Gripen de volta à mídia na Suíça – parte 2: entrevista com o CEO da Saab
10 de julho de 2013, em Concorrências Internacionais, Entrevista, Noticiário Internacional, por Fernando "Nunão" De Martini
Antes de passar para a tradução que fizemos da entrevista do diretor executivo (CEO) da Saab, que repercutiu nos últimos dias na mídia suíça, precisamos reparar uma injustiça.
Na parte 1 desta matéria sobre a volta do Gripen à mídia Suíça, escrevemos que, nos jornais de língua alemã, “só foram publicadas reportagens que mostrassem algum desinteresse pelo programa por parte das indústrias de uma ou outra localidade específica”, durante a turnê realizada em diversas localidades suíças pela Saab nos últimos meses, oferecendo parcerias industriais no programa do Gripen. Mas houve uma exceção: o jornal Berner Zeitung.
Em 17 de junho, o diário suíço publicado em alemão tratou da visita da turnê da Saab ao cantão de Berna, numa reportagem que mostrou entusiasmo local com as possibilidades de negócio. Segundo a reportagem, caso a Suíça confirme a compra do caça sueco, transações decorrentes poderão reverter dois bilhões de francos suíços para a economia local, e há esperanças no cantão de conseguir um pedaço do “bolo” do Gripen.
Cerca de 40 representantes da indústria de Berna responderam ao convite da Associação de Comércio e Indústria para tratar do assunto com a Saab. Os offsets (compensações) previstos vão além da indústria de defesa, envolvendo também empresas metalúrgicas, de maquinaria, de relógios, de automóveis, além dos setores aeroespacial e de informática. Cooperação em pesquisas também são possíveis, conforme os representantes da Saab.
Atualmente, estão sendo realizadas transações de 300 milhões de francos suíços antes mesmo da assinatura do contrato, e negociadas outras no valor de até 2 bilhões de francos. Porém, as compensações deverão chegar a 100% do valor do contrato suíço do Gripen E, que supera 3 bilhões de francos. Mais de 100 empresas já estão envolvidas atualmente nessas transações, 15% delas na parte Oeste do país.
Antes mesmo do anúncio de que a Saab estava iniciando a fabricação do protótipo do Gripen E, o jornal Berner Zeitung vinha tentando acertar uma data na agenda para entrevistar o CEO (diretor-executivo) da Saab sueca, fabricante do caça. A entrevista com o CEO Hakan Buskhe foi enfim realizada no dia 25 de junho.
Você é uma pessoa paciente?
Há alguns anos, eu ficava irritado se, por exemplo, um voo atrasasse. Com o tempo, eu me tornei bastante paciente com coisas nas quais não posso influenciar. Percebi que não vale a pena gastar energia nesses casos com impaciência. Por outro lado, há a necessidade de uma certa impaciência na condução de uma operação, se você quer resultados.
Sua paciência está sendo posta à prova na Suíça, com as eternas idas e vindas políticas em relação à compra de caças a jato.
Não se pode esquecer que essa é uma decisão importante para um país como a Suíça, que implica na proteção de seu território e população. E não há razão para nós colocarmos impaciência nesta pauta. Eu não posso e não pretendo influenciar o processo democrático de tomada de decisão na Suíça.
Mas você deve ficar irritado com o fato do Gripen E ser chamado de avião de papel na Suíça.
Isso não me irrita. Eu já voei o demonstrador do novo Gripen E/F junto com um piloto de testes. Assim, eu sei o quanto o novo caça será bom. Já produzimos mais de 5.000 aeronaves e sabemos do que somos capazes. Evidentemente, sempre há diferentes opiniões sobre um jato, o que faz parte do negócio. Assim, não tenho problemas com isso.
E se outros países também forem tão complicados quanto a Suíça?
Isso sempre ocorre em processos políticos, que são diferentes de país para país. Isso leva tempo e requer uma boa base financeira de nossa parte, porque essas aquisições sempre requerem longos planejamentos e prazos de entrega.
Vendas de armas são sempre acompanhadas de acusações de corrupção. Você já enfrentou alguma?
Seria ingenuidade alegar que não há conexão de transações de armas com corrupção. Mas posso lhe assegurar que, nessa área, nossa tolerância é absolutamente zero.
Como você tem controle disso?
Externamente, trabalhamos com a organização Transparência Internacional e seu “Índice de Companhias de Defesa Anticorrupção”. Esse índice mostra se 129 empresas de defesa de 31 países se envolvem com corrupção ou se omitem a combatê-la. Nossos controles internos são muito acurados. Nossos padrões éticos e morais são altos e não nos afastamos um milímetro sequer deles. Isso é controlado pelo nosso Conselho de Ética de Negócios. Também temos a opção de, após as vendas militares, checar o que está ocorrendo em relação a corrupção.
Isso complica ou aumenta o custo de estabelecer acordos de armamentos?
A transparência, especialmente na área financeira, está em constante crescimento. Esse desenvolvimento tem crescido de forma maciça desde os ataques de 11 de setembro de 2001. Mas isso é bom para nossos negócios porque pode prevenir que sociedades corruptas tenham acesso fácil a armamentos. Por outro lado, estamos no negócio com mais de 100 países, e é certamente melhor se realizamos negócios conjuntos de forma transparente e com altos padrões éticos do que se cooperamos com países onde corrupção é um problema.
A crueldade é uma característica necessária quando se lida com negócios de armas?
As pessoas que trabalham na Saab não são certamente defensores da guerra. Nós existimos principalmente porque defendemos a Suécia como um país independente de blocos – e isso desde 1935. Nossa indústria própria de armamentos certamente nos ajudou a manter nossa posição de fora dos dois blocos durante a Guerra Fria. E isso trouxe, como consequência, o fato de termos uma forte indústria de defesa. Mas isso não significa que estejamos fornecendo armas a países párias. O controle de exportação de armas é bastante estrito na Suécia. Temos que aceitar que o mundo não é perfeito, e que temos o direito de nos defendermos. É para isso que precisamos de armas.
Então você não tem escrúpulos morais?
Não se pode vender armamentos sem levar em conta essas questões. Estou bem consciente das responsabilidades.
Como você explica, a seus filhos, que fabrica e vende armas?
Eu realmente tive um grande debate com minha esposa e nossos três filhos, quando encarei a decisão de aceitar esse emprego. Mas eu pude convencê-los de que nossa exportação de armas faz sentido. A ONU (Organização das Nações Unidas) afirma que os países têm o direito de se defenderem. Vendemos nossos equipamentos militares a outras nações de forma não conectada a interesses políticos. Minha esposa foi convencida, por fim. Mas o que prossegue sem controvérsia é que um mundo sem armas, sem violência nas ruas, sem violência doméstica, seria um mundo melhor. Porém, no momento, isso é uma ilusão.
Mas países neutros, não alinhados e independentes, como a Suécia e a Suíça, precisam de força aérea?
Se alguém é fraco, está convidando outro a atacá-lo. Assim, a Suécia, como um país independente de blocos, precisa de uma força aérea. Contudo, não cabe a mim julgar se a Suíça precisa de uma.
O futuro não estaria nos drones, aeronaves não tripuladas para assumir o controle do espaço aéreo, ao invés do patrulhamento clássico com caças a jato obsoletos?
Sempre será necessário ter aeronaves tripuladas que podem ver o inimigo ou invasor de forma direta e responder também de forma direta. Mas vejo o futuro com aviões que possam voar tanto missões tripuladas quanto não tripuladas. A Saab está trabalhando nesse desenvolvimento, porque é nossa filosofia. Não queremos construir uma aeronave específica para cada tarefa, e sim fazer do nosso Gripen uma aeronave onde diversas opções são possíveis.
A encomenda suíça leva em conta um caça a jato não tripulado?
Não, isso não faz parte do acordo. Mas será possível modernizar esses aviões quando a tecnologia estiver pronta para o uso.
Para a Saab, qual a importância da venda de 22 caças Gripen E para a Suíça?
Extremamente importante, especialmente porque é uma grande encomenda para nós. A cooperação entre os dois países também é muito importante para nós. Mas não é algo de tal forma fundamental que um fracasso quebraria o nosso pescoço. O Gripen é nosso carro-chefe, mas fabricamos diversos outros produtos.
A Saab sofreu alguns revezes financeiros. A empresa ainda vai existir quando chegar a hora de entregar os caças à Suíça?
Nos últimos dez anos, só tivemos um ano de perdas, que foi 2008. Esperamos fechar este ano com uma vitória. Eu atribuo as manchetes negativas sobre nós à campanha de outros candidatos que querem nos denegrir, procurando nos mostrar como muito pequenos. Na verdade, trata-se do caso oposto: são as grandes companhias que mostram problemas sérios. Nós somos uma organização enxuta e, por isso mesmo, somos muito eficientes.
A Saab se comprometeu a compensações (offsets) de 3,1 bilhões de francos suíços na Suíça. Quantos desses offsets já foram estabelecidos?
Para nós, é extraordinário que já completamos 10% das operações de compensação antes mesmo do contrato. Também já foi estabelecida a política doméstica com um modelo de distribuição dos offsets para a Suíça. Espero que, por volta do final do ano, 40 contratos com empresas sejam concluídos com um volume de encomendas acima de 300 milhões de francos.
Você virá à Suíça para convencer parlamentares e representantes do governo sobre o Gripen E?
Já estive na Suíça e compareci a audiências com parlamentares. Outras reuniões estão planejadas. Todavia, não me encontrei ainda com o ministro da Defesa Ueli Maurer. Nosso lema é apresentar as informações, mas não interferir no processo de decisão.
Um grande obstáculo será o referendo na Suíça. O quanto a Saab pretende interferir?
Não vamos nos envolver na campanha, trata-se do seu país, com as suas regras. Eu não gostaria que estrangeiros estivessem envolvidos em tomadas de decisão na Suécia. Apenas estamos oferecendo um caça muito bom.
FONTE / FOTOS: Berner Zeitung (tradução e edição do Poder Aéreo a partir de original em alemão)
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