rodrigo escreveu:28/07/2005 - 17h05
Em comunicado, IRA anuncia fim da luta armada na Irlanda do Norte
da Folha Online
O IRA [Exército Republicano Irlandês, guerrilha católica], anunciou nesta quinta-feira que vai abandonar sua "campanha armada" e continuar o processo de desarmamento, o que deve ajudar a retomada do processo de paz na Irlanda do Norte. Declarou também que deve prosseguir com sua luta pela unificação da região com a República da Irlanda pela "via política".
Com a decisão, o grupo põe fim a mais de 30 anos de violência, que deixaram ao menos 3.600 mortos.
Segundo o comunicado, "a direção do IRA ordenou formalmente o fim de sua campanha armada". "Todas as unidades do IRA devem depor as armas. Os membros [do grupo] receberam instruções para ajudar no desenvolvimento de programas puramente políticos e democráticos, em termos pacíficos', diz ainda o anúncio.
De acordo com comunicado, a campanha armada terminou oficialmente às 16h (12h de Brasília).
Apesar do anúncio, o grupo não vai se dissolver. Essa é uma das demandas dos unionistas protestantes, que defendem a continuidade da união da Irlanda do Norte com o Reino Unido, ao contrário do Sinn Fein, partido político que representa a minoria católica da Irlanda do Norte, --e sustenta o IRA como seu braço armado-- que quer que a região seja integrada à Irlanda, onde o catolicismo é predominante.
A organização também pede a seus militantes que mantenham como objetivo a reunificação da Irlanda e o fim da autoridade britânica sobre a Irlanda do Norte, mas unicamente por meios políticos.
Protestantes
Uma das discussões entre os católicos e protestantes é sobre a formação de um governo misto para a região do Ulster [como também é conhecida a Irlanda do Norte], discussão suspensa em 2002, após a deflagração de um suposto caso de espionagem realizado pelo IRA sobre o governo britânico.
Houve uma tentativa de retomada dessas negociações no final do ano passado, o que acabou sendo minado pela recusa do IRA em permitir que o desarme do grupo fosse registrado publicamente.
Líderes protestantes, entretanto, disseram que irão esperar vários meses para "testar" se a ação tomada pelo IRA será "verdadeira". O grupo deveria ter obedecido a um desarmamento total em 2000, como parte do acordo de Sexta-Feira Santa, realizado em 1998, mas não iniciou o processo até o fim de 2001, e o interrompeu em 2003.
Especialistas em segurança dizem que o IRA detém boa parte de seu arsenal escondido em depósitos na Irlanda. Na década de 80, o grupo recebeu mais de 130 toneladas de armas da Líbia, e a polícia diz que o grupo continua a contrabandear armas mais modernas para dentro da Irlanda e da Irlanda do Norte.
Libertação
As especulações sobre o fim da luta armada do IRA cresceram na noite desta quarta-feira, quando o governo britânico libertou da prisão um dos membros do IRA acusado de vários ataques terroristas, Sean Kelly, que cumpria a pena de prisão perpétua pela morte de nove civis, com uma bomba colocada dentro de uma loja de Belfast, em 1993.
O grupo levou quase quatro meses para responder ao pedido do líder do Sinn Fein, Gerry Adams, que havia pedido ao IRA para deixar a luta armada e integrar a discussão política.
No início deste ano, o Sinn Fein e o IRA passavam por uma crise interna desencadeada pelo suposto assassinato por um membro do grupo, de um católico da Irlanda do Norte, Robert McCartney, em 30 de janeiro passado.
Blair
O premiê britânico, Tony Blair, comemorou o anúncio do IRA. "Este deve ser o dia em que, finalmente, depois de todas as esperanças frustradas, a paz irá substituir a guerra e a política substituirá o terror na Irlanda", afirmou Blair durante discurso em Downing Street exibido ao vivo pela TV local.
"Eu fico satisfeito com o anúncio do IRA de dar fim à sua campanha armada; fico satisfeito com sua clareza; eu me satisfaço com o reconhecimento de que o único caminho para a mudança política está na paz e na democracia", acrescentou. "Este é um passo de magnitude sem paralelos para a história recente da Irlanda do Norte".
Blair afirmou ainda que a comunidade protestante na Irlanda do Norte, em particular, ao lado do Reino Unido e da Irlanda "desejarão ver os efeitos deste comunicado na prática".
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, também comemorou o compromisso assumido pelo IRA e pediu a todos os partidos que aproveitem a oportunidade para consolidar seu acordo de poder compartilhado.
"Se for colocada em prática totalmente, esta decisão marcará a história da Irlanda do Norte", afirmou o porta-voz de Annan.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u86193.shtml
Não foi citado na notícia, mas foi fundamental a atuação americana no episódio. Durante muitos anos o IRA teve uma certa simpatia do governo americano, por razões que desconheço, mas a atual administração americana cortou relações e pressionou para o fim da luta armada, inclusive apoiando a manifestação política do IRA.
Na realidade o governo dos EUA nunca favorável ao IRA. No entanto, o IRA sempre foi apoiado e financiado pela poderosa comunidade irlandesa americana da qual fazem parte nada mais nada menos do que a família Kennedy. O senador Edward Kennedy, por exemplo, sempre foi o porta-voz da causa irlandesa nos EUA. Esse apoio acabou limitando um pouco a ação anti-IRA por parte do governo americano e levando aos EUA a adotarem (e pressionarem o Reino Unido a adotar posição semelhante) uma posição mais favorável a negociação com o IRA do que com outros movimentos do tipo (ex: ETA).
Esse "apoio" que o IRA tinha nos EUA foi extremamente útil nas negociações do Acordo de Sexta-Feira Santa já que os líderes da comunidade irlandesa nos EUA acabaram sendo em parte os intermediadores do acordo entre o IRA e o governo britânico.
O fato é que desde o acordo de paz o IRA veio se esvaziando e alguns de seus membros ficando cada vez mais envolvidos com atividades criminosas. Para evitar que isso levasse a uma perda maciça de seu apoio político junto aos católicos e mesmo a um esvaziamento do apoio da comunidade irlandesa americana a causa seu líder Gerry Adams renunciou à luta armada e garantindo com isso a continuidade do movimento pela independência da Irlanda do Norte.
Até mais,
Arthur