios do século XX é que começou a ser tomado pelo que era: a primeira tentativa rigorosa de uma teoria da guerra.
Em franco contraste com Jomini, Clausewitz não manteve suas convicções da juventude ao longo de toda vida; manteve, antes, suas questões, o que fez com que Da Guerra estivesse sendo revisto quando sua morte era talvez inevitável. Desde o início do século XIX, Clausewitz trabalhava e retrabalhava, refazendo seu trabalho quando percebia que suas idéias não eram respaldadas por seus estudos. Os leitores que se dirigiram a Clausewitz se confrontaram com um trabalho incompleto, cuja revisão final fora apenas indicada na nota em que Clausewitz orientava a interpretação das partes não revisadas de Da Guerra.
Clausewitz iniciara suas buscas sob o impacto dos traumáticos anos de 1792-1815, sob o peso da derrota prussiana de 1806, sob o impacto da capacidade individual de Napoleão de transfigurar o mundo militar e transtornar o mundo político em meia dúzia de campanhas. Ansiava por respostas: o que era a teoria militar? O que ela podia ensinar? Como pudera Napoleão fazer o que fizera? Isto seria feito de novo?
Na busca dessas respostas, Clausewitz se revelaria rigoroso, cuidadoso e aberto. Mais que a influência do século XVIII, Clausewitz foi moldado pelo ambiente berlinense da ressurgência intelectual romântica alemã do início do século XIX — onde as idéias de Kant, Hegel, Goethe, entre outros, tinham livre curso. Clausewitz buscava ferramentas úteis em todos os campos, sem a pretensão de igualar a densidade que estes conhecimentos tinham em suas obras de origem.
A conexão com o mundo material era importante, mas secundária. Dependia de infinitas variações de circunstâncias, de arranjos de todo tipo. Cada momento, cada era, tinha seus próprios requisitos e exigências. Não admitiam uma ponderação genérica, mas um aprendizado com a História, como tantas outras atividades humanas. Havia que observar, estudar, refletir e estabelecer os melhores arranjos possíveis — os mais eficazes, em seguida os mais eficientes. Só se podia aprender e acumular experiência. Havia, sem dúvida, a possibilidade do uso de dispositivos e ferramentas teóricas nestes campos, mas que não eram bélicos em si mesmos. A matemática, a administração, a engenharia, todas tinham seu valor. Neste sentido, até o combate, o uso de armas, de formações, a construção de pontes eram conhecimentos passíveis de uma teorização benéfica. Mas esta mesma percepção deixava claro que se estabelecia uma hierarquia gradativa da utilidade de tais subteorias, mais úteis próximas às bases materiais e praticamente inúteis no topo da preocupação militar, na formulação de estratégias.
Esta busca por ferramentas úteis seria fonte infinita de complicação para seus intérpretes. Clausewitz passaria por ciclos de interpretações, algumas simplesmente oportunistas, outras mais filosóficas, onde sua obra seria vista como o desejo por uma filosofia da guerra, uma forma platônica pura da guerra; outras leituras seriam políticas, onde o mundo seria reduzido a uma dinâmica de poder e enfrentamento, a Realpolitik despida de valores; ou outras ainda históricas, em que o processo de depuração moral e física da guerra seria a mola mestra do progresso. Aos poucos se descobririam nas linhas das notas a negação explícita do que as leituras viam implícitas nas entrelinhas de seus escritos. Clausewitz tinha uma meta mais modesta: entender a guerra.
3.3.2 - BASES CONCEITUAIS DO PENSAMENTO DE CLAUSEWITZ
Clausewitz alicerçou sua teoria a partir de uma reflexão abstrata sobre o absoluto da violência da guerra. Este processo o havia levado, por volta de 1820, à idéia de que a guerra era violência absoluta, sem limites. Foi quando se dedicou à produção e revisão de uma série de estudos históricos e se confrontou com o fato de que a violência absoluta, que sua teoria inicial propugnava, inexistia. As guerras, se lhe diziam algo, era que a violência fora sempre controlada, diminuída, limitada. Com grande coragem intelectual, Clausewitz se debruçou sobre as limitações de suas idéias, reavaliando-as a partir de um confronto entre elas e os fatos revelados por seus estudos; não se voltou contra os fatos — aceitou-os.
Clausewitz exigia rigor de sua construção. Uma verdadeira teoria teria que se emancipar de tudo que fosse circunstancial. Quaisquer considerações sobre detalhes, armamentos ou chefias e estruturas hierárquicas eram inúteis, porque excessivamente vulneráveis à mudança. Clausewitz buscava relações, vínculos permanentes. Ainda que seu foco viesse a ser o do estudo das guerras napoleônicas, sua ambição era a da investigação de uma teoria geral, se tal coisa fosse possível. Diante da onipresença de limites no que deveria ser ilimitado — limites à violência da guerra, Clausewitz realizou uma profunda revisão de seu ponto de partida. Em seus últimos escritos, que, vale a pena reiterar, careciam de uma revisão final e foram publicados postumamente por sua viúva, acreditava ter chegado a uma quantidade necessária e suficiente de axiomas:
• O desdobramento lógico do conceito da guerra (“um ato de força destinado a dobrar o inimigo à nossa vontade”) não admitia qualquer moderação e levava a um extremo de violência, a guerra absoluta;
• As guerras, na prática, eram limitadas ou ilimitadas, jamais absolutas;
Isto se devia à assimetria entre ataque e defesa; às dificuldades intrínsecas de qualquer ação na guerra: o somatório de dúvida, desgaste, cansaço, medo, erros e acidentes, a fricção que qualquer ação militar enfrentava. A partir destes fatores limitadores, tornava-se necessário que a política retomasse o controle da guerra em todo o seu desenrolar, tornando-as limitadas ou ilimitadas, jamais absolutas;
• A guerra era instrumento da política e não tinha sentido fora do mundo político.
Foi com estas bases que Clausewitz se propunha a rescrever sua obra. Nunca a terminou. Apenas considerava definitivamente pronto o primeiro capítulo. E Clausewitz pretendia, com certeza, uma revisão completa do todo antes de qualquer divulgação, onde diversas notas soltas teriam encontrado lugar. Com tudo isto, produziu a primeira e talvez mais penetrante análise da guerra como fenômeno sócio-político-bélico.
3.3.3 - AS SOMBRAS DO DA GUERRA NO SÉCULO XIX PELOS OLHOS DO SÉCULO XX
A complexidade e a profundidade dos escritos de Clausewitz desafiam uma síntese completa. Ao contrário de Jomini, em Clausewitz não se pode encontrar um sistema geral simples e claro, de fácil entendimento e aplicação. Clausewitz não pode ser lido e posto de lado - coloca em pauta relacionamentos e fundamentos, não definições de termos ou regras de imediata aplicação. Clausewitz não buscava restaurar, mas aprender. Ao se debruçar sobre o seu tempo, fez o primeiro diagnóstico sistemático do mundo bélico moderno e identificou os pilares do bélico sobre os quais nos apoiamos. Acima de tudo, como dizia o próprio Clausewitz, sua obra ainda não estava em sua forma definitiva; necessitava de uma extensa revisão. De fato, ainda mais que Jomini, Clausewitz foi reescrito e pretensamente sintetizado por autores que viam em sua obra o que queriam, estivesse lá ou não. Assim, o que se segue é, necessariamente, um entendimento sobre uma obra que é de difícil compreensão e que reflete uma leitura moderna de Clausewitz, apoiada em intérpretes rigorosos e sistemáticos do final do século XX.
O que o Da Guerra faz é aparentemente muito simples. O texto dá continuidade à reflexão militar ocidental aceitando a novidade político-sócio-bélica resultante das Revoluções Americana e Francesa, cuja forma final foi dada por Napoleão. Absorvia as tendências racionalistas e formalizantes do final do século XVIII — como a geometria bélica de von Bülow e os diagramas militares de Lloyd, mas as subordinava às percepções humanistas, sistemáticas, intensamente emocionais, intelectualmente densas, vibrantes e nacionalistas do romantismo alemão.
O Da Guerra não tolerava a idéia de uma guerra estanque, desvinculada do restante da vida política e social, regida por etiquetas militares. Ao contrário, reconhecia-a como claramente inserida num mundo complexo, dinâmico, difuso, e profundamente marcado por uma quantidade inesgotável de ligações e relações, principalmente políticas. É impossível lhe fazer justiça sem um espaço muito mais amplo do que o que se dispõe aqui — literalmente, só se lhe faz justiça lendo o próprio Da Guerra e seus melhores intérpretes. Trata-se aqui antes de um convite à leitura, adequado a um Guia, mas não de um resumo que substitua o contato com a própria obra.
A literatura dos estudos estratégicos tem criticado enfaticamente a forma parcial, fragmentária e oportunista pela qual Clausewitz foi (e ainda é) lido. Esses estudiosos mostraram que sua obra foi objeto de apropriações, inferências e edições muitas vezes completamente incompatíveis com suas bases e assertivas. Muito de Jomini foi justaposto a Clausewitz, sem que se levasse em conta as profundas divergências entre os dois autores e suas obras.
Não se pretende, neste Guia, fazer uma revisão completa do trabalho de Clausewitz em si, nem de suas sucessivas interpretações, mas antes, trazer os pontos pelos quais se tomar a sua obra, contrastando-a com a de Jomini e sua herança. Com isto, busca-se informar sobre a vertente clausewitziana que orienta a linhagem predominante do pensamento estratégico contemporâneo.
Ao contrário do que muitos intérpretes afirmaram, Clausewitz não é um filósofo da guerra, tanto em um sentido estrito quanto em um mais popular do termo. Clausewitz é o teórico da guerra. Talvez se possa atribuir a caracterização errônea de Clausewitz como filósofo a um reconhecimento de uma profundidade em seu trabalho que transcendia as necessidades muito práticas de boa parte de seu público; ou, talvez, a uma tentativa de enquadrar sua obra e pô-la lado a lado com outras de caráter prescritivo — como manuais, por exemplo; ou mesmo ao desejo, nem sempre consciente, de se livrar do desafio de uma interpretação consistente, exilando o Da Guerra a um plano abstrato.
Como teórico, Clausewitz e o Da Guerra se inserem na grande tradição das obras fundadoras de campos inteiros do conhecimento científico moderno, podendo ser comparado, tanto em rigor quanto em profundidade, aos máximos gênios dessa tradição, como Thomas Hobbes em O Leviatã, Newton nos Principia Mathematica Philosophiae Naturalis, Marx em O Capital, Darwin em A origem das espécies ou Freud no conjunto de sua obra sobre a Psicanálise.
3.3.4 - A TEORIA CLAUSEWITZIANA DA GUERRA
Como aqueles gigantes da ciência, Clausewitz começa seu estudo definindo conceitualmente o objeto central: para ele, “A guerra é ... um ato de força para compelir nosso inimigo a fazer a nossa vontade”. A violência (força) é portanto um meio da guerra; impor nossa vontade ao inimigo é seu propósito. Para garantir tal propósito é necessário deixar o inimigo impotente, e este é o objetivo da guerra. Observa-se uma distinção clara entre o propósito político (impor nossa vontade) e o objetivo da guerra (deixar o inimigo impotente).
As conseqüências teóricas desse conceito são aquilo que ele chama de “as três interações” que levariam necessariamente a um exercício extremo de violência:
• um lado que use a força sem constrangimentos ganha vantagem sobre o outro, que é obrigado a imitá-lo.
O lado que exercer violência de forma mais imoderada tenderá a ser capaz de infligir mais danos ao inimigo; por força desse fato, este inimigo terá ou que reagir no mesmo grau de violência, abandonando suas perspectivas e mecanismos de moderação, ou aceitar uma luta desigual, uma assimetria de vantagens e desvantagens, a partir de que sua derrota é mais provável.
• o objetivo da guerra, para ambos os lados, é desarmar o inimigo;
Dado que a guerra é um ato de força, a melhor maneira de garantir o sucesso na guerra e a sua permanência é simplesmente destruir a capacidade do inimigo de seguir combatendo, isto é, privá-lo de suas armas. Uma vez que ambos os lados podiam antecipar essa tendência, ambos tenderiam a usar o máximo de força necessário para privar o quanto antes o inimigo dessa capacidade, o que, outra vez, implicaria uma ascensão a um extremo de força e violência na guerra.
• a guerra demanda, para ambos os lados, o máximo dispêndio de todos os meios disponíveis e de toda a força de sua vontade.
Dados os riscos e conseqüências de se ver desarmado, cada um dos lados agiria de maneira a evitar esse risco a todo e qualquer custo. A guerra atingiria, então, um máximo de violência que seria melhor descrito como absoluto. Ou seja, para Clausewitz, o próprio fato de que a guerra era um ato de força determinava, em função do efeito que produzia no inimigo e que sua reação produzia em nós, as três tendências acima, que logicamente determinavam um exercício imoderado e simultâneo do máximo de força disponível em qualquer sociedade.
Entretanto, Clausewitz se deparou com um fato inescapável que seus estudos históricos mostravam: as guerras nunca haviam sido espasmos de violência absoluta. Ao contrário, as guerras sempre terminavam antes que se atingissem os extremos de violência que o conceito exigia. Para ele, as guerras históricas:
- nunca eram um ato isolado de pura força;
- nunca consistiam em um único espasmo de extrema violência; e
- seu resultado nunca era final, pois tendiam a terminar antes do desarmamento total de um dos lados.
Era preciso não descartar esses fatos, e sim esclarecer os motivos pelos quais a guerra na prática era tão diferente do que o desdobramento lógico de seu conceito exigia. Aqui reside a força teórica de Clausewitz: em estabelecer o conceito, confrontá-lo com a realidade, e incorporar teoricamente as diferenças entre o conceito e a realidade. De fato, uma boa teoria não é simplesmente o desdobramento de um conceito, mas a análise de um fenômeno.
3.3.5 - O MÉTODO CIENTÍFICO USADO POR CLAUSEWITZ
Assim, transparece aquilo que é o método científico clausewitziano: definir um conceito; extrair dele todas as suas conseqüências lógicas; verificar se e como essas conseqüências lógicas são respaldadas pela realidade, tomando a realidade como critério de validade; incorporar as diferenças com a realidade à formulação teórica, agregando ao conceito puro todas as determinações que a realidade impõe. O vigor desse método diferencia a obra de Clausewitz e sua descendência de todas as demais, incorporando em si mesma e oferecendo um critério poderoso de validação e crítica, não só de sua própria obra, mas de quaisquer outras no campo dos estudos da guerra.
É por realizar essa passagem que Clausewitz se insere decisivamente na moldura intelectual do grande cientista, afastando-se inapelavelmente do terreno da filosofia e da tradição memorialista ou propositiva que caracterizava os textos sobre assuntos militares até então.
Num certo sentido, pode-se dizer que a teoria da guerra exposta em Da Guerra é a melhor resposta para o paradoxo da diferença entre a guerra como conceito e a guerra como história. Ao expor suas reflexões, Clausewitz vai refinando seu entendimento de por que é que as guerras não atingem os extremos de violência; nesse processo, produziu-se a mais completa investigação sobre o fenômeno bélico de que se tem notícia.


3.3.6 - FATORES QUE MODERAM A VIOLÊNCIA DA GUERRA
Por que é que a guerra nunca atinge os extremos de violência conceituais? A resposta é decorrente de uma série de fatores identificados por Clausewitz, a saber:
3.3.6.1 - A guerra é a continuação da política por outros meios (especificamente, os meios de força)
Clausewitz lembra que, em função mesmo de seu conceito, a guerra não pode ser separada de seu propósito político, ou seja, a “nossa vontade” que se quer que o inimigo cumpra. Essa vontade transcende as organizações militares, alojando-se no processo do interrelacionamento político das diversas sociedades. Nesse sentido, há uma continuidade lógica entre política e guerra, já que esta última é apenas uma das formas pelas quais equacionar os interesses conflitantes entre os Estados, interesses que são a matéria tanto de uma quanto de outra. Por essa razão é que se pode dizer que a guerra pertence ao domínio da política, sendo, nas palavras de Clausewitz, “uma continuação do intercurso político por meio da força”.
Um dos motivos que impede a ascensão aos extremos na guerra é o fato de que o propósito que leva à guerra nunca é o único propósito político de um Estado — por mais importante ou vital que este propósito seja. Assim, o tempo todo, os custos e riscos da continuidade da guerra, a necessidade de continuação de outras atividades que não a guerra, a probabilidade de que outros objetivos sejam ameaçados por uma excessiva debilitação, tudo isto leva os governantes a não empregarem a totalidade de suas forças num único empreendimento.
O uso da violência deve traduzir o propósito político e fazê-lo de maneira racional e utilitária. Ele não deve tomar o lugar do propósito político e nem obliterá-lo. Consequentemente a liderança política deve exercer o controle supremo e dirigir a condução da guerra. Deve evitar exigir o impossível e deve colaborar com os chefes militares no desenvolvimento de uma política global.
Porque a guerra é a continuação da política, “não pode existir nenhum problema em uma grande questão estratégica, cuja avaliação seja exclusivamente militar e nem um esquema puramente militar para resolvê-lo. Se o propósito político assim o requer, as forças armadas tem que resignar-se com uma mobilização parcial de recursos e com resultados limitados; por outro lado, devem estar preparadas para o sacrifício e nem a sociedade e nem o governo devem considerar tal sacrifício como além de sua missão, caso isso seja uma expressão da política racional”.
3.3.6.2 - A guerra é a província da incerteza e do acaso
A guerra ocorre num ambiente de informação imperfeita e incompleta, decorrente tanto da ação deliberada do inimigo — no sentido de gerar desinformação — quanto da imprevisibilidade dos próprios elementos que conformam o ambiente. A guerra é extremamente sensível a um sem-número de fatores — acidentes, clima, mal-entendidos, simples confusão, nascidos do simples acaso. Esse ambiente de incerteza e sensibilidade ao acaso concorre para que os responsáveis pela condução da guerra sejam bastante prudentes no emprego da força, moderando, mais uma vez, a tendência de ascensão aos extremos de violência.

3.3.6.3 - A guerra é dominada pela presença dos fatores morais
Uma das afirmações de Clausewitz que mais o distingue dos que o precederam é que, na guerra, fatores morais (entusiasmo ou sensação de derrota, medo, coragem, angústia, confiança, timidez, audácia) têm efeito desproporcional nas possibilidades e no resultado do emprego da força com relação aos fatores materiais (números, combatentes, armamentos), potencializando ou restringindo estes últimos. Esse fenômeno é específico da guerra, não encontrando paralelo evidente em qualquer outra atividade humana. Em suas palavras, “a guerra é uma prova de forças morais e físicas por meio da última”. Com isso, ao ressaltar e incorporar teoricamente os fatores morais, Clausewitz permite também compreender por que é que nem sempre quem tem uma força materialmente superior triunfa nas batalhas ou nas guerras. Além disso, a inconstância e oscilação típicas dos fatores morais introduzem uma fonte adicional de incerteza nos responsáveis pela condução da guerra, acrescentando-lhe, assim, outro fator intrínseco de moderação.
3.3.6.4 - Na guerra coexistem três tendências, a do povo, a das forças armadas e a do governo (trindade paradoxal)
Para Clausewitz, a guerra é o resultado de três tendências, uma “surpreendente trindade” em que se encontram, primeiro que tudo, sua violência original, o ódio e a animosidade, o que é preciso considerar como um cego impulso natural; depois, o jogo das probabilidades e do acaso, que fazem dela uma livre atividade da alma e, finalmente, sua natureza subordinada de instrumento da Política, por via da qual, ela pertence à razão pura.
O primeiro desses três aspectos interessa particularmente ao povo, o segundo, ao Comandante e seu exército, e o terceiro releva sobretudo ao governo. As paixões chamadas a se incendiarem na guerra, que pré-existem nos povos em questão, a amplitude que assumirá o jogo da coragem e do talento do domínio do acaso e das suas vicissitudes, dependerá do caráter do comandante e do exército; quanto aos objetivos políticos, só o governo decide sobre eles.
Essas três tendências estão profundamente enraizadas e variam de intensidade; daí o efeito moderador da violência de sua resultante.
O reconhecimento do povo como um dos componentes essenciais da atividade bélica é uma inovação marcante da teoria clausewitziana. Os que o precederam sempre reconheceram a pertinência da amizade ou hostilidade das populações, sem jamais as incorporarem como parte da guerra propriamente dita. Hostilidade ou amizade faziam parte do ambiente em que a guerra ocorria, mas não eram parte da própria guerra. Clausewitz foi o primeiro a incorporar plenamente o povo em sua equação, reconhecendo a sua centralidade. No limite, não bastava mais derrotar as forças armadas ou dobrar o governo — era preciso quebrar ou conquistar a vontade popular.
Ao enquadrar, pela primeira vez, a possibilidade do povo em armas, Clausewitz permite reconhecer algo como uma guerrilha como um fenômeno bélico ou político, e não mais apenas como banditismo ou distúrbios sociais.
3.3.6.5 - O combate, mesmo “virtual”, é a atividade essencial da guerra
Clausewitz rejeita a idéia de que uma guerra possa ser travada independentemente do combate. Para ele, o combate é a atividade essencial da guerra, mesmo quando ele não ocorre de fato. É dizer: há situações em que o combate não ocorre de fato, ainda que as forças estejam em condições de combater. Estas ocasiões, para Clausewitz, se explicam pelo fato de que ele foi travado mentalmente — nesse sentido, virtualmente — por pelo menos um dos comandantes, cujo resultado provável antecipado é desfavorável — seja do ponto de vista tático, seja do estratégico — diante do quê, decide não sacrificar forças.
3.3.6.6 - A defesa é a forma mais forte da guerra
Aqui, aparece uma das inovações mais fortes e contra-intuitivas de Clausewitz. Para ele, existe uma assimetria na guerra, qual seja: em situações de força equivalente, a força que está defendendo tem a vantagem. A força que tem o propósito defensivo tem apenas que manter a situação para ganhar a guerra; a força que tem o propósito ofensivo é quem tem a responsabilidade de alterar a situação. Além disso, o defensor geralmente tem a vantagem de conhecer o terreno, de poder prepará-lo, do favor da população, de proximidade com relação às suas bases, e portanto de linhas de suprimento menos estendidas. Por outro lado, o atacante tem a vantagem da iniciativa, em princípio podendo escolher onde e como atacar. Para Clausewitz, a essência da defesa é a espera, e a do ataque é a rapidez.
Tudo ponderado, entretanto, Clausewitz identifica uma assimetria entre ataque e defesa, com nítida vantagem para a última. Essa assimetria explica situações em que ambos os lados são fortes o suficiente para se defenderem, mas não suficientemente fortes para atacarem. Resulta daí a impossibilidade do lado que tem o propósito ofensivo continuar atacando com sucesso, dando mais uma vez vantagem ao lado cujo propósito é defensivo, pois a ele basta não ser derrotado para ganhar a guerra. Esta é, para Clausewitz, mais uma das explicações de porque a guerra na maioria das vezes cessa sem que algum dos lados tenha sido totalmente desarmado.
Cumpre destacar que a concepção de Clausewitz não coloca a defesa numa situação meramente passiva, pois valoriza as ações dinâmicas da defesa, principalmente o contra-ataque: a forma defensiva de guerra não é a de um simples escudo, mas, sim, um escudo constituído de golpes bem dirigidos.
Mesmo quando o único objetivo da guerra é o de manter o “status quo”, continua válido que tão somente aparar o golpe contraria a natureza essencial da guerra, que certamente não consiste apenas em resistir.
Por outro lado, Clausewitz considerava uma contradição a própria idéia de a guerra admitir a defesa como seu objetivo final, aceitando seu emprego somente quando se encontrasse em inferioridade de meios, devendo abandonar a postura defensiva tão logo se esteja forte o suficiente para adotar um objetivo positivo (ofensiva): “A partir do momento em que o defensor obtém uma vantagem importante, a defesa desempenhou o seu papel”, chegando o momento da “poderosa transição para a ofensiva”.


3.3.6.7- A onipresença do fenômeno da fricção
Um fenômeno identificado por Clausewitz e incorporado à sua teoria é o da fricção. Fricção é um fenômeno recorrente em toda a realidade da guerra, para o qual o próprio Clausewitz não apresenta uma definição. Ele prefere ilustrá-lo por exemplos e analogias. Para ele, independemente da ação do inimigo, “tudo na guerra é muito simples, mas mesmo a coisa mais simples é difícil”. A fricção é o fenômeno que faz com essas coisas simples sejam tão difíceis. Uma chuva atrasa um batalhão, impedindo-o de chegar na hora certa; um nevoeiro impede o inimigo de ser avistado em boa hora, ou um canhão de disparar quando deveria. Podem-se aduzir, inspirando-se em Clausewitz, alguns exemplos navais, tais como: o mar revolto que atrasa o deslocamento da força ou a maré que dificulta o movimento navio-terra em um desembarque anfíbio.
Para Clausewitz, “a ação na guerra é como o movimento num meio resistente”. Isso se deve ao fato de que, no ambiente de acaso, incerteza e perigo que é a guerra, qualquer ação implica perdas e risco. Ordens são mal-compreendidas ou não são recebidas, caminhos errados são tomados, equipamentos quebram, uma infinidade de eventos fortemente relacionados com o acaso tem lugar. “A guerra é a província do desperdício”. A existência da fricção faz com que as forças, simplesmente por existirem ou se moverem, sejam progressivamente consumidas e prejudicadas. Com o passar do tempo, esse fenômeno pode causar perdas absolutamente decisivas. Como resultado, esforços normais não produzem os efeitos esperados; a guerra consome as forças e exige esforços desproporcionais para as coisas mais simples.
Por tudo isso, a fricção é mais uma das explicações de porque a guerra na realidade é tão diferente da prevista conceitualmente.
3.3.6.8 - as guerras podem ser limitadas ou ilimitadas
“Desde que a guerra não é um ato de paixão insensata, mas controlada por seu propósito político, o valor desse deve determinar os sacrifícios a serem feitos para sua conquista em magnitude e também em duração. Uma vez que o dispêndio de esforços exceda o valor do propósito político, este deve ser renunciado, seguindo-se a paz”
Assim, para Clausewitz, chega-se a um ponto fundamental, que permeia seus capítulos relacionados com o plano de guerra. Para ele, as guerras podem ter objetivos ilimitados — a saber, a destruição efetiva das forças armadas do inimigo — ou limitados — a posse e conquista desta ou daquela parte do território inimigo, na maior parte dos casos. Quanto mais ilimitados forem os objetivos, mais a guerra tenderá a se aproximar de sua forma absoluta, isto é, a forma exigida pelo conceito; quanto mais limitados os objetivos, mais a guerra tenderá a se afastar da guerra absoluta. Configura-se, assim, o último fator moderador da ascensão aos extremos de violência: para objetivos limitados, uma violência proporcional.
3.3.7 - OUTROS CONCEITOS DE CLAUSEWITZ
• Centro de Gravidade (CG)
Conceito de Clausewitz que espressa o ponto ótimo de aplicação de força na guerra, ou seja, o ponto (ou pontos). Segundo o autor, trata-se de “um centro de poder e de movimento de que tudo depende, forma-se por si próprio e é contra este centro de gravidade do inimigo que se deve desferir o golpe concentrado de todas as forças”. Assim, é o ponto (ou pontos) onde a aplicação de força pode produzir os melhores resultados e,.no limite, induzir ao sucesso na guerra, isto é, à obtenção do propósito político.
O CG pode ser muita coisa. Segundo Clausewitz, nos Estados agitados por dissensôes internas, normalmente é a capital, em Estados pequenos que dependem de aliados poderosos, é o exército de seus aliados, numa confederação de Estados, é a unidade de interesses, numa sublevação nacional, ele é formado pela pessoa do chefe e pela opinião pública.
Um exemplo que consta de um estudo americano de 1988 cita “o moral público” como o centro de gravidade dos EUA, explorado com êxito por seus inimigos na guerra do Vietnã. Há, também, quem considere o conceito aplicável aos níveis tático e operacional.
• O ponto culminante do ataque
Das considerações apresentadas nos tópicos 3.3.6.1 a 3.3.6.7, Clausewitz extrai a importantíssima idéia do ponto culminante do ataque. Em função da fricção, da assimetria entre ataque e defesa, da participação do povo na guerra, da dinâmica das forças morais, do resultado dos combates e do caráter político da guerra, Clausewitz demonstra que o ataque tende a se exaurir com o seu avanço pelo território inimigo e com a passagem do tempo. Os fenômenos associados à fricção se multiplicam, as vantagens inerentes da defesa começam a produzir resultado, o atacante é obrigado a desviar cada vez mais forças para proteger flancos e linhas de comunicação cada vez mais extensas, sua vanguarda se distancia cada vez mais de suas bases de abastecimento e de forças, complicando seu problema logístico. Assim, o atacante tende a relaxar seus esforços e Estados neutros tendem a interferir na guerra para restabelecer o status quo e o equilíbrio de poder. Trata-se de uma dinâmica pela qual o atacante se enfraquece progressivamente tão mais profundamente penetre no território inimigo e se distancie de suas bases, quanto mais território ocupado tenha que defender, quanto mais postos tenha que guarnecer. Já o defensor, recuando rumo a suas próprias bases, fortalece-se pela facilidade de se reforçar, tanto por tropas adicionais quanto pelo empenho advindo da percepção da gravidade de sua situação. Enquanto forças adicionais do atacante têm mais dificuldade para se juntarem às demais e o sucesso lhe sobe à cabeça, o defensor pode contar com forças adicionais muito mais facilmente e possivelmente mais motivadas.
A partir de certo ponto — cuja determinação, Clausewitz admite, é bastante difícil — o prosseguimento do ataque torna-se temerário porque começa a debilitar a força atacante, que passa a ficar comprometida. A esse ponto Clausewitz dá o nome de “ponto culminante do ataque”.
A continuação do ataque, então, pode fazer com que o atacante perca até mesmo o que já havia conquistado ou, ainda, a capacidade de se defender, expondo-se a um contra-ataque que pode chegar a ocupar parte de seu próprio território. A persecução do objetivo lógico de toda guerra — o desarmamento do inimigo — nem sempre é possível, em função do atingimento do ponto culminante do ataque. A percepção desse ponto deve ser uma das maiores preocupações do estrategista.
• o ponto culminante da vitória
A aferição da vitória em uma guerra não é configurada necessariamente pela destruição completa das forças do inimigo. A essencialidade da vitória está, sim, na consecução dos propósitos políticos que determinaram o emprego de forças a fim de submeter a vontade do inimigo à nossa.
Diferentemente do ponto culminate do ataque, que nos indica até que ponto nossas forças podem ir em um ataque, há um ponto (teórico), além do qual, a busca desse propósito político incorre no risco de que o balanço dos fatores de força (moral e física), desencadeados pelos sucessos até então obtidos na guerra, se torne desfavorável pela agregação, pelo oponente, de novos fatores de força, e da nossa própria debilitação com o prosseguimento da guerra.
Essa situação de vantagem relativa (ou de equilíbrio) do atacante no confronto dos fatores de força e fraqueza é denominado Ponto Culminante da Vitória. Além desse ponto, a continuidade da guerra, segundo Clausewitz, não projetaria mais expectativas de obtenção do propósito político originalmente considerado, sendo racionalmente determinante que o atacante altere seus objetivos políticos (reduzindo-os), coerentemente com o novo equilíbrio de forças, procurando recuperar capacidades que lhe permitam consolidar os ganhos obtidos no sentido de obter uma paz vantajosa.
Cabe assinalar que o ponto culminante da vitória também pode ser considerado na exploração ou consolidação de êxitos estratégicos. É o caso, por exemplo, quando, após a derrota de Napoleão em Waterloo, o Marechal Blütcher decide avançar até Paris e Clausewitz recomenda a Gneisenau (Chefe do Estado-Maior de Blütcher) que o dissuada de sua intenção, tendo em vista que esse avanço incorreria no risco de que uma França humilhada mobilizasse outros contingentes, projetando a possibilidade de uma guerra ilimitada, para a qual o exército aliado não estava preparado.
Neste caso, Clausewitz considerava que se havia atingido o Ponto Culminante da Vitória pois, com o resultado de Waterloo, a França aceitaria as condições dos aliados, não se devendo ir além como Blucher queria, humilhando os derrotados com a ocupação de sua capital.
A determinação do ponto culminante da vitória atesta a continuidade lógica política-guerra-política, ou seja, a guerra como parte do todo político. Note-se, portanto, que a centralidade da política não é hipótese de partida, mas sim uma conclusão, e que essa parte pode ser demonstrável a partir da teorização das relações entre evidências (fatos da realidade).
Pode haver o caso de, após a obtenção do objetivo político, o balanço de forças seja tão vantajoso que se pense em prosseguir a guerra com um novo objetivo político, mais amplo, o que significaria a busca de um novo ponto culminante da vitória. Essa possibilidade exige um exame muito cuidadoso da situação, pois o conjunto de aspectos envolvidos poderá levar a uma situação pior que a já conseguida – foi o caso da Guerra do Golfo de 1991, quando, após a esmagadora vitória da coalizão, com a consecução do objetivo político - a expulsão das tropas iraquianas do Kuwait – cogitou-se de ampliar esse objetivo com a derrubada de Sadam Hussein, para o que seria necessário avançar até Bagdá, explorando o grande êxito inicial, que havia levado as forças da coalizão até bem dentro do Iraque. Verificou-se, então, que não havia lider alternativo a Sadam Hussein e sua derrubada pioraria em muito a situação já conseguida, pois poderia provocar o fracionamento do Iraque, com a tomada do sul pelos xiitas, o que faria aumentar a indesejável influência do Irã na área e, no norte, as pretensões dos curdos por seu Estado nacional, o que perturbaria as importantíssimas relações dos EUA com a Turquia (para onde o pretendido Curdistão se estenderia).

3.4 - A INCOMPATIBILIDADE ENTRE JOMINI E CLAUSEWITZ
Há ainda, entretanto, outros pontos que vale a pena expor, a fim de que se tenha uma visão mais abrangente do significado de Clausewitz. Com isso, também, pode-se mais facilmente estabelecer um contraste entre a sua obra e a de Jomini. É importante destacar como os mesmos termos adquirem significados bastante diferentes, em função do entendimento distinto de cada um deles sobre o que é a guerra e como interpretá-la.
Relembra-se aqui a responsabilidade que cada um tem de se posicionar e refletir individualmente sobre a utilidade e o valor de quaisquer contribuições, evitando, no entanto, justapor idéias de bases conflitantes na falsa esperança de conciliá-las ou, alternativamente, produzir uma síntese entre elas. Sugere-se, dessa forma, que este contraste sirva como um convite ao exercício da capacidade de se saber um mesmo assunto a partir de dois pontos-de-vista diferentes, reconhecendo a especificidade de cada um deles e entendendo seus pontos fortes e fracos.
Foi dito mais acima que Clausewitz considerava o combate como a atividade essencial da guerra. De fato, isto é tão forte na sua construção teórica que orienta mesmo a sua análise e definição de alguns termos, como, por exemplo, tática e estratégia. Enquanto para Jomini esses termos são estanques, sem outro relacionamento que não o de serem todos eles “partes da arte da guerra”, para Clausewitz, trata-se de um contínuo cuja ligação é dada pelo próprio combate e que têm uma relação de interdependência muito estreita, sendo impossível pensar um sem ter em mente sua conexão com o outro. Os melhores exemplos são as definições de tática e estratégia de cada um deles.
Tomem-se inicialmente as definições de Jomini. Para ele, a estratégia é “a arte de fazer a guerra sobre o mapa”; a tática admite uma repartição entre “tática” propriamente dita e “grande tática”. Grande tática é “a arte de alocar tropas sobre o campo de batalha de acordo com os acidentes do terreno, levá-las ao ponto de contato e a arte de lutar sobre o terreno, em distinção a planejar sobre o mapa”.
Em outro ponto, no entanto, estratégia é apresentada como sendo “a arte de se trazer a maior parte das forças de um exército para o ponto importante do teatro de guerra ou da zona de operações”. A tática seria “a arte de usar estas massas nos pontos para os quais foram levadas por marchas bem realizadas; é dizer a arte de fazê-las atuar no momento e ponto decisivos do campo de batalha”.
No entanto, é difícil conciliar este entendimento com as seguintes passagens, por exemplo:
“há outras operações de natureza mista, tais como a transposição de cursos d’água, retiradas, surpresas, desembarques, comboios, quartéis de inverno, cuja execução pertence à tática, [ainda] que sua concepção e planejamento [pertençam] à estratégia”’;
ou ainda:
“grande tática é a arte de atribuir postos às tropas no campo de batalha de acordo com os acidentes do terreno, de levá-las à ação, e a arte de lutar num determinado sítio, em contraste com o planejamento que se faz sobre a carta”;
“a estratégia decide onde atuar; a logística leva as tropas até este ponto; a grande tática decide a maneira de se empregar e o que executar com as tropas”;
e por fim:
“grande tática é a arte de se fazer boas combinações antes das batalhas bem como durante o seu desenrolar. O princípio guia das combinações táticas, como o das estratégicas, é trazer o grosso da força disponível sobre uma parte do exército inimigo, naquele ponto cuja posse promete os resultados mais importantes”.
De fato, o caráter particional das definições jominianas admite leituras que são expressas num jogo de relacionamentos de difícil compreensão:
“a tática...começa com detalhes, e ascende às combinações e generalizações necessárias à formatura e manejo de um grande exército”.
As múltiplas definições, muitas vezes contraditórias, do que seja tática e do que a ela pertença em Jomini obriga a inferir, a partir de algumas observações, o que ele entende pelo termo. A primeira referência a tática diz respeito à sua natureza como uma das partes da arte da guerra, onde Jomini se refere à “tática das armas” (armas entendidas como infantaria, cavalaria e artilharia); noutra passagem, Jomini enfatiza que a tática vem de baixo, da disposição e formações de tropas, e que instrui a organização de “um grande exército”; fala, ainda, das táticas de batalhas e sítios, circunscrevendo em diversas passagens o valor de combinações táticas no campo de batalha e a especificidade tática de uma variedade de operações como, por exemplo, a passagem de rios, a escolta de suprimentos etc. Assim, o entendimento do que seja tática em Jomini fica aberto à interpretação de seus leitores, que podem escolher o que quiserem entender como “tática” para Jomini a partir destas passagens.
Contrastem-se os entendimentos de Jomini com as proposições de Clausewitz. Para este, tática é o “uso das forças armadas no combate”, enquanto estratégia é o “uso dos combates para o propósito da guerra”. A idéia de grande tática lhe é inteiramente dispensável.
Observe-se que a definição clausewitziana de estratégia depende da de tática, e ambas estão diretamente relacionadas com o combate, que, como já dito, é para Clausewitz a atividade essencial da guerra.
Note-se que a definição do “propósito da guerra” é uma questão fundamentalmente política, evidenciando assim, mais uma vez, a compreensão clausewitziana da continuidade entre guerra e política. Essas definições revelam o empenho de Clausewitz em se livrar de tudo que é circunstancial, material, datado, buscando identificar relacionamentos fundamentais, e não simplesmente oferecer uma terminologia a mais.
Outro contraste evidente entre Clausewitz e Jomini é o seguinte: embora tanto Clausewitz quanto Jomini compartilhem o desejo de que suas obras sejam de utilidade para aqueles que têm a responsabilidade de decisão na guerra, a maneira pela qual o fazem contrasta radicalmente. Clausewitz pretende fundamentalmente educar o juízo de políticos e comandantes, mostrar os relacionamentos entre os diversos fenômenos e elementos presentes na guerra, suas constantes e variações, pois considera a guerra algo excessivamente complexo para que se possa sobre ela fazer prescrições de caráter geral. Jomini afirma o contrário: pretende ensinar como produzir vitória, e para tanto expõe um sistema de regras universais e perenes, princípios a serem seguidos por comandantes, cuja aplicação conduz à vitória na guerra. Para Clausewitz, não é possível haver uma regra ou conjunto de regras que leve necessariamente à vitória. Para ele, toda a atividade da guerra é pautada pelo objetivo e pela dinâmica da política, pelas forças inimigas e pelas próprias, incluindo, nos dois casos, os fatores morais. Portanto, para Clausewitz, não existe a estratégia vencedora, nem um único caminho para a vitória, nem uma estratégia que sempre leve à vitória. Ao contrário, Clausewitz salienta a possibilidade e mesmo o valor daquilo que ele chama de “O Gênio Militar” para a condução da guerra, e que se caracterizaria pelos seguintes atributos:
• coup d’oeil, ou seja, a capacidade de avaliar correta, intuitiva e instantaneamente a situação;
• coragem para tomar decisões difíceis;
• perseverança para prosseguir em situações desfavoráveis; e
• liderança para conduzir e restaurar forças com moral baixo.
Como conclusão desse contraste entre os dois fundadores do pensamento sistemático sobre a guerra, cabe ressaltar o seguinte paradoxo: enquanto para Clausewitz, um teórico inscrito na melhor tradição científica, não existe nem pode existir uma ciência da vitória na guerra, sendo sua condução o espaço da genialidade e da arte, para Jomini, um artista da persuasão, a guerra tem princípios eternos, de universalidade e validade científicas, cujo cumprimento por si só assegura a vitória.
******
É essencial que se perceba que o que está em jogo não é uma questão de informação e, sim, de método. Tome-se como exemplo o fenômeno bélico da guerrilha, que foi um dos desafios que confrontaram as forças armadas no século XX.
A resposta a este desafio à luz da teoria de Clausewitz nada dizia sobre a perspectiva de vitória ou derrota da guerrilha, informando tratar-se de um tipo viável de guerra na qual o povo prescindia de forças armadas e governo formalmente organizados, acessando, desta forma, recursos que normalmente não poderiam ser mobilizados para a luta. Desta perspectiva, H. Summers, por exemplo, pode explicar a derrota americana no Vietnã exatamente pelo contraste entre a solidariedade povo-governo-força dos vietcongs e a carência de vinculação entre as metas políticas, as opções militares e o povo dos Estados Unidos da América. Para um estudioso que compreenda Clausewitz, a derrota dos EUA não se deveu à forma do conflito — guerrilha —, mas sim ao fato de que o interesse político, para os vietcongs, fazia daquela guerra uma guerra ilimitada de seu ponto de vista; não era este o caso dos EUA que só tinham interesses limitados no apoio ao governo do Vietnã do Sul. Assim, apesar da derrota americana no Vietnã, um estudioso informado por Clausewitz se aproximaria da guerra do Afeganistão sem um juízo prévio sobre se a guerrilha seria vitoriosa ou não, buscando identificar as metas e as possibilidades de meios de ambos os lados, isto é, os limites no interesse político e nas alternativas militares disponíveis para cada um dos lados bem como o empenho de seus povos.
Uma postura diferente reflete o enfoque jominiano diante do mesmo problema: Por um lado, a guerrilha, ao exigir a dispersão da força para o exercício do controle do território, ao evadir o combate sem abrir mão da luta, ao se dissolver e reconstituir sem preocupação com bases de operações e todo o resto das considerações jominianas, coloca um problema não-trivial para o estudioso que queira tratá-la a partir de Jomini. De fato, a reação dos exércitos europeus do século XIX e do início do XX diante da guerrilha foi a de negar a sua existência e, como resultado, se abrirem a derrotas fragorosas quando a insurgência pôde amadurecer solidariedade política, apoio popular e forças armadas próprias, já que os exércitos fingiam estar diante de bandidos. Por outro lado, a tradição jominiana buscou, na ausência de uma solução para o problema da guerrilha, enquadrá-la numa formulação simples e clara na qual os resultados da forma de guerra “guerrilha” estivessem inteiramente contidos. Isto implicava, de imediato, o abandono de qualquer tentativa de descrever ou analisar o desenvolvimento da guerrilha e se concentrava no resultado final do conflito, quando as forças guerrilheiras travavam batalhas convencionais pelo controle do território.
Assim, num primeiro momento, a leitura da guerrilha como praticada contra Napoleão — sobre a qual Jomini é muito reticente — permitiu a formulação de que “a guerrilha sempre vence”. O crucial desta leitura reside na alegada capacidade de se distinguir entre banditismo — que será sempre derrotado — e guerrilha — que sempre vence. Assim, as leituras jominianas transferiam ao comandante na cena de ação o ônus de aferir se os reclamos populares eram desordem e influência de maus elementos ou, de forma tipicamente jominiana, suficientes para que se estivesse diante de uma guerrilha. Esta era uma proposição tautológica: ao se vencer a insurgência, evidencia-se que ela não é uma guerrilha; ao se perder contra a insurgência, descobre-se que se enfrentava uma guerrilha; dessa maneira, incidentalmente, inocentava-se o comandante que perdesse, pois a guerrilha sempre vence.
Perceba-se como se buscou dar a aparência de rigor àquela afirmativa — a guerrilha sempre vence — pela seleção de exemplos ilustrativos, da mesma forma e com os mesmos limites de Jomini: apresentar os exemplos comprobatórios, omitindo os contraditórios. O fracasso turco contra a guerrilha de Lawrence pareceu comprovar esta regra simples e fácil: a guerrilha sempre vence. Infelizmente, esta regra só pode ser defendida se, automaticamente, todos os casos em que a insurgência for derrotada não forem consideradas guerras de guerrilhas - assim, o efetivo controle prussiano do território francês durante a guerra de 1870-71 não podia ser considerado como um caso de derrota de uma guerrilha, já que isto contradiria o que se julgava ser a lei da guerrilha. Da mesma forma, os sucessos britânicos e francês contra a insurgência tiveram que ser renomeados não como a derrota da guerrilha, mas sim como casos de distúrbios, onde uns poucos agitadores e maus elementos haviam perturbado a ordem. Outra leitura jominiana, perdida em nosso tempo, tomava tais casos para afirmar o contrário: contra um exército moderno, a guerrilha sempre perdia. Note-se como o hábito jominiano de construir estruturas falsamente científicas prescinde de uma vinculação explícita com a obra original: a tradição jominiana continua sempre que se ceda à tentação de querer reduzir o bélico a expressões simples que assegurem resultado.




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#128 Mensagem por Marino » Seg Fev 11, 2008 9:13 pm

Nada?
Clausewitz é perfeitamente entendível?




orestespf
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#129 Mensagem por orestespf » Seg Fev 11, 2008 10:04 pm

Tô enrolado até agora com tanta info, mas o autor já foi citado como se fosse um best seller, então... rsrsrs

Ainda vou postar sobre tudo isso, mas preciso terminar de corrigir as provas do vestiba, tá pegando, mas até no FDS estou livre. rss

Forte abraço, meu irmão,

Oreste




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#130 Mensagem por Marino » Seg Fev 11, 2008 10:26 pm

Tô aguardando caro irmão.
Forte abraço




"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
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#131 Mensagem por Quiron » Seg Fev 11, 2008 10:32 pm

Marino, aqui vão alguns pontos do texto seguidos de meus comentários/perguntas:

se confrontou com o fato de que a violência absoluta, que sua teoria inicial propugnava, inexistia. As guerras, se lhe diziam algo, era que a violência fora sempre controlada, diminuída, limitada.


A segunda guerra não mostra esse ponto da teoria como sendo falho/superado? E se imaginarmos uma terceira guerra mundial, dado o poder de destruição das armas modernas, países inteiros desaparecerão.

Eu concordaria integralmente em se tratando de guerras menores envolvendo apenas países pequenos ou ainda potências x países pequenos.

Quaisquer considerações sobre detalhes, armamentos ou chefias e estruturas hierárquicas eram inúteis, porque excessivamente vulneráveis à mudança.


Eu discordaria desse ponto numa guerra atual visto que as armas modernas fazem muita diferença. As mudanças que elas trazem são bastante significativas.


A guerra é a continuação da política por outros meios (especificamente, os meios de força)


Levando essa afirmação ao seu extremo, podemos considerar então o mundo como em guerra permanente? Potências impondo suas moedas, lutando por garantir acesso aos mercados consumidores, acesso aos recursos naturais e energéticos etc, seriam uma etapa anterior ao conflito armado propriamente dito. Sendo bem pessimista: a paz seria apenas a guerra sem armas?

Clausewitz começa seu estudo definindo conceitualmente o objeto central: para ele, “A guerra é ... um ato de força para compelir nosso inimigo a fazer a nossa vontade”.
+
• um lado que use a força sem constrangimentos ganha vantagem sobre o outro, que é obrigado a imitá-lo.


Como fica esse ponto a partir do surgimento das armas atômicas?

- nunca eram um ato isolado de pura força;
- nunca consistiam em um único espasmo de extrema violência; e
- seu resultado nunca era final, pois tendiam a terminar antes do desarmamento total de um dos lados.


Novamente: como se encaixa a derrota alemã nesse ponto?

E por fim, sobre a questão da fricção: é possível aumentar a fricção para o inimigo de forma a dificultar seu avanço?




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#132 Mensagem por Marino » Seg Fev 11, 2008 10:51 pm

Caro Quiron, vou responder no seu texto mesmo, para não me perder.

Marino, aqui vão alguns pontos do texto seguidos de meus comentários/perguntas:

se confrontou com o fato de que a violência absoluta, que sua teoria inicial propugnava, inexistia. As guerras, se lhe diziam algo, era que a violência fora sempre controlada, diminuída, limitada.


A segunda guerra não mostra esse ponto da teoria como sendo falho/superado? E se imaginarmos uma terceira guerra mundial, dado o poder de destruição das armas modernas, países inteiros desaparecerão.
Eu concordaria integralmente em se tratando de guerras menores envolvendo apenas países pequenos ou ainda potências x países pequenos.

Lembre-se que Clausewitz escrevia com a experiência de sua época.
A IIGM foi uma guerra ilimitada, ou se tornou quando os aliados após a reunião de Potsdam afirmaram que não aceitariam nada mais que a rendição incondicional da Alemanha. Ou seja, o objetivo era ilimitado, o que forçou os alemães a lutarem até o último minuto.
Vc tem razão sobre as armas modernas, mas veja que depois do japão elas nunca foram usadas, o que acaba por corroborar a teoria de Clausewitz. Ou seja, há o controle.


Quaisquer considerações sobre detalhes, armamentos ou chefias e estruturas hierárquicas eram inúteis, porque excessivamente vulneráveis à mudança.


Eu discordaria desse ponto numa guerra atual visto que as armas modernas fazem muita diferença. As mudanças que elas trazem são bastante significativas.
Vou procurar no texto este parágrafo. Não estou me lembrando do contexto. depois volto para comentar.

A guerra é a continuação da política por outros meios (especificamente, os meios de força)


Levando essa afirmação ao seu extremo, podemos considerar então o mundo como em guerra permanente? Potências impondo suas moedas, lutando por garantir acesso aos mercados consumidores, acesso aos recursos naturais e energéticos etc, seriam uma etapa anterior ao conflito armado propriamente dito. Sendo bem pessimista: a paz seria apenas a guerra sem armas?
Considere que a guerra é um meio político como qualquer outro. Um meio válido para o atingimento dos objetivos políticos de uma nação.
A questão é se esta nação considera seus objetivos tão vitais assim para recorrer a ela.
Caso afirmativo, vai recorrer.
Pressão econômica, política, coação, cooptação, coerção, etc, todos são instrumentos políticos. A guerra é mais um.


Clausewitz começa seu estudo definindo conceitualmente o objeto central: para ele, “A guerra é ... um ato de força para compelir nosso inimigo a fazer a nossa vontade”.
+
• um lado que use a força sem constrangimentos ganha vantagem sobre o outro, que é obrigado a imitá-lo.


Como fica esse ponto a partir do surgimento das armas atômicas?
Caimos na moderação, na não evolução do conflito para sua forma ilimitada, no controle da violência.

- nunca eram um ato isolado de pura força;
- nunca consistiam em um único espasmo de extrema violência; e
- seu resultado nunca era final, pois tendiam a terminar antes do desarmamento total de um dos lados.


Novamente: como se encaixa a derrota alemã nesse ponto?
Na visão da época de Clausewitz.
Mas mesmo nesta época ele poderia ter tomado o exemplo das guerras Púnicas, com a destruição total de Cartago. Este é um exemplo clássico da guerra ilimitada, sem controle. Mas ele via a guerra sob sua ótica de "homem civilizado".


E por fim, sobre a questão da fricção: é possível aumentar a fricção para o inimigo de forma a dificultar seu avanço?
O pessoal do EB daqui pode lhe reponder melhor que eu, mas claro que sim.
Mine o terreno, rompa uma represa e alague toda a área de operações, etc.
Obrigado pelas perguntas.
Depois eu volto quando achar o contexto da que não respondi.




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#133 Mensagem por Quiron » Seg Fev 11, 2008 11:34 pm

Aqui Marino:

3.3.6.1 - A guerra é a continuação da política por outros meios (especificamente, os meios de força)
Clausewitz lembra que, em função mesmo de seu conceito, a guerra não pode ser separada de seu propósito político, ou seja, a “nossa vontade” que se quer que o inimigo cumpra. Essa vontade transcende as organizações militares, alojando-se no processo do interrelacionamento político das diversas sociedades. Nesse sentido, há uma continuidade lógica entre política e guerra, já que esta última é apenas uma das formas pelas quais equacionar os interesses conflitantes entre os Estados, interesses que são a matéria tanto de uma quanto de outra. Por essa razão é que se pode dizer que a guerra pertence ao domínio da política, sendo, nas palavras de Clausewitz, “uma continuação do intercurso político por meio da força”.
Um dos motivos que impede a ascensão aos extremos na guerra é o fato de que o propósito que leva à guerra nunca é o único propósito político de um Estado — por mais importante ou vital que este propósito seja. Assim, o tempo todo, os custos e riscos da continuidade da guerra, a necessidade de continuação de outras atividades que não a guerra, a probabilidade de que outros objetivos sejam ameaçados por uma excessiva debilitação, tudo isto leva os governantes a não empregarem a totalidade de suas forças num único empreendimento.
O uso da violência deve traduzir o propósito político e fazê-lo de maneira racional e utilitária. Ele não deve tomar o lugar do propósito político e nem obliterá-lo. Consequentemente a liderança política deve exercer o controle supremo e dirigir a condução da guerra. Deve evitar exigir o impossível e deve colaborar com os chefes militares no desenvolvimento de uma política global.
Porque a guerra é a continuação da política, “não pode existir nenhum problema em uma grande questão estratégica, cuja avaliação seja exclusivamente militar e nem um esquema puramente militar para resolvê-lo. Se o propósito político assim o requer, as forças armadas tem que resignar-se com uma mobilização parcial de recursos e com resultados limitados; por outro lado, devem estar preparadas para o sacrifício e nem a sociedade e nem o governo devem considerar tal sacrifício como além de sua missão, caso isso seja uma expressão da política racional”.


Marino, na hipótese de um conflito Brasil vs uma potência, como ficaria a questão da qualidade x quantidade dos equipamentos? Hoje a tendência é de poucos equipamentos a um custo muito elevado, porém, baseando-me no texto, fica claro q a vitória brasileira seria conseguida em cima dos "fatores morais" do inimigo. Em outras palavras: a quantidade, mesmo q menos "high-tech", seria importante para desgastar o inimigo no longo prazo. É correto pensar assim?




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#134 Mensagem por Jolly Roger » Seg Fev 11, 2008 11:40 pm

Marino eu to lendo... Mas confesso que é uma leitura que requer atenção e carinho !!! assim que tiver um entendimento melhor eu postarei algumas perguntas !!!! :? :oops:

parabéns.. certamente esse topico agrega muita coisa e o material é de altissimo nivel !!! :D




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#135 Mensagem por Marino » Ter Fev 12, 2008 12:05 am

Quiron escreveu:Aqui Marino:

3.3.6.1 - A guerra é a continuação da política por outros meios (especificamente, os meios de força)
Clausewitz lembra que, em função mesmo de seu conceito, a guerra não pode ser separada de seu propósito político, ou seja, a “nossa vontade” que se quer que o inimigo cumpra. Essa vontade transcende as organizações militares, alojando-se no processo do interrelacionamento político das diversas sociedades. Nesse sentido, há uma continuidade lógica entre política e guerra, já que esta última é apenas uma das formas pelas quais equacionar os interesses conflitantes entre os Estados, interesses que são a matéria tanto de uma quanto de outra. Por essa razão é que se pode dizer que a guerra pertence ao domínio da política, sendo, nas palavras de Clausewitz, “uma continuação do intercurso político por meio da força”.
Um dos motivos que impede a ascensão aos extremos na guerra é o fato de que o propósito que leva à guerra nunca é o único propósito político de um Estado — por mais importante ou vital que este propósito seja. Assim, o tempo todo, os custos e riscos da continuidade da guerra, a necessidade de continuação de outras atividades que não a guerra, a probabilidade de que outros objetivos sejam ameaçados por uma excessiva debilitação, tudo isto leva os governantes a não empregarem a totalidade de suas forças num único empreendimento.
O uso da violência deve traduzir o propósito político e fazê-lo de maneira racional e utilitária. Ele não deve tomar o lugar do propósito político e nem obliterá-lo. Consequentemente a liderança política deve exercer o controle supremo e dirigir a condução da guerra. Deve evitar exigir o impossível e deve colaborar com os chefes militares no desenvolvimento de uma política global.
Porque a guerra é a continuação da política, “não pode existir nenhum problema em uma grande questão estratégica, cuja avaliação seja exclusivamente militar e nem um esquema puramente militar para resolvê-lo. Se o propósito político assim o requer, as forças armadas tem que resignar-se com uma mobilização parcial de recursos e com resultados limitados; por outro lado, devem estar preparadas para o sacrifício e nem a sociedade e nem o governo devem considerar tal sacrifício como além de sua missão, caso isso seja uma expressão da política racional”.


Marino, na hipótese de um conflito Brasil vs uma potência, como ficaria a questão da qualidade x quantidade dos equipamentos? Hoje a tendência é de poucos equipamentos a um custo muito elevado, porém, baseando-me no texto, fica claro q a vitória brasileira seria conseguida em cima dos "fatores morais" do inimigo. Em outras palavras: a quantidade, mesmo q menos "high-tech", seria importante para desgastar o inimigo no longo prazo. É correto pensar assim?

Caro Quiron
Não consegui achar no texto acima o postado anteriormente:
Quaisquer considerações sobre detalhes, armamentos ou chefias e estruturas hierárquicas eram inúteis, porque excessivamente vulneráveis à mudança.
,
Eu vou começar a fazer uma série de comentários que ajudarão a compreender.
Mas veja bem, me antecipando:
Em primeiro lugar teríamos que analizar que tipo de guerra seria esta com outra potência. Seria uma guerra limitada ou ilimitada?
Isto se chama "Natureza da Guerra".
É a primeira análise que o condutor do país, o Estadista, deve fazer.
A guerra do vietnã foi uma guerra ilimitada para os vietnamitas e limitada para os americanos. Que tipo de guerra seria para nós?
Se por exemplo fosse para retirar a soberania da Amazônia, seria uma guerra ilimitada, pois para nós seria inconcebível a perda da soberania de parte de nosso território. Então aqui, o fator moral começaria a se impôr.
Outra coisa que tem que ser estudada profundamente é a Trindade Paradoxal de Clausewitz.
Resumindo, Governo, População e FFAA (há que se ler o texto de novo).
Vamos a guerra do vietnã de novo: os EUA saíram do Vietnã sem terem perdido um combate sequer, mas um general vietnamita disse que isto não tinha nenhuma importância.
Em que se baseou para dizer isso?
Aonde o vietnã teria que fazer "Centro de Gravidade"?
Nas FFAA americanas? Poderiam ser destruídas? Não.
No Governo americano? Não.
Mas na População, na opinião pública americana, com a perda de soldados e as imagens dos sacos pretos retornando para casa? Sim. Vejam que no iraque foram proibidas estas imagens.
Não importava para o Vietnã perder todas as batalhas, mas ganhar o objetivo político do conflito. Ganhou perdendo no campo de batalha todos os embates.
A questão não é quantidade e qualidade de armamentos. Contra uma potência sempre estaríamos em desvantagem.
A questão seria moral e aonde deveríamos fazer o 'Centro de Gravidade" de nossa ação.
Seria político? Ou militar? Ou na população inimiga?
Poderíamos perder todos os combates, e sair vencedores, pagando o devido preço. Aqui entra mais fortemente a moral, de novo.
amanhã tento expandir.
Forte abraço




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