Anotações sobre o ataque dos EUA contra a Síria
Fernando Horta | Brasília - 07/04/2017 - 11h42
Não, não é a Terceira Guerra Mundial. É mais fácil a destruição do pouco que restava de legitimidade do sistema ONU e um impeachment de Trump do que Putin cair nesta esparrela de guerra
Atualizada às 13:38
1) Há interesse de Israel, da Turquia e dos Estados Unidos na Síria. Para Israel é parte em função da fronteira que divide com a Síria, a Turquia tem interesse na questão dos oleodutos e os EUA são afetados por sua histórica participação na política externa do Oriente Médio, pela cooperação e apoio a Israel e pelo interesse no petróleo.
2) A Síria tem um sistema de governo que não se coaduna com as "democracia ocidentais liberais", mas Bashar al Assad, presidente sírio, é parte dos governos mais progressistas da região com imensa participação das mulheres na sociedade e um dos IDHs mais altos (antes da guerra começar).
3) Há seis anos os EUA tentam remover Assad (como fizeram com Saddam Hussein no Iraque, Muamar Kadafi na Líbia, etc) mas China, Rússia e Irã se colocaram ao lado de Assad.
4) Fora o Japão (e de forma questionável), NENHUMA intervenção norte-americana no século 20 ou 21 resultou em qualquer melhoria ao país que foi invadido.
5) A economia norte-americana provavelmente não suporta mais um conflito inacabável como o Afeganistão, o Iraque e a própria Síria. O uso que o ex-presidente Barack Obama fazia dos recursos internacionais não era só por questão ética, mas econômica mesmo.
6) Alguns congressistas norte-americanos já estão se movimentando por sanções (impeachment?) de Donald Trump, uma vez que ele não poderia, segundo a lei dos EUA, ter autorizado o ataque sem a anuência do Congresso.
7) A mídia norte-americana é quase tão forte quanto a brasileira, então não está claro se Trump conseguirá sustentar a retórica da América defensora dos direitos humanos no Oriente Médio. É possível uma tremenda reviravolta.
8) Não está claro quem foi o responsável pelo uso de armas químicas contra a população síria na última terça-feira (04/04). EUA e Turquia, sem investigação alguma, acusam o Exército de Assad. A Rússia diz que os rebeldes foram atacados com armas convencionais e que as armas químicas que mataram civis estavam abrigadas ilegalmente no depósito dos insurgentes.
9) O Estado Islâmico atacou diversos pontos do território sírio concomitantemente com o ataque norte-americano. Se foi coordenado, não se pode afirmar.
10) O Exército sírio, com ajuda russa, estava com a guerra controlada e fazendo avanços significativos para vencer. Agora devemos aguardar a reorganização de forças.
11) O local em que foram usadas as armas químicas não tem significância militar alguma para o Exército sírio.
12) Não seria a primeira vez que os sírios usam armas químicas, o que fortalece a tese norte-americana.
13) Sites de notícias em russo afirmam que a Rússia foi avisada minutos antes do ataque para retirar seus efetivos. Trump não pediu autorização ou apoio, mas também não deixou os russos sem o aviso diplomático.
14) A diplomacia russa fala em "deterioração ainda maior" das já ruins relações EUA-Rússia, mas Putin não reagiu e chamou reunião do Conselho de Segurança da ONU.
15) O bombardeio dos EUA foi surpreendentemente preciso, com altos danos materiais e poucas baixas.
16) França e Inglaterra condenaram Assad, China deve ficar ao lado da Rússia e condenar a ação norte-americana. O Conselho de Segurança não servirá para nada...
17) Não, não é a Terceira Guerra Mundial. É mais fácil a destruição do pouco que restava de legitimidade do sistema ONU e um impeachment de Trump do que o Putin cair nesta esparrela de guerra.
18) Para quem era tido como um "louco incapaz", a ação de Trump é surpreendentemente limpa, rápida e profissional.
19) Para quem é pintado como um "imperialista impiedoso e violento", a resposta de Putin tem sido surpreendentemente calma, racional e segura, suportando quase toda a pressão sozinho.
20) Parece que tem boi na linha norte-americana e russa para precipitar um conflito. O estardalhaço midiático é muito maior do que as ações dos dois países.
21) A batata de Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, está assando. Ele está tentando obter vantagens de Rússia e EUA fazendo um pêndulo diplomático. Agora ficou do lado norte-americano contra a Rússia, em uma política externa muito perigosa que acredito será atacada já pelos russos.
Fernando Horta é pesquisador em História e Relações Internacionais pela UnB.
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