Loki escreveu:Clermont, como vai, após ler seus excelentes posts, fiquei com uma dúvida, confesso que não li as demais páginas do tópico, mas agradeceria um comentário seu, ou sua visão sobre a seguinte questão:
Enxergo uma proximidade na atuação brasileira para a COIN, seja no Haiti ou na amazonia legal muito mas para o legado do cel David Galula, que para o (ao meu ver) equivocado FM 3-24 que teoricamente teriam a mesma base.
Eu acho o enfoque do Cel Galula, de atuação de parceria e melhoria da comunidade em questão, muito mais eficaz e eficiente que a atuação descrita tão claramente em seus post sobre a Contra insurgência americana.
Saudações, Deus do Mal e Príncipe dos Feiticeiros.
Pra falar a verdade, nunca tinha ouvido – ou lido – falar deste coronel Galula. Mas, felizmente, neste século, em Midgard, nós dispomos deste maravilhoso “pai dos burros” chamado Wikipedia. (
http://en.wikipedia.org/wiki/David_Galula).
Lendo este texto da Wikipedia, e tendo lido, apenas, esparsos fragmentos, do tão falado manual americano, não saberia dizer se o pensamento do coronel francês é, assim, tão diferente do que que preconiza o manual americano. Óbvio que, somente, um especialista no assunto poderia dar a palavra final. No fundo, a teoria da contrainsurgência é, relativamente simples. A teoria, bem entendido, pois a prática já são outros quinhentos.
Veja-se algumas destas recomendações de Galula (da Wikipedia):
”O objetivo da guerra é conquistar o apoio da população, de preferência a controlar território.”
“O apoio da população pode ser perdido. A população precisa ser, eficazmente, protegida para permiti-la cooperar sem temor de retribuição do partido oponente.”
“A imposição da ordem deve ser feita, progressivametne, removendo ou rechaçando os oponentes armados, então, ganhando o apoio da população e, eventualmente, reforçando posições, ao construir infraestrutura e estabelecer relacionamentos de longo prazo com a a população. Isto deve ser feito, área por área, utilizando um território pacificado como base de operações para conquistar uma área vizinha.”
Difícil achar que algum manual de contrainsurgência contradiga tais recomendações. Aliás, se tivessem perguntado ao Sun-Tzu o que ele achava, talvez ele dissesse que é puro bom senso. Por isto, no texto que eu postei, o autor faz referência ao fato de que, muita coisa em doutrina militar é tirada, quase, letra por letra, de textos e autores de muitos anos passados. Mas, isto não é uma simples questão de falta de originalidade. É, tão só, reconhecer que, desde que o homem tem sentido a necessidade de atacar outros homens em busca de suas mulheres, de suas terras, e qualquer outras coisitas, todo tipo de método e ardil para conquistar tais objetivos – ou para defender-se de tais pretensões - tem sido meditado e levado à efeito.
Vou dar um exemplo prático: lembra-se do Maurício de Nassau? O governador do “Brazil Holandês”? Pois bem, se ele tivesse sido apresentado ao coronel Gandula, digo, Galula, provavelmente, teria apreciado muito o francês e o convidado para um jantar. Isto porque o pensamento do coronel se encaixa, perfeitamente, no método de ação de Nassau.
E qual era este? Manter a boa-vontade e a cooperação dos habitantes portugueses (claro que este termo, na época, também incluía os nativos da terra que, depois, viriam a ser os brasileiros) da “Nova Holanda”, impedindo-os de cooperar com os portugueses dos territórios sob controle luso-espanhol. E esta boa-vontade foi obtida da seguinte forma: evitando-se ofender a fé religiosa católica dos portugueses, tentando implantar formas de conduta calvinistas; evitando-se ofender a fé dos bolsos dos portugueses, tentando lhes tosquiar a pele, aumentando impostos. Aliás, sobre impostos, vejam o que Nassau disse, no seu discurso de despedida do Brasil, aconselhando os sucessores:
"A palavra imposto soa muito mal; não os aumentem, mesmo que seja para pagar as dívidas do Estado".
Acho que Nassau não seria aceito nem no PT, e nem no PSDB...
E, encaixando-se num dos itens de Galula, Nassau deu início a uma série de construções de infraestrutura que, em pouco anos, tornaram a Recife holandesa como a cidade mais bem construída de toda o Novo Mundo.
E qual a forma de mensurar o resultado da ação de Nassau em termos de “contrainsurgência”, um termo desconhecido para ele, pelo menos, em forma, não em conteúdo?
Quando surgiram boatos de que Nassau abandonaria o comando da Nova Holanda, vários senhores de terra pernambucanos enviaram uma carta aberta para que ele permanecesse, e não os abandonasse. Alguém poderia pensar: “Mas que filhas da mãe traidores!” Acontece que, entre eles estavam vários dos mais importantes cabeças da Insurreição Pernambucana, anti-holandesa, dos anos seguintes. Incluindo, um dos maiores de todos, João Fernandes Vieira.
E, algumas das várias razões que deram origem à Insurreição, foi a atitude dos novos dirigentes holandeses que fizeram o contrário de Nassau. Não só passaram a arrochar os impostos e cobrar dívidas dos senhores de engenho, como passaram a atacar a fé católica do povo simples. Não por coincidência, a Insurreição ficou conhecida, na época, como a Guerra da Divina Libertação.
E o resto da história é Guararapes...
Então, se a teoria é conhecida há tanto tempo, porque não é posta em prática, sempre, e não se vence todas estas guerras de contrainsurgência, com a mão nas costas?
Eu desconfio de que a raiz esteja, no próprio conceito de “contrainsurgência” na forma como este conceito teórico, lida com cada realidade particular. Por exemplo, a sabedoria dos conselhos do coronel Galula parecem à toda prova. Porém, tal sabedoria foi forjada a partir dos ensinamentos da situação dos franceses na Argélia. O fato é que tal situação, era fruto de todo um longo processo histórico. Os franceses estavam na Argélia desde meados do século XIX. Tinham todo um aparato administrativo, cultural, político, econômico e militar, solidamente implantado. Eles não eram, de forma alguma, alienígenas na Argélia. Existia um grande número de franceses que viviam lá, há gerações; muitos argelinos locais eram leais à França. Não me parece que uma mensagem radical islâmica fizesse parte do cenário local de luta contra a presença francesa.
Ou seja, condições totalmente opostas a dos americanos no Afeganistão e no Iraque.
E outra coisa, tanto num caso (a Argélia) e noutro (Afeganistão/Iraque) no meu modo de ver, o termo “contrainsurgência” é sinônimo de guerra colonial/imperialista. Algo que seria totalmente distinto da situação do Brasil, no caso eventual de o MST virar um movimento de guerrilha armada. Em tal caso, um governo brasileiro,
legítimo, por ter sido sancionado
nas urnas, estaria conduzindo um movimento de contrainsurgência, por meio de seu braço militar de combate terrestre, o Exército brasileiro.
Quanto ao Haiti, nunca me passou pela cabeça que pudesse ser considerado em termos de contrainsurgência. Tanto quanto eu saiba, aquilo lá é uma missão de manutenção da paz (traduzindo-se, em termos de “paz política interna”). Os poucos – ou muitos, não sei – tiros que os brasileiros andaram dando lá, tem a mesma característica básica dos tiros que o BOPE desfecha em favelas: ou seja, durante uma missão policial contra foras-da-lei comuns.
Agora, se amanhã – por pura magia, já que, depois do terremoto, o Haiti já era, para todo o sempre -, aparecesse um movimento
político local, que conseguisse arregimentar determinado número de haitianos, para pegarem em armas contra a presença dos “maléficos invasores brasileiros”, seria um caso teórico de se preparar para uma contrainsurgência. Evidente – pelo menos pra mim! – que, no dia em que tal coisa acontecesse, não poderia haver a menor dúvida de que todos os brasileiros – militares e civis –
teriam de ser retirados, imediatamente, como se nunca na vida, tivéssemos ouvido falar na palavra, “Haiti”.
Isto seria muito mais econômico, em dinheiro e em vidas, do que perder tempo, elaborando complexos métodos operacionais de contrainsurgência para "cumprir o dever que Deus determinou ao Brasil, de salvar o pobre povo haitiano".