Fogo cruzado no mercado de armas
Em meio a guerra de dossiês, a brasileira Taurus e a israelense IMI travam batalha por mercado de US$ 200 milhões
Domingo, 26 de Agosto de 2001
MARCELO KISCHINHEVSKY
A carabina Magal, da israelense IMI: estopim para guerra que inclui lobby e dossiês adulterados
Uma fumaça espessa paira sobre o mercado de armas brasileiro e não vem dos constantes tiroteios entre policiais e traficantes de drogas nas comunidades carentes do país. Duas gigantes do setor, a brasileira Forjas Taurus e a israelense IMI (Israel Military Industries), estão envolvidas num fogo cruzado sem precedentes, que inclui táticas de contra-informação, circulação de dossiês adulterados e lobby entre os burocratas da segurança pública. O alvo prioritário é o reaparelhamento das polícias nacionais, como parte do Plano Nacional de Segurança Pública, que deverá movimentar de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões nos próximos dez anos só com a compra de armas.
O chumbo ficou grosso quando a IMI, um dos maiores fabricantes mundiais, passou a disputar o mercado brasileiro com sua carabina Magal calibre .30, sem concorrente no país. Pela legislação atual, o Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), fabricantes estrangeiros só podem vender seus produtos aqui se não houver similar nacional. A Taurus, líder absoluta no mercado brasileiro, contava com uma carabina, a CT, porém, de outro calibre, o .40.
Ofensiva - Graças à brecha nas linhas adversárias, a IMI teve a carabina Magal aprovada pelo Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados do Ministério do Exército e iniciou uma ofensiva para comercializá-la no país, numa verdadeira peregrinação de polícia em polícia. No início do ano, vendeu um primeiro lote, de cerca de 1.500 unidades, para as Polícias Civil e Militar do Pará. Esta semana, emplacou mais uma encomenda de aproximadamente 500 carabinas para a polícia maranhense.
''Isso não é uma disputa comercial. Disputa ocorre quando existem duas empresas com produtos de nível semelhante. As armas Taurus são usadas em 41 polícias brasileiras. O uso do calibre .40 é uma demanda das polícias. A carabina .30 é uma arma limitada, só para batalhões especiais'', esnoba Renato Conill, diretor de relações governamentais e comerciais da Taurus, que apela para o patriotismo em sua argumentação. ''Temos que pensar no aspecto policial, no nacionalismo, na coisa pública. Por que pagar o dobro por um produto estrangeiro? Além disso, alguém compra um carro de uma fábrica que pode fechar amanhã? Israel vive em guerra'', alfineta.
''Temos estoques de peças de reposição para cinco anos. Israel vive em guerra e a IMI é o maior fornecedor das Forças Armadas: se faltar peça, eles morrem'', reage Roberto Paranowski, da Brasil Sul Indústria e Comércio, representante do gigante israelense no país. ''O grande problema é a propaganda enganosa. O calibre .40 não é usado em lugar nenhum do mundo, exceto em alguns condados americanos. É um calibre de pistola que foi adaptado, não tem precisão para armas de maior porte. Já o .30 foi desenvolvido na Segunda Guerra Mundial, é usado há décadas. A Taurus começou essa campanha difamatória porque não estava acostumada com a concorrência. É um monopólio, nem tem condições de disputar uma licitação internacional, como a realizada no Pará'', devolve.
Sem quartel - Não é possível determinar quem disparou o primeiro tiro. Certo é que um minidossiê favorável às carabinas .40 começou a circular entre os responsáveis pelos departamentos de compras das polícias de Norte a Sul do país. Sem assinatura, trazia o nome do especialista em armas José Carlos Fauri, professor da Academia de Polícia de Porto Alegre que presta serviços para a Taurus. Fauri reconhece apenas parte da autoria do documento. ''Algumas informações foram acrescentadas pela Taurus. Não tenho certeza se Israel e Pará são os únicos lugares no mundo que usam a .30'', disse o especialista ao Jornal do Brasil, por telefone.
Fauri, que já testou a carabina israelense e considerou o produto ''muito bom'', se disse ''chateado'' com as alterações que teriam sido feitas no texto. A Taurus, no entanto, nem sequer admite que distribuiu o dossiê. ''Os documentos da Taurus levam o timbre da empresa'', afirmou um assessor da diretoria. A empresa brasileira admite que divulgou um relatório desfavorável à Magal, ao qual o JB também teve acesso. A semelhança entre os documentos salta aos olhos.
Resposta - A IMI contra-atacou, veiculando um relatório, também sem assinatura, em que defende as qualidades da carabina .30 e nega as supostas desvantagens levantadas pela rival. Até o momento, vem sendo bem-sucedida: sua representante no país já obteve recomendações de compra ou está sendo testada pelas polícias do Distrito Federal e de estados como Mato Grosso do Sul, Acre, Rondônia, Piauí, Alagoas, Sergipe, Paraná e até mesmo do Rio Grande do Sul, berço da Taurus.
Na guerra sem quartel, pelo menos um consenso. O calor dos combates cresceu com o anúncio, pelo ministro da Justiça, José Gregori, do Plano Nacional de Segurança Pública, em junho do ano passado. O plano previa investimentos de R$ 1,33 bilhão no setor até 2002, principalmente no reaparelhamento das polícias. Dos R$ 330 milhões que deveriam ser desembolsados no ano passado, R$ 251 milhões saíram da boca do caixa do Tesouro. Este ano, dos R$ 500 milhões previstos inicialmente, R$ 403 milhões serão liberados, de acordo com as últimas estimativas do governo. Mesmo assim, são valores respeitáveis, capazes de despertar a cobiça dos senhores da guerra dos quatro cantos do planeta.