Porque trocaram o grande Trotski pelo medíocre Stalin
A palavra stalinista não é agressão e sim constatação. Quando Stalin se consolidou no Poder a partir de 1926, desalojando Trotski, que era o grande líder bolchevista, os comunistas-governistas passaram a idolatrar Stalin. A grande liderança que chegaria ao poder em 1919 seria a de Trotski e não a do endeusado Lenine.
Trotski e Lenine foram presos longamente, numa época em que Stalin ainda estava na Geórgia, completamente desconhecido. Lenine e Trotski fugiram quase ao mesmo tempo de prisões diferentes. Mas com destinos e vidas também diferentes.
Trotski ficaria na Rússia mesmo, não sairia do país durante algum tempo, estaria presente em quase tudo. Lenine foi para a Suíça, gozou o "caviar do exílio", ficou trocando de mulher, um exercício muito mais agradável do que o de permanecer na Rússia, enfrentando a terrível perseguição "romanofesca". Trotski esteve ligeiramente na Inglaterra, voltando para Moscou em 1905, fundando os primeiros soviets, isso com 25 anos de idade.
De 1917 a 1919, com a sangrenta guerra civil, estava em Moscou, embora desarvorado e sem saber o que fazer. Lenine na Suíça, desinformado, os meios de comunicação da época eram precários. Em fevereiro de 1919, acabou a guerra, o Poder foi para as mãos de um títere dos EUA. Em outubro é que ele e Lenine chegaram ao Poder. Trotski foi ministro do Exterior e comandante do Exército Vermelho. Todos os grandes acordos foram feitos por ele.
Ficaram pouco no Poder. Em novembro de 1923, Lenine morreria de um antigo ferimento a bala. A situação estava tão complicada por causa da oposição do trio Stalin-Zinovieve-Kameneve que só noticiaram a morte de Lenine em 4 de janeiro de 1924, quase 2 meses depois. A luta durou até 1926, quando Stalin mandou expulsar Trotski da União Soviética. E quase ao mesmo tempo mandava fuzilar os amigos Zinovieve e Kameneve.
Medíocre e muito abaixo de Trotski, política ou intelectualmente, Stalin só sossegou quando Trotski foi assassinado no México, em 1940, já com 61 anos e dedicado inteiramente à literatura. Ninguém queria dar asilo a Trotski, viveu anos em navios até obter o visto permanente para o México.
De 1928 até a Segunda Guerra Mundial, os principais intelectuais do mundo eram "trotskistas". Ninguém era "leninista", Stalin era ignorado. Nascido também em 1879 (como Trotski), era quase que analfabeto. Enquanto Trotski escreveria "A História da Revolução Soviética", 2 volumes maravilhosos, Stalin mal rascunhava os próprios discursos. Mas quem tomou o Poder foi ele.
Os "stalinistas" se propagaram pelo mundo. Ele era o seu Maomé e o próprio profeta. Em março de 1939, assinou com Hitler o Tratado de Não Agressão. Os "stalinistas" ficaram desapontados mas continuaram "stalinistas". Em 1942, Stalin acabou com o Komintern e criou o Kominform, era o fim da Revolução Mundial, exigência irrevogável para Marx: "Sem isso, o sovietismo não resistirá".
Quando Krushov assumiu o Poder e denunciou as falhas de Stalin e seu assombroso "culto à personalidade" (no 22º Congresso do Partido), apareceu o verdadeiro Stalin. Estátuas foram derrubadas, seu nome retirado de enciclopédias e até da História. Houve uma reviravolta desse personalismo em muitas partes do mundo, inclusive aqui no Brasil.
Tenho que terminar, o tema é inesgotável. O jornalista e escritor Osvaldo Peralva, excelsa figura, foi o Vasco da Gama do "stalinismo", descobriu o caminho das Índias da Liberdade e do anti-stalinismo. Morou anos na União Soviética, estudou na União Soviética, falava russo corretamente, acreditava no bolchevismo. Quando se desencantou, escreveu um livro magistral e lancinante.
Não fez como tantos ou quase todos que continuavam se exibindo sem convicções. O livro de Peralva, "O Retrato", é extraordinário. Sua decepção é total. Quem não leu esse livro, deve lê-lo imediatamente. Se não ler, não pode falar em "stalinismo", nem contra nem a favor.
PS - Uma das boas recordações da prisão no famigerado AI-5 foi ter passado 28 dias com Osvaldo Peralva. Fora o que está no livro, que histórias me contou. E que personagem admirável foi Osvaldo Peralva.
PS 2 - Stalin foi o Hitler do outro lado. Nem esquerda nem direita, enganaram o mundo. Dois ditadores cruéis e repelentes, duas feras cruéis, selvagens, sem entranhas.
(...)
*Helio Fernandes