Honduras recua e promete manter proteção à Embaixada do BrasilDo UOL Notícias*
Em São Paulo
O governo golpista de Honduras anunciou na noite de segunda-feira (28) que manterá a proteção da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa ainda que ela perca o estatuto diplomático.
De acordo com a tradição internacional, o governo golpista "continuará oferecendo proteção aos escritórios do Brasil" ainda que "já não existam relações diplomáticas", disse a chancelaria em um comunicado.
No domingo (27), o presidente de fato, Roberto Micheletti, deu um prazo de dez dias para que o Brasil defina o status do presidente deposto Manuel Zelaya, abrigado na embaixada brasileira desde 21 de setembro.
Ao dar proteção a Zelaya, o Brasil "assumiu a responsabilidade pela segurança das pessoas que entraram em seus escritórios em Tegucigalpa, mas, apesar disso, Honduras dará proteção a esses escritórios", diz o comunicado.
Micheletti manda "forte abraço" a Lula
O presidente de fato de Honduras, Roberto Micheletti, por sua vez, reafirmou nesta segunda-feira (28) que não haverá invasão da embaixada do Brasil em Tegucigalpa, e enviou um "forte abraço" ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Micheletti confirmou as declarações da véspera de seu chanceler, Carlos López, de que o governo de fato respeitará a imunidade da embaixada do Brasil, apesar do ultimato para que Brasília defina o status do presidente deposto, Manuel Zelaya, em sua sede diplomática.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva "não tem com que se preocupar, porque a polícia de Honduras jamais violará os domínios" da embaixada brasileira, disse Micheletti.
"Apenas fizemos uma advertência porque acreditamos ser injusto, algo inédito na história, que se permita a alguém que pediu abrigo ou asilo que saia nas janelas e nas varandas (de uma embaixada) para incentivar a violência".
"É isto que nos deixa muito preocupados, mas quero enviar a Lula um forte abraço, com o carinho e o respeito que sempre tivemos por todos os países do mundo".
Governo de Honduras convida OEA
O governo golpista de Honduras, liderado por Roberto Micheletti, convidou a Organização dos Estados Americanos (OEA) a enviar uma comissão avançada ao país, nesta segunda-feira (28), um dia após impedir a entrada de outra missão da OEA, que prepararia a visita de um grupo de chanceleres encarregados de mediar a crise política.
O governo hondurenho "tem o prazer de convidar a comissão avançada de funcionários da OEA para que visite Honduras a partir da próxima sexta-feira, dia 2 de outubro", destaca um comunicado da chancelaria em Tegucigalpa.
Do mesmo modo, "convida a Comissão de Chanceleres do Continente Americano e os funcionários da OEA que desejem acompanhá-los para que visitem Honduras na quarta-feira, dia 7 de outubro".
Horas antes, Micheletti havia justificado a proibição da entrada da missão da OEA em Honduras, onde foi barrada no aeroporto de Tegucigalpa, afirmando que o país é soberano para decidir quem entra ou não.
No domingo, cinco membros da OEA ficaram "detidos" durante seis horas, ao chegar ao aeroporto de Tegucigalpa, e quatro foram expulsos do país.
O grupo foi enviado para adiantar os preparativos da missão mediadora da crise política que abala Honduras desde o golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya, em 28 de junho passado.
Amorim diz que golpistas mostram "surdez"
O chanceler Celso Amorim afirmou na segunda-feira (28) que o governo de Honduras mostra "surdez" perante a comunidade internacional e "uma total falta de disposição ao diálogo e a uma solução pacífica" para a crise.
Amorim expressou a "preocupação" do governo brasileiro, que recebe em sua embaixada em Tegucigalpa o deposto Manuel Zelaya, com os últimos acontecimentos em Honduras.
O ministro das Relações Exteriores explicou, em coletiva de imprensa, que essas "preocupações" se referem em particular ao ultimato que o governo golpista deu ao Brasil "para asilar ou deixar sair o presidente Zelaya" e a sua recusa em receber uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA).
"São fatos graves", que revelam "quase um estado de surdez do governo de Honduras perante a comunidade internacional" e uma "total falta de disposição ao diálogo e a uma solução pacífica" da crise gerada a partir do golpe de Estado de 28 de junho.
Amorim afirmou que "há uma total falta de receptividade" por parte do governo Roberto Micheletti, que "denota um desconhecimento da situação".
O ministro reiterou que o Brasil foi tomado por surpresa pela chegada do líder deposto a sua embaixada e que, por "uma situação que não criou, praticamente se tornou o guarda de um presidente democrático e legítimo de um país".
"Seria muito fácil simplesmente retirar os dois diplomatas que estão lá e o problema de segurança do Brasil terminaria", mas "não se pode fazer isso, porque seria um gesto de covardia, de falta de respeito à própria democracia, e um incentivo a outros golpes de Estado no continente", apontou Amorim.
O ministro informou que conversou nesta segunda-feira (28) por telefone com o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, e da ONU, Ban Ki-moon, assim como com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton.
Nos três casos, o chanceler disse ter manifestado as preocupações do governo brasileiro, inclusive em relação à "segurança" na embaixada, e que houve uma "absoluta concordância" e apoio ao papel do Brasil.
"Temos que seguir dando proteção a um presidente democrático, independentemente de quais sejam suas tendências políticas", apontou.
Amorim também insistiu em que a ONU deveria ter um papel mais ativo na crise hondurenha.
Segundo Amorim, "um maior papel da ONU poderia ter um efeito positivo" e ajudar a que se encontre uma saída negociada, que para ele deveria levar a "eleições naturalmente dirigidas pelo presidente legítimo" de Honduras.
Sobre a ameaça do governo hondurenho de retirar o estatuto diplomático da missão brasileira, Amorim lembrou que a Convenção de Viena "estabelece que, ainda com uma ruptura de relações, o que não ocorreu, e ainda em caso de guerra, a inviolabilidade (da sede) deve ser mantida".
Governo é golpista, dizem especialistas
A falta de devido processo legal, a inexistência de apoio da comunidade internacional e a origem em um levante para remover um chefe de Estado legitimamente eleito só permitem chamar o governo de Honduras de golpista, não de interino, afirmam especialistas consultados pelo UOL Notícias. A atual administração do país centro-americano acusa o presidente deposto, Manuel Zelaya, de tentar violar a Constituição para buscar a renovação de seu mandato presidencial.
A administração liderada por Roberto Micheletti afirma que Zelaya está sujeito a ser preso se deixar a Embaixada do Brasil por ter violado a 4ª Cláusula da Constituição hondurenha, segundo a qual tentativas de mudar a Carta implicam perda imediata do cargo público. Os golpistas acusam o presidente deposto de abuso de poder e de traição à pátria.
Para os analistas, ainda que Zelaya tenha tentado promover um referendo para mudar a Constituição hondurenha, nada nela prevê que o mandatário seria expulso do país, o que reforça os contornos de golpe de Estado na ação promovida pelo grupo de Micheletti. Além disso, dizem eles, pesa contra o regime de Tegucigalpa a ausência de reconhecimento não apenas por outros países, mas também pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Os especialistas ouvidos foram unânimes ao considerar que chamar o governo de Micheletti de interino seria uma concessão a uma gestão com traços autoritários - inclusive com suspensão de direitos constitucionais e censura à imprensa - e que carece de respaldo globalmente. Nenhum governo do mundo até o momento reconheceu o regime estabelecido em Tegucigalpa após a deposição de Zelaya, que desde a semana passada está abrigado na Embaixada do Brasil na capital do país.
http://noticias.uol.com.br/ultnot/inter ... u1546.jhtm