Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
Moderadores: J.Ricardo, Conselho de Moderação
- cabeça de martelo
- Sênior
- Mensagens: 39492
- Registrado em: Sex Out 21, 2005 10:45 am
- Localização: Portugal
- Agradeceu: 1137 vezes
- Agradeceram: 2849 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
E no entanto bastou eu fazer uma pesquisa sobre esse senhor para encontrar criticas a algum do seu trabalho. Ele salvo erro é licenciado em história, enfim é um teórico. Nós por cá em Portugal tivemos um Ministro da Defesa com um historial semelhante a esse senhor. Conhecia a IM e os principais protagonistas pessoalmente. E no entanto ele como MdD foi uma perfeita nulidade.
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
Ué, e quem neste mundo não é passível de críticas? Nem Aníbal, nem Napoleão, nem Rommel eram. Que dírá, um estudioso de assuntos militares.cabeça de martelo escreveu:E no entanto bastou eu fazer uma pesquisa sobre esse senhor para encontrar criticas a algum do seu trabalho. Ele salvo erro é licenciado em história, enfim é um teórico. Nós por cá em Portugal tivemos um Ministro da Defesa com um historial semelhante a esse senhor. Conhecia a IM e os principais protagonistas pessoalmente. E no entanto ele como MdD foi uma perfeita nulidade.
Agora, pelo menos, desde antes do dia em que foi dado o primeiro tiro no Iraque, este autor diz que tudo ia terminar em catástrofe. Ele estava certo, juntamente com muitos outros civis e militares. Ao passo que muitos outros estavam errados, e, deste último grupo, também faziam parte civis e outros militares.
Quando ao senhor Ministro da Defesa civil português, que foi uma nulidade, aposto que não deve ter sido o único. Ou será que nenhum general português, na rica história militar de Portugal, não se mostrou como sendo uma autêntica nulidade?
- cabeça de martelo
- Sênior
- Mensagens: 39492
- Registrado em: Sex Out 21, 2005 10:45 am
- Localização: Portugal
- Agradeceu: 1137 vezes
- Agradeceram: 2849 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
A abordagem do Exército Alemão ao treino dos seus atiradores:
Fonte: AzimuteIndividual Marksmanship Training
All the firepower will only be useful on operations if the “weapon operators” (meaning the infantrymen) are capable of delivering accurate fires in time. The training with respect to Live Firing starts at the individual. Following the example of other armies and building on mission experience the German infantry school has developed a New Marksmanship Training.(Picture 3)
The modules in All-Arms Basic Training, in the Marksmanship Fundamentals and in the Close-Quarter Shooting Part I are mandatory for all soldiers and establish the basic shooting skills required of all soldiers of all Armed Services. This level includes the full spectrum from quick-response shooting at close quarters, Part I, through deliberate shooting within the effective ranges of the G36 Rifle and the P8 Pistol. In Operational, or Special-to-Arms, Training, this is followed by Live firing with other weapons (for example, submachine gun, designated marksman rifle, etc.) and, as required, also by all-arms air defence shoots. Close-Quarter Shooting Parts II and III train the ability to shoot while turning and the transition between different weapons. After that comes individual
battle shooting, which focuses more on deliberate shooting. The Specialto-Role Marksmanship phase caters for any specialisations required due to arm, equipment or mission. The Sustainment Training module rounds off the marksmanship programme.
Live Fire Exercises
The individual marksmanship training is followed and accompanied by collective live firing, which takes place in a tactical setting and should be as realistic as possible. If the unit is not conducting mission specific training, the scenarios of the live firing should cover a broad spectrum of possible threats and opponents. Target presentation is to include non-legitimate targets to make sure the training audience can discriminate objects in accordance with ROE.
The capabilities are being built up step by step from the fire team to the company level. The topics of the training events are defined by the commanders but must involve offensive operations and operations in urban terrain. The live fire training must be blended with operational training using blank ammunition and/or simulation systems.
At the section and platoon levels, training responsibility lies with the unit commander (in most cases the company commander). The battalion commander assumes responsibility for the training at the company level. He is to ensure the unit‘s required level of proficiency and is responsible for basic and advanced leadership training of the relevant personnel. In this context, the battalion/regimental commanders are supported by the central training establishments such as the Infantry Manoeuvre Training Centre, the Armoured Gunnery and Manoeuvre Training Centre, the SIRA battalion-level battlefield simulation system and the Army Manoeuvre Training Centre. The overarching aim is to establish, maintain and improve the situation- and missionspecific readiness of the sub-units, units and formations. Provided that the formation is not earmarked for deployment, the training programme will extend over 24 months.(Picture 4)
Final remarks
The developments of the last 20 years have shown that training has to be adapted to mission needs permanently. This goes also for live firing. New weapons and vehicles produce additional challenges. While German training areas boost a lot of very good ranges for various scenarios there are still things to improve. Quickly changing opponent behaviour, a potential 360 degree threat and the need to train in urban structures will require further investments in training infrastructure. The key word for the future is flexibility.
- cabeça de martelo
- Sênior
- Mensagens: 39492
- Registrado em: Sex Out 21, 2005 10:45 am
- Localização: Portugal
- Agradeceu: 1137 vezes
- Agradeceram: 2849 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
Um militar como MdD? Isso já não acontece à décadas, mas sim, tivemos e temos uns quantos generais que pouco ou nada fazem, excepto garantir o status quo.Clermont escreveu:Quando ao senhor Ministro da Defesa civil português, que foi uma nulidade, aposto que não deve ter sido o único. Ou será que nenhum general português, na rica história militar de Portugal, não se mostrou como sendo uma autêntica nulidade?
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
O Desafio da Transformação.
Major Alessandro Visacro, do Exército Brasileiro - Edição brasileira da revista Military Review, março - abril de 2011 -
A constatação de que o “American Way of War”, ou seja, a crença ocidental no poder irrestrito dos canhões, não mais atende às demandas de defesa de uma nova era tem motivado, ao longo dos últimos anos, um profundo debate acerca da condução da guerra. Em busca de respostas satisfatórias para “novos” desafios e “novas” ameaças, especialistas, em todo mundo, têm se dedicado ao estudo prospectivo dos conflitos do século XXI, esperando definir suas características fundamentais e, com isso, orientar adequadamente a evolução de suas forças armadas para uma ordem pós-industrial.
Dentro desse contexto, em maio de 2010, o Exército Brasileiro deu início ao seu processo de transformação, acreditando que o momento atual “exige o desenvolvimento de novas capacidades para cumprir novas missões, pois a adaptação e a modernização, por si só, não proporcionam todas as respostas para as demandas operacionais que se apresentam”.
Porém, antes de responder à questão sobre o tipo de força que estará apta a travar e vencer as guerras da era da informação, há que se realizar uma criteriosa análise do ambiente de conflito do século XXI. Afinal, poucos fenômenos são tão recorrentes na história militar quanto exércitos se preparando para lutar a guerra errada.
A natureza da mudança.
Muito embora seja incontestável a subordinação da guerra à política, na estrita acepção de Clausewitz, limitar seu entendimento apenas a essa relação de subordinação obscurece o fato de que, antes de ser um fenômeno político, a guerra é um fenômeno social. Essa assertiva, aparentemente trivial, nos leva à conclusão de que transformações na conduta da guerra são, antes de tudo, decorrentes de transformações sociais.
No momento que a humanidade deixa a era industrial para ingressar na era da informação, passando por rápidas e profundas alterações, há que se procurar entender, de forma objetiva, como essas mudanças afetam a natureza dos conflitos armados e impõem necessariamente uma redefinição e uma ampliação das agendas nacionais de segurança e defesa. Essa talvez seja a questão central dos esforços de especialistas que tentam delinear o ambiente estratégico futuro, dotando as instituições militares de capacidades que lhes permitam, de fato, expandir seu repertório de missões para fazer frente a complexas e difusas ameaças.
Portanto, a crença equivocada de que adequar-se às exigências do século XXI restringe-se, tão somente, à mera aquisição de moderna tecnologia pode frustrar as expectativas dos soldados. Ao contrário, é preciso “pensar” em termos de um ambiente político, econômico e social significativamente mais complexo. Assim como já aconteceu no passado, a forma tradicional de entender e pensar a respeito da guerra tornou-se incompatível com novas realidades.
Por outro lado, há que se ter cautela na identificação de “novas” ameaças. Muitos dos desafios atuais possuem antecedentes remotos. Terrorismo e guerrilha urbana, por exemplo, não podem ser vistos como fatos inéditos ou fenômenos recentes. De acordo com o historiador Robert F. Baumann:
Não obstante, novas ideias se chocam com dogmas profundamente arraigados na ortodoxia do pensamento castrense conservador, fazendo com que conceitos inovadores se transformem em mero recurso semântico. Guerra de quarta geração, combate assimétrico e conflito persistente, por exemplo, tornaram-se lugar-comum nas preleções doutrinárias. Essas expressões associadas a outros termos técnicos enriqueceram o vocabulário dos soldados, dando-lhe uma conotação futurista. Entretanto, na maioria dos exércitos do planeta persiste o incondicional apego a preceitos da era industrial e à lógica cartesiana e mecanicista que lhe é própria. Afinal, como observou Robert Baumann: “as pessoas se mostram mais receptivas às novas evidências que se ajustam a pontos de vista já aceitos do que às evidências que os contradizem”. Dessa forma, para compreender a guerra do século XXI, é necessário ir além da tecnologia e identificar a verdadeira amplitude das mudanças promovidas pelo advento da era da informação em todos os aspectos da vida cotidiana.
Os conflitos da Idade do Aço.
A Guerra da Criméia (1853-1856) foi considerada um conflito proto-industrial por haver incorporado tecnologia advinda da Revolução Industrial, como o telégrafo, a ferrovia, as armas de alma raiada com carregamento pela culatra e o registro fotográfico, por exemplo. As inovações tecnológicas resultaram na ampliação da letalidade do campo de batalha, com incremento do poder de fogo, expansão da capacidade de concentração de tropas e maior rapidez na transmissão de ordens e informações.
Entretanto, a Guerra de Secessão norte-americana (1861-1865) é comumente aceita como o primeiro conflito da “Idade do Aço” não apenas por haver experimentado os efeitos da tecnologia sobre a tática, mas por haver levado ao embate uma sociedade industrial emergente, representada pela União, e uma sociedade agrário-escravocrata, representada pelos Estados confederados do sul.
A Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) foi o primeiro conflito sul-americano a fazer uso e sentir os efeitos da nova tecnologia. Desse modo, batalhas cruentas como Balaclava (1854), Gettysburg (1863) e Curupaiti (1866) inauguraram a nova era, compartilhando muitos elementos comuns, sobretudo, a obsolescência das formas usuais de engajamento campal.
Durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a industrialização já havia se tornado uma realidade patente. Entretanto, foi somente na primeira metade do século XX, que os conflitos da era industrial atingiram seu ápice com as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945).
De um modo geral, os conflitos industriais se caracterizaram por:
- cenários previsíveis, elaborados segundo um número restrito e predeterminado de ameaças;
- protagonismo de atores estatais;
- confrontos de identidades nacionais, moldados por interesses políticos e econômicos;
- compreensão da guerra como mero recurso da política do Estado Nação;
- esforço de guerra dependente da conscrição em massa e da mobilização nacional;
- primazia das ações no campo militar;
- ênfase na aplicação do poderio bélico convencional para destruir as forças militares do inimigo;
- simetria na aplicação do poder de combate, com ênfase nos conflitos regulares;
- aplicação do poder de combate em toda sua plenitude com pequena incidência de restrições legais sobre as operações militares, resultando em ampla liberdade para o emprego da máxima força letal; e
- delimitação temporal e geográfica do conflito armado, com clara definição da vitória no campo militar.
De Stalingrado a Fallujah.
Muito embora o memorável 11 de Setembro seja aceito como um marco histórico, a transição das guerras industriais para os conflitos da era da informação não se deu de forma repentina. Ao contrário, resultou de um processo gradativo, iniciado nos anos 1960, que se intensificou nas últimas décadas do século XX, graças, sobretudo, ao fenômeno da globalização. Deveu-se menos à incorporação de “novos” elementos à natureza da guerra do que a uma nova dinâmica de interação de antigas características, como demonstra a tabela 1. Afinal, terrorismo, insurgências, banditismo, anarquia, sectarismo fratricida, disputas étnicas e religiosas sempre permearam a história da humanidade.
Segundo o Tenente-Coronel Carlos Jorge de Oliveira Ribeiro, do Exército Português:
Dentre algumas tendências apontadas por especialistas, em todo o mundo, para compor o complexo cenário do século XXI, destacam-se:
- depreciação da “guerra total” fundamentada nos preceitos de Clausewitz, conforme juízo predominante na primeira metade do século XX;
- compreensão e condução dos conflitos armados além dos estreitos limites do campo militar;
- ampliação dos prazos necessários à obtenção de resultados decisivos, caracterizando uma era de “conflitos persistentes”;
- urbanização;
- predomínio da guerra irregular sobre os conflitos convencionais, mantendo-se como a principal forma de beligerância;
- aceitação e difusão do conceito de “guerra de quarta geração”;
- crescente participação de atores não estatais;
- fragmentação das ameaças e adoção de estrutura de redes em detrimento de organizações verticalmente hierarquizadas;
- íntima associação entre forças irregulares, organizações terroristas e facções criminosas;
- acesso de organizações terroristas a armas de destruição em massa, incluindo as ditas “bombas sujas”;
- necessidade de cooperação internacional;
- presença da mídia, organismos humanitários e organizações não governamentais como elementos indissociáveis do moderno campo de batalha;
- necessidade de atualização do Direito Internacional Humanitário, com vistas a melhor se adequar às exigências dos conflitos assimétricos;
- ampliação e integração das agências de inteligência, com maior equilíbrio no emprego de diferentes fontes (humanas, imagens, sinais e cibernéticas);
- advento e consolidação da inteligência cultural (ou inteligência etnográfica) como importante ferramenta destinada a subsidiar o processo decisório em todos os níveis;
- crescente demanda por forças de operações especiais;
- maior interação entre operações convencionais limitadas e operações de guerra irregular;
- condução simultânea de operações militares de naturezas distintas, com destaque para as operações de estabilidade e apoio;
- destacada presença e atuação de outros segmentos do Estado no mesmo ambiente em que serão conduzidas as operações militares, impondo a necessidade de maior integração, coordenação e sincronização interagências;
- adequação dos exércitos nacionais permanentes por meio da disseminação de táticas, técnicas e procedimentos, até então, restritos às forças de operações especiais; expansão de seus núcleos profissionais; maior qualificação de seus recursos humanos; ampliação de seus repertórios de missões; aquisição de maior capacidade para interagir com a mídia, organismos humanitários e agências do terceiro setor; adoção de estruturas organizacionais mais leves, versáteis e que proporcionem respostas mais ágeis; aperfeiçoamento de sua capacidade de aplicação do poder de combate com rapidez, precisão e maior controle de danos;
- redefinição do papel que compete às forças de operações especiais (de meras coadjuvantes das operações militares convencionais essas unidades estão se tornando, de fato, as grandes protagonistas do campo de batalha assimétrico).
É provável que os exércitos nacionais continuem sendo facilmente atraídos para lutarem, sob a ríspida censura da opinião pública, em conflitos prolongados, onde uma vitória rápida e decisiva não possa ser obtida, simplesmente, pela superioridade bélica convencional. Na verdade, as exigências dos complexos cenários pós-industriais vão muito além da mera aplicação do poderio militar com o único propósito de destruir as forças armadas do inimigo. Ao contrário, a vitória no campo de batalha do século XXI depende de um amplo repertório de capacidades.
Atuar em ambientes onde prevaleçam riscos assimétricos pode ser considerado o grande desafio imposto aos soldados no século XXI. Portanto, políticas nacionais de defesa eficazes devem, necessariamente, transcender o escopo das ações militares, antecipando-se às ameaças advindas da degradação de ambientes político-sociais perniciosos. Pois, a partir de um determinado estágio de decomposição do quadro interno, qualquer esforço militar será inócuo e vazio de significado.
Ademais, graças ao “efeito CNN”, pequenas ações têm adquirido repercussão política e divulgação global, tornando obsoleta a rígida compartimentação dos níveis decisórios. Ao contrário, o que, hoje, é possível constatar representa uma clara sobreposição, no tempo e no espaço, dos aspectos políticos, estratégicos e táticos da luta, permeando toda a estrutura de comando, até os menores escalões. Assim sendo, para vencer, deveremos dispor de “cabos estratégicos”, ou seja, soldados capazes de, simultaneamente, aplicar com eficácia e precisão o poder de combate, conquistar o apoio da população e legitimar o poder central, atuando, não apenas, como plataformas de combate semi-autônomas, mas também como sensores de inteligência e vetores de operações psicológicas. Eles devem ser treinados e demonstrar aptidão para avaliar a situação tática, decidir com rapidez e agir por conta própria, explorando com habilidade as efêmeras oportunidades que se apresentarem, tanto no caótico ambiente físico à sua volta quanto no espectro informacional de mídias globais.
Entendendo as guerras de 4ª geração.
Em um esforço para antever a natureza e as características dos próximos conflitos, William Lind, Keith Nightengale, Joseph Sutton, Gary Wilson e John Schmitt elaboraram uma classificação da guerra moderna, segundo as mudanças qualitativas em sua conduta tática. Eles apresentaram suas ideias e conclusões, em outubro de 1989, numa série de artigos publicados pelas revistas Marine Corps Gazette e Military Review. Especula-se que cópias desses artigos teriam sido encontradas, por soldados norte-americanos, nas cavernas de Tora Bora – local de homizio de militantes da Al Qaeda no Afeganistão.
De acordo com os autores, a primeira geração da guerra moderna esteve compreendida entre o término da Guerra dos Trinta Anos, em 1648, e a Era Napoleônica. Ou seja, foram as guerras pré-industriais, caracterizadas pelo combate linear, por formações cerradas, ordem unida e batalhas campais que se assemelhavam a paradas ou desfiles militares, com toques de clarins e estandartes desfraldados. O valor combativo de uma tropa podia ser mensurado pelo garbo com que marchava ou como se portava em forma. Para os soldados de primeira geração, a disciplina reduzia-se à rígida obediência às ordens emanadas dos escalões superiores e podia ser expressa por gestos e saudações formais. A iniciativa e a liberdade de ação, via de regra, eram indesejáveis, pois comprometiam os planos e ordens de batalha previamente elaborados.
Em meados do século XIX, as inovações tecnológicas promovidas pela Revolução Industrial deram origem a uma nova geração – a segunda. Batalhas como Balaclava, Gettysburg e Curupaiti, já citadas anteriormente, marcaram a transição entre as duas primeiras gerações da guerra moderna. Contudo, foi durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que a guerra de segunda geração atingiu seu ápice, sendo caracterizada pela ascendência do sistema de apoio de fogo sobre a manobra.
O que ocorreu, de fato, foi uma defasagem entre a tecnologia e a tática, prevalecendo a “guerra de atrito”, a defesa como forma de guerra mais forte e uma sensível perda de mobilidade tática. A batalha permaneceu linear, seguindo padrões formais de planejamento e métodos rígidos de execução, com o propósito de concentrar o máximo poder relativo de combate e cerrar sobre o inimigo para destruí-lo. O dispositivo defensivo adotado pelos franceses na Linha Maginot, em 1940; os sucessivos ataques aliados a Monte Cassino, em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, ou, mesmo, as operações de busca e destruição realizadas pelos norte-americanos no Vietnã traduzem as concepções da guerra de segunda geração. Para os autores, no final do século XX, os Estados Unidos, ainda, combatiam, essencialmente, conforme os dogmas e preceitos da guerra de segunda geração.
Já a guerra de terceira geração representou um renascimento da tática e um retorno à mobilidade. Advogada por J. F. C. Fuller, Liddell Hart e Heinz Guderian, materializou-se na blitzkrieg alemã. De acordo com William Lind:
Nesse tipo de guerra, liberdade de ação, iniciativa, flexibilidade de raciocínio, discernimento tático, senso de oportunidade e capacidade de decisão tornaram-se atributos mais importantes que a disciplina formal e o rígido ordenamento das forças que caracterizavam as duas gerações anteriores. Unidades capazes de operar em profundidade com rapidez e independência, como unidades blindadas, de paraquedistas ou de assalto aéreo (quando bem empregadas), podem ser consideradas típicas de terceira geração.
Nesse momento, os autores refletiram sobre as prováveis características da guerra do futuro e delinearam uma “quarta geração”. Com notável lucidez, fizeram acertadas previsões, dentre as quais destacam-se: a perda do monopólio estatal sobre a guerra; uma mudança de enfoque da vanguarda do exército inimigo para o interior da própria sociedade oponente; os elevados custos para um Estado antepor-se a uma ameaça de quarta geração; o emprego de forças de efetivos bem reduzidos e independentes (ou células), que atuarão com o máximo de iniciativa e liberdade de ação, com ordens do tipo “missão pela finalidade”; essas pequenas forças poderão contar com um mínimo suporte de retaguarda, incluindo apoio logístico; mostrar-se-ão capazes de tirarem “proveito da abertura proporcionada pela liberdade”, bem como de empregarem “o poder de combate do inimigo contra ele próprio”, privilegiando a manobra e priorizando os objetivos psicológicos em detrimento dos objetivos físicos.
Muito embora essas idéias possam surpreender pela correção, elas foram praticamente ignoradas, permanecendo na obscuridade, por quase uma década, até que os atentados de 11 de Setembro reavivaram-nas.
Para os teóricos da “quarta geração” o que caracterizará a guerra do futuro “não serão grandes mudanças em como o inimigo combate, mas quem estará lutando e para que”. Como eles mesmos admitem, muitas dessas características não constituem, de fato, nenhuma inovação. Assistiremos, assim, a um retorno às formas de beligerância que precederam a paz de 1648 – um mundo de culturas em conflito, com significativa participação de atores não estatais:
Segundo os autores, a guerra de quarta geração será decidia nos níveis operacional, estratégico, mental e moral ao invés dos níveis tático e físico. Portanto, a forma de emprego das forças armadas e o uso que se fará de suas unidades depois de subjugadas as forças inimigas, serão tão importantes quanto a própria vitória no campo de batalha.
Detrações à parte, o conceito de guerra de 4ª geração é esclarecedor e rompe, definitivamente, com o estereótipo, ainda tão arraigado, da guerra como a mera confrontação formal e direta entre duas forças regulares de Estados Nacionais antagônicos.
Em termos gerais, podemos afirmar que, atualmente, a esmagadora maioria dos profissionais militares, graças à ortodoxia e ao ceticismo de sua formação, são soldados de, no máximo, “segunda geração”. Em muitos poucos exércitos, predomina uma cultura de “terceira geração”, assim como, são poucos os exércitos que dispõem, de fato, de unidades vocacionadas e aptas a travarem uma guerra de quarta geração e, mesmo assim, representam um segmento minoritário de suas forças armadas.
Conclusão.
O advento da era da informação promoveu mudanças significativas na conduta da guerra. Mudanças que vão muito além da mera aquisição de moderna tecnologia. Embora não deva ser desconsiderada, a concepção de defesa alicerçada primordialmente no confronto ostensivo entre Estados Nacionais possui sua aplicação cada vez mais restrita. A sociedade tem apresentado demandas por segurança que, apesar de não serem inéditas em sua essência, são requeridas em um novo contexto, sobretudo, em virtude da dimensão dos danos experimentados. Crimes transfronteiriços, terrorismo internacional, fluxos migratórios, pressão demográfica, urbanização incontida, fortalecimento de identidades étnicas, globalização e questões ambientais são apenas alguns dos componentes desse intricado mosaico.
Consolidando-se as tendências atuais, os conflitos irregulares deverão exercer um claro predomínio sobre as tradicionais formas de beligerância. Os focos de pobreza e iniquidade, que subsistem à margem da economia de mercado, continuarão representando fontes perenes de instabilidade. Afinal, ambientes político-sociais perniciosos facilitam o surgimento de movimentos contestatórios que podem culminar com o emprego de violência armada ou, simplesmente, se degenerar em mero banditismo.
Observa-se, na atualidade, a ocorrência de cenários complexos e de configuração difusa, onde prevalecem ameaças típicas de 4ª geração, exigindo esforços bem mais abrangentes do que os estreitos limites do campo militar podem oferecer. Ademais, a tecnologia da informação, que permite o fácil estabelecimento de conexões entre redes globais de cooperação, aliada à busca por formas alternativas de financiamento tem aproximado facções extremistas e organizações criminosas ligadas, sobretudo, ao tráfico internacional de drogas e de armas e à lavagem de dinheiro. Portanto, tornou-se necessário reavaliar os preceitos de segurança e defesa, indo muito além da simples capacitação de forças convencionais para a contrainsurgência. Uma nova abordagem deve necessariamente ter como ponto de partida a redefinição das ameaças à sociedade, incluindo atores não estatais de atuação doméstica e transnacional.
A “globalização da violência” apresenta novos desafios. A rígida separação entre segurança pública e segurança nacional não se tornou apenas irrelevante em face das demandas atuais como, também, impede a abordagem integral de um problema que não pode ser enfrentado isoladamente. Assim sendo, as operações interagências parecem surgir como a pedra angular de segurança e defesa no século XXI. Porquanto, permitem aos órgãos governamentais compartilhar metas e congregar esforços, de forma sinérgica, em ações que abrangem impositivamente todos os campos do poder nacional.
As forças armadas, por sua vez, não devem jamais descuidar de suas “missões tradicionais”, sob pena de se tornarem débeis e ineficazes, perdendo seu poder dissuasório. Contudo, para fazer face às ameaças deste século, devem redimensionar seu emprego e suas aptidões nos mais diversos espectros de conflitos. A visão dogmática que estereotipa a guerra apenas como um confronto formal entre dois exércitos regulares deve, finalmente, ser posta de lado. As operações de manutenção e imposição de paz, as ações humanitárias, as operações de estabilidade e apoio, a guerra contra as drogas e contra o terrorismo corroboram essa assertiva. A distinção feita pelos termos “operações de guerra” e “não guerra”, bem como os conceitos de “operações de efeito cinético” e “não cinético” mostram-se inadequados, pois dissociam tarefas e ações que, no campo de batalha atual, tornaram-se profundamente interdependentes.
____________________________________________
O Major Alessandro Visacro é oficial de infantaria da turma de 1991 da Academia Militar das Agulhas Negras. Possui os cursos de aperfeiçoamento de oficiais, básico paraquedista, mestre de salto paraquedista, ações de comandos, forças especiais e comando e estado-maior. Exerceu as funções de oficial subalterno no 29º Batalhão de Infantaria Blindado (Santa Maria - RS) e no 26º Batalhão de Infantaria Paraquedista (Vila Militar - RJ). Serviu no 1º Batalhão de Forças Especiais, onde foi instrutor dos cursos de ações de comandos e forças especiais. Foi comandante de DOFEsp, oficial de operações e comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais (Manaus - AM). Atualmente exerce as funções de oficial de estado-maior no Comando da Brigada de Operações Especiais (Goiânia - GO).
Major Alessandro Visacro, do Exército Brasileiro - Edição brasileira da revista Military Review, março - abril de 2011 -
As ações empreendidas em nome da Guerra Global Contra o Terror levaram as forças armadas mais poderosas do planeta a um impasse estratégico nas longínquas zonas rurais do Afeganistão e nas conturbadas ruas do Iraque. As campanhas em curso na Ásia Central e no Oriente Médio colocaram em evidência um novo ambiente de conflito: um cenário onde exércitos nacionais permanentes, com orçamentos dispendiosos e moderna tecnologia, parecem ineficazes e antiquados. Porquanto, rebeldes, guerrilheiros e terroristas subsistem a despeito de todos os esforços para erradicá-los."O primeiro, o mais importante, o ato de apreciação mais decisivo que um homem de Estado ou um comandante-chefe executa, consiste na apreciação correta do tipo de guerra que leva a efeito, a fim de não a tomar por aquilo que ela não é e não querer fazer dela aquilo que a natureza das circunstâncias lhe impede que seja."
Clausewitz.
A constatação de que o “American Way of War”, ou seja, a crença ocidental no poder irrestrito dos canhões, não mais atende às demandas de defesa de uma nova era tem motivado, ao longo dos últimos anos, um profundo debate acerca da condução da guerra. Em busca de respostas satisfatórias para “novos” desafios e “novas” ameaças, especialistas, em todo mundo, têm se dedicado ao estudo prospectivo dos conflitos do século XXI, esperando definir suas características fundamentais e, com isso, orientar adequadamente a evolução de suas forças armadas para uma ordem pós-industrial.
Dentro desse contexto, em maio de 2010, o Exército Brasileiro deu início ao seu processo de transformação, acreditando que o momento atual “exige o desenvolvimento de novas capacidades para cumprir novas missões, pois a adaptação e a modernização, por si só, não proporcionam todas as respostas para as demandas operacionais que se apresentam”.
Porém, antes de responder à questão sobre o tipo de força que estará apta a travar e vencer as guerras da era da informação, há que se realizar uma criteriosa análise do ambiente de conflito do século XXI. Afinal, poucos fenômenos são tão recorrentes na história militar quanto exércitos se preparando para lutar a guerra errada.
A natureza da mudança.
Muito embora seja incontestável a subordinação da guerra à política, na estrita acepção de Clausewitz, limitar seu entendimento apenas a essa relação de subordinação obscurece o fato de que, antes de ser um fenômeno político, a guerra é um fenômeno social. Essa assertiva, aparentemente trivial, nos leva à conclusão de que transformações na conduta da guerra são, antes de tudo, decorrentes de transformações sociais.
No momento que a humanidade deixa a era industrial para ingressar na era da informação, passando por rápidas e profundas alterações, há que se procurar entender, de forma objetiva, como essas mudanças afetam a natureza dos conflitos armados e impõem necessariamente uma redefinição e uma ampliação das agendas nacionais de segurança e defesa. Essa talvez seja a questão central dos esforços de especialistas que tentam delinear o ambiente estratégico futuro, dotando as instituições militares de capacidades que lhes permitam, de fato, expandir seu repertório de missões para fazer frente a complexas e difusas ameaças.
Portanto, a crença equivocada de que adequar-se às exigências do século XXI restringe-se, tão somente, à mera aquisição de moderna tecnologia pode frustrar as expectativas dos soldados. Ao contrário, é preciso “pensar” em termos de um ambiente político, econômico e social significativamente mais complexo. Assim como já aconteceu no passado, a forma tradicional de entender e pensar a respeito da guerra tornou-se incompatível com novas realidades.
Por outro lado, há que se ter cautela na identificação de “novas” ameaças. Muitos dos desafios atuais possuem antecedentes remotos. Terrorismo e guerrilha urbana, por exemplo, não podem ser vistos como fatos inéditos ou fenômenos recentes. De acordo com o historiador Robert F. Baumann:
[...] se considerarmos o mundo de hoje em dia vemos que nada sucede sem precedente. Conflitos nacionalistas, religiosos e étnicos realmente não são fenômenos característicos do final do século XX.
[...] Problemas inerentes ao relacionamento entre transformações futuristas e conceitos doutrinários são bastante similares atualmente àqueles de há um século atrás.
Não obstante, novas ideias se chocam com dogmas profundamente arraigados na ortodoxia do pensamento castrense conservador, fazendo com que conceitos inovadores se transformem em mero recurso semântico. Guerra de quarta geração, combate assimétrico e conflito persistente, por exemplo, tornaram-se lugar-comum nas preleções doutrinárias. Essas expressões associadas a outros termos técnicos enriqueceram o vocabulário dos soldados, dando-lhe uma conotação futurista. Entretanto, na maioria dos exércitos do planeta persiste o incondicional apego a preceitos da era industrial e à lógica cartesiana e mecanicista que lhe é própria. Afinal, como observou Robert Baumann: “as pessoas se mostram mais receptivas às novas evidências que se ajustam a pontos de vista já aceitos do que às evidências que os contradizem”. Dessa forma, para compreender a guerra do século XXI, é necessário ir além da tecnologia e identificar a verdadeira amplitude das mudanças promovidas pelo advento da era da informação em todos os aspectos da vida cotidiana.
Os conflitos da Idade do Aço.
A Guerra da Criméia (1853-1856) foi considerada um conflito proto-industrial por haver incorporado tecnologia advinda da Revolução Industrial, como o telégrafo, a ferrovia, as armas de alma raiada com carregamento pela culatra e o registro fotográfico, por exemplo. As inovações tecnológicas resultaram na ampliação da letalidade do campo de batalha, com incremento do poder de fogo, expansão da capacidade de concentração de tropas e maior rapidez na transmissão de ordens e informações.
Entretanto, a Guerra de Secessão norte-americana (1861-1865) é comumente aceita como o primeiro conflito da “Idade do Aço” não apenas por haver experimentado os efeitos da tecnologia sobre a tática, mas por haver levado ao embate uma sociedade industrial emergente, representada pela União, e uma sociedade agrário-escravocrata, representada pelos Estados confederados do sul.
A Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) foi o primeiro conflito sul-americano a fazer uso e sentir os efeitos da nova tecnologia. Desse modo, batalhas cruentas como Balaclava (1854), Gettysburg (1863) e Curupaiti (1866) inauguraram a nova era, compartilhando muitos elementos comuns, sobretudo, a obsolescência das formas usuais de engajamento campal.
Durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a industrialização já havia se tornado uma realidade patente. Entretanto, foi somente na primeira metade do século XX, que os conflitos da era industrial atingiram seu ápice com as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945).
De um modo geral, os conflitos industriais se caracterizaram por:
- cenários previsíveis, elaborados segundo um número restrito e predeterminado de ameaças;
- protagonismo de atores estatais;
- confrontos de identidades nacionais, moldados por interesses políticos e econômicos;
- compreensão da guerra como mero recurso da política do Estado Nação;
- esforço de guerra dependente da conscrição em massa e da mobilização nacional;
- primazia das ações no campo militar;
- ênfase na aplicação do poderio bélico convencional para destruir as forças militares do inimigo;
- simetria na aplicação do poder de combate, com ênfase nos conflitos regulares;
- aplicação do poder de combate em toda sua plenitude com pequena incidência de restrições legais sobre as operações militares, resultando em ampla liberdade para o emprego da máxima força letal; e
- delimitação temporal e geográfica do conflito armado, com clara definição da vitória no campo militar.
De Stalingrado a Fallujah.
Muito embora o memorável 11 de Setembro seja aceito como um marco histórico, a transição das guerras industriais para os conflitos da era da informação não se deu de forma repentina. Ao contrário, resultou de um processo gradativo, iniciado nos anos 1960, que se intensificou nas últimas décadas do século XX, graças, sobretudo, ao fenômeno da globalização. Deveu-se menos à incorporação de “novos” elementos à natureza da guerra do que a uma nova dinâmica de interação de antigas características, como demonstra a tabela 1. Afinal, terrorismo, insurgências, banditismo, anarquia, sectarismo fratricida, disputas étnicas e religiosas sempre permearam a história da humanidade.
Segundo o Tenente-Coronel Carlos Jorge de Oliveira Ribeiro, do Exército Português:
Atualmente, nos países industrializados ocidentais está em curso a Transformação da Defesa que visa a modificar as atuais forças, com características dominantes da sociedade industrial, em forças baseadas no conhecimento e assentes em sofisticadas plataformas tecnológicas.
[...] a inovação é um aspecto crucial e não se refere apenas aos aspectos tecnológicos, mas também, à inovação organizacional e conceitual. As organizações devem ser mais flexíveis, dispondo de estruturas organizacionais que permeiam combinações inovadoras de unidades de manobra, para o cumprimento das várias missões, permitindo assim maior flexibilidade de emprego.
[...] Com a progressiva tendência de aumento dos conflitos assimétricos, é necessário dispor de forças flexíveis e ajustáveis a qualquer tipo de operação. A rapidez de projeção e emprego da força é fundamental para travar qualquer conflito o mais rapidamente possível, de modo a limitar os seus efeitos.
Dentre algumas tendências apontadas por especialistas, em todo o mundo, para compor o complexo cenário do século XXI, destacam-se:
- depreciação da “guerra total” fundamentada nos preceitos de Clausewitz, conforme juízo predominante na primeira metade do século XX;
- compreensão e condução dos conflitos armados além dos estreitos limites do campo militar;
- ampliação dos prazos necessários à obtenção de resultados decisivos, caracterizando uma era de “conflitos persistentes”;
- urbanização;
- predomínio da guerra irregular sobre os conflitos convencionais, mantendo-se como a principal forma de beligerância;
- aceitação e difusão do conceito de “guerra de quarta geração”;
- crescente participação de atores não estatais;
- fragmentação das ameaças e adoção de estrutura de redes em detrimento de organizações verticalmente hierarquizadas;
- íntima associação entre forças irregulares, organizações terroristas e facções criminosas;
- acesso de organizações terroristas a armas de destruição em massa, incluindo as ditas “bombas sujas”;
- necessidade de cooperação internacional;
- presença da mídia, organismos humanitários e organizações não governamentais como elementos indissociáveis do moderno campo de batalha;
- necessidade de atualização do Direito Internacional Humanitário, com vistas a melhor se adequar às exigências dos conflitos assimétricos;
- ampliação e integração das agências de inteligência, com maior equilíbrio no emprego de diferentes fontes (humanas, imagens, sinais e cibernéticas);
- advento e consolidação da inteligência cultural (ou inteligência etnográfica) como importante ferramenta destinada a subsidiar o processo decisório em todos os níveis;
- crescente demanda por forças de operações especiais;
- maior interação entre operações convencionais limitadas e operações de guerra irregular;
- condução simultânea de operações militares de naturezas distintas, com destaque para as operações de estabilidade e apoio;
- destacada presença e atuação de outros segmentos do Estado no mesmo ambiente em que serão conduzidas as operações militares, impondo a necessidade de maior integração, coordenação e sincronização interagências;
- adequação dos exércitos nacionais permanentes por meio da disseminação de táticas, técnicas e procedimentos, até então, restritos às forças de operações especiais; expansão de seus núcleos profissionais; maior qualificação de seus recursos humanos; ampliação de seus repertórios de missões; aquisição de maior capacidade para interagir com a mídia, organismos humanitários e agências do terceiro setor; adoção de estruturas organizacionais mais leves, versáteis e que proporcionem respostas mais ágeis; aperfeiçoamento de sua capacidade de aplicação do poder de combate com rapidez, precisão e maior controle de danos;
- redefinição do papel que compete às forças de operações especiais (de meras coadjuvantes das operações militares convencionais essas unidades estão se tornando, de fato, as grandes protagonistas do campo de batalha assimétrico).
É provável que os exércitos nacionais continuem sendo facilmente atraídos para lutarem, sob a ríspida censura da opinião pública, em conflitos prolongados, onde uma vitória rápida e decisiva não possa ser obtida, simplesmente, pela superioridade bélica convencional. Na verdade, as exigências dos complexos cenários pós-industriais vão muito além da mera aplicação do poderio militar com o único propósito de destruir as forças armadas do inimigo. Ao contrário, a vitória no campo de batalha do século XXI depende de um amplo repertório de capacidades.
Atuar em ambientes onde prevaleçam riscos assimétricos pode ser considerado o grande desafio imposto aos soldados no século XXI. Portanto, políticas nacionais de defesa eficazes devem, necessariamente, transcender o escopo das ações militares, antecipando-se às ameaças advindas da degradação de ambientes político-sociais perniciosos. Pois, a partir de um determinado estágio de decomposição do quadro interno, qualquer esforço militar será inócuo e vazio de significado.
Ademais, graças ao “efeito CNN”, pequenas ações têm adquirido repercussão política e divulgação global, tornando obsoleta a rígida compartimentação dos níveis decisórios. Ao contrário, o que, hoje, é possível constatar representa uma clara sobreposição, no tempo e no espaço, dos aspectos políticos, estratégicos e táticos da luta, permeando toda a estrutura de comando, até os menores escalões. Assim sendo, para vencer, deveremos dispor de “cabos estratégicos”, ou seja, soldados capazes de, simultaneamente, aplicar com eficácia e precisão o poder de combate, conquistar o apoio da população e legitimar o poder central, atuando, não apenas, como plataformas de combate semi-autônomas, mas também como sensores de inteligência e vetores de operações psicológicas. Eles devem ser treinados e demonstrar aptidão para avaliar a situação tática, decidir com rapidez e agir por conta própria, explorando com habilidade as efêmeras oportunidades que se apresentarem, tanto no caótico ambiente físico à sua volta quanto no espectro informacional de mídias globais.
Entendendo as guerras de 4ª geração.
Em um esforço para antever a natureza e as características dos próximos conflitos, William Lind, Keith Nightengale, Joseph Sutton, Gary Wilson e John Schmitt elaboraram uma classificação da guerra moderna, segundo as mudanças qualitativas em sua conduta tática. Eles apresentaram suas ideias e conclusões, em outubro de 1989, numa série de artigos publicados pelas revistas Marine Corps Gazette e Military Review. Especula-se que cópias desses artigos teriam sido encontradas, por soldados norte-americanos, nas cavernas de Tora Bora – local de homizio de militantes da Al Qaeda no Afeganistão.
De acordo com os autores, a primeira geração da guerra moderna esteve compreendida entre o término da Guerra dos Trinta Anos, em 1648, e a Era Napoleônica. Ou seja, foram as guerras pré-industriais, caracterizadas pelo combate linear, por formações cerradas, ordem unida e batalhas campais que se assemelhavam a paradas ou desfiles militares, com toques de clarins e estandartes desfraldados. O valor combativo de uma tropa podia ser mensurado pelo garbo com que marchava ou como se portava em forma. Para os soldados de primeira geração, a disciplina reduzia-se à rígida obediência às ordens emanadas dos escalões superiores e podia ser expressa por gestos e saudações formais. A iniciativa e a liberdade de ação, via de regra, eram indesejáveis, pois comprometiam os planos e ordens de batalha previamente elaborados.
Em meados do século XIX, as inovações tecnológicas promovidas pela Revolução Industrial deram origem a uma nova geração – a segunda. Batalhas como Balaclava, Gettysburg e Curupaiti, já citadas anteriormente, marcaram a transição entre as duas primeiras gerações da guerra moderna. Contudo, foi durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que a guerra de segunda geração atingiu seu ápice, sendo caracterizada pela ascendência do sistema de apoio de fogo sobre a manobra.
O que ocorreu, de fato, foi uma defasagem entre a tecnologia e a tática, prevalecendo a “guerra de atrito”, a defesa como forma de guerra mais forte e uma sensível perda de mobilidade tática. A batalha permaneceu linear, seguindo padrões formais de planejamento e métodos rígidos de execução, com o propósito de concentrar o máximo poder relativo de combate e cerrar sobre o inimigo para destruí-lo. O dispositivo defensivo adotado pelos franceses na Linha Maginot, em 1940; os sucessivos ataques aliados a Monte Cassino, em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, ou, mesmo, as operações de busca e destruição realizadas pelos norte-americanos no Vietnã traduzem as concepções da guerra de segunda geração. Para os autores, no final do século XX, os Estados Unidos, ainda, combatiam, essencialmente, conforme os dogmas e preceitos da guerra de segunda geração.
Já a guerra de terceira geração representou um renascimento da tática e um retorno à mobilidade. Advogada por J. F. C. Fuller, Liddell Hart e Heinz Guderian, materializou-se na blitzkrieg alemã. De acordo com William Lind:
A guerra de terceira geração é baseada não no poder de fogo e atrito, mas na velocidade, surpresa e no deslocamento mental e físico. Taticamente, durante o ataque, o militar da terceira geração procura adentrar nas áreas de retaguarda do inimigo, causando-lhe o colapso da retaguarda para a frente. Ao invés de “aproximar e destruir”, o lema é “passar e causar colapso” [...] A guerra de terceira geração é não linear.
Nesse tipo de guerra, liberdade de ação, iniciativa, flexibilidade de raciocínio, discernimento tático, senso de oportunidade e capacidade de decisão tornaram-se atributos mais importantes que a disciplina formal e o rígido ordenamento das forças que caracterizavam as duas gerações anteriores. Unidades capazes de operar em profundidade com rapidez e independência, como unidades blindadas, de paraquedistas ou de assalto aéreo (quando bem empregadas), podem ser consideradas típicas de terceira geração.
Nesse momento, os autores refletiram sobre as prováveis características da guerra do futuro e delinearam uma “quarta geração”. Com notável lucidez, fizeram acertadas previsões, dentre as quais destacam-se: a perda do monopólio estatal sobre a guerra; uma mudança de enfoque da vanguarda do exército inimigo para o interior da própria sociedade oponente; os elevados custos para um Estado antepor-se a uma ameaça de quarta geração; o emprego de forças de efetivos bem reduzidos e independentes (ou células), que atuarão com o máximo de iniciativa e liberdade de ação, com ordens do tipo “missão pela finalidade”; essas pequenas forças poderão contar com um mínimo suporte de retaguarda, incluindo apoio logístico; mostrar-se-ão capazes de tirarem “proveito da abertura proporcionada pela liberdade”, bem como de empregarem “o poder de combate do inimigo contra ele próprio”, privilegiando a manobra e priorizando os objetivos psicológicos em detrimento dos objetivos físicos.
Muito embora essas idéias possam surpreender pela correção, elas foram praticamente ignoradas, permanecendo na obscuridade, por quase uma década, até que os atentados de 11 de Setembro reavivaram-nas.
Para os teóricos da “quarta geração” o que caracterizará a guerra do futuro “não serão grandes mudanças em como o inimigo combate, mas quem estará lutando e para que”. Como eles mesmos admitem, muitas dessas características não constituem, de fato, nenhuma inovação. Assistiremos, assim, a um retorno às formas de beligerância que precederam a paz de 1648 – um mundo de culturas em conflito, com significativa participação de atores não estatais:
[...] muitas entidades diferentes – não apenas os governos de países – travarão a guerra e o farão por muitas razões distintas, não apenas como ‘uma promoção de políticas por outros meios’. Usarão de muitas ferramentas diferentes para combater, não se restringindo ao que reconhecemos como forças militares.
[...] No seu fundamento se encontra uma crise universal da legitimidade do Estado, e essa crise significa que muitos países terão evoluída a guerra de Quarta Geração em seu território.
[...] Em todo o mundo, os militares se encontram combatendo oponentes não estatais tais como a Al Qaeda, o Hamas, o Hezbollah e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Quase em toda parte, o Estado está perdendo.
Segundo os autores, a guerra de quarta geração será decidia nos níveis operacional, estratégico, mental e moral ao invés dos níveis tático e físico. Portanto, a forma de emprego das forças armadas e o uso que se fará de suas unidades depois de subjugadas as forças inimigas, serão tão importantes quanto a própria vitória no campo de batalha.
Detrações à parte, o conceito de guerra de 4ª geração é esclarecedor e rompe, definitivamente, com o estereótipo, ainda tão arraigado, da guerra como a mera confrontação formal e direta entre duas forças regulares de Estados Nacionais antagônicos.
Em termos gerais, podemos afirmar que, atualmente, a esmagadora maioria dos profissionais militares, graças à ortodoxia e ao ceticismo de sua formação, são soldados de, no máximo, “segunda geração”. Em muitos poucos exércitos, predomina uma cultura de “terceira geração”, assim como, são poucos os exércitos que dispõem, de fato, de unidades vocacionadas e aptas a travarem uma guerra de quarta geração e, mesmo assim, representam um segmento minoritário de suas forças armadas.
Conclusão.
O advento da era da informação promoveu mudanças significativas na conduta da guerra. Mudanças que vão muito além da mera aquisição de moderna tecnologia. Embora não deva ser desconsiderada, a concepção de defesa alicerçada primordialmente no confronto ostensivo entre Estados Nacionais possui sua aplicação cada vez mais restrita. A sociedade tem apresentado demandas por segurança que, apesar de não serem inéditas em sua essência, são requeridas em um novo contexto, sobretudo, em virtude da dimensão dos danos experimentados. Crimes transfronteiriços, terrorismo internacional, fluxos migratórios, pressão demográfica, urbanização incontida, fortalecimento de identidades étnicas, globalização e questões ambientais são apenas alguns dos componentes desse intricado mosaico.
Consolidando-se as tendências atuais, os conflitos irregulares deverão exercer um claro predomínio sobre as tradicionais formas de beligerância. Os focos de pobreza e iniquidade, que subsistem à margem da economia de mercado, continuarão representando fontes perenes de instabilidade. Afinal, ambientes político-sociais perniciosos facilitam o surgimento de movimentos contestatórios que podem culminar com o emprego de violência armada ou, simplesmente, se degenerar em mero banditismo.
Observa-se, na atualidade, a ocorrência de cenários complexos e de configuração difusa, onde prevalecem ameaças típicas de 4ª geração, exigindo esforços bem mais abrangentes do que os estreitos limites do campo militar podem oferecer. Ademais, a tecnologia da informação, que permite o fácil estabelecimento de conexões entre redes globais de cooperação, aliada à busca por formas alternativas de financiamento tem aproximado facções extremistas e organizações criminosas ligadas, sobretudo, ao tráfico internacional de drogas e de armas e à lavagem de dinheiro. Portanto, tornou-se necessário reavaliar os preceitos de segurança e defesa, indo muito além da simples capacitação de forças convencionais para a contrainsurgência. Uma nova abordagem deve necessariamente ter como ponto de partida a redefinição das ameaças à sociedade, incluindo atores não estatais de atuação doméstica e transnacional.
A “globalização da violência” apresenta novos desafios. A rígida separação entre segurança pública e segurança nacional não se tornou apenas irrelevante em face das demandas atuais como, também, impede a abordagem integral de um problema que não pode ser enfrentado isoladamente. Assim sendo, as operações interagências parecem surgir como a pedra angular de segurança e defesa no século XXI. Porquanto, permitem aos órgãos governamentais compartilhar metas e congregar esforços, de forma sinérgica, em ações que abrangem impositivamente todos os campos do poder nacional.
As forças armadas, por sua vez, não devem jamais descuidar de suas “missões tradicionais”, sob pena de se tornarem débeis e ineficazes, perdendo seu poder dissuasório. Contudo, para fazer face às ameaças deste século, devem redimensionar seu emprego e suas aptidões nos mais diversos espectros de conflitos. A visão dogmática que estereotipa a guerra apenas como um confronto formal entre dois exércitos regulares deve, finalmente, ser posta de lado. As operações de manutenção e imposição de paz, as ações humanitárias, as operações de estabilidade e apoio, a guerra contra as drogas e contra o terrorismo corroboram essa assertiva. A distinção feita pelos termos “operações de guerra” e “não guerra”, bem como os conceitos de “operações de efeito cinético” e “não cinético” mostram-se inadequados, pois dissociam tarefas e ações que, no campo de batalha atual, tornaram-se profundamente interdependentes.
____________________________________________
O Major Alessandro Visacro é oficial de infantaria da turma de 1991 da Academia Militar das Agulhas Negras. Possui os cursos de aperfeiçoamento de oficiais, básico paraquedista, mestre de salto paraquedista, ações de comandos, forças especiais e comando e estado-maior. Exerceu as funções de oficial subalterno no 29º Batalhão de Infantaria Blindado (Santa Maria - RS) e no 26º Batalhão de Infantaria Paraquedista (Vila Militar - RJ). Serviu no 1º Batalhão de Forças Especiais, onde foi instrutor dos cursos de ações de comandos e forças especiais. Foi comandante de DOFEsp, oficial de operações e comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais (Manaus - AM). Atualmente exerce as funções de oficial de estado-maior no Comando da Brigada de Operações Especiais (Goiânia - GO).
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
A OPÇÃO ENTEBBE.
Como os militares americanos acham que Israel poderá atacar o Irã.
Mark Perry - FP National Security, 27 de setembro de 2012.
Embora ninguém na administração Barack Obama saiba se Israel atacará o programa nuclear do Irã, os planejadores de guerra da América estão preparando-se para uma ampla variedade de potenciais opções militares israelenses - enquanto também estão tentando limitar as chances de os Estados Unidos serem arrastados para um conflito potencialmente sangrento no Golfo Pérsico.
"O compartilhamento de informações israelo-americano sobre o Irã tem sido extraordinário e sem precedentes," contou-me um planejador de guerra superior do Pentágono. "Mas quando se trata de realmente atacar o Irã, o que Israel não nos conta é o que ele planeja fazer, ou como planejam fazer isto. Este é o mais ferrenhamente guardado segredo deles." A recusa de Israel em compartilhar seus planos tem persistido apesar de repetidos requerimentos do secretário da defesa Leon Panetta, disse um superior civil do Pentágono.
O resultado é que, num momento de escalada do debate público em Israel e nos Estados Unidos, em volta da possibilidade de um ataque contra o Irã, os planejadores de guerra de alto nível do Pentágono tem de voar "às cegas" ao rascunharem sobre o que Israel pode fazer - e os desafios que suas ações representarão para as forças armadas dos Estados Unidos. "O que nós fazemos é um tipo de engenharia reversa," o planejador superior disse. "Nós damos uma olhada em seus recursos e capacidades, nos colocamos no lugar deles e perguntamos como agiríamos se tivéssemos o que eles tem. Assim, embora estejamos supondo, nós temos uma idéia muito boa do que eles podem e não podem fazer."
De acordo com várias fontes de inteligência civis e militares americanas de alto nível, os planejadores de guerra do Pentágono e do Comando Central dos Estados Unidos concluíram que existem ao menos três possíveis opções de ataque israelenses, incluindo uma ousada e extremamente arriscada incursão de operações especiais contra a instalação nuclear do Irã em Fordow - uma "Entebbe iraniana", eles chamam, devido ao resgate comando de reféns israelenses em Uganda, em 1976. Neste cenário, comandos israelenses assaltariam o complexo, que abriga muitas das centrífugas do Irã; removeriam tanto urânio enriquecido quanto encontrassem ou pudessem carregar; e plantariam explosivos para destruir a instalação durante a retirada.
O CENTCOM, que controla os recursos militares americanos no Oriente Médio, recebeu o papel de liderança no estudo do possível ataque israelense. No ano passado, seus oficiais encontraram-se, várias vezes, no quartel-general do CENTCOM em Tampa, Flórida, e com oficiais da 5ª Esquadra em Doha, Qatar, para discutirem suas conclusões, disseram as fontes.
As análises militares dos planos de guerra israelenses tem tomado lugar separadas da - mas concomitantes com - a controvérsia envolvendo a insistência do primeiro-ministro Benjamin Neetanyahu de que os Estados Unidos confrontem Teerã com uma "linha vermelha" que, se cruzada pelo programa nuclear iraniano, detonaria um ataque militar americano. "Esta é uma questão política, não uma questão militar," disse o planejador superior do Pentágono. Isto não está em nosso âmbito. Estamos presumindo que um ataque israelense pode vir a qualquer momento."
Mas não está claro se Israel, mesmo com toda sua alardeada força militar, pode levar à frente um ataque bem-sucedido: Netanyahu pode não querer, simplesmente, os Estados Unidos á bordo, politicamente; ele pode precisar que os americanos participem militarmente. "Toda essa coisa sobre "linhas vermelhas" e prazos fatais é apenas a forma de Israel nos obrigar a declarar que, no momento em que eles começarem a atirar, nós também atiraremos," contou-me o almirante reformado Bobby Ray Inman. "Ponto essencial? Nós podemos fazer isto e eles não, porque nós temos o que os israelenses não tem," disse o coronel reformado da Força Aérea Sam Gardner.
Uma coisa é claro: as forças armadas americanas, de acordo com minhas fontes, atualmente não tem interesse algum num ataque preventivo. "A idéia de que nós atacaremos com Israel é remota, portanto você pode tirar isto de sua lista de opções, contou-me o antigo comandante do CENTCOM Joe Hoar. Nem irão os Estados Unidos juntarem-se a um ataque israelense uma vez que ele tenha início, o planejador superior americano disse. "Nós sabemos que há iranianos importantes ansiando por uma briga conosco, particularmente na Marinha deles," acrescentou um oficial do CENTCOM. "E nós lhes daremos uma, se eles quiserem, mas nós não vamos embarcar numa, apenas porque os israelenses querem."
Isso coloca os militares, ombro a ombro com o presidente. Os militares e Obama podem ter se chocado em outras questões, como o reforço afegão, mas quando se trata do Irã, eles falam com uma só voz: eles não querem que o Irã consiga uma arma nuclear, eles não querem que Israel comece uma guerra por causa disso, e eles não acreditam que um ataque israelense deva, automaticamente, detonar uma intervenção americana. Mas, se eles querem evitar tornarem-se uma parte dos planos de Israel, eles, primeiro, precisam saber que planos são estes.
Três fontes americanas militares e de inteligência de alto escalão contaram-me que o CENTCOM identificou três opções para Israel, caso decida tomar ação militar preventiva contra o Irã.
A primeira e mais previsível opção pede por uma maciça campanha de bombardeio da Força Aérea israelense visando sítios nucleares iranianos chave. Um tal assalto seria acompanhado por ataques de mísseis de cruzeiro lançados por submarinos e mísseis de médio alcance Jericó II e de longo alcance Jericó III, a partir de bases israelenses, de acordo com um oficial americano altamente colocado. O ataque pode muito bem ser precedido por - ou acompanhado de - um coordenado ataque de guerra eletrônica e cibernética.
Mas os planejadores da Junta de Chefes de Estado-Maior e do CENTCOM concluíram que, devido aos limites das capacidades militares israelenses, uma tal campanha aérea não poderia ser sustentada. "Eles terão apenas uma bala, uma só vez," disse o oficial americano. "É um tempo para ir e outro para voltar. E é tudo."
Embora Israel tenha 125 sofisticados caças-bombardeiros F-15I e F-16I, apenas os aproximadamente 25 F-15I são capazes de transportarem o míssil guiado GBU-28 destruidor de bunkers, que tem a melhor chance de destruir as pesadamente fortificadas instalações nucleares do Irã. E mesmo assim, cada F-15I pode carregar somente uma única munição.
Esta força, embora letal, também é modesta. A Força Aérea israelense, apropriadamente, terá de selecionar, cuidadosamente, seus alvos, concentrando-se, mais possivelmente, sobre quatro: a planta de produção de água pesada em Arak; os centros de enriquecimento de urânio em Fordow e Natanz e a instalação de conversão de urânio em Isfahan, enquanto deixará de fora o sítio militar em Parchi e o reator nuclear de Bushehr, que abriga especialistas técnicos russos.
O ataque isralense, possivelmente, também incluirá os F-16I para incapacitar a rede de defesa aérea do Irã, ou talvez lançar outras, menos eficazes, munições destruidoras de bunkers, para reforçar as surtidas de F-15I. Alguns destes F-16I, mas não todos, serão capazes de serem reabastecidos pelos sete ou dez aviões-tanque KC-707.
Mesmo assim, e mesmo com a melhor sorte (tempo bom, mira precisa, reabastecimento sofisticado, surpresa quase total, precisa interdição ar-ar, um mínimo de acidentes e a bem-sucedida destruição das capacidades anti-aéreas do Irã), oficiais superiores americanos dizem que Israel apenas fará recuar a capacitação nuclear do Irã, por um ou dois anos, no melhor dos casos - não acabar com ela.
Eis porquê Netanyahu está tão ansioso para que a administração Obama diga quando ou se irá juntar-se a um ataque. Como Hoar, o ex-comandante do CENTCOM, rispidamente coloca: "Comparado com os Estados Unidos, Israel não tem forças armadas."
Incluida no arsenal americano está a recentemente desenvolvida Munição de Penetração Maciça, (Massive Ordnance Penetrator) a GBU-57 de 14 toneladas, que pode perfurar 61 m de concreto reforçado, antes de detonar sua ogiva de 2,4 toneladas. Especula-se que os Estados Unidos tenham, somente, cerca de 20 GBU-57 no seu inventário - mas os israelenses tem zero. "Há uma boa razão para isto," disse Gardner. "Somente um bombardeiro B-2 pode carregar a "57". Ele fez uma pausa para efeito: "Você pode saber disto, mas vale a pena mencionar", acrescentou. "Israel não tem B-2."
A provável incapacidade de Israel em destruir a capacidade nuclear do Irã, de uma só cartada, mesmo num cenário no melhor dos casos, levou os planejadores de guerra americanos a especularem sobre uma segunda, fora do esquema, e extremamente perigosa opção militar: aquilo que eles estão chamado uma "Entebbe iraniana".
Neste cenário, os israelenses deixariam de lado um maciço ataque aéreo e, ao invés, montariam uma incursão comando de alto risco, mas prometendo altos dividendos, que aterrisaria uma unidade Sayeret Matkal (operações especiais), fora da instalação de enriquecimento do Irã em Fordow, próximo a Qom. A unidade - ou outras unidades de elite similares - consistindo de, talvez, 400 soldados comandos, tomaria o urânio enriquecido do Irã para levá-lo para Israel.
O sucesso da operação dependeria da velocidade, segredo, simplicidade e credibilidade da inteligência israelense. De acordo com o planejador de guerra do Pentágono, o acesso de Israel ao planejamento militar e político iraniano é sem precedentes, como sua disposição em compartilhá-lo com as autoridades da inteligência americana.
A unidade israelense seria transportada por entre três e seis aeronaves C-130 (que podem carregar um máximo de 70 soldados) que seriam protegidas por um "enxame" de bem armados F-16I, de acordo com o cenário em consideração pelas autoridades militares americanas. Os C-130 aterrisariam no deserto próximo a Fordow. Os comandos israelenses então derrotariam o pessoal de segurança pesadamente armado no complexo, penetrariam suas barreiras e interditariam quaisquer unidades inimigas próximas, e tomariam o urânio do complexo para levá-lo para Israel. Antes de sua partida, a unidade comando destruiría o complexo, evitando a necessidade de qualquer ataque de bombardeio de alto nível. (Autoridades militares superiores americanas dizem que há relatórios de que parte do urânio em Fordow está armazenado como gás hexafluorido de urânio, uma forma química utilizada durante o processo de enriquecimento. Neste caso, o material poderia ser deixado no lugar, quando os comandos destruíssem o complexo.)
"Isto pode ser feito, e eles devem estar pensando ao longo destas linhas," o oficial altamente colocado americano. "As forças de operações especiais das FDI são o melhor recurso que Israel tem." Dito isto, "em alguns cenários," o planejador militar americano que contou-me da potencial operação disse, "haveriam baixas israelenses muito elevadas devido às divisões próximas da Guarda Republicana. Esta operação seria bem sangrenta."
Sangrenta ou não, a liderança israelense pode não ser tão rápida em desconsiderar uma tal operação, considerando a história de Israel de utilizar tais unidades. Netanyahu e o ministro da defesa Ehud Barak são ex-oficiais da Sayeret Matkal, e recentemente, o chefe das Forças de Defesa Israelenses, Benny Gantz (ele próprio um veterano Sayeret Matkal) disse que as FDI tinham formado um "Corpo de Longo Alcance" de elite de operações especiais, para golpear profundamente no interior de território hostil. E, naturalmente, deve-se lembrar que o irmão de Netanyahu, Yonatan, foi a única baixa na operação israelense em Entebbe.
A dificuldade com a opção estilo Entebbe é que Israel seria forçado a montar "uma robusta capacidade CSAR (Busca e Resgate de Combate)" para apoiá-la, observou um planejador da Junta de Chefes de Estado-Maior (JCS). Isto significaria pousar outros C-130 carregando helicópteros que recolheriam comandos em perigo ou recuperariam tripulações aéreas abatidas. Tais unidades CSAR teriam de ser desdobradas para países próximos, "ou mesmo pousarem no deserto iraquiano," disse o oficial superior. Este componente CSAR complicaria o que poderia, de outra forma, ser uma operação simples, já que envolve outras vulnerabilidades - uma "subida de degraus" que Israel pode não querer empreender.
Cépticos desta opção incluem o almirante Inman. "Os israelenses puderam ir até Entebbe," disse, "mas eles não podem ir até o Irã. Minha sensação é que o fato de que os israelenses até mesmo estejam pensando sobre esta operação, mostra que eles percebem que sua primeira opção de bombardeio não funciona. Eles estão desesperadamente se agarrando a uma solução militar, e eles sabem que não tem nenhuma."
Mas, o coronel Gardiner acredita que esta operação estilo Entebbe é possível. "É uma opção não-escalatória, é inteiramente plausível, e não é tão perigosa quanto parece," disse. "Nós temos de compreender qual é o objetivo de Israel em qualquer ataque contra o Irã. Todo o ponto para Israel é demonstrar que eles podem projetar poder em qualquer lugar na região. Portanto, vamos olhar da perspectiva deles. Não há três divisões próximas a Fordow, há uma, e ela está entrincheirada. Não levaria três horas para os iranianos responderem, eles levariam três dias. Isto me lembra de Osirak [o reator nuclear iraquiano que Israel destruiu num ataque aéreo em 1981]. Os últimos que queriam admitir que os israelenses fizeram isto eram os iraquianos. Este será o caso aqui. Os iranianos ficarão embaraçados. Isso tem apelo. Isso faz sentido. Se for simples, se for feito rápidamente, se for entrar e sair. Isso pode funcionar."
Uma terceira operação é menos exótica, mas talvez a mais perigosa de todos: decapitação de regime. "Os israelenses poderiam, apenas, tentar liquidar a liderança iraniana," disse o planejador de guerra do Pentágono. "Mas eles fariam isto apenas como parte de um ataque aéreo ou uma incursão de comandos." O lado negativo de um ataque de decapitação é que isto não poria fim ao programa nuclear; o lado positivo é que isto, quase com certeza detonaria uma resposta iraniana visando forças militares americanas na região, já que isto deixaria as forças da Guarda Revolucionária iraniana encarregadas do país. Isto seria uma forma garantida, acreditam todos os oficiais americanos com os quais falei, para Israel conseguir envolver os Estados Unidos numa ofensiva anti-iraniana, com os Estados Unidos montando operações num conflito que não iniciou.
Como iriam as forças armadas americanas responderem a um ataque iraniano? "Isto depende," disse o planejador do Pentágono. "Se os iranianos nos inquietarem, nós podemos lidar com isto, mas se eles forem atrás de um de nossos navios capitais, então, todas as cartas estarão na mesa." Mesmo assim, uma resposta americana não envolveria uma custosa guerra terrestre, em escala total, contra o regime de Teerã, mas antes uma campanha de interdição aérea de longo prazo para erodir as capacidades militares iranianas, incluindo seu programa nuclear, disse o planejador.
Mas uma campanha de decapitação aprofundaria a rixa entre a administração Obama e o governo Netanyahu. O falatório de guerra em Jerusalém já erodiu as visões de muitos oficiais superiores das forças armadas americanas, que uma vez estavam fortemente empenhados para com Israel, mas que agora, silenciosamente, ressentem-se da tentativa de Netanyahu de pressionar os Estados Unidos para uma guerra que eles não querem. "Nosso empenho com Israel tem sido tão sólido quanto com qualquer outro aliado que já tivemos, e um bocado de oficiais são orgulhosos disso," disse o tenente-general Robert Gard, um oficial reformado do Exército. "Mas nós fizemos isso para que eles possam defender-se. Não para que possam começar a Terceira Guerra Mundial."
Este desagrado americano por um envolvimento num ataque israelense tem se difundido a algum tempo. Em março, o New York Times detalhou um jogo de guerra do CENTCOM denominado "Olhar Interno", no qual os Estados Unidos foram "aspirados" para um conflito regional na onda de um ataque israelense. Os resultados "foram particularmente perturbadores" para o general James Mattis, o comandante do CENTCOM. Entre outras conclusões, "Olhar Interno" considerou que a retaliação iraniana contra elementos militares americanos poderia resultar em "centenas de mortes americanas", provavelmente como resultado de um ataque de mísseis iraniano contra uma belonave americana. A simulação, tanto como as ameaças iranianas de fechar os Estreitos de Hormuz, sugerem porque Mattis requisitou que a Casa Branca aprovasse o desdobramento de um terceiro porta-aviões para o Golfo Pérsico.
Mas enquanto Mattis estava preocupado a respeito dos iranianos, ele também estava preocupado sobre Israel, cujo zunir de sabres, ele contemplava com desconforto, dizem seus colegas mais próximos. "Olhar Interno" não apenas mostrou que os resultados de um ataque israelense eram imprevisíveis, como relatou o Times, mas de acordo com um funcionário do Pentágono, ele também mostrou que menor o aviso que os Estados Unidos tenham de um ataque israelense, maior o número de baixas que os Estados Unidos sofrerão. "Quanto mais aviso tenhamos, menos vidas americanas perderemos," contou-me um civil do Pentágono, familiar com o pensamento americano sobre esta questão. "Menos aviso, mais mortes."
De acordo com outro funcionário superior do Pentágono, Obama e o general Martin Dempsey "discutiram em detalhes" a probabilidade de um ataque israelense. Tão cedo quanto o outono de 2011, quando Dempsey tornou-se presidente da Junta de Chefes de Estado-Maior, Obama disse-lhe que os Estados Unidos "nem ajudariam, nem obstruiríam" um ataque israelense, disse este funcionário. Embora Obama cuidadosamente guardada formulação não tenha aparecido na imprensa americana, suas palavras são de conhecimento comum entre os funcionários israelenses e apareceram apenas seis meses depois de Obama assumir o cargo, em julho de 2009, num proeminente editorial no diário pró-Netanyahu Israel Hayom.
Obama, o editorial salientou, "nós tentaremos manter um diálogo com o Irã" enquanto sabendo que um tal esforço provavelmente não obterá sucesso. Obama "prefiriria que não houvesse nenhum ataque israelense mas está despreparado para aceitar a responsabilidade pela segurança de Israel, se ele falhar [num diálogo diplomático] e os Estados Unidos impedir Israel de atacar," acrescentou o editorial. "Assim, acontece que, embora Israel não tenha luz verde para atacar o Irã, ele também não tem uma luz vermelha. A decisão é de Israel. Os Estados Unidos nem ajudarão, nem obstruirão."
Entretanto, as forças armadas americanas temem que o Irã presuma que os Estados Unidos aprovaram um ataque israelense, mesmo se não tenha - e visem os elementos militares americanos no Golfo Pérsico. Pode ser por isto que Dempsey declarou numa mesa redonda de repórtes de Londres, em agosto, que ele não queria parecer "cúmplice" de um ataque israelense. A observação ecoou a especulação de que os Estados Unidos estavam amaciando sua posição para com Teerã ou pressionando Israel a recuar da utilização de sua força militar. De fato, nada mudou: Dempsey estava, explicitamente, dizendo ao Irã que qualquer ataque israelense não teria a aprovação ou a ajuda dos Estados Unidos. Portanto, embora Israel aguardasse que Obama explicasse ou corrigisse a declaração de Dempsey, nenhuma clarificação chegou. "Dempsey sabia, exatamente, o que estava dizendo," o oficial altamente colocado disse, "e ele não teria dito aquilo sem aprovação da Casa Branca." Depois de um momento: acrescentou: "Qualquer coisa que os militares digam, tem de ser aprovado, e eu quero dizer, qualquer coisa."
Estes de fora do governo dos Estados Unidos, que seguem de perto essas questões, concordam. "A mensagem da administração tem sido notavelmente consistente," disse o autor Trita Parsi, especialista em Irã-EUA. "Nós sempre como a América acredita que a guerra 'é o último recurso', mas neste caso, o presidente Obama realmente quer dizer isto."
Gard, o oficial reformado do Exército, concordou: "Está claro para mim que o presidente Obama fará tudo que puder para impedir o Irã de obter a Bomba," disse. "Mas nenhum presidente permitirá que outro país decida quando derramar o sangue americano. Nem mesmo Israel." Gard tem uma reputação como intelectual militar, tem liderado várias iniciativas de oficiais reformados em questões de defesa é é um barômetro útil das visões dos oficiais da ativa sobre sensíveis controvérsias políticas. "Há um desdém geral em nossas forças armadas pela idéia de uma guerra preventiva," ele disse, "que é do que os israelenses chamam sua proposta guerra ao Irã."
George Little, o porta-voz do Pentágono, forneceu esta declaração: "Os Estados Unidos estão preparados para lidar com um leque amplo de contingências relacionadas a potenciais ameaças de segurança no Oriente Médio. Mas é plenamente inverídido - e pura especulação - sugerir que nós tenhamos, definitivamente, descartdo qualquer coisa dentro ou fora de cenários que não tenham ocorrido. Enquanto isto, os Estados Unidos e Israel estão de completo acordo sobre a necessidade de impedir o Irã de obter uma arma nuclea."
Ainda assim, de acordo com um respeitado oficial reformado que faz consultas com o Pentágono - e que conversa regularmente com oficiais superiores israelenses - a elite política de Israel, provavelmente ficará supreendida pela resposta de Obama e das forças armadas americanas, se Israel desfechar um ataque preventivo contra os sítios nucleares iranianos. "Se Israel começar uma guerra, disse este oficial reformado, "a primeira opção da América será interrompê-la. Pedir um cessar-fogo. E, a propósito, esta também será nossa segunda e terceira opção. Nós faremos tudo que pudermos para impedir uma escalada da guerra. Nós teremos 72 horas para fazer isto. Depois, todas as cartas estarão lançadas."
Como os militares americanos acham que Israel poderá atacar o Irã.
Mark Perry - FP National Security, 27 de setembro de 2012.
Embora ninguém na administração Barack Obama saiba se Israel atacará o programa nuclear do Irã, os planejadores de guerra da América estão preparando-se para uma ampla variedade de potenciais opções militares israelenses - enquanto também estão tentando limitar as chances de os Estados Unidos serem arrastados para um conflito potencialmente sangrento no Golfo Pérsico.
"O compartilhamento de informações israelo-americano sobre o Irã tem sido extraordinário e sem precedentes," contou-me um planejador de guerra superior do Pentágono. "Mas quando se trata de realmente atacar o Irã, o que Israel não nos conta é o que ele planeja fazer, ou como planejam fazer isto. Este é o mais ferrenhamente guardado segredo deles." A recusa de Israel em compartilhar seus planos tem persistido apesar de repetidos requerimentos do secretário da defesa Leon Panetta, disse um superior civil do Pentágono.
O resultado é que, num momento de escalada do debate público em Israel e nos Estados Unidos, em volta da possibilidade de um ataque contra o Irã, os planejadores de guerra de alto nível do Pentágono tem de voar "às cegas" ao rascunharem sobre o que Israel pode fazer - e os desafios que suas ações representarão para as forças armadas dos Estados Unidos. "O que nós fazemos é um tipo de engenharia reversa," o planejador superior disse. "Nós damos uma olhada em seus recursos e capacidades, nos colocamos no lugar deles e perguntamos como agiríamos se tivéssemos o que eles tem. Assim, embora estejamos supondo, nós temos uma idéia muito boa do que eles podem e não podem fazer."
De acordo com várias fontes de inteligência civis e militares americanas de alto nível, os planejadores de guerra do Pentágono e do Comando Central dos Estados Unidos concluíram que existem ao menos três possíveis opções de ataque israelenses, incluindo uma ousada e extremamente arriscada incursão de operações especiais contra a instalação nuclear do Irã em Fordow - uma "Entebbe iraniana", eles chamam, devido ao resgate comando de reféns israelenses em Uganda, em 1976. Neste cenário, comandos israelenses assaltariam o complexo, que abriga muitas das centrífugas do Irã; removeriam tanto urânio enriquecido quanto encontrassem ou pudessem carregar; e plantariam explosivos para destruir a instalação durante a retirada.
O CENTCOM, que controla os recursos militares americanos no Oriente Médio, recebeu o papel de liderança no estudo do possível ataque israelense. No ano passado, seus oficiais encontraram-se, várias vezes, no quartel-general do CENTCOM em Tampa, Flórida, e com oficiais da 5ª Esquadra em Doha, Qatar, para discutirem suas conclusões, disseram as fontes.
As análises militares dos planos de guerra israelenses tem tomado lugar separadas da - mas concomitantes com - a controvérsia envolvendo a insistência do primeiro-ministro Benjamin Neetanyahu de que os Estados Unidos confrontem Teerã com uma "linha vermelha" que, se cruzada pelo programa nuclear iraniano, detonaria um ataque militar americano. "Esta é uma questão política, não uma questão militar," disse o planejador superior do Pentágono. Isto não está em nosso âmbito. Estamos presumindo que um ataque israelense pode vir a qualquer momento."
Mas não está claro se Israel, mesmo com toda sua alardeada força militar, pode levar à frente um ataque bem-sucedido: Netanyahu pode não querer, simplesmente, os Estados Unidos á bordo, politicamente; ele pode precisar que os americanos participem militarmente. "Toda essa coisa sobre "linhas vermelhas" e prazos fatais é apenas a forma de Israel nos obrigar a declarar que, no momento em que eles começarem a atirar, nós também atiraremos," contou-me o almirante reformado Bobby Ray Inman. "Ponto essencial? Nós podemos fazer isto e eles não, porque nós temos o que os israelenses não tem," disse o coronel reformado da Força Aérea Sam Gardner.
Uma coisa é claro: as forças armadas americanas, de acordo com minhas fontes, atualmente não tem interesse algum num ataque preventivo. "A idéia de que nós atacaremos com Israel é remota, portanto você pode tirar isto de sua lista de opções, contou-me o antigo comandante do CENTCOM Joe Hoar. Nem irão os Estados Unidos juntarem-se a um ataque israelense uma vez que ele tenha início, o planejador superior americano disse. "Nós sabemos que há iranianos importantes ansiando por uma briga conosco, particularmente na Marinha deles," acrescentou um oficial do CENTCOM. "E nós lhes daremos uma, se eles quiserem, mas nós não vamos embarcar numa, apenas porque os israelenses querem."
Isso coloca os militares, ombro a ombro com o presidente. Os militares e Obama podem ter se chocado em outras questões, como o reforço afegão, mas quando se trata do Irã, eles falam com uma só voz: eles não querem que o Irã consiga uma arma nuclear, eles não querem que Israel comece uma guerra por causa disso, e eles não acreditam que um ataque israelense deva, automaticamente, detonar uma intervenção americana. Mas, se eles querem evitar tornarem-se uma parte dos planos de Israel, eles, primeiro, precisam saber que planos são estes.
Três fontes americanas militares e de inteligência de alto escalão contaram-me que o CENTCOM identificou três opções para Israel, caso decida tomar ação militar preventiva contra o Irã.
A primeira e mais previsível opção pede por uma maciça campanha de bombardeio da Força Aérea israelense visando sítios nucleares iranianos chave. Um tal assalto seria acompanhado por ataques de mísseis de cruzeiro lançados por submarinos e mísseis de médio alcance Jericó II e de longo alcance Jericó III, a partir de bases israelenses, de acordo com um oficial americano altamente colocado. O ataque pode muito bem ser precedido por - ou acompanhado de - um coordenado ataque de guerra eletrônica e cibernética.
Mas os planejadores da Junta de Chefes de Estado-Maior e do CENTCOM concluíram que, devido aos limites das capacidades militares israelenses, uma tal campanha aérea não poderia ser sustentada. "Eles terão apenas uma bala, uma só vez," disse o oficial americano. "É um tempo para ir e outro para voltar. E é tudo."
Embora Israel tenha 125 sofisticados caças-bombardeiros F-15I e F-16I, apenas os aproximadamente 25 F-15I são capazes de transportarem o míssil guiado GBU-28 destruidor de bunkers, que tem a melhor chance de destruir as pesadamente fortificadas instalações nucleares do Irã. E mesmo assim, cada F-15I pode carregar somente uma única munição.
Esta força, embora letal, também é modesta. A Força Aérea israelense, apropriadamente, terá de selecionar, cuidadosamente, seus alvos, concentrando-se, mais possivelmente, sobre quatro: a planta de produção de água pesada em Arak; os centros de enriquecimento de urânio em Fordow e Natanz e a instalação de conversão de urânio em Isfahan, enquanto deixará de fora o sítio militar em Parchi e o reator nuclear de Bushehr, que abriga especialistas técnicos russos.
O ataque isralense, possivelmente, também incluirá os F-16I para incapacitar a rede de defesa aérea do Irã, ou talvez lançar outras, menos eficazes, munições destruidoras de bunkers, para reforçar as surtidas de F-15I. Alguns destes F-16I, mas não todos, serão capazes de serem reabastecidos pelos sete ou dez aviões-tanque KC-707.
Mesmo assim, e mesmo com a melhor sorte (tempo bom, mira precisa, reabastecimento sofisticado, surpresa quase total, precisa interdição ar-ar, um mínimo de acidentes e a bem-sucedida destruição das capacidades anti-aéreas do Irã), oficiais superiores americanos dizem que Israel apenas fará recuar a capacitação nuclear do Irã, por um ou dois anos, no melhor dos casos - não acabar com ela.
Eis porquê Netanyahu está tão ansioso para que a administração Obama diga quando ou se irá juntar-se a um ataque. Como Hoar, o ex-comandante do CENTCOM, rispidamente coloca: "Comparado com os Estados Unidos, Israel não tem forças armadas."
Incluida no arsenal americano está a recentemente desenvolvida Munição de Penetração Maciça, (Massive Ordnance Penetrator) a GBU-57 de 14 toneladas, que pode perfurar 61 m de concreto reforçado, antes de detonar sua ogiva de 2,4 toneladas. Especula-se que os Estados Unidos tenham, somente, cerca de 20 GBU-57 no seu inventário - mas os israelenses tem zero. "Há uma boa razão para isto," disse Gardner. "Somente um bombardeiro B-2 pode carregar a "57". Ele fez uma pausa para efeito: "Você pode saber disto, mas vale a pena mencionar", acrescentou. "Israel não tem B-2."
A provável incapacidade de Israel em destruir a capacidade nuclear do Irã, de uma só cartada, mesmo num cenário no melhor dos casos, levou os planejadores de guerra americanos a especularem sobre uma segunda, fora do esquema, e extremamente perigosa opção militar: aquilo que eles estão chamado uma "Entebbe iraniana".
Neste cenário, os israelenses deixariam de lado um maciço ataque aéreo e, ao invés, montariam uma incursão comando de alto risco, mas prometendo altos dividendos, que aterrisaria uma unidade Sayeret Matkal (operações especiais), fora da instalação de enriquecimento do Irã em Fordow, próximo a Qom. A unidade - ou outras unidades de elite similares - consistindo de, talvez, 400 soldados comandos, tomaria o urânio enriquecido do Irã para levá-lo para Israel.
O sucesso da operação dependeria da velocidade, segredo, simplicidade e credibilidade da inteligência israelense. De acordo com o planejador de guerra do Pentágono, o acesso de Israel ao planejamento militar e político iraniano é sem precedentes, como sua disposição em compartilhá-lo com as autoridades da inteligência americana.
A unidade israelense seria transportada por entre três e seis aeronaves C-130 (que podem carregar um máximo de 70 soldados) que seriam protegidas por um "enxame" de bem armados F-16I, de acordo com o cenário em consideração pelas autoridades militares americanas. Os C-130 aterrisariam no deserto próximo a Fordow. Os comandos israelenses então derrotariam o pessoal de segurança pesadamente armado no complexo, penetrariam suas barreiras e interditariam quaisquer unidades inimigas próximas, e tomariam o urânio do complexo para levá-lo para Israel. Antes de sua partida, a unidade comando destruiría o complexo, evitando a necessidade de qualquer ataque de bombardeio de alto nível. (Autoridades militares superiores americanas dizem que há relatórios de que parte do urânio em Fordow está armazenado como gás hexafluorido de urânio, uma forma química utilizada durante o processo de enriquecimento. Neste caso, o material poderia ser deixado no lugar, quando os comandos destruíssem o complexo.)
"Isto pode ser feito, e eles devem estar pensando ao longo destas linhas," o oficial altamente colocado americano. "As forças de operações especiais das FDI são o melhor recurso que Israel tem." Dito isto, "em alguns cenários," o planejador militar americano que contou-me da potencial operação disse, "haveriam baixas israelenses muito elevadas devido às divisões próximas da Guarda Republicana. Esta operação seria bem sangrenta."
Sangrenta ou não, a liderança israelense pode não ser tão rápida em desconsiderar uma tal operação, considerando a história de Israel de utilizar tais unidades. Netanyahu e o ministro da defesa Ehud Barak são ex-oficiais da Sayeret Matkal, e recentemente, o chefe das Forças de Defesa Israelenses, Benny Gantz (ele próprio um veterano Sayeret Matkal) disse que as FDI tinham formado um "Corpo de Longo Alcance" de elite de operações especiais, para golpear profundamente no interior de território hostil. E, naturalmente, deve-se lembrar que o irmão de Netanyahu, Yonatan, foi a única baixa na operação israelense em Entebbe.
A dificuldade com a opção estilo Entebbe é que Israel seria forçado a montar "uma robusta capacidade CSAR (Busca e Resgate de Combate)" para apoiá-la, observou um planejador da Junta de Chefes de Estado-Maior (JCS). Isto significaria pousar outros C-130 carregando helicópteros que recolheriam comandos em perigo ou recuperariam tripulações aéreas abatidas. Tais unidades CSAR teriam de ser desdobradas para países próximos, "ou mesmo pousarem no deserto iraquiano," disse o oficial superior. Este componente CSAR complicaria o que poderia, de outra forma, ser uma operação simples, já que envolve outras vulnerabilidades - uma "subida de degraus" que Israel pode não querer empreender.
Cépticos desta opção incluem o almirante Inman. "Os israelenses puderam ir até Entebbe," disse, "mas eles não podem ir até o Irã. Minha sensação é que o fato de que os israelenses até mesmo estejam pensando sobre esta operação, mostra que eles percebem que sua primeira opção de bombardeio não funciona. Eles estão desesperadamente se agarrando a uma solução militar, e eles sabem que não tem nenhuma."
Mas, o coronel Gardiner acredita que esta operação estilo Entebbe é possível. "É uma opção não-escalatória, é inteiramente plausível, e não é tão perigosa quanto parece," disse. "Nós temos de compreender qual é o objetivo de Israel em qualquer ataque contra o Irã. Todo o ponto para Israel é demonstrar que eles podem projetar poder em qualquer lugar na região. Portanto, vamos olhar da perspectiva deles. Não há três divisões próximas a Fordow, há uma, e ela está entrincheirada. Não levaria três horas para os iranianos responderem, eles levariam três dias. Isto me lembra de Osirak [o reator nuclear iraquiano que Israel destruiu num ataque aéreo em 1981]. Os últimos que queriam admitir que os israelenses fizeram isto eram os iraquianos. Este será o caso aqui. Os iranianos ficarão embaraçados. Isso tem apelo. Isso faz sentido. Se for simples, se for feito rápidamente, se for entrar e sair. Isso pode funcionar."
Uma terceira operação é menos exótica, mas talvez a mais perigosa de todos: decapitação de regime. "Os israelenses poderiam, apenas, tentar liquidar a liderança iraniana," disse o planejador de guerra do Pentágono. "Mas eles fariam isto apenas como parte de um ataque aéreo ou uma incursão de comandos." O lado negativo de um ataque de decapitação é que isto não poria fim ao programa nuclear; o lado positivo é que isto, quase com certeza detonaria uma resposta iraniana visando forças militares americanas na região, já que isto deixaria as forças da Guarda Revolucionária iraniana encarregadas do país. Isto seria uma forma garantida, acreditam todos os oficiais americanos com os quais falei, para Israel conseguir envolver os Estados Unidos numa ofensiva anti-iraniana, com os Estados Unidos montando operações num conflito que não iniciou.
Como iriam as forças armadas americanas responderem a um ataque iraniano? "Isto depende," disse o planejador do Pentágono. "Se os iranianos nos inquietarem, nós podemos lidar com isto, mas se eles forem atrás de um de nossos navios capitais, então, todas as cartas estarão na mesa." Mesmo assim, uma resposta americana não envolveria uma custosa guerra terrestre, em escala total, contra o regime de Teerã, mas antes uma campanha de interdição aérea de longo prazo para erodir as capacidades militares iranianas, incluindo seu programa nuclear, disse o planejador.
Mas uma campanha de decapitação aprofundaria a rixa entre a administração Obama e o governo Netanyahu. O falatório de guerra em Jerusalém já erodiu as visões de muitos oficiais superiores das forças armadas americanas, que uma vez estavam fortemente empenhados para com Israel, mas que agora, silenciosamente, ressentem-se da tentativa de Netanyahu de pressionar os Estados Unidos para uma guerra que eles não querem. "Nosso empenho com Israel tem sido tão sólido quanto com qualquer outro aliado que já tivemos, e um bocado de oficiais são orgulhosos disso," disse o tenente-general Robert Gard, um oficial reformado do Exército. "Mas nós fizemos isso para que eles possam defender-se. Não para que possam começar a Terceira Guerra Mundial."
Este desagrado americano por um envolvimento num ataque israelense tem se difundido a algum tempo. Em março, o New York Times detalhou um jogo de guerra do CENTCOM denominado "Olhar Interno", no qual os Estados Unidos foram "aspirados" para um conflito regional na onda de um ataque israelense. Os resultados "foram particularmente perturbadores" para o general James Mattis, o comandante do CENTCOM. Entre outras conclusões, "Olhar Interno" considerou que a retaliação iraniana contra elementos militares americanos poderia resultar em "centenas de mortes americanas", provavelmente como resultado de um ataque de mísseis iraniano contra uma belonave americana. A simulação, tanto como as ameaças iranianas de fechar os Estreitos de Hormuz, sugerem porque Mattis requisitou que a Casa Branca aprovasse o desdobramento de um terceiro porta-aviões para o Golfo Pérsico.
Mas enquanto Mattis estava preocupado a respeito dos iranianos, ele também estava preocupado sobre Israel, cujo zunir de sabres, ele contemplava com desconforto, dizem seus colegas mais próximos. "Olhar Interno" não apenas mostrou que os resultados de um ataque israelense eram imprevisíveis, como relatou o Times, mas de acordo com um funcionário do Pentágono, ele também mostrou que menor o aviso que os Estados Unidos tenham de um ataque israelense, maior o número de baixas que os Estados Unidos sofrerão. "Quanto mais aviso tenhamos, menos vidas americanas perderemos," contou-me um civil do Pentágono, familiar com o pensamento americano sobre esta questão. "Menos aviso, mais mortes."
De acordo com outro funcionário superior do Pentágono, Obama e o general Martin Dempsey "discutiram em detalhes" a probabilidade de um ataque israelense. Tão cedo quanto o outono de 2011, quando Dempsey tornou-se presidente da Junta de Chefes de Estado-Maior, Obama disse-lhe que os Estados Unidos "nem ajudariam, nem obstruiríam" um ataque israelense, disse este funcionário. Embora Obama cuidadosamente guardada formulação não tenha aparecido na imprensa americana, suas palavras são de conhecimento comum entre os funcionários israelenses e apareceram apenas seis meses depois de Obama assumir o cargo, em julho de 2009, num proeminente editorial no diário pró-Netanyahu Israel Hayom.
Obama, o editorial salientou, "nós tentaremos manter um diálogo com o Irã" enquanto sabendo que um tal esforço provavelmente não obterá sucesso. Obama "prefiriria que não houvesse nenhum ataque israelense mas está despreparado para aceitar a responsabilidade pela segurança de Israel, se ele falhar [num diálogo diplomático] e os Estados Unidos impedir Israel de atacar," acrescentou o editorial. "Assim, acontece que, embora Israel não tenha luz verde para atacar o Irã, ele também não tem uma luz vermelha. A decisão é de Israel. Os Estados Unidos nem ajudarão, nem obstruirão."
Entretanto, as forças armadas americanas temem que o Irã presuma que os Estados Unidos aprovaram um ataque israelense, mesmo se não tenha - e visem os elementos militares americanos no Golfo Pérsico. Pode ser por isto que Dempsey declarou numa mesa redonda de repórtes de Londres, em agosto, que ele não queria parecer "cúmplice" de um ataque israelense. A observação ecoou a especulação de que os Estados Unidos estavam amaciando sua posição para com Teerã ou pressionando Israel a recuar da utilização de sua força militar. De fato, nada mudou: Dempsey estava, explicitamente, dizendo ao Irã que qualquer ataque israelense não teria a aprovação ou a ajuda dos Estados Unidos. Portanto, embora Israel aguardasse que Obama explicasse ou corrigisse a declaração de Dempsey, nenhuma clarificação chegou. "Dempsey sabia, exatamente, o que estava dizendo," o oficial altamente colocado disse, "e ele não teria dito aquilo sem aprovação da Casa Branca." Depois de um momento: acrescentou: "Qualquer coisa que os militares digam, tem de ser aprovado, e eu quero dizer, qualquer coisa."
Estes de fora do governo dos Estados Unidos, que seguem de perto essas questões, concordam. "A mensagem da administração tem sido notavelmente consistente," disse o autor Trita Parsi, especialista em Irã-EUA. "Nós sempre como a América acredita que a guerra 'é o último recurso', mas neste caso, o presidente Obama realmente quer dizer isto."
Gard, o oficial reformado do Exército, concordou: "Está claro para mim que o presidente Obama fará tudo que puder para impedir o Irã de obter a Bomba," disse. "Mas nenhum presidente permitirá que outro país decida quando derramar o sangue americano. Nem mesmo Israel." Gard tem uma reputação como intelectual militar, tem liderado várias iniciativas de oficiais reformados em questões de defesa é é um barômetro útil das visões dos oficiais da ativa sobre sensíveis controvérsias políticas. "Há um desdém geral em nossas forças armadas pela idéia de uma guerra preventiva," ele disse, "que é do que os israelenses chamam sua proposta guerra ao Irã."
George Little, o porta-voz do Pentágono, forneceu esta declaração: "Os Estados Unidos estão preparados para lidar com um leque amplo de contingências relacionadas a potenciais ameaças de segurança no Oriente Médio. Mas é plenamente inverídido - e pura especulação - sugerir que nós tenhamos, definitivamente, descartdo qualquer coisa dentro ou fora de cenários que não tenham ocorrido. Enquanto isto, os Estados Unidos e Israel estão de completo acordo sobre a necessidade de impedir o Irã de obter uma arma nuclea."
Ainda assim, de acordo com um respeitado oficial reformado que faz consultas com o Pentágono - e que conversa regularmente com oficiais superiores israelenses - a elite política de Israel, provavelmente ficará supreendida pela resposta de Obama e das forças armadas americanas, se Israel desfechar um ataque preventivo contra os sítios nucleares iranianos. "Se Israel começar uma guerra, disse este oficial reformado, "a primeira opção da América será interrompê-la. Pedir um cessar-fogo. E, a propósito, esta também será nossa segunda e terceira opção. Nós faremos tudo que pudermos para impedir uma escalada da guerra. Nós teremos 72 horas para fazer isto. Depois, todas as cartas estarão lançadas."
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
AS REGRAS DA GUERRA SÃO SIMPLES, MAS RARAMENTE SEGUIDAS.
Bevin Alexander - Prefácio de How Great Generals Win, 1993.
Meu entendimento sobre como os grandes generais vencem começou com a percepção de como generais não tão grandes, não vencem. Este processo de aprendizado começou num dia quente em agosto de 1951, quando, na condição de comandante do 5º Destacamento Histórico do Exército dos Estados Unidos, eu estava num vale das Montanhas Taebaek no leste da Coréia e observei a artilharia americana pulverizar a Colina 983 cerca de 1.000 metros na minha frente.
Esta montanha e outra similar, bem ao norte, não tinham ganhado os nomes - Bloody Ridge e Heartbreak Ridge - pelas quais entrariam para a história como batalhas quintessenciais da Guerra da Coréia. Mas, aqueles de nós posicionados lá, naquele dia de verão, observando as granadas de artilharia metodicamente obliterarem todos os traços de vegetação da 983, já sabiam o que estava guardado.
O ataque seria direto - subindo de frente as íngremes encostas da montanha, escalando 975 metros acima do nível do mar. O ataque também seria sem supresa: a concentração de uma dezena de batalhões de artilharia no vale ao sul da montanha tinha mostrado aos defensores norte-coreanos que o principal comandante americano na Coréia, tenente-general James A. Van Fleet, tinha selecionado seu bastião para o assalto.
Assim, a medonha batalha que seguiu-se, e a ainda mais medonha batalha para capturar Heartbreak que veio logo em seus calcanhares, foram programadas desde o começo, como se ambos os lados tivessem recebido um roteiro e sido ordenados a seguí-lo, exatamente.
A artilharia americana destruiu toda a vegetação mas pôde danificar apenas uma pequena fração dos bunkers de terra, rocha e cobertos de toras nos quais os soldados comunistas se escondiam. Sendo assim, os infantes americanos, sul-coreanos e, em Heartbreak, franceses, escalaram as encostas levando aos picos, as únicas vias de acesso para desentocar o inimigo de seus bunkers e expulsá-los. Os soldados norte-coreanos e chineses conheciam estas vias de acesso tão bem quanto os soldados das Nações Unidas, e cuidadosamente zeraram suas armas automáticas e morteiros sobre elas, criando campos de tiro para dizimar a infantaria das Nações Unidas escalando.
Tudo saiu como programado - o superior poder de fogo da ONU no final arrancou os picos dos comunistas - porém o custo foi estarrecedor. As baixas da ONU, a vasta maioria delas americanas, totalizaram 6.400 enquanto as perdas comunistas podem ter alcançado 40 mil. Ainda assim, o comando da ONU não ganhou nada. Sua posição estratégica na Coréia não foi afetada um centímetro, e quase não houveram ganhos táticos: por trás de Heartbreak estava outra linha de cristas, igualmente eivada com bunkers. E por trás desta crista se erguiam muito mais cristas que poderiam estar igualmente blindadas com bunkers também.
A única coisa obtida pelas batalhas das colinas Bloody e Heartbreak - e por todas as numerosas outras batalhas por linhas de alturas que o 8º Exército dos Estados Unidos na Coréia travou durante o outono de 1951 - foi que o comando americano finalmente compreendeu a futilidade de ataques frontais contra posições preparadas. Não houve nenhum grande despertar intelectual para a estupidez desta política. A razão foi simplesmente que o custo de mais ataques era alto demais. O período entre o começo das "conversações de paz' em julho e a cessação dos assaltos contra a linha de alturas no final de outubro de 1951 tinha produzido 60 mil baixas da ONU e estimadas 234 mil comunistas.
É incrível que um tenha sido necessário um tal derramamento de sangue para ensinar uma lição óbvia. Desde o começo da guerra organizada, ataques frontais contra defesas preparadas normalmente tem fracassado, um fato escrito largamente na história militar para todos os generais verem. Ainda mais pertinente, porque foi parte da experiência de serviço ativo ou treinamento dos generais superiores na Coréia, foi a guerra de trincheiras na Grande Guerra - que esta fase da Guerra da Coréia copiou quase exatamente. A Grande Guerra tinha mostrado conclusivamente que ataque frontais não podiam ter sucesso, exceto a um custo humano tão enorme que o termo "vitória" acabava perdendo o significado, já que ninguém saia vencedor de tais encontros com a morte, nas barricadas da frente ocidental.
Ainda assim a lição não tinha sido aprendida. Os homens que tinham visto ou estudado a guerra de trincheiras da Grande Guerra a repetiram de novo na Guerra da Coréia. E os resultados foram idênticos ao que tinham sido na Europa: enormes perdas humanas e nenhum ganho tático ou estratégico apreciável.
A lição que eu aprendi de Bloody Ridge e Heartbreak Ridge foi que os grandes generais não agem como os generais que ordenaram as batalhas da linha de cristas na Coréia. Grandes generais não repetem o que já fracassou antes. Eles não enviam tropas diretamente para uma batalha para a qual o inimigo está preparado e na espera. Ao contrário, os grandes generais golpeiam onde são menos esperados, contra oposição que é fraca e desorganizada.
Os tremendos avanços na tecnologia militar desde a Guerra da Coréia não mudaram esta verdade fundamental. A tecnologia governa apenas quais métodos nós utilizamos para obter decisões militares. Avanços em armamentos realmente aumentam a necessidade para generais evitarem as posições mais fortemente defendidas e perigosas e buscar a decisão em pontos onde o inimigo não antecipe ataques.
Especialmente desde a Guerra do Vietnam, espantosos aperfeiçoamentos tem ocorrido na precisão e letalidade de mísseis e armas convencionais (não-nucleares) pelo uso de satélites para navegar com precisão e radar, infravermelho, laser e outros dispositivos para guiarem bombas "inteligentes' e mísseis sobre os alvos. Estes avanços trouxeram previsões sobre futuros "campos de batalha automatizados" onde armas seriam tão eficazes que os seres humanos tornariam-se incapazes de sobreviver neles e as batalhas seriam travadas por robôs e todo tipo de armas, viaturas e aeronaves não-tripulados.
Mas há uma significativa contratendência que pretende que a guerra dependa menos sobre poder de fogo avassalador e mais sobre movimentos de pequenos corpos de indivíduos não sobrecarregados que obtenham seus objetivos pela surpresa, emboscadas e movimentos não antecipados.
A razão pela qual a guerra possa estar rumando para esta aparentemente contraditória direção é que a tecnologia que produz os carros de batalha principais, aeronaves de assalto, navios de guerra e mísseis também produz armas que podem destruir muitas daquelas armas ofensivas. Armas defensivas são muito mais baratas do que armas ofensivas,e algumas podem ser manejadas por um único defensor. Uma destas é o míssil Stinger, que os rebeldes afegãos utilizaram eficazmente para abaterem helicópteros durante a intervenção da União Soviética no Afeganistão nos Anos 1980. O míssil Patriot, que destruiu os mísseis Scud iraquianos na Guerra do Golfo de 1991 e pode destruir aeronaves atacantes, custa só uma fração do preço de um Scud e cerca de um porcento de um caça-bombardeiro.
Se, como numerosos tecnólogos acreditam, o tanque já está obsoleto e aeronaves tripuladas e grandes navios de guerra são dispendiosos, complicados e vulneráveis para sobreviverem muito tempo contra mísseis de defesa, então as futuras guerras podem ser travadas menos por armas não manejadas e robôs sobre um "campo de batalha automatizado" e mais por pequenos corpos de tropa dispersos, bem-treinados e bem-armados que se movam de forma dissimuada e inconspícua em volta de obstáculos, conduzindo a guerra mais com o que hoje associamos com forças guerrilheiras ou semi-guerrilheiras. A União Soviética perdeu uma guerra assim, no Afeganistão.
(nota do Clermont: interessante observar que isto foi escrito, originariamente, em 1993. Dois anos depois da vitória convencional americana na Primeira Guerra do Iraque, e dez anos antes do impasse na Segunda Guerrra do Iraque e na Guerra Americana do Afeganistão...)
É improvável que a espécia humana recorra a guerra nuclear. Qualquer utilização de uma bomba nuclear poderia acarretar uma instantânea represália nuclear que poderia acelerar além de qualquer capacidade humana para controle e resultar em tornar inabitável a maior parte da Terra. Nenhum governante são desejaria sentenciar seu próprio povo à morte. Até mesmo se um ditador louco obtivesse um dispositivo nuclear e o utilizasse, líderes sensíveis quase certamente destruiriam a ele e seus cientistas com um golpe cirúrgico mas não sucumbiriam a um holocausto nuclear.
O futuro não nos pertence para ver. Mas ele provavelmente trará à guerra os mesmos desafios que tem onerado generais desde o começo do conflito armado: como evitar a força principal do inimigo e como desfechar um golpe decisivo contra ele. A guerra mudará, mas os seus princípios permanecerão os mesmos.
O estrategista britânico Sir Basil Liddel Hart dizia que o objetivo do Grande Capitão é o mesmo daquele de Páris na Guerra de Tróia da lenda grega, 3 mil anos atrás. Páris evitou qualquer alvo óbvio no mais destacado campeão grego, Aquiles, ao invés, direcionou sua flecha contra o único ponto vulnerável de Aquiles, seu calcanhar.
O ilustre incursor da cavalaria confederada, Nathan Bedford Forrest, encapsulou o segredo dos grandes generais quando disse que a chave para a vitória é "chegar lá primeiro, com o máximo."
Entretanto, o verdadeiro teste do grande general é mais amplo do que este: é decidir onde fica o "lá", onde pode ser achado o calcanhar de Aquiles. Pois o ponto onde o comandante bem-sucedido concentra suas forças precisa ser um ponto que seja vital ou, no mínimo, extremamente importante para o inimigo. Para chegar lá com o máximo, o comandante militar precisa compreender e praticar o objetivo de outro grande líder confederado, Stonewall Jackson, para "mistificar, iludir e surpreender" o inimigo.
Isto porque nenhum comandante inimigo inteligente, de boa vontade, enfraquecerá um ponto ou local que seja vital ou importante para ele. Ele o fará apenas se forçado ou ludibriado. Para obter tal imposição ou dissimulação, o Grande Capitão quase sempre atuará de uma destas duas maneiras. Ele se movimentará de forma a fazer o general oponente pensar que ele está visando um ponto diferente daquele que realmente quer. Ou ele irá operar de tal modo que o comandante inimigo, nas palavras do grande general da União na Guerra Civil americana, William Tecumseh Sherman, se encontrará "entre as alternativas de um dilema", incapaz de defender dois ou mais pontos ou objetivos e, assim, forçado a ceder pelo menos um de forma a salvar outro.
Um dos fatos notáveis sobre os grandes generais através de toda a história é que - exceto em casos onde possuíam poder avassalador - praticamente todos seus movimentos bem-sucedidos foram feitos contra o flanco ou retaguarda do inimigo, fossem eles reais ou psicológicos. Grandes generais compreendem que um ataque na retaguarda distrai, desloca e, com freqüência, derrota um inimigo, fisicamente, ao isolá-lo de seus suprimentos, comunicações e reforços, e mentalmente, ao solapar sua confiança e senso de segurança. Grandes generais sabem que um ataque direto, de outro lado, consolida as defesas do inimigo e, mesmo se este for derrotado, simplesmente o obriga a recuar na direção de suas reservas e suprimentos.
Estes conceitos tem sido aceitos por princípio em muitos exércitos há um longo tempo. Contra um inimigo fraco ou incompetente, eles são fáceis de serem aplicados. Na Guerra do Golfo de 1991, por exemplo, o general americano, H. Norman Schwarzkopf, aplicou esta clássica doutrina para derrotar o exército iraquiano de 500 mil homens em cem horas. Enquanto "fixava" a força principal iraquiana no Kuwait ao ameaçar uma invasão anfíbia do golfo e lançar duas divisões de fuzileiros navais americanas e outras forças, diretamente sobre o Kuwait, ele enviou dois corpos móveis quase 400 Km ao oeste, no deserto árabe. Estes corpos, então, giraram por trás do exército iraquiano, cortando sua linha de suprimentos e retirada para Bagdá e empurrando-o para um canto apertado entre o rio Eufrates, o golfo e os fuzileiros navais avançando do sul. Os soldados iraquianos renderam aos milhares e a resistência entrou em colapso.
Nem todas as guerras são tão unilaterais quanto a Guerra do Golfo de 1991 e nem todos os oponentes tão dispostos a se renderem. Na guerra, um dos grandes elementos incalculáveis é a resistência humana. Devido a resistência inimiga ser tão imprevisível, generais convencionais ou medíocres, com freqüência, não compreendem a plena significação dos ataques de flanco ou retaguarda e, normalmente, devido a forte resistência inimiga, vêem-se atraídos ou provocados rumo a uma estratégia direta e ataques frontais, que raramente são decisivos.
Um dos fatores que tornam um general, grande, e em decorrência, fazem dele uma raridade, é que ele pode resistir ao impulso da maioria dos homens para correr na direção de um engajamento direto e pode ver, ao contrário, como ser capaz de passar em volta, antes do que através do seu oponente.
Uma razão porque tais generais são poucos é que a profissão militar, como a sociedade em geral, aplaude soluções diretas e suspeita de personalidades dadas à métodos indiretos e não-familiares, rotulando-as como dissimuladas, desonestas ou manhosas. Uma grande causa do ódio americano aos japoneses na Segunda Guerra Mundial foi que estes desfecharam um ataque "traiçoeiro" contra um ponto inesperado, Pearl Harbor no Havaí. A profissão militar e o público tem idealizado as virtudes "viris" do herói de peito aberto, que confronta seu oponente, de frente, um tipo romantizado no cowboy do Oeste americano, que nunca saca do seu "seis-tiros" até que o oponente já tenha alcançado sua arma.
Soldados, há gerações, tem traçado genealogias entre a guerra e o esporte. O Duque de Wellington disse que a batalha de Waterloo foi vencida nos campos de jogo de Eton. É comum no Exército dos Estados Unidos de hoje, igualar a guerra com o Futebol Americano. Isto não é por acaso. O Futebol Americano - não o beisebol - tornou-se um símbolo da guerra pois consiste, primordialmente, de um desafio direto por um atacante contra um defensor. Embora o Futebol Americano possa ter aspectos indiretos, ele é decididamente um jogo de menores jogadas sutis, surpresa e dissimulação do que o beisebol. Até meados dos Anos 1970, a doutrina do Exército dos Estados Unidos assemelhava-se às partidas jogadas na Universidade do Estado de Ohio, na era de Woody Hayes, em meados do século. Embora o ensino desde então tenha enfatizado a manobra, soluções diretas e ataque frontais estão entranhados na psicologia militar e serão difíceis de serem erradicados.
O líder sincero, franco, sem segredos, sempre tem sido um ideal. Por conseqüência, o grande general bem-sucedido deve possuir uma personalidade com a dupla face do deus Janos, irradiando honestidade e abertura para com seus soldados e líderes subordinados, enquanto oculta ou mascara as partes de sua personalidae que permitem-no "mistificar, iludir e surpreender" o inimigo.
Alguns grandes generais tem achado difícil esta tarefa e tem sofrido por isto. Stonewall Jackson era notório por seu secretismo e sua relutância em contar seus planos para os subordinados. Embora seus homens o idolatrassem por trazer-lhes as vitórias, eles o olhavam como um estranho e distante, e seus grandes comandantes o achavam difícil, exigente e não-comunicativo. Sua respostas as acusações foi esclarecedor: "Se eu posso enganar meus próprios amigos, posso estar certo de que estou enganando o inimigo."
Poucos indivíduos são capazes de assumir essa personalidade contraditória, de duas caras, exigida dos grandes capitães. O sistema militar, além do mais, tende a promover a personalidade direta por cima da indireta. Por conseguinte, a maioria dos generais são guerreiros sem complicações que lideram campanhas diretas e ordenam assaltos frontais. As resultantes elevadas baixas e indecisão que caracterizam a maioria das guerras são, por conseqüência, previsíveis.
Até mesmo alguns generais que gozam de elevadas reputação ou fama, realmente foram soldados predominantemente diretos, que trouxeram o desastre para o seu lado. Um tal general foi Robert E. Lee, o beau ideal da Confederação sulista, que possuía integridade, honra e lealdade no mais alto grau e que possuía habilidades como comandante, de longe superiores aquelas dos generais da União dispostos contra ele. Mas, Lee não foi, em si mesmo, um grande general.
Lee, normalmente, em decisivas situações críticas, sempre escolheu o método direto em detrimento do indireto. Por exemplo, quando a invasão de 1862 do Maryland mostrou-se abortada, Lee não se retirou, com rapidez, para a Virgínia, mas deixou-se ser atraído para um confronto direto em Antietam, que ele não tinha esperanças de ganhar, e que mostrou ser a mais sangrenta batalha isolada na história americana. Já que a Confederação era enormemente inferior ao Norte em potencial humano, um tal dispêndio de sangue deveria ter sido feito, apenas em troca de grandes ganhos estratégicos. Resistindo e lutando em Antietam não oferecia nenhum tal benefício, enquanto uma retirada para a Virgínia teria mantido a capacidade ofensiva do Sul. Antietam também deu a Abraham Lincoln a vitória nortista que ele necessitava para emitir a Proclamação da Emancipação, que assegurou que a Grã-Bretanha e a França não viriam em auxilio da Confederação.
Em 1863, Lee deixou-se ser atraído para uma idêntica batalha de atrito em Gettysburg. Quando seus esforços diretos para desalojar as forças da União fracassaram, Lee reforçou seu erro ao destruir a capacidade ofensiva final do Exército do Norte da Virgínia na Carga Pickett, através de quase mil metros de terreno aberto, varrido por balas e granadas. Este assalto frontal estava condenado desde o começo. James Longstreet e outros comandantes reconheceram isto, e o próprio Lee reconheceu seu erro no seu desastroso fim, quando somente metade dos 15 mil homens na Carga retornaram às linhas confederadas.
E mais ainda, Lee não estava numa situação de perigo quando colidiu com o Exército do Potomac da União, em Gettysburg. Ele estava ao norte das forças nortistas, e já que os suprimentos eram de longe mais fartos nesta direção do que de volta à Virgínia, ele poderia ter, com facilidade, passado em volta da força federal bloqueando seu caminho e feito uma varredura sobre Harrisburg ou York, em decorrência, colocando o comando da União, "entre as alternativas de um dilema" ao ameaçar Filadélfia numa direção, Baltimore em outra, e Washington numa terceira. Se o grosso do Exército do Potomac tivesse recuado para defender a capital da nação, Lee poderia ter se movido rumo ao sudeste, ao longo do rio Susquehanna, ameçando Filadélfia ou Baltimore. Se George G. Meade, o comandante da União, tivesse mantido seu exército escudando Washington, Lee poderia ter capturado Baltimore, onde todas as linhas férreas para o Norte se encontravam, em decorrência, isolando Washington de reforços e suprimentos. Se Meade tivesse movido suas tropas para defender Baltimore, Lee poderia ter atravessado o Susquehanna e tomado Filadélfia, a segunda maior cidade americana e um ponto desastroso para o Norte perder.
Outro general da Guerra Civil que goza de fama mas que chegou perto de perder a guerra, desta vez para o Norte, foi Ulysses S. Grant. Em sua campanha de 1864, na Virgínia, Grant arremessou seu exército num assalto direto depois do outro, contra forças confederadas entrincheiradas. O objetivo de Grant era destruir o exército de Lee. Mas ele quase destruiu o seu próprio, perdendo metade de sua força total entre Wilderness na primavera e o impasse em frente de Petersburg, no meio do verão. Pelos estágios finais desta campanha, as tropas de Grant não estavam mais com ânimo para levar à frente seus ataques, porque sabiam que seriam derrotadas. Na verdade, em Cold Harbor, os soldados da União estavam tão certos da morte que antes do assalto pregaram seus nomes e endereços nas costas de seus uniformes para que suas famílias pudessem ser notificadas depois da batalha.
Grant obteve seu único sucesso estratégico não através do combate, mas pela manobra. Ele atravessou o rio James, aproximando-se da principal linha férrea suprindo Richmond a partir do sul, porque ele escolheu, não atacar Lee diretamente, novamente em outra posição defensiva, mas se esgueirar através do James e tentar capturar Petersburg antes que esta pudesse ser defendida. Ele fracassou por pouco, e a guerra na Virgína transformou-se num impasse que Sherman, não Grant, quebrou com seu movimento sobre a retaguarda confederada.
Movimentos diretos, intelectualmente similares aqueles de Lee e Grant, contribuíram para derrotas alemãs em duas guerras mundiais. Nos estágios iniciais da Grande Guerra, o comandante alemão, Helmuth von Moltke, solapou o famoso plano do conde Alfred von Schlieffen, de enviar o grosso do exército alemão "na ponta final" para oeste e então para o sul de Paris. Este "martelo" alemão principal voltaria-se para o norte e destroçaria os exércitos franceses e britânicos contra a "bigorna" alemã posicionada nas fortalezas ao longo da fronteira franco-alemã. Moltke transformou a ampla varredura estratégica destinada a atravessar o rio Sena ao oeste de Paris, num ataque direto ao norte do rio, bem em frente à Paris. Isto permitiu aos franceses bloquearem o caminho do exército e obterem o "milagre do Marne" ao deterem a ofensiva alemã, criando o impasse da guerra de trincheiras que durou até 1918.
No final de 1942, a insistência de Adolf Hitler sobre um assalto direto contra Stalingrado, ao invés de retirar as forças alemãs enquanto ainda havia tempo, resultou na destruição de um grande exército alemão e na perda da iniciativa no leste - e no final, da guerra - para os russos e os outros Aliados.
(continua...)
Bevin Alexander - Prefácio de How Great Generals Win, 1993.
Meu entendimento sobre como os grandes generais vencem começou com a percepção de como generais não tão grandes, não vencem. Este processo de aprendizado começou num dia quente em agosto de 1951, quando, na condição de comandante do 5º Destacamento Histórico do Exército dos Estados Unidos, eu estava num vale das Montanhas Taebaek no leste da Coréia e observei a artilharia americana pulverizar a Colina 983 cerca de 1.000 metros na minha frente.
Esta montanha e outra similar, bem ao norte, não tinham ganhado os nomes - Bloody Ridge e Heartbreak Ridge - pelas quais entrariam para a história como batalhas quintessenciais da Guerra da Coréia. Mas, aqueles de nós posicionados lá, naquele dia de verão, observando as granadas de artilharia metodicamente obliterarem todos os traços de vegetação da 983, já sabiam o que estava guardado.
O ataque seria direto - subindo de frente as íngremes encostas da montanha, escalando 975 metros acima do nível do mar. O ataque também seria sem supresa: a concentração de uma dezena de batalhões de artilharia no vale ao sul da montanha tinha mostrado aos defensores norte-coreanos que o principal comandante americano na Coréia, tenente-general James A. Van Fleet, tinha selecionado seu bastião para o assalto.
Assim, a medonha batalha que seguiu-se, e a ainda mais medonha batalha para capturar Heartbreak que veio logo em seus calcanhares, foram programadas desde o começo, como se ambos os lados tivessem recebido um roteiro e sido ordenados a seguí-lo, exatamente.
A artilharia americana destruiu toda a vegetação mas pôde danificar apenas uma pequena fração dos bunkers de terra, rocha e cobertos de toras nos quais os soldados comunistas se escondiam. Sendo assim, os infantes americanos, sul-coreanos e, em Heartbreak, franceses, escalaram as encostas levando aos picos, as únicas vias de acesso para desentocar o inimigo de seus bunkers e expulsá-los. Os soldados norte-coreanos e chineses conheciam estas vias de acesso tão bem quanto os soldados das Nações Unidas, e cuidadosamente zeraram suas armas automáticas e morteiros sobre elas, criando campos de tiro para dizimar a infantaria das Nações Unidas escalando.
Tudo saiu como programado - o superior poder de fogo da ONU no final arrancou os picos dos comunistas - porém o custo foi estarrecedor. As baixas da ONU, a vasta maioria delas americanas, totalizaram 6.400 enquanto as perdas comunistas podem ter alcançado 40 mil. Ainda assim, o comando da ONU não ganhou nada. Sua posição estratégica na Coréia não foi afetada um centímetro, e quase não houveram ganhos táticos: por trás de Heartbreak estava outra linha de cristas, igualmente eivada com bunkers. E por trás desta crista se erguiam muito mais cristas que poderiam estar igualmente blindadas com bunkers também.
A única coisa obtida pelas batalhas das colinas Bloody e Heartbreak - e por todas as numerosas outras batalhas por linhas de alturas que o 8º Exército dos Estados Unidos na Coréia travou durante o outono de 1951 - foi que o comando americano finalmente compreendeu a futilidade de ataques frontais contra posições preparadas. Não houve nenhum grande despertar intelectual para a estupidez desta política. A razão foi simplesmente que o custo de mais ataques era alto demais. O período entre o começo das "conversações de paz' em julho e a cessação dos assaltos contra a linha de alturas no final de outubro de 1951 tinha produzido 60 mil baixas da ONU e estimadas 234 mil comunistas.
É incrível que um tenha sido necessário um tal derramamento de sangue para ensinar uma lição óbvia. Desde o começo da guerra organizada, ataques frontais contra defesas preparadas normalmente tem fracassado, um fato escrito largamente na história militar para todos os generais verem. Ainda mais pertinente, porque foi parte da experiência de serviço ativo ou treinamento dos generais superiores na Coréia, foi a guerra de trincheiras na Grande Guerra - que esta fase da Guerra da Coréia copiou quase exatamente. A Grande Guerra tinha mostrado conclusivamente que ataque frontais não podiam ter sucesso, exceto a um custo humano tão enorme que o termo "vitória" acabava perdendo o significado, já que ninguém saia vencedor de tais encontros com a morte, nas barricadas da frente ocidental.
Ainda assim a lição não tinha sido aprendida. Os homens que tinham visto ou estudado a guerra de trincheiras da Grande Guerra a repetiram de novo na Guerra da Coréia. E os resultados foram idênticos ao que tinham sido na Europa: enormes perdas humanas e nenhum ganho tático ou estratégico apreciável.
A lição que eu aprendi de Bloody Ridge e Heartbreak Ridge foi que os grandes generais não agem como os generais que ordenaram as batalhas da linha de cristas na Coréia. Grandes generais não repetem o que já fracassou antes. Eles não enviam tropas diretamente para uma batalha para a qual o inimigo está preparado e na espera. Ao contrário, os grandes generais golpeiam onde são menos esperados, contra oposição que é fraca e desorganizada.
Os tremendos avanços na tecnologia militar desde a Guerra da Coréia não mudaram esta verdade fundamental. A tecnologia governa apenas quais métodos nós utilizamos para obter decisões militares. Avanços em armamentos realmente aumentam a necessidade para generais evitarem as posições mais fortemente defendidas e perigosas e buscar a decisão em pontos onde o inimigo não antecipe ataques.
Especialmente desde a Guerra do Vietnam, espantosos aperfeiçoamentos tem ocorrido na precisão e letalidade de mísseis e armas convencionais (não-nucleares) pelo uso de satélites para navegar com precisão e radar, infravermelho, laser e outros dispositivos para guiarem bombas "inteligentes' e mísseis sobre os alvos. Estes avanços trouxeram previsões sobre futuros "campos de batalha automatizados" onde armas seriam tão eficazes que os seres humanos tornariam-se incapazes de sobreviver neles e as batalhas seriam travadas por robôs e todo tipo de armas, viaturas e aeronaves não-tripulados.
Mas há uma significativa contratendência que pretende que a guerra dependa menos sobre poder de fogo avassalador e mais sobre movimentos de pequenos corpos de indivíduos não sobrecarregados que obtenham seus objetivos pela surpresa, emboscadas e movimentos não antecipados.
A razão pela qual a guerra possa estar rumando para esta aparentemente contraditória direção é que a tecnologia que produz os carros de batalha principais, aeronaves de assalto, navios de guerra e mísseis também produz armas que podem destruir muitas daquelas armas ofensivas. Armas defensivas são muito mais baratas do que armas ofensivas,e algumas podem ser manejadas por um único defensor. Uma destas é o míssil Stinger, que os rebeldes afegãos utilizaram eficazmente para abaterem helicópteros durante a intervenção da União Soviética no Afeganistão nos Anos 1980. O míssil Patriot, que destruiu os mísseis Scud iraquianos na Guerra do Golfo de 1991 e pode destruir aeronaves atacantes, custa só uma fração do preço de um Scud e cerca de um porcento de um caça-bombardeiro.
Se, como numerosos tecnólogos acreditam, o tanque já está obsoleto e aeronaves tripuladas e grandes navios de guerra são dispendiosos, complicados e vulneráveis para sobreviverem muito tempo contra mísseis de defesa, então as futuras guerras podem ser travadas menos por armas não manejadas e robôs sobre um "campo de batalha automatizado" e mais por pequenos corpos de tropa dispersos, bem-treinados e bem-armados que se movam de forma dissimuada e inconspícua em volta de obstáculos, conduzindo a guerra mais com o que hoje associamos com forças guerrilheiras ou semi-guerrilheiras. A União Soviética perdeu uma guerra assim, no Afeganistão.
(nota do Clermont: interessante observar que isto foi escrito, originariamente, em 1993. Dois anos depois da vitória convencional americana na Primeira Guerra do Iraque, e dez anos antes do impasse na Segunda Guerrra do Iraque e na Guerra Americana do Afeganistão...)
É improvável que a espécia humana recorra a guerra nuclear. Qualquer utilização de uma bomba nuclear poderia acarretar uma instantânea represália nuclear que poderia acelerar além de qualquer capacidade humana para controle e resultar em tornar inabitável a maior parte da Terra. Nenhum governante são desejaria sentenciar seu próprio povo à morte. Até mesmo se um ditador louco obtivesse um dispositivo nuclear e o utilizasse, líderes sensíveis quase certamente destruiriam a ele e seus cientistas com um golpe cirúrgico mas não sucumbiriam a um holocausto nuclear.
O futuro não nos pertence para ver. Mas ele provavelmente trará à guerra os mesmos desafios que tem onerado generais desde o começo do conflito armado: como evitar a força principal do inimigo e como desfechar um golpe decisivo contra ele. A guerra mudará, mas os seus princípios permanecerão os mesmos.
O estrategista britânico Sir Basil Liddel Hart dizia que o objetivo do Grande Capitão é o mesmo daquele de Páris na Guerra de Tróia da lenda grega, 3 mil anos atrás. Páris evitou qualquer alvo óbvio no mais destacado campeão grego, Aquiles, ao invés, direcionou sua flecha contra o único ponto vulnerável de Aquiles, seu calcanhar.
O ilustre incursor da cavalaria confederada, Nathan Bedford Forrest, encapsulou o segredo dos grandes generais quando disse que a chave para a vitória é "chegar lá primeiro, com o máximo."
Entretanto, o verdadeiro teste do grande general é mais amplo do que este: é decidir onde fica o "lá", onde pode ser achado o calcanhar de Aquiles. Pois o ponto onde o comandante bem-sucedido concentra suas forças precisa ser um ponto que seja vital ou, no mínimo, extremamente importante para o inimigo. Para chegar lá com o máximo, o comandante militar precisa compreender e praticar o objetivo de outro grande líder confederado, Stonewall Jackson, para "mistificar, iludir e surpreender" o inimigo.
Isto porque nenhum comandante inimigo inteligente, de boa vontade, enfraquecerá um ponto ou local que seja vital ou importante para ele. Ele o fará apenas se forçado ou ludibriado. Para obter tal imposição ou dissimulação, o Grande Capitão quase sempre atuará de uma destas duas maneiras. Ele se movimentará de forma a fazer o general oponente pensar que ele está visando um ponto diferente daquele que realmente quer. Ou ele irá operar de tal modo que o comandante inimigo, nas palavras do grande general da União na Guerra Civil americana, William Tecumseh Sherman, se encontrará "entre as alternativas de um dilema", incapaz de defender dois ou mais pontos ou objetivos e, assim, forçado a ceder pelo menos um de forma a salvar outro.
Um dos fatos notáveis sobre os grandes generais através de toda a história é que - exceto em casos onde possuíam poder avassalador - praticamente todos seus movimentos bem-sucedidos foram feitos contra o flanco ou retaguarda do inimigo, fossem eles reais ou psicológicos. Grandes generais compreendem que um ataque na retaguarda distrai, desloca e, com freqüência, derrota um inimigo, fisicamente, ao isolá-lo de seus suprimentos, comunicações e reforços, e mentalmente, ao solapar sua confiança e senso de segurança. Grandes generais sabem que um ataque direto, de outro lado, consolida as defesas do inimigo e, mesmo se este for derrotado, simplesmente o obriga a recuar na direção de suas reservas e suprimentos.
Estes conceitos tem sido aceitos por princípio em muitos exércitos há um longo tempo. Contra um inimigo fraco ou incompetente, eles são fáceis de serem aplicados. Na Guerra do Golfo de 1991, por exemplo, o general americano, H. Norman Schwarzkopf, aplicou esta clássica doutrina para derrotar o exército iraquiano de 500 mil homens em cem horas. Enquanto "fixava" a força principal iraquiana no Kuwait ao ameaçar uma invasão anfíbia do golfo e lançar duas divisões de fuzileiros navais americanas e outras forças, diretamente sobre o Kuwait, ele enviou dois corpos móveis quase 400 Km ao oeste, no deserto árabe. Estes corpos, então, giraram por trás do exército iraquiano, cortando sua linha de suprimentos e retirada para Bagdá e empurrando-o para um canto apertado entre o rio Eufrates, o golfo e os fuzileiros navais avançando do sul. Os soldados iraquianos renderam aos milhares e a resistência entrou em colapso.
Nem todas as guerras são tão unilaterais quanto a Guerra do Golfo de 1991 e nem todos os oponentes tão dispostos a se renderem. Na guerra, um dos grandes elementos incalculáveis é a resistência humana. Devido a resistência inimiga ser tão imprevisível, generais convencionais ou medíocres, com freqüência, não compreendem a plena significação dos ataques de flanco ou retaguarda e, normalmente, devido a forte resistência inimiga, vêem-se atraídos ou provocados rumo a uma estratégia direta e ataques frontais, que raramente são decisivos.
Um dos fatores que tornam um general, grande, e em decorrência, fazem dele uma raridade, é que ele pode resistir ao impulso da maioria dos homens para correr na direção de um engajamento direto e pode ver, ao contrário, como ser capaz de passar em volta, antes do que através do seu oponente.
Uma razão porque tais generais são poucos é que a profissão militar, como a sociedade em geral, aplaude soluções diretas e suspeita de personalidades dadas à métodos indiretos e não-familiares, rotulando-as como dissimuladas, desonestas ou manhosas. Uma grande causa do ódio americano aos japoneses na Segunda Guerra Mundial foi que estes desfecharam um ataque "traiçoeiro" contra um ponto inesperado, Pearl Harbor no Havaí. A profissão militar e o público tem idealizado as virtudes "viris" do herói de peito aberto, que confronta seu oponente, de frente, um tipo romantizado no cowboy do Oeste americano, que nunca saca do seu "seis-tiros" até que o oponente já tenha alcançado sua arma.
Soldados, há gerações, tem traçado genealogias entre a guerra e o esporte. O Duque de Wellington disse que a batalha de Waterloo foi vencida nos campos de jogo de Eton. É comum no Exército dos Estados Unidos de hoje, igualar a guerra com o Futebol Americano. Isto não é por acaso. O Futebol Americano - não o beisebol - tornou-se um símbolo da guerra pois consiste, primordialmente, de um desafio direto por um atacante contra um defensor. Embora o Futebol Americano possa ter aspectos indiretos, ele é decididamente um jogo de menores jogadas sutis, surpresa e dissimulação do que o beisebol. Até meados dos Anos 1970, a doutrina do Exército dos Estados Unidos assemelhava-se às partidas jogadas na Universidade do Estado de Ohio, na era de Woody Hayes, em meados do século. Embora o ensino desde então tenha enfatizado a manobra, soluções diretas e ataque frontais estão entranhados na psicologia militar e serão difíceis de serem erradicados.
O líder sincero, franco, sem segredos, sempre tem sido um ideal. Por conseqüência, o grande general bem-sucedido deve possuir uma personalidade com a dupla face do deus Janos, irradiando honestidade e abertura para com seus soldados e líderes subordinados, enquanto oculta ou mascara as partes de sua personalidae que permitem-no "mistificar, iludir e surpreender" o inimigo.
Alguns grandes generais tem achado difícil esta tarefa e tem sofrido por isto. Stonewall Jackson era notório por seu secretismo e sua relutância em contar seus planos para os subordinados. Embora seus homens o idolatrassem por trazer-lhes as vitórias, eles o olhavam como um estranho e distante, e seus grandes comandantes o achavam difícil, exigente e não-comunicativo. Sua respostas as acusações foi esclarecedor: "Se eu posso enganar meus próprios amigos, posso estar certo de que estou enganando o inimigo."
Poucos indivíduos são capazes de assumir essa personalidade contraditória, de duas caras, exigida dos grandes capitães. O sistema militar, além do mais, tende a promover a personalidade direta por cima da indireta. Por conseguinte, a maioria dos generais são guerreiros sem complicações que lideram campanhas diretas e ordenam assaltos frontais. As resultantes elevadas baixas e indecisão que caracterizam a maioria das guerras são, por conseqüência, previsíveis.
Até mesmo alguns generais que gozam de elevadas reputação ou fama, realmente foram soldados predominantemente diretos, que trouxeram o desastre para o seu lado. Um tal general foi Robert E. Lee, o beau ideal da Confederação sulista, que possuía integridade, honra e lealdade no mais alto grau e que possuía habilidades como comandante, de longe superiores aquelas dos generais da União dispostos contra ele. Mas, Lee não foi, em si mesmo, um grande general.
Lee, normalmente, em decisivas situações críticas, sempre escolheu o método direto em detrimento do indireto. Por exemplo, quando a invasão de 1862 do Maryland mostrou-se abortada, Lee não se retirou, com rapidez, para a Virgínia, mas deixou-se ser atraído para um confronto direto em Antietam, que ele não tinha esperanças de ganhar, e que mostrou ser a mais sangrenta batalha isolada na história americana. Já que a Confederação era enormemente inferior ao Norte em potencial humano, um tal dispêndio de sangue deveria ter sido feito, apenas em troca de grandes ganhos estratégicos. Resistindo e lutando em Antietam não oferecia nenhum tal benefício, enquanto uma retirada para a Virgínia teria mantido a capacidade ofensiva do Sul. Antietam também deu a Abraham Lincoln a vitória nortista que ele necessitava para emitir a Proclamação da Emancipação, que assegurou que a Grã-Bretanha e a França não viriam em auxilio da Confederação.
Em 1863, Lee deixou-se ser atraído para uma idêntica batalha de atrito em Gettysburg. Quando seus esforços diretos para desalojar as forças da União fracassaram, Lee reforçou seu erro ao destruir a capacidade ofensiva final do Exército do Norte da Virgínia na Carga Pickett, através de quase mil metros de terreno aberto, varrido por balas e granadas. Este assalto frontal estava condenado desde o começo. James Longstreet e outros comandantes reconheceram isto, e o próprio Lee reconheceu seu erro no seu desastroso fim, quando somente metade dos 15 mil homens na Carga retornaram às linhas confederadas.
E mais ainda, Lee não estava numa situação de perigo quando colidiu com o Exército do Potomac da União, em Gettysburg. Ele estava ao norte das forças nortistas, e já que os suprimentos eram de longe mais fartos nesta direção do que de volta à Virgínia, ele poderia ter, com facilidade, passado em volta da força federal bloqueando seu caminho e feito uma varredura sobre Harrisburg ou York, em decorrência, colocando o comando da União, "entre as alternativas de um dilema" ao ameaçar Filadélfia numa direção, Baltimore em outra, e Washington numa terceira. Se o grosso do Exército do Potomac tivesse recuado para defender a capital da nação, Lee poderia ter se movido rumo ao sudeste, ao longo do rio Susquehanna, ameçando Filadélfia ou Baltimore. Se George G. Meade, o comandante da União, tivesse mantido seu exército escudando Washington, Lee poderia ter capturado Baltimore, onde todas as linhas férreas para o Norte se encontravam, em decorrência, isolando Washington de reforços e suprimentos. Se Meade tivesse movido suas tropas para defender Baltimore, Lee poderia ter atravessado o Susquehanna e tomado Filadélfia, a segunda maior cidade americana e um ponto desastroso para o Norte perder.
Outro general da Guerra Civil que goza de fama mas que chegou perto de perder a guerra, desta vez para o Norte, foi Ulysses S. Grant. Em sua campanha de 1864, na Virgínia, Grant arremessou seu exército num assalto direto depois do outro, contra forças confederadas entrincheiradas. O objetivo de Grant era destruir o exército de Lee. Mas ele quase destruiu o seu próprio, perdendo metade de sua força total entre Wilderness na primavera e o impasse em frente de Petersburg, no meio do verão. Pelos estágios finais desta campanha, as tropas de Grant não estavam mais com ânimo para levar à frente seus ataques, porque sabiam que seriam derrotadas. Na verdade, em Cold Harbor, os soldados da União estavam tão certos da morte que antes do assalto pregaram seus nomes e endereços nas costas de seus uniformes para que suas famílias pudessem ser notificadas depois da batalha.
Grant obteve seu único sucesso estratégico não através do combate, mas pela manobra. Ele atravessou o rio James, aproximando-se da principal linha férrea suprindo Richmond a partir do sul, porque ele escolheu, não atacar Lee diretamente, novamente em outra posição defensiva, mas se esgueirar através do James e tentar capturar Petersburg antes que esta pudesse ser defendida. Ele fracassou por pouco, e a guerra na Virgína transformou-se num impasse que Sherman, não Grant, quebrou com seu movimento sobre a retaguarda confederada.
Movimentos diretos, intelectualmente similares aqueles de Lee e Grant, contribuíram para derrotas alemãs em duas guerras mundiais. Nos estágios iniciais da Grande Guerra, o comandante alemão, Helmuth von Moltke, solapou o famoso plano do conde Alfred von Schlieffen, de enviar o grosso do exército alemão "na ponta final" para oeste e então para o sul de Paris. Este "martelo" alemão principal voltaria-se para o norte e destroçaria os exércitos franceses e britânicos contra a "bigorna" alemã posicionada nas fortalezas ao longo da fronteira franco-alemã. Moltke transformou a ampla varredura estratégica destinada a atravessar o rio Sena ao oeste de Paris, num ataque direto ao norte do rio, bem em frente à Paris. Isto permitiu aos franceses bloquearem o caminho do exército e obterem o "milagre do Marne" ao deterem a ofensiva alemã, criando o impasse da guerra de trincheiras que durou até 1918.
No final de 1942, a insistência de Adolf Hitler sobre um assalto direto contra Stalingrado, ao invés de retirar as forças alemãs enquanto ainda havia tempo, resultou na destruição de um grande exército alemão e na perda da iniciativa no leste - e no final, da guerra - para os russos e os outros Aliados.
(continua...)
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
(parte final...)
No passado, grandes generais tem aplicado regras ou princípios de guerra duradouros que, quase sempre asseguraram a vitória - se não, apenas porque eles os utilizaram quando seus oponentes, não. Estas regras não são prescrições rígidas, como fórmulas algébricas, mas conceitos, que devem ser aplicados com arte, quando as circunstâncias pedem por eles. Elas não são abstrações esotéricas, compreensíveis somente para especialistas militares e estudantes avançados em colégios de comando e estado-maior geral. Antes, são aplicações de senso comum para problemas sempre presentes quando duas nações ou grupos de nações se lançam uns contra os outros em combate mortal.
O propósito de cada beligerante é impor sua vontade sobre seu oponente. Tentar induzir os outros a se guiarem pelos desejos de alguém é um objetivo humano comum, aplicável a indivíduos e grupos, tanto como nações. A única distinção entre disputas ordinárias humanas e a guerra é que, esta, é um ato de violência no qual um lado exerce força contra o outro lado. Se um lado pode atingir seu propósito sem força, ele, naturalmente, o faria, já que nenhuma nação atacará a não ser que haja resistência. O teórico do século XIX, Karl von Clausewitz, definia a guerra como a continuação da política nacional por outros meios.
Pode parecer óbvio que cada indivíduo, grupo e nação engajados em qualquer conflito, deveriam, sempre aplicar o método de Páris, na Guerra de Tróia e golpear apenas no calcanhar de Aquiles. Porém, a história das relações humanas, tanto como da guerra, mostra conclusivamente, que os seres humanos, com mais freqüência, ignoram ou não vêem as oportunidades para passar em volta de um inimigo oponente e, ao contrário, atacam diretamente no alvo mais óbvio que vêem.
É incomum para uma pessoa atingir seus objetivos movendo-se contra a retaguarda do oponente, seja literal ou figurativamente. Os seres humanos tem sido condicionados por milhões de anos de cultura para cooperarem dentro de um grupo. Este condicionamento nos torna leais ao nosso grupo e belicosos para com os inimigos de nosso grupo. Nossa tendência em cada caso, seja cooperando com nossos amigos ou lutando com nossos inimigos, é ser direto, não tortuoso e desviante.
Somente a pessoa incomum que pode separar seu desejo primitivo de confrontar seus inimigos diretamente, da necessidade de disfarçar e ocultar suas ações, pode pegar o inimigo fora de guarda e vulnerável. Entretanto, esta é a única rota para o grande generalato. Sun Tzu, o celebrado estrategista chinês, escreveu por volta de 400 A.C, que "toda a guerra está baseada em dissimulação. Portanto, quando capazes de atacar, devemos parecer incapazes; quando usando nossas forças, devemos parecer estar inativos; quando estivemos perto, devemos fazer o inimigo acreditar que estamos longe; quando estamos longe, precisamos fazê-lo acreditar que estamos perto. Espalhe iscas para atrair o inimigo. Simule desordem e esmague-o." Sun Tzu também escreveu que na guerra "o único modo de evitar aquilo que é forte, é atacar aquilo que é fraco."
Muitas pessoas não compreendem bem o verdadeiro objetivo na guerra. Ele não é, como numerosos líderes militares e civis, igualmente acreditam, a destruição das forças armadas do inimigo na campo de batalha. Este conceito, geralmente resumido como "doutrina napoleônica", dominou os escritos de livros escolares e regulamentos militares por mais de um século.
O próprio Napoleão não foi o autor desta "doutrina", embora, como Liddel Hart aponte, ela tenha emergido da prática de Napoleão depois da batalha de Jena, em 1806, de confiar na massa antes do que na mobilidade. Após Jena, Napoleão estava preocupado, exclusivamente, com a batalha, confiante de que podia esmagar seu oponente, se chegasse perto dele.
Posteriores campanhas napoleônicas baseadas em puro poder ofensivo obscureceram as lições das primeiras campanhas nas quais Napoleão combinou dissimulação, mobilidade e surpresa, para obter tremendos resultados com grande economia de força. Clausewitz ficou mais impressionado com as campanhas posteriores de Napoleão e tornou-se o "profeta das massas", focalizando sua atenção em grandes batalhas. Esta doutrina adequava-se ao sistema prussiano de serviço militar obrigatório, para criar uma "nação em armas". O conceito obteve seu triunfo na Guerra Franco-Prussiana de 1870-71, quando os números superiores prussianos ganharam vantagem. A partir daí, outras potências apressaram-se em imitar o modelo alemão. A Grande Guerra mostrou que a luxúria dos generais pela batalha, em combinação com a recém-desenvolvida metralhadora, reduziu a guerra a carnificina em massa. Embora o resultado tenha sido matar ou mutilar muito da juventude da Europa, a idéia de que a guerra trata-se de destruir a força principal do inimigo em batalha, continuou sua influência e em muitos casos - conduz nosso pensamento até os dias de hoje.
Porém, o propósito da guerra não é a batalha, afinal de contas. Ele é uma paz mais perfeita. Para atingir a paz, um beligerante precisa quebrar a vontade do povo inimigo para travar a guerra. Nenhuma nação vai à guerra para lutar. Ela vai à guerra para atingir seu propósito nacional. Pode ser que uma nação precise destruir o exército do inimigo para obter este propósito. Mas a destruição não é o fim, é apenas um subproduto incidental ou um meio para o fim.
Se um comandante visa a paz que está buscando na conclusão da guerra, ele pode encontrar numerosas formas de atingi-la, evitando a força principal do inimigo e atacando alvos que podem destruir o desejo ou a capacidade do inimigo em travar a guerra. O grande líder romano na Segunda Guerra Púnica, Cipião Africano, enfraqueceu o controle cartaginês sobre a Espanha por ignorar os exércitos do inimigo e, inesperadamente, tomar a sua principal base, a atual Cartagena. Nos estágios finais das Guerras Napoleônicas em 1814, os Aliados forçaram a rendição de Napoleão afastando-se de seu exército e capturando Paris, em decorrência disso levando o povo francês a desanimar e desistir. O exército de Sherman travou muito poucos engajamentos militares no final de 1864 e inícios de 1865, mas ao marchar através da Geórgia e das Carolinas, ele destruiu a vontade do povo sulista de travar a guerra e levou muitos soldados rebeldes a desertarem e voltarem para casa, para socorrerem suas famílias.
Clausewitz compreendia que o propósito da guerra é político e não militar e, realmente, expressou isto em seus escritos. Mas sua sintaxe e lógica eram tão obscuras e difíceis que os soldados que tirarm sua inspiração de Clausewitz prestaram atenção menos em suas limitações qualitativas e mais em suas frases de efeito - a "solução sangrenta, a destruição das forças inimigas, é o filho primogênito da guerra"; "Não queremos ouvir falar de generais que conquistam sem derramamento de sangue". A ênfase de Clausewitz sobre a batalha, igualmente, demonstrou uma contradição em sua teoria. Pois, se a guerra é uma continuação da política, o objetivo a ser conquistado na guerra é o propósito primordial. Mas, ao enfatizar a vitória na guerra, Clausewitz olhava, apenas, para o fim da guerra, não para a paz subseqüente.
Embora Clausewitz estivesse, realmente, dizendo que a batalha é a forma mais usual de conseguir o objetivo de uma nação na guerra, gerações de soldados diretos - incapazes de pesarem suas contradições ou decifrar seus obscurantismos - leram que ela é a única forma.
Agora, podemos definir o propósito da estratégia militar, ou a conduta mais ampla da guerra. Ela é a diminuição da possibilidade de resistência. O grande general elimina ou reduz a resistência por meio do movimento e da surpresa. Como dizia Sun Tzu, "A suprema excelência consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar." Para obter isto, Sun Tzu recomendava que o general bem-sucedido "marchasse rapidamente para lugares onde ele não era esperado." Se o general surge em pontos que o inimigo precisa se apressar a defender, este, provavelmente, ficará distraído ou enfraquecido ou abandonará outros pontos, doravante, contribuindo ou assegurando sua derrota. Velocidade e mobilidade são as características básicas da estratégia. Napoleão disse, "Espaço, nós podemos recuperar, o tempo, nunca."
Pode ser de utilidade sumarizar, brevemente, uns poucos dos mais salientes princípios de guerra, para tornar mais fácil acompanhar as ações dos grandes generais.
B. H. Liddel Hart epitomizou muito da sabedoria militar em dois axiomas. O general bem-sucedido, diz ele, escolhe a linha ou curso de ação de menor expectativa e explora a linha de menor resistência.
Embora estas duas admoestações possam parecer auto-evidentes, os generais, raramente, as seguem ou compreendem quando estes axiomas são empregados contra eles. As batalhas das cristas de Bloody e Heartbreak foram travadas sobre linhas de máxima expectativa e de máxima resistência. Quando os alemães invadiram os Países Baixos, em maio de 1940, os comandantes britânicos e franceses não puderam conceber outra resposta que não fosse correr para a Bélgica para conter, frontalmente, o que eles acreditavam ser o principal assalto alemão, que eles também acreditavam ser frontal. Isto permitiu aos alemães seguir a linha de menor expectativa e rumar através das "impenetráveis" Ardenas e irromper em Sedan. Agora, por trás dos Aliados, eles foram capazes de correr para o Canal da Mancha, ao longo da linha de menor resistência. Igualmente, os líderes americanos, em dezembro de 1941, estavam esperando um assalto nas Índias Orientais e, talvez, nas Filipinas, e estavam despreparados para o ataque aéreo japonês sobre Pearl Harbor.
Genghis Khan e seu grande general Subodai Bahadur, praticavam outro princípio da guerra, mostrado à perfeição na invasão da Europa Orienta por Subodai, em 1241. Nós não sabemos o nome que os mongóis usavam para isso, mas o estrategista do exército francês de inícios do séc. XVIII, Pierre de Bourcet, concebeu o mesmo princípio, independentemente, e o chamou de um "plano com ramificações".
Subodai enviou quatro colunas separadas para a Europa. Uma rumou para a Polônia e Alemanha, ao norte dos Cárpatos e atraiu todas as forças européias nesta direção. As três outras entraram na Hungria em pontos amplamente afastados, ameaçando vários objetivos e impedindo os exércitos da Áustria e outros estados de se combinarem com os húngaros. As três colunas mongóis então convergiram sobre o rio Danúbio, próximo a Budapest para lidar com os húngaros, agora sem apoio.
Bourcet recomendava que os generais espalhem suas forças atacantes em duas ou mais colunas de avanço, que possam reunir-se rapidamente quando necessário, mas seguindo linhas que ameaçem objetivos múltiplos ou alternados, que o inimigo tenha de defender, assim, forçando-o a dividir sua força e impedindo sua concentração. Se o inimigo bloqueia uma linha de aproximação, o general pode, instantaneamente, desenvolver oura para servir ao mesmo propósito. O general Sherman, da União, usou este método em sua marcha através da Geórgia e das Carolinas em 1864-65. Suas colunas amplamente separadas ameaçavam dois ou mais objetivos, forçando os confederados a dividirem suas forças para defender todos - e, em decorrência, sendo incapazes de defender qualquer um. Isto forçou os rebeldes, em muitos casos, a abandonar posições mantidas fracamente, sem batalha.
Como Sherman e Subodai, o atacante usando o "plano com ramificações", com freqüência, é capaz de reunir suas colunas para tomar um objetivo antes que o inimigo possa reagir e concentrar-se contra ele. Uma variação é uma parte de um exército convergindo sobre um objetivo conhecido, enquanto o restante desce sobre sua retaguarda.
Stonewall Jackson, na campanha do Vale do Shenandoah de 1862, praticou uma modificação do plano, ao utilizar de pura dissimulação: ele avançou diretamente sobre a principal força federal, ao longo da aproximação principal, então, secretamente, desviou através de uma alta montanha para descer, inesperadamente, sobre o flanco e a retaguarda federais.
Napoleão embelezou o plano com ramificações de Bourcet, ao espalhar colunas em avanço, amplamente, como uma rede de pescar com pesos. Estas colunas podiam concentrar-se rapidamente e cerrar sobre qualquer unidade inimiga isolada que atravessasse seu caminho.
Napoleão também devia muito a outro teórico francês do séc. XVIII, o conde de Guibert, que pregava a mobilidade para concentrar força superior contra um ponto de fraqueza inimiga e para manobrar contra o flanco ou retaguarda do inimigo. Usando grande mobilidade, Napoleão manobrou sua rede, esticada ao máximo sobre uma grande região. Isso grandemente confundia seus adversários, que eram incapazes de desvendarem o real propósito de Napoleão. Eles, normalmente, espalhavam suas próprias forças, esperando conter estes movimentos mistificadores. Napoleão, então, rapidamente convergia suas colunas separadas para destruir uma força isolada inimiga, rapidamente, antes que pudesse ser reforçada, ou ele descia com seu exército, como um "totalidade agrupada" sobre a retaguarda do inimigo.
O mais mortífero dos métodos estratégicos de Napoleão era sua manoeuvre sur les derriéres. Seu método incorporado na injunção de Sun Tzu: marchar inesperadamente, afastado da força principal do inimigo e concentrar a própria força contra um ponto inimigo que seja fraco, ainda que vital ou importante para o inimigo. A arte da guerra é criar esta força no ponto de fraqueza.
Napoleão acrescentou ainda outro elemento ao, com freqüência, tomar uma característica do terreno na retaguarda, como uma cadeia de montanhas, desfiladeiro ou rio, onde ele estabelecia uma barragem ou barreira estratégica que impedia o inimigo de se retirar ou conseguir suprimentos e reforços. Entre outras, ele obteve a vitória com tais barragens estratégicas na campanha de Marengo na Itália em 1800, e e na campanha de Ulm levando a sua vitória em Austerlitz em 1805. Pela época da Guerra Civil americana, não mais era necessário tomar uma característica do terreno. Os exércitos estavam baseando-se em ferrovias para seus suprimentos e novas tropas. Uma barragem estratégica podia ser estabelecida simplesmente bloqueando uma linha férrea na retaguarda do inimigo. O general Grant fez isto em Jackson, Mississipi, em 1863 e, por conseqüência, isolou as forças confederadas em Vicksburg. Isto levou a rendição da cidade, a abertura do rio Mississipi aos barcos da União, e a perda dos estados trans-Mississipi para a Confederação.
Ataques sobre a retaguarda de um inimigo são devastadores por numerosas razões. Se um inimigo é forçado a mudar de frente, ele tende a ser deslocado e incapaz de lutar ou de lutar eficientemente. Um exército, como um homem, é muito mais sensível a uma ameaça às suas costas do que à sua frente. Por esta razão, um ataque na retaguarda induz o medo e a distração. Em acréscimo, um movimento na retaguarda, com freqüência, perturba a distribuição e organização das forças inimigas, pode separá-las, ameaçar sua rota de retirada e por em perigo a entrega de suprimentos e reforços. Um exército moderno pode existir por algum tempo sem comida adicional, mas só pode agüentar mais do que uns poucos dias sem munição e combustível.
Um ataque sobre a retaguarda do inimigo acarreta graves efeitos psicológicos sobre os soldados inimigos, mas em especial sobre o seu comandante. Ele, com freqüencia, cria na mente do comandante o temor de ser encurrado e de ser incapaz de conter a vontade do oponente. Em casos extremos, isto pode levar à paralisia da capacidade de tomada de decisão do comandante e à desintegração de um exército.
Um ataque de retaguarda ou flanco precisa ser uma surpresa para conseguir sucesso total. Isto tanto se aplica à tática, ou batalha real, e à estratégia. Se um inimigo antecipa um ataque na retaguarda, ele pode, com freqüencia, se movimentar paa contê-lo e, normalmente, estará preparado para se defender disto. Em acréscimo, uma ataque de retaguarda normalmente tem sucesso quando o inimigo está "fixado" ou mantido no lugar por outras forças na sua frente e é incapaz de transferir tropas para responder ao golpe de surpresa.
Frederico, O Grande, da Prússia, não compreendia plenamente este princípio e sofreu perdas tão severas que quase condenaram seu estado. Frederico sempre empregava táticas de aproximação indireta, mas seus assaltos de flanco e retaguarda eram feitos sobre um circuito estreito e não eram desfechados inesperadamente. Em 1757, por exemplo, ele encontrou os austríacos fortemente entrincheirados nas altuas por detrás do rio em Praga. Deixando um destacamento designado para mascarar suas intenções, ele se moveu correnteza acima, atravessou o rio e avançou sobre a direita dos austríacos. Estes viram a manobra e tiveram tempo para mudar de frente. A infantaria prussiana tombou aos milhares, quando tentou um ataque frontal através de um encosta varrida pelo fogo. Apenas a inesperada chegada da cavalaria prussiana virou a situação.
A fórmula essencial da batalha real é um assalto convergente. Um comandante obtém isto ao dividir a força atacante em dois ou mais segmentos. Idealmente cada segmento ataca o mesmo alvo simultaneamente e em coordenação cerrada, mas de uma direção ou aproximação diferente, portanto, mantendo todos os elementos inimigos aferrados na batalha e impedindo uns de ajudarem os outros. Algumas vezes, uma parte da força fixa o inimigo no lugar ou o distrai enquanto a outra parte manobra para ganhar a surpresa e quebrar a defesa.
Um verdadeiro assalto convergente é enormemente diferente de uma finta ou ataque de "contenção" por uma força com o objetivo de desviar o inimigo do golpe principal. Inúmeros comandantes através dos séculos arruinaram suas esperanças com fintas óbvias que um inimigo astuto reconhecia, ou tentaram atintir um objetivo tão divididos ou espalhados que o inimigo não era distraído e podia concentra forças para repelir cada golpe.
Um exemplo primordial de assalto convergente teve lugar em 1632 durante a Guerra dos Trinta Anos, quando Gustavo Adolfo da Suécia posicionou canhões e queimou feno para criar uma cortina de fumaça enquanto forçava um ponto sobre o rio Lech, na Bavária. Isso manteve o marechal Tilly da Áustria no lugar enquanto outra força sueca atravessava o Lech sobre um ponte de barcos um quilômetro acima da correnteza. Assaltado de duas direções simultaneamente, Tilly foi incapaz de defender ambos os pontos. Suas tropas recuaram e Tilly foi mortalmente ferido.
O plano de batalha característico de Napoleão era "envolvimento, ruptura e exploração". Ele tentava aferrar a atenção do inimigo com um forte ataque frontal para atrair todas as reservas inimigas para a ação. Napoleão, então, movimentava uma grande força sobre o flanco ou retaguarda do inimigo, próximo a sua linha de suprimento e retirada. Quando o inimigo mudava as forças de frente para se proteger contra este ataque frontal, Napoleão abria uma brecha numa seção enfraquecida da frente principal com artilharia repentinamente emassada, enviava cavalria e infantaria através da brecha para criar uma ruptura, então usava a cavalaria para destroçar e perseguir o inimigo em desordem
Na Guerra da Coréia, as tropas comunistas chinesas em avanço, empregavam uma fórmula de algum modo similar. Já que não podiam contrapor-se à artilharia e poder aéreo das Nações Unidas, elas transferiram seus assaltos principais para a noite. Seu método geral era colocar uma força na retaguarda das posições inimigas para cortar as rotas de fuga e estradas de suprimento. Então, se lançavam em ataques, tanto de flanco como frontais, na escuridão, para se aproximarem do inimigo. Os soldados chineses, geralmente, cerravam a partir de vários lados da posição de uma pequena tropa inimiga até fazer uma penetração, seja destruindo-a ou forçando os defensores a se retirarem. Os chineses, então, rastejavam para diante, contra o flanco exposto da pequena unidade a seguir e repetiam o processo.
Nenhum dos axiomas empregados pelos grandes generais é difícil. Na verdade, uma vez que tenham sido empregados com sucesso, eles revelam sua simplicidade inata e parecem óbvios e algumas vezes a única solução lógica. Na verdade, todas as grandes idéias são simples. O truque é vê-las antes do que os outros. Como os generais que possuíam a visão para ver o óbvio quando outros não viram.
No passado, grandes generais tem aplicado regras ou princípios de guerra duradouros que, quase sempre asseguraram a vitória - se não, apenas porque eles os utilizaram quando seus oponentes, não. Estas regras não são prescrições rígidas, como fórmulas algébricas, mas conceitos, que devem ser aplicados com arte, quando as circunstâncias pedem por eles. Elas não são abstrações esotéricas, compreensíveis somente para especialistas militares e estudantes avançados em colégios de comando e estado-maior geral. Antes, são aplicações de senso comum para problemas sempre presentes quando duas nações ou grupos de nações se lançam uns contra os outros em combate mortal.
O propósito de cada beligerante é impor sua vontade sobre seu oponente. Tentar induzir os outros a se guiarem pelos desejos de alguém é um objetivo humano comum, aplicável a indivíduos e grupos, tanto como nações. A única distinção entre disputas ordinárias humanas e a guerra é que, esta, é um ato de violência no qual um lado exerce força contra o outro lado. Se um lado pode atingir seu propósito sem força, ele, naturalmente, o faria, já que nenhuma nação atacará a não ser que haja resistência. O teórico do século XIX, Karl von Clausewitz, definia a guerra como a continuação da política nacional por outros meios.
Pode parecer óbvio que cada indivíduo, grupo e nação engajados em qualquer conflito, deveriam, sempre aplicar o método de Páris, na Guerra de Tróia e golpear apenas no calcanhar de Aquiles. Porém, a história das relações humanas, tanto como da guerra, mostra conclusivamente, que os seres humanos, com mais freqüência, ignoram ou não vêem as oportunidades para passar em volta de um inimigo oponente e, ao contrário, atacam diretamente no alvo mais óbvio que vêem.
É incomum para uma pessoa atingir seus objetivos movendo-se contra a retaguarda do oponente, seja literal ou figurativamente. Os seres humanos tem sido condicionados por milhões de anos de cultura para cooperarem dentro de um grupo. Este condicionamento nos torna leais ao nosso grupo e belicosos para com os inimigos de nosso grupo. Nossa tendência em cada caso, seja cooperando com nossos amigos ou lutando com nossos inimigos, é ser direto, não tortuoso e desviante.
Somente a pessoa incomum que pode separar seu desejo primitivo de confrontar seus inimigos diretamente, da necessidade de disfarçar e ocultar suas ações, pode pegar o inimigo fora de guarda e vulnerável. Entretanto, esta é a única rota para o grande generalato. Sun Tzu, o celebrado estrategista chinês, escreveu por volta de 400 A.C, que "toda a guerra está baseada em dissimulação. Portanto, quando capazes de atacar, devemos parecer incapazes; quando usando nossas forças, devemos parecer estar inativos; quando estivemos perto, devemos fazer o inimigo acreditar que estamos longe; quando estamos longe, precisamos fazê-lo acreditar que estamos perto. Espalhe iscas para atrair o inimigo. Simule desordem e esmague-o." Sun Tzu também escreveu que na guerra "o único modo de evitar aquilo que é forte, é atacar aquilo que é fraco."
Muitas pessoas não compreendem bem o verdadeiro objetivo na guerra. Ele não é, como numerosos líderes militares e civis, igualmente acreditam, a destruição das forças armadas do inimigo na campo de batalha. Este conceito, geralmente resumido como "doutrina napoleônica", dominou os escritos de livros escolares e regulamentos militares por mais de um século.
O próprio Napoleão não foi o autor desta "doutrina", embora, como Liddel Hart aponte, ela tenha emergido da prática de Napoleão depois da batalha de Jena, em 1806, de confiar na massa antes do que na mobilidade. Após Jena, Napoleão estava preocupado, exclusivamente, com a batalha, confiante de que podia esmagar seu oponente, se chegasse perto dele.
Posteriores campanhas napoleônicas baseadas em puro poder ofensivo obscureceram as lições das primeiras campanhas nas quais Napoleão combinou dissimulação, mobilidade e surpresa, para obter tremendos resultados com grande economia de força. Clausewitz ficou mais impressionado com as campanhas posteriores de Napoleão e tornou-se o "profeta das massas", focalizando sua atenção em grandes batalhas. Esta doutrina adequava-se ao sistema prussiano de serviço militar obrigatório, para criar uma "nação em armas". O conceito obteve seu triunfo na Guerra Franco-Prussiana de 1870-71, quando os números superiores prussianos ganharam vantagem. A partir daí, outras potências apressaram-se em imitar o modelo alemão. A Grande Guerra mostrou que a luxúria dos generais pela batalha, em combinação com a recém-desenvolvida metralhadora, reduziu a guerra a carnificina em massa. Embora o resultado tenha sido matar ou mutilar muito da juventude da Europa, a idéia de que a guerra trata-se de destruir a força principal do inimigo em batalha, continuou sua influência e em muitos casos - conduz nosso pensamento até os dias de hoje.
Porém, o propósito da guerra não é a batalha, afinal de contas. Ele é uma paz mais perfeita. Para atingir a paz, um beligerante precisa quebrar a vontade do povo inimigo para travar a guerra. Nenhuma nação vai à guerra para lutar. Ela vai à guerra para atingir seu propósito nacional. Pode ser que uma nação precise destruir o exército do inimigo para obter este propósito. Mas a destruição não é o fim, é apenas um subproduto incidental ou um meio para o fim.
Se um comandante visa a paz que está buscando na conclusão da guerra, ele pode encontrar numerosas formas de atingi-la, evitando a força principal do inimigo e atacando alvos que podem destruir o desejo ou a capacidade do inimigo em travar a guerra. O grande líder romano na Segunda Guerra Púnica, Cipião Africano, enfraqueceu o controle cartaginês sobre a Espanha por ignorar os exércitos do inimigo e, inesperadamente, tomar a sua principal base, a atual Cartagena. Nos estágios finais das Guerras Napoleônicas em 1814, os Aliados forçaram a rendição de Napoleão afastando-se de seu exército e capturando Paris, em decorrência disso levando o povo francês a desanimar e desistir. O exército de Sherman travou muito poucos engajamentos militares no final de 1864 e inícios de 1865, mas ao marchar através da Geórgia e das Carolinas, ele destruiu a vontade do povo sulista de travar a guerra e levou muitos soldados rebeldes a desertarem e voltarem para casa, para socorrerem suas famílias.
Clausewitz compreendia que o propósito da guerra é político e não militar e, realmente, expressou isto em seus escritos. Mas sua sintaxe e lógica eram tão obscuras e difíceis que os soldados que tirarm sua inspiração de Clausewitz prestaram atenção menos em suas limitações qualitativas e mais em suas frases de efeito - a "solução sangrenta, a destruição das forças inimigas, é o filho primogênito da guerra"; "Não queremos ouvir falar de generais que conquistam sem derramamento de sangue". A ênfase de Clausewitz sobre a batalha, igualmente, demonstrou uma contradição em sua teoria. Pois, se a guerra é uma continuação da política, o objetivo a ser conquistado na guerra é o propósito primordial. Mas, ao enfatizar a vitória na guerra, Clausewitz olhava, apenas, para o fim da guerra, não para a paz subseqüente.
Embora Clausewitz estivesse, realmente, dizendo que a batalha é a forma mais usual de conseguir o objetivo de uma nação na guerra, gerações de soldados diretos - incapazes de pesarem suas contradições ou decifrar seus obscurantismos - leram que ela é a única forma.
Agora, podemos definir o propósito da estratégia militar, ou a conduta mais ampla da guerra. Ela é a diminuição da possibilidade de resistência. O grande general elimina ou reduz a resistência por meio do movimento e da surpresa. Como dizia Sun Tzu, "A suprema excelência consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar." Para obter isto, Sun Tzu recomendava que o general bem-sucedido "marchasse rapidamente para lugares onde ele não era esperado." Se o general surge em pontos que o inimigo precisa se apressar a defender, este, provavelmente, ficará distraído ou enfraquecido ou abandonará outros pontos, doravante, contribuindo ou assegurando sua derrota. Velocidade e mobilidade são as características básicas da estratégia. Napoleão disse, "Espaço, nós podemos recuperar, o tempo, nunca."
Pode ser de utilidade sumarizar, brevemente, uns poucos dos mais salientes princípios de guerra, para tornar mais fácil acompanhar as ações dos grandes generais.
B. H. Liddel Hart epitomizou muito da sabedoria militar em dois axiomas. O general bem-sucedido, diz ele, escolhe a linha ou curso de ação de menor expectativa e explora a linha de menor resistência.
Embora estas duas admoestações possam parecer auto-evidentes, os generais, raramente, as seguem ou compreendem quando estes axiomas são empregados contra eles. As batalhas das cristas de Bloody e Heartbreak foram travadas sobre linhas de máxima expectativa e de máxima resistência. Quando os alemães invadiram os Países Baixos, em maio de 1940, os comandantes britânicos e franceses não puderam conceber outra resposta que não fosse correr para a Bélgica para conter, frontalmente, o que eles acreditavam ser o principal assalto alemão, que eles também acreditavam ser frontal. Isto permitiu aos alemães seguir a linha de menor expectativa e rumar através das "impenetráveis" Ardenas e irromper em Sedan. Agora, por trás dos Aliados, eles foram capazes de correr para o Canal da Mancha, ao longo da linha de menor resistência. Igualmente, os líderes americanos, em dezembro de 1941, estavam esperando um assalto nas Índias Orientais e, talvez, nas Filipinas, e estavam despreparados para o ataque aéreo japonês sobre Pearl Harbor.
Genghis Khan e seu grande general Subodai Bahadur, praticavam outro princípio da guerra, mostrado à perfeição na invasão da Europa Orienta por Subodai, em 1241. Nós não sabemos o nome que os mongóis usavam para isso, mas o estrategista do exército francês de inícios do séc. XVIII, Pierre de Bourcet, concebeu o mesmo princípio, independentemente, e o chamou de um "plano com ramificações".
Subodai enviou quatro colunas separadas para a Europa. Uma rumou para a Polônia e Alemanha, ao norte dos Cárpatos e atraiu todas as forças européias nesta direção. As três outras entraram na Hungria em pontos amplamente afastados, ameaçando vários objetivos e impedindo os exércitos da Áustria e outros estados de se combinarem com os húngaros. As três colunas mongóis então convergiram sobre o rio Danúbio, próximo a Budapest para lidar com os húngaros, agora sem apoio.
Bourcet recomendava que os generais espalhem suas forças atacantes em duas ou mais colunas de avanço, que possam reunir-se rapidamente quando necessário, mas seguindo linhas que ameaçem objetivos múltiplos ou alternados, que o inimigo tenha de defender, assim, forçando-o a dividir sua força e impedindo sua concentração. Se o inimigo bloqueia uma linha de aproximação, o general pode, instantaneamente, desenvolver oura para servir ao mesmo propósito. O general Sherman, da União, usou este método em sua marcha através da Geórgia e das Carolinas em 1864-65. Suas colunas amplamente separadas ameaçavam dois ou mais objetivos, forçando os confederados a dividirem suas forças para defender todos - e, em decorrência, sendo incapazes de defender qualquer um. Isto forçou os rebeldes, em muitos casos, a abandonar posições mantidas fracamente, sem batalha.
Como Sherman e Subodai, o atacante usando o "plano com ramificações", com freqüência, é capaz de reunir suas colunas para tomar um objetivo antes que o inimigo possa reagir e concentrar-se contra ele. Uma variação é uma parte de um exército convergindo sobre um objetivo conhecido, enquanto o restante desce sobre sua retaguarda.
Stonewall Jackson, na campanha do Vale do Shenandoah de 1862, praticou uma modificação do plano, ao utilizar de pura dissimulação: ele avançou diretamente sobre a principal força federal, ao longo da aproximação principal, então, secretamente, desviou através de uma alta montanha para descer, inesperadamente, sobre o flanco e a retaguarda federais.
Napoleão embelezou o plano com ramificações de Bourcet, ao espalhar colunas em avanço, amplamente, como uma rede de pescar com pesos. Estas colunas podiam concentrar-se rapidamente e cerrar sobre qualquer unidade inimiga isolada que atravessasse seu caminho.
Napoleão também devia muito a outro teórico francês do séc. XVIII, o conde de Guibert, que pregava a mobilidade para concentrar força superior contra um ponto de fraqueza inimiga e para manobrar contra o flanco ou retaguarda do inimigo. Usando grande mobilidade, Napoleão manobrou sua rede, esticada ao máximo sobre uma grande região. Isso grandemente confundia seus adversários, que eram incapazes de desvendarem o real propósito de Napoleão. Eles, normalmente, espalhavam suas próprias forças, esperando conter estes movimentos mistificadores. Napoleão, então, rapidamente convergia suas colunas separadas para destruir uma força isolada inimiga, rapidamente, antes que pudesse ser reforçada, ou ele descia com seu exército, como um "totalidade agrupada" sobre a retaguarda do inimigo.
O mais mortífero dos métodos estratégicos de Napoleão era sua manoeuvre sur les derriéres. Seu método incorporado na injunção de Sun Tzu: marchar inesperadamente, afastado da força principal do inimigo e concentrar a própria força contra um ponto inimigo que seja fraco, ainda que vital ou importante para o inimigo. A arte da guerra é criar esta força no ponto de fraqueza.
Napoleão acrescentou ainda outro elemento ao, com freqüência, tomar uma característica do terreno na retaguarda, como uma cadeia de montanhas, desfiladeiro ou rio, onde ele estabelecia uma barragem ou barreira estratégica que impedia o inimigo de se retirar ou conseguir suprimentos e reforços. Entre outras, ele obteve a vitória com tais barragens estratégicas na campanha de Marengo na Itália em 1800, e e na campanha de Ulm levando a sua vitória em Austerlitz em 1805. Pela época da Guerra Civil americana, não mais era necessário tomar uma característica do terreno. Os exércitos estavam baseando-se em ferrovias para seus suprimentos e novas tropas. Uma barragem estratégica podia ser estabelecida simplesmente bloqueando uma linha férrea na retaguarda do inimigo. O general Grant fez isto em Jackson, Mississipi, em 1863 e, por conseqüência, isolou as forças confederadas em Vicksburg. Isto levou a rendição da cidade, a abertura do rio Mississipi aos barcos da União, e a perda dos estados trans-Mississipi para a Confederação.
Ataques sobre a retaguarda de um inimigo são devastadores por numerosas razões. Se um inimigo é forçado a mudar de frente, ele tende a ser deslocado e incapaz de lutar ou de lutar eficientemente. Um exército, como um homem, é muito mais sensível a uma ameaça às suas costas do que à sua frente. Por esta razão, um ataque na retaguarda induz o medo e a distração. Em acréscimo, um movimento na retaguarda, com freqüência, perturba a distribuição e organização das forças inimigas, pode separá-las, ameaçar sua rota de retirada e por em perigo a entrega de suprimentos e reforços. Um exército moderno pode existir por algum tempo sem comida adicional, mas só pode agüentar mais do que uns poucos dias sem munição e combustível.
Um ataque sobre a retaguarda do inimigo acarreta graves efeitos psicológicos sobre os soldados inimigos, mas em especial sobre o seu comandante. Ele, com freqüencia, cria na mente do comandante o temor de ser encurrado e de ser incapaz de conter a vontade do oponente. Em casos extremos, isto pode levar à paralisia da capacidade de tomada de decisão do comandante e à desintegração de um exército.
Um ataque de retaguarda ou flanco precisa ser uma surpresa para conseguir sucesso total. Isto tanto se aplica à tática, ou batalha real, e à estratégia. Se um inimigo antecipa um ataque na retaguarda, ele pode, com freqüencia, se movimentar paa contê-lo e, normalmente, estará preparado para se defender disto. Em acréscimo, uma ataque de retaguarda normalmente tem sucesso quando o inimigo está "fixado" ou mantido no lugar por outras forças na sua frente e é incapaz de transferir tropas para responder ao golpe de surpresa.
Frederico, O Grande, da Prússia, não compreendia plenamente este princípio e sofreu perdas tão severas que quase condenaram seu estado. Frederico sempre empregava táticas de aproximação indireta, mas seus assaltos de flanco e retaguarda eram feitos sobre um circuito estreito e não eram desfechados inesperadamente. Em 1757, por exemplo, ele encontrou os austríacos fortemente entrincheirados nas altuas por detrás do rio em Praga. Deixando um destacamento designado para mascarar suas intenções, ele se moveu correnteza acima, atravessou o rio e avançou sobre a direita dos austríacos. Estes viram a manobra e tiveram tempo para mudar de frente. A infantaria prussiana tombou aos milhares, quando tentou um ataque frontal através de um encosta varrida pelo fogo. Apenas a inesperada chegada da cavalaria prussiana virou a situação.
A fórmula essencial da batalha real é um assalto convergente. Um comandante obtém isto ao dividir a força atacante em dois ou mais segmentos. Idealmente cada segmento ataca o mesmo alvo simultaneamente e em coordenação cerrada, mas de uma direção ou aproximação diferente, portanto, mantendo todos os elementos inimigos aferrados na batalha e impedindo uns de ajudarem os outros. Algumas vezes, uma parte da força fixa o inimigo no lugar ou o distrai enquanto a outra parte manobra para ganhar a surpresa e quebrar a defesa.
Um verdadeiro assalto convergente é enormemente diferente de uma finta ou ataque de "contenção" por uma força com o objetivo de desviar o inimigo do golpe principal. Inúmeros comandantes através dos séculos arruinaram suas esperanças com fintas óbvias que um inimigo astuto reconhecia, ou tentaram atintir um objetivo tão divididos ou espalhados que o inimigo não era distraído e podia concentra forças para repelir cada golpe.
Um exemplo primordial de assalto convergente teve lugar em 1632 durante a Guerra dos Trinta Anos, quando Gustavo Adolfo da Suécia posicionou canhões e queimou feno para criar uma cortina de fumaça enquanto forçava um ponto sobre o rio Lech, na Bavária. Isso manteve o marechal Tilly da Áustria no lugar enquanto outra força sueca atravessava o Lech sobre um ponte de barcos um quilômetro acima da correnteza. Assaltado de duas direções simultaneamente, Tilly foi incapaz de defender ambos os pontos. Suas tropas recuaram e Tilly foi mortalmente ferido.
O plano de batalha característico de Napoleão era "envolvimento, ruptura e exploração". Ele tentava aferrar a atenção do inimigo com um forte ataque frontal para atrair todas as reservas inimigas para a ação. Napoleão, então, movimentava uma grande força sobre o flanco ou retaguarda do inimigo, próximo a sua linha de suprimento e retirada. Quando o inimigo mudava as forças de frente para se proteger contra este ataque frontal, Napoleão abria uma brecha numa seção enfraquecida da frente principal com artilharia repentinamente emassada, enviava cavalria e infantaria através da brecha para criar uma ruptura, então usava a cavalaria para destroçar e perseguir o inimigo em desordem
Na Guerra da Coréia, as tropas comunistas chinesas em avanço, empregavam uma fórmula de algum modo similar. Já que não podiam contrapor-se à artilharia e poder aéreo das Nações Unidas, elas transferiram seus assaltos principais para a noite. Seu método geral era colocar uma força na retaguarda das posições inimigas para cortar as rotas de fuga e estradas de suprimento. Então, se lançavam em ataques, tanto de flanco como frontais, na escuridão, para se aproximarem do inimigo. Os soldados chineses, geralmente, cerravam a partir de vários lados da posição de uma pequena tropa inimiga até fazer uma penetração, seja destruindo-a ou forçando os defensores a se retirarem. Os chineses, então, rastejavam para diante, contra o flanco exposto da pequena unidade a seguir e repetiam o processo.
Nenhum dos axiomas empregados pelos grandes generais é difícil. Na verdade, uma vez que tenham sido empregados com sucesso, eles revelam sua simplicidade inata e parecem óbvios e algumas vezes a única solução lógica. Na verdade, todas as grandes idéias são simples. O truque é vê-las antes do que os outros. Como os generais que possuíam a visão para ver o óbvio quando outros não viram.
-
- Sênior
- Mensagens: 4009
- Registrado em: Qui Jul 22, 2010 9:42 am
- Agradeceu: 54 vezes
- Agradeceram: 253 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
"Clausewitz compreendia que o propósito da guerra é político e não militar e, realmente, expressou isto em seus escritos. Mas sua sintaxe e lógica eram tão obscuras e difíceis que os soldados que tirarm sua inspiração de Clausewitz prestaram atenção menos em suas limitações qualitativas e mais em suas frases de efeito - a "solução sangrenta, a destruição das forças inimigas, é o filho primogênito da guerra"; "Não queremos ouvir falar de generais que conquistam sem derramamento de sangue". A ênfase de Clausewitz sobre a batalha, igualmente, demonstrou uma contradição em sua teoria. Pois, se a guerra é uma continuação da política, o objetivo a ser conquistado na guerra é o propósito primordial. Mas, ao enfatizar a vitória na guerra, Clausewitz olhava, apenas, para o fim da guerra, não para a paz subseqüente."
Eu entendo exatamente o contrário: para mim ele quis enfatizar que a Guerra não é definida apenas nos campos de batalha, e que ganhar uma guerra depende de muito mais fatores do que derrotar as FFAA do inimigo.
Eu entendo exatamente o contrário: para mim ele quis enfatizar que a Guerra não é definida apenas nos campos de batalha, e que ganhar uma guerra depende de muito mais fatores do que derrotar as FFAA do inimigo.
[justificar]“ Se não eu, quem?
Se não agora, quando?”[/justificar]
Se não agora, quando?”[/justificar]
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
Mas, permanece o fato de que, através da história, um bom número de generais - principalmente, na Grande Guerra de 1914 - entenderam da outra forma: ou seja, de que a chave para ganhar uma guerra era por meio de uma grande batalha decisiva. E ponto final.sapao escreveu:Eu entendo exatamente o contrário: para mim ele quis enfatizar que a Guerra não é definida apenas nos campos de batalha, e que ganhar uma guerra depende de muito mais fatores do que derrotar as FFAA do inimigo.
Agora, eu acho que não é lá muito justo apontar isso como "contradição" do próprio Clausewitz, afinal, o "Da Guerra" não é uma obra, realmente, escrita por ele. É só uma colagem de idéias soltas, roteiros e planos que foram juntados pela patroa do homem, depois que ele morreu, colocados no liquidificador e transformados em livro. Então, cada um tira o que quer do livro, assim, como testemunhas de jeová e católicos tiram suas próprias conclusões da bíblia.
O que é uma pena mesmo. Lendo um livrinho anterior de Clausewitz, sobre as experiências dele durante a invasão napoleônica da Rússia, em 1812, fica evidente como ele era bom escritor e muito claro, até mesmo bem-humorado. Parece até uma história em quadrinhos. Que pena que ele tenha morrido antes de ter concluído sua grande obra sobre a guerra.
-
- Sênior
- Mensagens: 4009
- Registrado em: Qui Jul 22, 2010 9:42 am
- Agradeceu: 54 vezes
- Agradeceram: 253 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
Mas é exatemente o que ele chamava a atenção, focar um uma unica e decisiva batalha NÃO é a solução para se ganhar uma guerra.
Pensar assim é um erro.
Sobre o livro, foi como eu disse: cada um tem sua opinião sobre os escritos, partindo do principio que a Guerra é uma arte e uma ciência.
Impossivel haver um manual para isso...
Sobre a qualidade do livro, não avalio a obra literaria e sim seus ensinamentos. E existem muitos ali, para todos os gostos.
E para mim isso tem uma grande diferença de religião, que apesar de serem diferentes, NENHUMA delas que você citou permite uma interpretação pessoal dos textos sagrados; exatamente o contrario de Clausewitz.
Pensar assim é um erro.
Sobre o livro, foi como eu disse: cada um tem sua opinião sobre os escritos, partindo do principio que a Guerra é uma arte e uma ciência.
Impossivel haver um manual para isso...
Sobre a qualidade do livro, não avalio a obra literaria e sim seus ensinamentos. E existem muitos ali, para todos os gostos.
E para mim isso tem uma grande diferença de religião, que apesar de serem diferentes, NENHUMA delas que você citou permite uma interpretação pessoal dos textos sagrados; exatamente o contrario de Clausewitz.
[justificar]“ Se não eu, quem?
Se não agora, quando?”[/justificar]
Se não agora, quando?”[/justificar]
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
DIAMANTES NA LAMA - Morte e Heroísmo no Combate Moderno.
Uma luta franca em qualquer terreno - Vietnam, Somália, as Falklands, Granada, Iraque, Afeganistão - é tudo o que o soldado pede. (Ou, talvez, mais precisamente, tudo o que o soldado ocidental pede.) Dar a própria vida ou, mais corretamente, vê-la ser tirada por algum propósito é a primeira é última cláusula no contrato que ele fez com seu país. A causa pode não ser grande (pensem em Granada) ou até mesmo compreensível (pensem no Vietnam) para os homens na ponta aguçada (os políticos, editorialistas e cabeças dos centros de estudos fornecerão a justificação ideológica), mas tem de existir alguma linha de salvamento de significação pela qual o soldado possa desvencilhar-se da loucura e da lama sangrenta do combate. As ações que levam à sua morte podem não ser, no sentido mais estrito, heróicas, mas num sentido mais geral, sua morte deveria se redimida por um propósito. Deveria, pelo menos, existir algum vestígio de significação. Não é aceitável que alguém abra mão de sua vida de graça, embora, para muitos guerreiros este tenha sido o preço exigido, e o mais terrível para ele.
Olhando para trás, parece que o fim da Segunda Guerra Mundial também marcou o fim de estimulante e iluminada versão da guerra heróica. Existia um avassalador comprometimento nacional. A guerra era nobre, o inimigo, inequivocamente mau. Os Aliados permaneciam firmes, sem serem atormentados por quaisquer dúvidas sobre a justeza de sua causa. Não haviam manifestações de massa antiguerra. O Bem acreditava em si mesmo, sem ser solapado por risinhos de ironia.
Então, o inimigo era, por definição inequívoca, mau (alemães), mau porém bobo (italianos) e, algumas vezes, verdadeiramente maléfico (os japoneses em sua totalidade, os alemães, parcialmente, como nas SS), mas eram inimigos reconhecíveis. Eles usavam uniformes (e se não usassem eram fuzilados no ato). Eles podiam ter sido uns bastardos, mas encaravam de frente e ofereciam uma honesta boa luta. No todo, eles lutavam dentro do contexto mais amplo das regras do jogo (embora, repreensivelmente, os japoneses nem sempre se conduzissem assim e, portanto, sendo revoltantes e bestiais). Era, tirando umas poucas "irregularidades', uma confrontação simétrica, apesar de algum desequilíbrio localizado. (Os japoneses tendiam a estar do lado errado desta equação, mas eram, de comum acordo, fanáticos e, portanto, mereciam completamente seu destino sangrento.)
A guerra de partisans escurecia as águas, mas no final, era bem clara. Se os partisans lutassem pelos Aliados, eles eram bons, suas táticas guerrilheiras brilhantes e ousadas, sua quebra das regras, emocionante e heróica. Se eles eram mortos pelos alemães, italianos ou japoneses, isso era muito cruel e fornecia ainda mais evidência de que nossos inimigos eram bandidos brutais. Quando os soldados alemães fotogravam-se olhando e sorrindo com desprezo para os corpos dos partisans balançando de patíbulos improvisados nos postes de luz ou jogados em covas comunais, ficamos revoltados pela grosseria e insensibilidade.
Os alemães gostavam de matar partisans comunistas porque eles eram, no que concernia aos nazistas, escória terrorista. Para os alemães não havia ligação alguma entre "partisan" e "patriota". Eles eram, simplesmente, os vermes do campo de batalha, sua coragem, simples fanatismo, suas táticas baixas e desprezíveis.
Depois da Segunda Guerra Mundial parecia que as noções estabelecidas de como as guerras deveriam ser travadas mudara drasticamente. Com as Grandes Potências mantidas em xeque pela destruição mutuamente assegurada que seus arsenais nucleares garantiam, os conflitos da era pós-guerra fragmentaram-se em "pequenas guerras" imperiais, enquanto os sistemas capitalista e comunista lutavam para manter suas esferas de influência.
Existiram exceções. As cargas frontais em massa da infantaria chinesa durante a Guerra da Coréia (completas, com excitantes toques de clarim) nos atingem como a última expressão de um estilo antigo de guerrear heróico. As batalhas campais entre exércitos blindados israelenses e árabes durante os Anos 60 e 70 tiveram uma dimensão heróica que leva-nos de volta a um tipo de combate liberto da bagunça tática que acompanha a guerra de insurgência que caracterizou o Vietnam e os estágios posteriores da invasão do Iraque e Afeganistão.
A Guerra do Vietnam teve a trágica distinção de ser o conflito mais sangrento da América pós-Segunda Guerra Mundial (e ainda mais sangrento para os Vietnams do Norte e do Sul). Dos 58 mil militares americanos que morreram, 48 mil foram mortos no ato em batalha ou pereceram de ferimentos (cerca de 6 porcento dos aproximadamente 776 mil que viram combate). O ERV (Exército da República do Vietnam) -, os lealistas sul-vietnamitas, que tendiam a ser olhados com desdém como covardes fujões - perdeu 224 mil. O Exército norte-vietnamita e o Vietcong pagaram o preço mais alto, com 1,1 milhão de mortos. Em comparação, quase 32 mil militares de terra americanos morreram na Coréia, enquanto seu inimigo, a República Popular da China, perdeu aproximadamente 132 mil mortos; a Coréia do Sul perdeu mais de um quarto de milhão de mortos.
Estas enormes disparidades entre vidas americanas perdidas comparadas com as de seus inimigos tornaram-se ainda mais pronunciadas durante as guerras do Golfo Pérsico e Iraque. Na Guerra do Golfo Pérsico de 1991, por exemplo, as forças da coalizão perderam menos de 150 combatentes (uma significante proporção para fogo amigo), enquanto os infelizes iraquianos tiveram 200 mil mortos. Na primeira fase ("Choque e Espanto") da Guerra do Iraque, iniciando-se em 2003, 148 militares americanos foram mortos em ação e destes, um substancial número por fogo amigo; dos 24 soldados britânicos mortos, 9 pereceram por causa de fogo americano. Por comparação, o exército iraquiano teve estimados 100 mil mortos e 300 mil feridos. E ainda, apesar das enfáticas disparidades em mortos americanos e inimigos e das retumbantes derrotas infligidas, as guerras no Golfo Pérsico não brilharam com a luz clara, heróica e sem ambiguidades da Segunda Guerra Mundial.
Aos níveis político e social, as guerras da América e seus aliados desde a Segunda Guerra introduziram grandes cunhas divisivas através de suas sociedades. Uma batalha pelo que poderia ser chamado o espírito heróico destas guerras foi travada entre liberais e conservadores, com os governos algumas vezes sendo forçados numa pequena "reescrita criativa" para estabelecer uma causa justa e um atraente contexto moral (o incidente do Golfo de Tonquim na Guerra do Vietnam e a potencial "nuvem radioativa" de WMDs no Iraque estando entre os mais egrégios exemplos).
Estas rixas tiveram um efeito profundo sobre os soldados. Não mais seguros com o apoio de todo coração das nações que os despacharam, eles fizeram o que os soldados sempre fazem - criaram seu próprio mundo voltado para si. Se alguma espécie de ambiguidade moral turvava o quadro, e se a eles era negado o estatuto heróico que havia sido concedido aos guerreiros da Segunda Guerra Mundial, eles criariam um para si próprios. Eles encontrariam seus próprios diamantes na lama.
Confrontados com o que sentiam ser ou hostilidade aberta ou simples negligência e indiferença, os soldados com freqüência desenvolviam um feroz e raivoso desafio, "mostrando o dedo" para uma sociedade que eles sentiam não os apoiar. Sua guerra teria sua própria integridade nua e crua, por mais sem atrativos que pudesse ter para o pessoal em casa. Era, como um ex-combatente do Vietnam coloca, "usando quaisquer meios disponíveis para derrotar qualquer um, fosse qual fosse a razão, certa ou errada." Ou como diz outro, "A guerra trata-se de foder as pessoas". "Era uma luta num beco escuro - matar o outro sujeito antes que ele matasse você." O sargento-ajudante David Bellavia da 1ª Divisão de Infantaria americana no Iraque transformou a sujeira de seu ofício mortífero numa desafiadora declaração de orgulho:
Se eles seriam rejeitados, transformariam esta rejeição numa insígnia de honra.
A bagunça ao nível sócio-político se espelhou no nível tático-estratégico. A maneira na qual as guerras foram travadas era irregular, os combatentes inimigos, com freqüencia, indistinguíveis dos civis, as táticas eram as da clássica guerrilha, fosse enfrentando o VC no Vietnam, os mujahideen no Iraque ou o Taliban no Afeganistão. Uma das características da guerra heróica é que os combatentes precisam ser claramente distinguidos como tais, enquanto a verdade é justamente o oposto numa guerra de insurgência. De fato, um dos principais métodos insurgentes para equilibrarem a superioridade de armas de seus inimigos é obscurecendo a distinção entre combatente e civil, muito para a fúria, desgosto e confusão das tropas "regulares". Não ser capaz de ler signos culturais - literalmente não ser capaz de ver o inimigo - apresenta uma enorme desvantagem, como o capitão Doug Beattie do Real Regimento Irlandês na província de Helmand, Afeganistão, em 2006, reconheceu:
Dale Canter estava em Cu Chi, Vietnam, em 1966 e descreveu a enervante ambigüidade dos locais:
Garotos e senhoras idosas podiam provocar a morte de soldados. Um major fuzileiro naval no "território índio" no Vietnam, Charles Cooper, enviou uma de suas companhias de fuzileiros em patrulha.
Na noite seguinte, um "esquadrão da morte" de fuzileiros navais entrou em Son Thang e executou vinte mulheres e crianças.
Nas guerras do Iraque e Afeganistão a mesma espécie de "camuflagem" combatente/civil pegou, constantemente, os invasores fora de guarda. A fase blitzkrieg inicial tinha sido enormemente bem-sucedida. No Afeganistão, ataques cirúrgicos pela força aérea e as forças especiais tinham destronado o Taliban. Mas, no Iraque, os planejadores da coalizão (a Força Multinacional liderada pelos americanos) tinham focado quase inteiramente sobre um inimigo reconhecível, a Guarda Republicana, e muito rapidamente o combate dissolveu-se numa luta contra irregulares baathistas, e as tropas da coalizão tiveram de lidar com o que consideravam táticas clandestinas. Em outras palavras, os iraquianos, como o Vietcong recusavam-se a reconhecer as regras do combate "heróico", como codificado através dos séculos de guerra ocidental. "Os iraquianos não iriam lutar pelos termos dos americanos. O inimigo confrontado pelas forças americanas seria largamente amorfo, não em uniforme e raramente parte de uma força militar organizada." Os iraquianos usavam viaturas civis, usavam casas civis como pontos-fortes e civis como escudos. Um soldado americano registra um espanto que poderia ter saído direto da Guerra do Vietnam:
As regras do engajamento que destinam-se a determinar o legítimo uso de força letal são críticas se a intenção for conter as baixas civis e, assim, tornar o país mais simpático para com a ocupação, mas são uma constante fonte de frustração e perigo para os ocupantes no caótio e confuso ambiente de combate da guerra de insurgência. O sargento de primeira-classe Anthony Broadhead tomou parte no avanço americano durante a fase de abertura da Guerra do Iraque. Em Samawah, ele descobriu o quão espantosas as regras de engajamento poderiam se tornar quando os insurgentes não as reconheciam:
No caos da guerra de insurgência há decisões espinhosas a serem tomadas. O capitão Ed Hrivnak, um membro de uma turma de evacuação médica no Iraque, relembra que um soldado ferido
Donovan Campbell, um jovem oficial fuzileiro naval envolvido em guerra urbana em Ramadi, oeste de Bagdá, descreve como os oficiais na ponta afiada colocavam uma espada de Dámocles sobre o nó das regras:
Soldados do Ocidente, fosse no Vietnam, Iraque ou Afeganistão, viam-se imersos num tipo de guerra, totalmente alienígena para seus instintos e treinamento. As regras tinham de ser dobradas, e as técnicas de combate não eram adequadas para seu método mais formal - uma combinação potencialmente fatal.
Costuma ser dito que sempre voltamos a lutar a última guerra, e os exércitos entranhados numa tradição de "transparente" combate frontal, foram pegos com as calças arriadas, quando se tratou de lutar contra insurgentes. Como o embaixador americano no Vietnam do Sul, o general reformado do Exército dos Estados Unidos Maxwell Taylor aconselhou o presidente Johnson em fevereiro de 1965:
Thomas Giltner, um oficial subalterno de infantaria, descreveu o regime de treinamento que, nada mais era do que destinado a fazer com que os soldados fossem mortos:
Lawrence Tahler relembra o seu tempo como jovem oficial no Vietnam:
____________________________________
(continua...)
"Eu não quero morrer neste país fodido."
As últimas palavras do sargento-ajudante Stevon Booker, um comandante de tanque da Companhia "Alfa" do I Batalhão do 64º Regimento Blindado, 3ª Divisão de Infantaria, Bagdá, Iraque, 5 de abril de 2003 como relatado em Michael R. Gordon e general Bernard E. Traino, "Cobra II: The Inside Story of the Invasion and Occupation of Iraq".
Michael Stephenson."Se eu tiver de morrer, que seja numa luta franca."
David Bellavia em sua memória de guerra, "House to House" (2007)
Uma luta franca em qualquer terreno - Vietnam, Somália, as Falklands, Granada, Iraque, Afeganistão - é tudo o que o soldado pede. (Ou, talvez, mais precisamente, tudo o que o soldado ocidental pede.) Dar a própria vida ou, mais corretamente, vê-la ser tirada por algum propósito é a primeira é última cláusula no contrato que ele fez com seu país. A causa pode não ser grande (pensem em Granada) ou até mesmo compreensível (pensem no Vietnam) para os homens na ponta aguçada (os políticos, editorialistas e cabeças dos centros de estudos fornecerão a justificação ideológica), mas tem de existir alguma linha de salvamento de significação pela qual o soldado possa desvencilhar-se da loucura e da lama sangrenta do combate. As ações que levam à sua morte podem não ser, no sentido mais estrito, heróicas, mas num sentido mais geral, sua morte deveria se redimida por um propósito. Deveria, pelo menos, existir algum vestígio de significação. Não é aceitável que alguém abra mão de sua vida de graça, embora, para muitos guerreiros este tenha sido o preço exigido, e o mais terrível para ele.
Olhando para trás, parece que o fim da Segunda Guerra Mundial também marcou o fim de estimulante e iluminada versão da guerra heróica. Existia um avassalador comprometimento nacional. A guerra era nobre, o inimigo, inequivocamente mau. Os Aliados permaneciam firmes, sem serem atormentados por quaisquer dúvidas sobre a justeza de sua causa. Não haviam manifestações de massa antiguerra. O Bem acreditava em si mesmo, sem ser solapado por risinhos de ironia.
Então, o inimigo era, por definição inequívoca, mau (alemães), mau porém bobo (italianos) e, algumas vezes, verdadeiramente maléfico (os japoneses em sua totalidade, os alemães, parcialmente, como nas SS), mas eram inimigos reconhecíveis. Eles usavam uniformes (e se não usassem eram fuzilados no ato). Eles podiam ter sido uns bastardos, mas encaravam de frente e ofereciam uma honesta boa luta. No todo, eles lutavam dentro do contexto mais amplo das regras do jogo (embora, repreensivelmente, os japoneses nem sempre se conduzissem assim e, portanto, sendo revoltantes e bestiais). Era, tirando umas poucas "irregularidades', uma confrontação simétrica, apesar de algum desequilíbrio localizado. (Os japoneses tendiam a estar do lado errado desta equação, mas eram, de comum acordo, fanáticos e, portanto, mereciam completamente seu destino sangrento.)
A guerra de partisans escurecia as águas, mas no final, era bem clara. Se os partisans lutassem pelos Aliados, eles eram bons, suas táticas guerrilheiras brilhantes e ousadas, sua quebra das regras, emocionante e heróica. Se eles eram mortos pelos alemães, italianos ou japoneses, isso era muito cruel e fornecia ainda mais evidência de que nossos inimigos eram bandidos brutais. Quando os soldados alemães fotogravam-se olhando e sorrindo com desprezo para os corpos dos partisans balançando de patíbulos improvisados nos postes de luz ou jogados em covas comunais, ficamos revoltados pela grosseria e insensibilidade.
Os alemães gostavam de matar partisans comunistas porque eles eram, no que concernia aos nazistas, escória terrorista. Para os alemães não havia ligação alguma entre "partisan" e "patriota". Eles eram, simplesmente, os vermes do campo de batalha, sua coragem, simples fanatismo, suas táticas baixas e desprezíveis.
Depois da Segunda Guerra Mundial parecia que as noções estabelecidas de como as guerras deveriam ser travadas mudara drasticamente. Com as Grandes Potências mantidas em xeque pela destruição mutuamente assegurada que seus arsenais nucleares garantiam, os conflitos da era pós-guerra fragmentaram-se em "pequenas guerras" imperiais, enquanto os sistemas capitalista e comunista lutavam para manter suas esferas de influência.
Existiram exceções. As cargas frontais em massa da infantaria chinesa durante a Guerra da Coréia (completas, com excitantes toques de clarim) nos atingem como a última expressão de um estilo antigo de guerrear heróico. As batalhas campais entre exércitos blindados israelenses e árabes durante os Anos 60 e 70 tiveram uma dimensão heróica que leva-nos de volta a um tipo de combate liberto da bagunça tática que acompanha a guerra de insurgência que caracterizou o Vietnam e os estágios posteriores da invasão do Iraque e Afeganistão.
A Guerra do Vietnam teve a trágica distinção de ser o conflito mais sangrento da América pós-Segunda Guerra Mundial (e ainda mais sangrento para os Vietnams do Norte e do Sul). Dos 58 mil militares americanos que morreram, 48 mil foram mortos no ato em batalha ou pereceram de ferimentos (cerca de 6 porcento dos aproximadamente 776 mil que viram combate). O ERV (Exército da República do Vietnam) -, os lealistas sul-vietnamitas, que tendiam a ser olhados com desdém como covardes fujões - perdeu 224 mil. O Exército norte-vietnamita e o Vietcong pagaram o preço mais alto, com 1,1 milhão de mortos. Em comparação, quase 32 mil militares de terra americanos morreram na Coréia, enquanto seu inimigo, a República Popular da China, perdeu aproximadamente 132 mil mortos; a Coréia do Sul perdeu mais de um quarto de milhão de mortos.
Estas enormes disparidades entre vidas americanas perdidas comparadas com as de seus inimigos tornaram-se ainda mais pronunciadas durante as guerras do Golfo Pérsico e Iraque. Na Guerra do Golfo Pérsico de 1991, por exemplo, as forças da coalizão perderam menos de 150 combatentes (uma significante proporção para fogo amigo), enquanto os infelizes iraquianos tiveram 200 mil mortos. Na primeira fase ("Choque e Espanto") da Guerra do Iraque, iniciando-se em 2003, 148 militares americanos foram mortos em ação e destes, um substancial número por fogo amigo; dos 24 soldados britânicos mortos, 9 pereceram por causa de fogo americano. Por comparação, o exército iraquiano teve estimados 100 mil mortos e 300 mil feridos. E ainda, apesar das enfáticas disparidades em mortos americanos e inimigos e das retumbantes derrotas infligidas, as guerras no Golfo Pérsico não brilharam com a luz clara, heróica e sem ambiguidades da Segunda Guerra Mundial.
Aos níveis político e social, as guerras da América e seus aliados desde a Segunda Guerra introduziram grandes cunhas divisivas através de suas sociedades. Uma batalha pelo que poderia ser chamado o espírito heróico destas guerras foi travada entre liberais e conservadores, com os governos algumas vezes sendo forçados numa pequena "reescrita criativa" para estabelecer uma causa justa e um atraente contexto moral (o incidente do Golfo de Tonquim na Guerra do Vietnam e a potencial "nuvem radioativa" de WMDs no Iraque estando entre os mais egrégios exemplos).
Estas rixas tiveram um efeito profundo sobre os soldados. Não mais seguros com o apoio de todo coração das nações que os despacharam, eles fizeram o que os soldados sempre fazem - criaram seu próprio mundo voltado para si. Se alguma espécie de ambiguidade moral turvava o quadro, e se a eles era negado o estatuto heróico que havia sido concedido aos guerreiros da Segunda Guerra Mundial, eles criariam um para si próprios. Eles encontrariam seus próprios diamantes na lama.
Confrontados com o que sentiam ser ou hostilidade aberta ou simples negligência e indiferença, os soldados com freqüência desenvolviam um feroz e raivoso desafio, "mostrando o dedo" para uma sociedade que eles sentiam não os apoiar. Sua guerra teria sua própria integridade nua e crua, por mais sem atrativos que pudesse ter para o pessoal em casa. Era, como um ex-combatente do Vietnam coloca, "usando quaisquer meios disponíveis para derrotar qualquer um, fosse qual fosse a razão, certa ou errada." Ou como diz outro, "A guerra trata-se de foder as pessoas". "Era uma luta num beco escuro - matar o outro sujeito antes que ele matasse você." O sargento-ajudante David Bellavia da 1ª Divisão de Infantaria americana no Iraque transformou a sujeira de seu ofício mortífero numa desafiadora declaração de orgulho:
"Este é a nossa guerra: não podemos atirar em qualquer alvo, nem sempre podemos dizer quem é o alvo; mas tomamos conta um do outro e não nos importamos em fazer o trabalho sujo da nação... A guerra é uma puta usando capacete."
Se eles seriam rejeitados, transformariam esta rejeição numa insígnia de honra.
A bagunça ao nível sócio-político se espelhou no nível tático-estratégico. A maneira na qual as guerras foram travadas era irregular, os combatentes inimigos, com freqüencia, indistinguíveis dos civis, as táticas eram as da clássica guerrilha, fosse enfrentando o VC no Vietnam, os mujahideen no Iraque ou o Taliban no Afeganistão. Uma das características da guerra heróica é que os combatentes precisam ser claramente distinguidos como tais, enquanto a verdade é justamente o oposto numa guerra de insurgência. De fato, um dos principais métodos insurgentes para equilibrarem a superioridade de armas de seus inimigos é obscurecendo a distinção entre combatente e civil, muito para a fúria, desgosto e confusão das tropas "regulares". Não ser capaz de ler signos culturais - literalmente não ser capaz de ver o inimigo - apresenta uma enorme desvantagem, como o capitão Doug Beattie do Real Regimento Irlandês na província de Helmand, Afeganistão, em 2006, reconheceu:
"Todo dia havia um constante fluxo de pessoas chegando na instalação... Com meu intérprete Namir, eu, com freqüencia, observava a fila andar. Mais do que uns poucos destes que apareciam, usavam distintos turbantes pretos. Nossos inimigos não usavam este estilo de cobertura? Um dia declarei minha curiosidade:
'Talib?' Perguntei cautelosamente.
'Não talib, capitão Doug,' veio a resposta.
Um pouco mais tarde. 'Talib?' Perguntei novamente, para um novo recém-chegado.
'Não talib.'...
Algum tempo depois, Namir deu-me um tapa no ombro... 'Talib!' disse triunfantemente.
Eu olhei para oito homens sendo escoltados... 'Como você sabe?'
'Todo mundo sabe quem são eles.' "
Dale Canter estava em Cu Chi, Vietnam, em 1966 e descreveu a enervante ambigüidade dos locais:
"Durante o dia, havia um bocado de tráfego militar para dentro e fora, mas à noite, ainda havia uma muito agourenta presença do VC... Honestamente, eu acredito que algumas daquelas pessoas realmente gostavam da gente. Era uma mistura estranha. Eles eram VC, alguns dos seus familiares e amigos eram VC, mas quando chegavam a nos conhecer, eles tinham genuína afeição. Mas não tinham escrúpulos em relatar nossas atividades e enviar-nos para emboscadas, que resultariam nas mortes de muitos GIs."
Garotos e senhoras idosas podiam provocar a morte de soldados. Um major fuzileiro naval no "território índio" no Vietnam, Charles Cooper, enviou uma de suas companhias de fuzileiros em patrulha.
"Depois de um dia ou dois, eles tiveram mais dois homens mortos. Desta vez, isso foi feito por uma criança pequena. Este guri acenou para os navais enquanto estes estavam em patrulha e fez sinal para se aproximarem. Quando eles o fizeram, o garoto alcançou um AK-47 e começou a atirar. Dois camaradas foram mortos e uns poucos mais feridos e este garoto se escafedeu para a aldeia de Son Thang."
Na noite seguinte, um "esquadrão da morte" de fuzileiros navais entrou em Son Thang e executou vinte mulheres e crianças.
Nas guerras do Iraque e Afeganistão a mesma espécie de "camuflagem" combatente/civil pegou, constantemente, os invasores fora de guarda. A fase blitzkrieg inicial tinha sido enormemente bem-sucedida. No Afeganistão, ataques cirúrgicos pela força aérea e as forças especiais tinham destronado o Taliban. Mas, no Iraque, os planejadores da coalizão (a Força Multinacional liderada pelos americanos) tinham focado quase inteiramente sobre um inimigo reconhecível, a Guarda Republicana, e muito rapidamente o combate dissolveu-se numa luta contra irregulares baathistas, e as tropas da coalizão tiveram de lidar com o que consideravam táticas clandestinas. Em outras palavras, os iraquianos, como o Vietcong recusavam-se a reconhecer as regras do combate "heróico", como codificado através dos séculos de guerra ocidental. "Os iraquianos não iriam lutar pelos termos dos americanos. O inimigo confrontado pelas forças americanas seria largamente amorfo, não em uniforme e raramente parte de uma força militar organizada." Os iraquianos usavam viaturas civis, usavam casas civis como pontos-fortes e civis como escudos. Um soldado americano registra um espanto que poderia ter saído direto da Guerra do Vietnam:
"Não haviam tanques, não haviam BMPs [transportes blindados de infantaria], não haviam uniformes. Isto não era nada do que planejamos para lutar. Quero dizer, eles estavam correndo por aí de pijamas pretos."
As regras do engajamento que destinam-se a determinar o legítimo uso de força letal são críticas se a intenção for conter as baixas civis e, assim, tornar o país mais simpático para com a ocupação, mas são uma constante fonte de frustração e perigo para os ocupantes no caótio e confuso ambiente de combate da guerra de insurgência. O sargento de primeira-classe Anthony Broadhead tomou parte no avanço americano durante a fase de abertura da Guerra do Iraque. Em Samawah, ele descobriu o quão espantosas as regras de engajamento poderiam se tornar quando os insurgentes não as reconheciam:
"Eles estavam usando uma ambulância para trazer novos soldados e retirar os mortos... Portanto, fizeram isto o dia inteiro. O sargento McCollough queria matar o pessoal da ambulância e eu dizia, 'não, não podemos fazer isto. Enquanto eles não atirarem, mesmo se estiveram transportando novos soldados para o campo de batalha, eles estão com o Crescente Vermelho.' "
No caos da guerra de insurgência há decisões espinhosas a serem tomadas. O capitão Ed Hrivnak, um membro de uma turma de evacuação médica no Iraque, relembra que um soldado ferido
"... confiou-me que presenciou algumas crianças iraquianas sendo atropeladas por um comboio. Ele estava no comboio e eles tinham ordens estritas para não pararem. Se uma viatura pára, torna-se isolada e um alvo convidativo para um rojão RPG. Ele contou que algumas mulheres e crianças foram forçadas para o meio da estrada, para interromperem os comboios de forma que os irregulares iraquianos pudessem obter um tiro limpo. Mas os comboios não pararam. Ele contou que lidar com essa imagem é pior do que a dor do seu ferimento."
Donovan Campbell, um jovem oficial fuzileiro naval envolvido em guerra urbana em Ramadi, oeste de Bagdá, descreve como os oficiais na ponta afiada colocavam uma espada de Dámocles sobre o nó das regras:
"Uma vez iniciado o tiroteio, e uma vez que os alvos tenham sido positivamente identificados, o "isso pode/isso não pode" do conceito de combate é jogado pela janela. Ao invés, nós interrompemos nosso fogo de acordo com o enunciado da Regra da Caixa de Pinho: se há qualquer questão sobre se vai ser você ou o cara mau que irá voltar para casa numa caixa de pinho, você trata de garantir que vai ser o cara mau. Naturalmente, queríamos evitar tantas vítimas inocentes quanto possível, mas se alguém tentava nos matar, não havia jeito nenhum de arriscarmos nossas próprias vidas, simplesmente para satisfazer alguma vaga condição legal de duvidade extremamente dúbia."
Soldados do Ocidente, fosse no Vietnam, Iraque ou Afeganistão, viam-se imersos num tipo de guerra, totalmente alienígena para seus instintos e treinamento. As regras tinham de ser dobradas, e as técnicas de combate não eram adequadas para seu método mais formal - uma combinação potencialmente fatal.
Costuma ser dito que sempre voltamos a lutar a última guerra, e os exércitos entranhados numa tradição de "transparente" combate frontal, foram pegos com as calças arriadas, quando se tratou de lutar contra insurgentes. Como o embaixador americano no Vietnam do Sul, o general reformado do Exército dos Estados Unidos Maxwell Taylor aconselhou o presidente Johnson em fevereiro de 1965:
"... o soldado 'cara-pálida', armado, equipado e treinado como ele é, não é um combatente antiguerrilha adequado para as florestas e selvas asiáticas. Os franceses tentaram adaptar suas forças para esta missão e falharam. Eu duvido que as forças americanas possam fazer muito melhor."
Thomas Giltner, um oficial subalterno de infantaria, descreveu o regime de treinamento que, nada mais era do que destinado a fazer com que os soldados fossem mortos:
"Eu completei meu treinamento na Escola de Candidatos a Oficial de Fort Benning, em 13 de maio de 1965. Meu treinamento para o combate no Vietnam foi inexistente. Eu disparei um carregador de um fuzil M16; eu fiz uma viagem de helicóptero numa instrução de contra-insurgência no meio da tarde. A única coisa que me lembro foi de ser carregado de uma área para outra numa missão aeromóvel simulada e carregar uma metralhadora M60 para assegurar algum obscuro objetivo. Nosso treinamento era convencional, - era para Monte Cassino, África do Norte, a Batalha do Bolsão. Principalmente, estávamos preparados para o desdobramento em massa de grandes formações de infantaria e de blindados. O treinamento de 1944 e 1964, aparentemente tinha pouca diferença, e foi assim que fui preparado para minha designação como líder de um pelotão de fuzileiros... Estávamos mais preocupados em combater os chineses vermelhos ou a União Soviética."
Lawrence Tahler relembra o seu tempo como jovem oficial no Vietnam:
"Poucos oficiais combatentes sabiam o que estavam fazendo. A alta-chefia estava lutando outra guerra e a maioria de nós, oficiais subalternos, estávamos treinados para invadir a Normandia, não para lutar contra insurgentes. Os grunts (apelido dos combatentes de linha de frente americanos) sabiam o que estava acontecendo, mas poucos oficiais os escutavam. 'O que eles sabem? São apenas praças' era, com muita freqüência, a atitude que prevalecia."
____________________________________
(continua...)
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
(continuando...)
Se os exércitos de ocupação carecem do preparo tático, invariavelmente contam com as vantagens do equipamento que sua riqueza permite, e portanto a resposta padrão tende a ser jogar este ás - superioridade bélica, em particular de artilharia e devastação lançada pelo ar. Dado o puro volume de poder de fogo disponível para as forças de ocupação, os soldados insurgentes terão uma chance muito maior de serem mortos por artilharia, foguetes e bombas lançadas do ar do que por armas leves. Ta Quang Thinh um médico com o exército norte-vietnamita, relembra: "A maioria dos ferimentos que tratei eram causados por granadas de artilharia. O bombardeio também causou muitos ferimentos por estilhaços e concussões." Os Estados Unidos lançaram três vezes mais bombas durante a Guerra do Vietnam do que em toda a Segunda Guerra Mundial. Somente em 1968-69, eles lançaram uma vez e meia a mais do que lançaram sobre a Alemanha.
Uma confiança numa avassaladora superioridade aérea e de artilharia também foi o caso no Iraque e Afeganistão. O capitão Doug Beattie ficou espantado com o poder do apoio aéreo que ele podia chamar durante sua luta com insurgentes talibans em Garmsir na Província de Helmand: helicópteros canhoneiros "Apache" ("os verdadeiros vencedores de batalhas"); "Thunderbolts" A-10 ("Warthogs") de apoio terrestre, armados com um maciço canhão Gatling de sete canos, capaz de disparar 4 mil granadas de 30 mm por minuto; caças-bombardeiros F-18 disparando um canhão Vulcan M-61 e também lançando mísseis e foguetes ar-terra; e os enormes bombardeiros B-1 com suas maciças cargas guiadas por GPS. Beatie usou tudo isso, em particular os B-1.
Entretanto, minutos depois, recorda Beattie, os insurgentes tinham retornado à luta com renovado vigor:
O acossado Beattie estava revivendo outra lição do Vietnam (e, na verdade, de tantos ataques na guerra moderna, fosse na Grande Guerra ou nos assaltos anfíbios no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial) - monstruosas quantidades de alto-explosivo nem sempre tem o efeito supressivo desejado. O inimigo sobrevive, como algum pivete de periferia, duro o bastante para lamber os ferimentos e voltar para surrar o menino rico. A insurgente vietnamita Tran Thi Gung, a única mulher em sua unidade, acreditava que
Ou, como S.L.A. Marshall coloca, referindo-se ao Vietnam (mas aplicável também ao Iraque e ao Afeganistão: "Fuzis para matar elefantes estão sendo utilizados para afugentar os coelhos."
Soldados convencionais lutando numa guerra de insurgência, com freqüência morrem por não se adaptarem rápido o bastante. "Isso nunca deixa de me espantar," escreveu o GI Tom McCabe enquanto se recuperava de ferimentos num hospital no Vietnam, "o quanto não-ortodoxa parece esta guerra comparado como eu a imaginava. Não há linhas de batalha estabelecidas e normalmente tudo acaba tão rápido quanto começa." Quando o soldado despreparado e desprevenido é transposto para um ambiente alienígena, tantas coisas podem empurrá-lo para a sepultura. Isso era especialmente verdadeiro no Vietnam, onde o Exército americano era, em grande parte, composto por recrutas do Serviço Militar Obrigatório (o Corpo de Fuzileiros Navais, por contraste, só aceitava voluntários). No Iraque e Afeganistão, onde os desafios, táticos e culturais, eram igualmente grandes, os soldados eram profissionais de livre escolha, presume-se portanto, com suas bússolas militares apontando para o norte.
A temporada de dever para a maioria dos infantes do Exército americano no Vietnam era de um ano. Enquanto a guerra progredia, os recrutas compunham uma parcela cada mais elevada da soldadesca e, não sendo surpresa, o risco deles serem mortos no início de suas temporadas era significante. O Exército perdeu 43 porcento de todos os seus mortos em ação, nos primeiros três meses de seus serviços; os Fuzileiros Navais perderam 33,8 porcento. Soldados combatentes americanos tinham o dobro de probabilidade de serem mortos na primeira metade de suas temporadas do que na segunda. Para os NFs (Novatos Fodidos), como para os NFs de todas as guerras, a curva de aprendizagem podia ser tragicamente íngreme.
Um ex-combatente relembra depois da guerra de tentar avisar um "garoto chamado Donald, que não estava no terreno nem mesmo por três meses", de que ele devia manter a cabeça baixa e os olhos abertos porque os tocaieiros eram ativos.
Alguns veteranos, no entanto, sentiam tudo, menos vontade de protegerem os NFs, como o cineasta Oliver Stone relembra:
Haviam tantas coisas a serem aprendidas. Em si mesmas, pareciam triviais, mas o trivial podia fazer um novato ser morto. Karl Marlantes, em sua excelente novela sobre a Guerra do Vietnam, Matterhorn (2010), que é ricamente informada por suas próprias experiências de combate, descreve os preparativos para o combate de um oficial novo em folha:
Até mesmo na outra ponta da curva de aprendizado, a morte ainda podia achar seu caminho através das brechas e elos. David Hackworth, um dos mais altamente condecorados comandantes de campo da Guerra do Vietnam, observou as numerosas formas pelas quais a complacência podia fazer com que até mesmo homens experimentados fossem mortos:
Fadiga e o anseio por alguma espécie de alívio eram tanto sedutoras quanto mortíferas. Larry Fontana descobriu que
E, de acordo com o adágio de que a guerra compreende longas extensões de tédio pontuadas por momentos de puro terror, estas longas extensões de aborrecimento podiam se provarem fatais. Joel Turnipseed descreve com homens acostumaram-se a serem atingidos por mísseis Scud na Arábia Saudita na Guerra do Golfo Pérsico 1991:
Todas as guerras são diferente, mas estas contra insurgentes compartilham algumas críticas características tático-estratégicas que determinam as formas pelas quais os soldados morrerão. Um fator primordial é a necessidade das forças de ocupação buscarem refúgio em fortalezas como algum alívio dos perigos do território índio. Mas as insurgências não podem ser suprimidas da comparativa segurança das instalações. Os "caras maus" tem de ser caçados e destruídos e os ocupantes tem de esticar seus pescoços para fora e, algumas vezes, tinham suas cabeças decepadas.
De volta à Revolução Americana, Lord Cornwallis irritou-se com as restrições impostas por uma confiança sobre o que eram, no linguajar moderno "bases de fogo": "Uma máxima a mim parece ser absolutamente necessária para a segura e honrosa conduta desta guerra," escreveu ao seu chefe, general Sir Henry Clinton, em 26 de maio de 1781, "que é, devemos manter tão poucos postos quanto possível." Foi a determinação de Cornwallis em golpear a partir dos postos britânicos e caçar os "caras maus" que levou diretamente, e por ironia, ao último posto de todos - a Saigon da Guerra Revolucionária - Yorktown.
É de se duvidar se o capitão Doug Beattie, no Afeganistão em 2006, tinha Lord Cornwallis em mente, mas ele ecoa o sentimento:
No Vietnam, Iraque e Afeganistão, saídas eram frágeis, mortíferas e frustrantes. A clássica memória do Vietnam de Tobias Wolff, em In Pharaoh's Army (1994), oferece uma vívida idéia da letalidade desta exposição, que além de algumas mudanças tecnológicas era assustadoramente reminiscente do que desgastou Cornwallis nas Carolinas ou ao Exército americano nas Guerras Índias do século XIX:
Uma vez "no terreno", o soldado de ocupação estava exposto a toda uma gama de armamentos mortíferos, mas um dos mais letais, fosse no Vietnam, Iraque ou Afeganistão, era alguma versão de uma mina. No Vietnam, cerca de 18.500 militares foram mortos por tiros, enquanto cerca de 16 mil foram mortos por ferimentos múltiplos de fragmentos causados por minas, armadilhas para tolos e "outros dispositivos explosivos". Em 1966, apenas, as minas e as armadilhas mataram mais de 1 mil militares americanos, representando cerca de 25 porcento de todas as mortes em combate deste ano. No Iraque e Afeganistão, dispositivos explosivos improvisados (IEDs) foram a maior causa individual de mortes da coalizão. No Afeganistão, por exemplo, as fatalidades por IED, em 2009, contabilizaram mais de 61 porcento de todas as mortes em ação da coalizão.
O mesmo padrão de fatalidades foi experimentado pelo exército soviético durante sua invasão do Afeganistão (1979-89). No curso de toda a guerra, os soviéticos tiveram 14.450 homens mortos de todas as causas, mais outros 53.700 feridos. Nos anos iniciais, a maioria dos mortos soviéticos foi causada por armas leves, mas com a passagem do tempo, baixas por estilhaços e sopro de explosão (principalmente de minas) contabilizaram 2,5 vezes mais do que aquelas causadas por balas, atingindo um pico em 1981-82 em 800 para este ano; estes números caíram, desde então, enquanto medidas anti-IED, tais como viaturas reforçadas, utilização de coletes balísticos e condução dos soldados no topo das viaturas blindadas surtiram efeito. Por volta de 1984, os soviéticos estavam perdendo, apenas 100 homens por ano para IEDs.
O capitão Francis J. West Jr. passou a primavera e o começo do verão de 1966 com o 9º Regimento de Fuzileiros Navais no Vietnam do Sul. A mistura de arrozais e cercas-vivas ao redor da Colina 55 (onde dois batalhões de infantaria franceses tinham sido aniquilados na guerra da França na Indochina) era particularmente mortífera. Dos fuzileiros navais, West relembra,
Algumas armas eram tão brilhantemente malévolas que pularam entusiasticamente de uma guerra para a próxima. A mina "Beth Balanço" (Bouncing Betty), um horror da Segunda Guerra Mundial, também era terrivelmente temida no Vietnam. Era um mal sublime. O dr. Ronald J. Glasser relembra de uma conversa entre Robert Kurt e seu médico, Peterson, num hospital no Japão:
No que tange a minas e armadilhas, havia coisas que nunca deveriam ser feitas; coisas que faziam com que você fosse morto:
O Vietcong usava de frugalidade para modelar o infernal. A vasta maioria das IEDs eram feitos a partir das centenas de toneladas de material bélico não explodido, disponível para eles, todo mês. Noventa porcento eram dispositivos antipessoais, alguns bem rudes, mas, no entanto, ferozmente eficazes. Dan Vandenberg da 25ª Divisão de Infantaria no Vietnam descreve como era tropeçar numa armadilha com granada;
Cerca de 77 porcento das mortes sofridas enquanto em transporte por viaturas blindadas de pessoa, no Vietnam, foram provocadas por IEDs, uma percentagem que aumentou no Iraque e no Afeganistão. O poder explosivo das IEDs intensifica-se dentro do espaço de uma viatura, como Tobias Wolff testemunhou:
Um sargento fuzileiro naval e seu rádio-operador tropeçaram numa IED, no Vietnam; o jornalista Charles Anderson viu o resultado:
Minas e armadilhas infligem não apenas hediondos danos físicos, mas também profundos danos psicológicos - induzindo a "nervosa aritimética" de Tobias Wolff. David Hackworth podia ver a mesma computação em seus homens:
"As próprias palavras 'armadilha para tolos' trazem de volta o cheiro de sangue, sempre que as ouço," relembra Jim Robertson. "Estas coisas danadas eram tão numerosas, tão variadas, e 'Charley' era tão bom em fabricá-las e ocultá-las, que a sensação era de que, se você permanecesse em campo tempo o bastante, você caíria vítima de uma armadilha. Era só questão de tempo."
Num tiroteio, os "grunts" sabiam que tinham chance de dar o troco. Se você fosse emboscado e não fosse atingido na primeira rajada, você podia entrar em ação. "Mas com uma armadilha," relembra Robertson, "era BANG, jogo encerrado... Isto era o pior - a frustração e desamparo."
Era, relembra Dan Krehbiel da 25ª Divisão, "uma natureza de guerra diferente, uma guerra de armadilhas, minas, olhar por onde andar, e não tendo ninguém em quem atirar de volta, quando saía ferido ou voava pelos ares." Era uma guerra na maior parte, roubada da satisfação da confrontação.
Um soldado da 5ª Brigada Stryker americana no Afeganistão ecoa a frustração:
Apenas, ocasionalmente, os vingativos deuses da guerra (os mesmos caprichosos velhos bastardos que infestam A Ilíada), davam uma colher de chá, para espanto de um sargento ex-combatente do Vietnam:
Varrer estradas em busca de IEDs era como jogar roleta russa, exceto que não era um divertimento discricionário. Lee Reynolds pertencia a uma guarnição de VBTP no Vietnam.
O tenente fuzileiro naval Donovan Campbell descreve o procedimento de arrepiar os cabelos, da meticulosa varredura matutina de uma estrada em Ramadi, Iraque:
Algumas das mais letais IEDs pareciam enganadoramente inocentes, quase tão assustadoras quanto uma lata de coca-cola. Mas estes "Penetradores Explosivamente Formados" [Explosively Formed Penetrators - EFPs] - cargas moldadas que projetam metal derretido no alvo - eram mortíferos. Sean Michael Flynn, um comandante de companhia do 69º Regimento de Infantaria da Guarda Nacional do Exército dos Estados Unidos, descreve o que aconteceu quando um de seus "Humvees' foi atingido por um EFP:
Ali sangrou até a morte no caminho para o hospital; Maiella sobreviveu.
Próximo as minas e armadilhas para tolos, provavelmente a mais potente arma no arsenal insurgente era o RPG - lançador de granadas de propulsão à foguete, herdeiro da bazuca. Sendo altamente portátil, relativamente barato de fabricar e sem complicações para operar, ele se encaixa lindamente no inventário do insurgente. O único problema, do ponto de vista insurgente, é que o operador tem de estar bem próximo do alvo, o que junto com o sopro traseiro altamente visível, o torna extremamente vulnerável ao fogo de resposta.
As táticas de RPG normalmente seguem um padrão distintamente consistente. Primeiro, o inimigo é levado a se deter, talvez com uma IED ou algum tipo de bloqueio de estrada, e então é atingido com um RPG. Jim Ross era um soldado da 25ª Divisão de Infantaria numa viatura blindada de transporte de pessoal no Vietnam:
Motoristas de caminhões no Vietnam eram particularmente vulneráveis porque as viaturas eram propulsadas por 90 galões de gasolina e, como o novelista (Paco's Story) e ex-combatente da 25ª Divisão de Infantaria Larry Heinemann relembra:
(continua...)
Se os exércitos de ocupação carecem do preparo tático, invariavelmente contam com as vantagens do equipamento que sua riqueza permite, e portanto a resposta padrão tende a ser jogar este ás - superioridade bélica, em particular de artilharia e devastação lançada pelo ar. Dado o puro volume de poder de fogo disponível para as forças de ocupação, os soldados insurgentes terão uma chance muito maior de serem mortos por artilharia, foguetes e bombas lançadas do ar do que por armas leves. Ta Quang Thinh um médico com o exército norte-vietnamita, relembra: "A maioria dos ferimentos que tratei eram causados por granadas de artilharia. O bombardeio também causou muitos ferimentos por estilhaços e concussões." Os Estados Unidos lançaram três vezes mais bombas durante a Guerra do Vietnam do que em toda a Segunda Guerra Mundial. Somente em 1968-69, eles lançaram uma vez e meia a mais do que lançaram sobre a Alemanha.
Uma confiança numa avassaladora superioridade aérea e de artilharia também foi o caso no Iraque e Afeganistão. O capitão Doug Beattie ficou espantado com o poder do apoio aéreo que ele podia chamar durante sua luta com insurgentes talibans em Garmsir na Província de Helmand: helicópteros canhoneiros "Apache" ("os verdadeiros vencedores de batalhas"); "Thunderbolts" A-10 ("Warthogs") de apoio terrestre, armados com um maciço canhão Gatling de sete canos, capaz de disparar 4 mil granadas de 30 mm por minuto; caças-bombardeiros F-18 disparando um canhão Vulcan M-61 e também lançando mísseis e foguetes ar-terra; e os enormes bombardeiros B-1 com suas maciças cargas guiadas por GPS. Beatie usou tudo isso, em particular os B-1.
"A visão era impressionante. Ela lembrou-me velhas filmagens do Vietnam, onde os pilotos americanos tentaram submeter o Vietcong com um tapete de bombas. Isso aqui estava muito longe do que aconteceu nos Anos 1960, mas dava alguma idéia da pura escala do poder destrutivo disponível para nós no Afeganistão."
Entretanto, minutos depois, recorda Beattie, os insurgentes tinham retornado à luta com renovado vigor:
"O fogo de armas leves e RPGs sendo dirigido contra nós, foi reforçado por projéteis de morteiros... o inimigo estava atacando-nos de pelo menos três lados."
O acossado Beattie estava revivendo outra lição do Vietnam (e, na verdade, de tantos ataques na guerra moderna, fosse na Grande Guerra ou nos assaltos anfíbios no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial) - monstruosas quantidades de alto-explosivo nem sempre tem o efeito supressivo desejado. O inimigo sobrevive, como algum pivete de periferia, duro o bastante para lamber os ferimentos e voltar para surrar o menino rico. A insurgente vietnamita Tran Thi Gung, a única mulher em sua unidade, acreditava que
"(...) os americanos perderam muita gente porque eles estavam aplicando táticas convencionais contra nossas emboscadas e túneis. Suas granadas e bombas eram extremamente poderosas e, algumas vezes, matavam pessoas nos túneis, mas isso não ocorria com tanta freqüência como se poderia pensar (...) 'Uma cegonha não pode cagar numa garrafa.' "
Ou, como S.L.A. Marshall coloca, referindo-se ao Vietnam (mas aplicável também ao Iraque e ao Afeganistão: "Fuzis para matar elefantes estão sendo utilizados para afugentar os coelhos."
Soldados convencionais lutando numa guerra de insurgência, com freqüência morrem por não se adaptarem rápido o bastante. "Isso nunca deixa de me espantar," escreveu o GI Tom McCabe enquanto se recuperava de ferimentos num hospital no Vietnam, "o quanto não-ortodoxa parece esta guerra comparado como eu a imaginava. Não há linhas de batalha estabelecidas e normalmente tudo acaba tão rápido quanto começa." Quando o soldado despreparado e desprevenido é transposto para um ambiente alienígena, tantas coisas podem empurrá-lo para a sepultura. Isso era especialmente verdadeiro no Vietnam, onde o Exército americano era, em grande parte, composto por recrutas do Serviço Militar Obrigatório (o Corpo de Fuzileiros Navais, por contraste, só aceitava voluntários). No Iraque e Afeganistão, onde os desafios, táticos e culturais, eram igualmente grandes, os soldados eram profissionais de livre escolha, presume-se portanto, com suas bússolas militares apontando para o norte.
A temporada de dever para a maioria dos infantes do Exército americano no Vietnam era de um ano. Enquanto a guerra progredia, os recrutas compunham uma parcela cada mais elevada da soldadesca e, não sendo surpresa, o risco deles serem mortos no início de suas temporadas era significante. O Exército perdeu 43 porcento de todos os seus mortos em ação, nos primeiros três meses de seus serviços; os Fuzileiros Navais perderam 33,8 porcento. Soldados combatentes americanos tinham o dobro de probabilidade de serem mortos na primeira metade de suas temporadas do que na segunda. Para os NFs (Novatos Fodidos), como para os NFs de todas as guerras, a curva de aprendizagem podia ser tragicamente íngreme.
Um ex-combatente relembra depois da guerra de tentar avisar um "garoto chamado Donald, que não estava no terreno nem mesmo por três meses", de que ele devia manter a cabeça baixa e os olhos abertos porque os tocaieiros eram ativos.
"Donald assumiu seu turno e estava rindo... Donald sentou de frente para o exterior do perímetro. Enquanto eu dizia a ele para ficar de olhos abertos, de repente houve aquele "bang"!
A bala entrou no ombro esquerdo de Donald e saiu no seu peito... . Quando ela atingiu o garoto ele não morreu na hora. Suas vísceras estavam pendendo de sua boca e de seu nariz. Foi como se ele as tivesse tossido quando foi baleado... . Realmente, eu não tive chance de trabalhar com ele, de ensiná-lo como ficar vivo, porque desde sua chegada, estávamos em movimento constante. Ele não aprendeu como fazer, instantâneamente, aquilo que lhe era dito para fazer.
Ele olhou-me e tudo que pude ver eram as lágrimas em seus olhos. Era como se estivesse dizendo, 'Estou vivo, mas o que vou fazer? Estou morrendo.' Eu pensei se deveria meter uma bala na sua cabeça e livrá-lo de sua miséria. Por alguma razão, não pude fazer isto. Eu olhei para ele, era um menino novo. Ele tinha dezessete anos."
Alguns veteranos, no entanto, sentiam tudo, menos vontade de protegerem os NFs, como o cineasta Oliver Stone relembra:
"Eu era totalmente anônimo, apenas um sujeito que não falava muito e tentava aprender as coisas tão rápido quanto pudesse. Eles [os veteranos] não sabiam nem a porra do seu primeiro nome... . Eu tentava não aparecer muito. Apenas fazia meu trabalho e ficava de boca fechada. Não se destaque. Eu era danado de bom nisto porque, alguns dos novos caras eram realmente irritantes para eles e, acredite, quando você é um novato, eles podem matar você. Eles realmente não se importam com você, porque você é um NF. Eles botam você de ponteiro, o tempo todo. Se você não souber o que está fazendo, está morto. E se eles realmente quiserem foder com você, eles o botam num PEsc [Posto de Escuta], que é assustador como o inferno, porque são apenas duas pessoas do lado de fora do perímetro."
Haviam tantas coisas a serem aprendidas. Em si mesmas, pareciam triviais, mas o trivial podia fazer um novato ser morto. Karl Marlantes, em sua excelente novela sobre a Guerra do Vietnam, Matterhorn (2010), que é ricamente informada por suas próprias experiências de combate, descreve os preparativos para o combate de um oficial novo em folha:
Ele, com todo cuidado, arrumou suas calças por dentro das botas, com as molas de aço para manter os sanguessugas de fora e enfiou uma garrafinha plástica de repelente de insetos na larga faixa de borracha envolvendo sua nova camuflagem verde do capacete...
Jancowitz sorriu desdenhosamente para Mellas. "Senhor, eu, hã..." . Ele hesitou e então deu um tapinha no lado de sua cobertura de camuflagem.
Mellas olhou para Hamilton. "O repelente de inseto," disse Hamilton. "O branco se destaca no mato. Dá um grande alvo."
"Então, para que serve a faixa de borracha? Perguntou Mellas, enfiando a garrafa no seu bolso.
"Nem imagino, senhor," Respondeu Hamilton. "Mantém a porra do capacete junto, eu acho."
Até mesmo na outra ponta da curva de aprendizado, a morte ainda podia achar seu caminho através das brechas e elos. David Hackworth, um dos mais altamente condecorados comandantes de campo da Guerra do Vietnam, observou as numerosas formas pelas quais a complacência podia fazer com que até mesmo homens experimentados fossem mortos:
"Muitos veteranos de combate acabavam pensando que sabiam tudo e começavam a pegar atalhos. Eles jogavam fora os fundamentos e negligenciavam as pequenas coisas que os mantiveram vivos porque ficavam autoconfiantes ou pensavam que isso era melhor para o moral dos seus homens. Eles acendiam fogueiras ao anoitecer, fumavam de noite, caminhavam por trilhas, não portavam suas armas, usavam repelente de mosquito durante emboscadas ou patrulhas, não posicionavam segurança de flanco nas operações. Atalhos que faziam com que você fosse morto."
Fadiga e o anseio por alguma espécie de alívio eram tanto sedutoras quanto mortíferas. Larry Fontana descobriu que
"(...) a busca por confortos em detrimento do desconforto seguro era uma jogada perigosa. Os gooks armadilhavam áreas fortemente transitadas. Se um velho casebre abandonado estivesse perto de uma rodovia que era patrulhada diariamente, fique longe! Se ela não estiver armadilhada, deveria estar... Um pouco antes de voltar para casa, eu recebi ordens para construir um bunker para uma turma de socorristas... . Eu tenho de admitir, nós construímos um danado de um bunker para aqueles caras... . Próximo ao bunker havia uma pequena construção de estrutura de madeira, com um telhado corrugado sobre ela. Ela era utilizada para abrigar suprimentos. Depois de escurecer, os gooks dispararam um canhão sem-recuo contra a base de fogo. A granada atingiu o telhado da construção e fez uma bagunça lá dentro... . Parte desta bagunça eram dois socorristas mortos que estavam dormindo sobre catres na construção. Eu acho que eles não gostaram de dormir no piso sujo de um bunker fortificado. Eles morreram devido a sua busca por conforto num ambiente hostil. Até hoje, eu não sinto remorsos por estes homens."
E, de acordo com o adágio de que a guerra compreende longas extensões de tédio pontuadas por momentos de puro terror, estas longas extensões de aborrecimento podiam se provarem fatais. Joel Turnipseed descreve com homens acostumaram-se a serem atingidos por mísseis Scud na Arábia Saudita na Guerra do Golfo Pérsico 1991:
Ser bombardeado é um tédio. Era emocionante, no começo, ter os Scuds começando a cair: quando o céu brilhava e o deserto rugia. Quando eu e outros fuzileiros navais assustados nos dispersávamos como baratas de nossas tendas, sem usar nada além de máscaras de gás e plaquetas de identificação e as roupas de baixo... . Pela segunda ou terceira noite da guerra, a emoção de ser despertado duas, três ou quatro vezes transformou-se em algo como aborrecimento... . Você está cansado. Você ouve as sirenes a noite toda. Então, você se levanta e corre? Não, você acente um cigarro... . Depois de umas poucas semanas disto, eu nem mesmo me incomodava de levantar do meu catre... . Quando os alarmas para aquele quarto Scud começaram a soar, metade da instalação os ignoraram.
A bomba explodiu bem acima de nós, e o efeito concussivo da explosão nos tirou o ar. Somente na base da pura adrenalina, aceleramos para fora do abrigo... .
Hatch sintonizou o Rádio das Forças Americanas para ouvir as novidades. Não houve nenhuma menção de nosso ataque, apenas o trágico relato dos quartéis de Khobar, onde vinte e oito soldados do Exército foram mortos por um Scud iraquiano uma centena ou mais saiu ferido... . Por quê eles não correram para seus bunkers? Talvez porque não tivessem tido tempo. Ou talvez porque a guerra é tediosa. O bombardeio é tedioso. E durante o longo correr da guerra, nós exaurimos nossos recursos internos."
Todas as guerras são diferente, mas estas contra insurgentes compartilham algumas críticas características tático-estratégicas que determinam as formas pelas quais os soldados morrerão. Um fator primordial é a necessidade das forças de ocupação buscarem refúgio em fortalezas como algum alívio dos perigos do território índio. Mas as insurgências não podem ser suprimidas da comparativa segurança das instalações. Os "caras maus" tem de ser caçados e destruídos e os ocupantes tem de esticar seus pescoços para fora e, algumas vezes, tinham suas cabeças decepadas.
De volta à Revolução Americana, Lord Cornwallis irritou-se com as restrições impostas por uma confiança sobre o que eram, no linguajar moderno "bases de fogo": "Uma máxima a mim parece ser absolutamente necessária para a segura e honrosa conduta desta guerra," escreveu ao seu chefe, general Sir Henry Clinton, em 26 de maio de 1781, "que é, devemos manter tão poucos postos quanto possível." Foi a determinação de Cornwallis em golpear a partir dos postos britânicos e caçar os "caras maus" que levou diretamente, e por ironia, ao último posto de todos - a Saigon da Guerra Revolucionária - Yorktown.
É de se duvidar se o capitão Doug Beattie, no Afeganistão em 2006, tinha Lord Cornwallis em mente, mas ele ecoa o sentimento:
"Nós tínhamos uma ampla presença em Helmand, mas nossas bases táticas estavam no centro de vilas e aldeias, como Gereshk, Sangin e Now Zad. O movimento além delas não era fácil; de fato, era abertamente perigoso. Nós tínhamos pontos-de-apoio nestes centro semi-urbanos mas pouca ou nenhuma influência além deles. Com efeito, estas tropas eram prisioneiras em suas próprias fortalezas."
No Vietnam, Iraque e Afeganistão, saídas eram frágeis, mortíferas e frustrantes. A clássica memória do Vietnam de Tobias Wolff, em In Pharaoh's Army (1994), oferece uma vívida idéia da letalidade desta exposição, que além de algumas mudanças tecnológicas era assustadoramente reminiscente do que desgastou Cornwallis nas Carolinas ou ao Exército americano nas Guerras Índias do século XIX:
Os inimigos eram guerrilheiros locais organizados em quadros próximos baseados em aldeias. Ocasionalmente, eles se combinavam para um ataque contra uma de nossas instalações ou para emboscar um comboio de caminhões ou barcos, ou até mesmo uma grande unidade isolada no campo, tornada letárgica pelos longos períodos sem contato, mas a maior parte do tempo, eles trabalhavam em pequenas turmas e ficavam fora de vista. Eles nos explodiam com minas feitas em casa, modeladas a partir de granadas falhadas de obuseiros, ou minas de verdade americanas, compradas dos nossos aliados sul-vietnamitas. Eles disparavam morteiros contra nós de noite... para matar um homem ou dois, ou infligir alguns ferimentos.... . Então, de noite corriam para casa, antes que nosso pessoal de direção de tiro pudesse vetorá-los, escapulindo para cama e, como imagino, rindo para dormir. Eles armadilhavam nossos caminhões e jipes. Eles armadilhavam as trilhas que sabiam que pegaríamos, porque sempre pegávamos as mesmas trilhas, aquelas que pareciam mais fáceis e nos mantinham secos. Eles nos tocaiavam. E, com muita freqüência, quando sentiam que era preciso provar que eram guerrilheiros sinceros e não apenas camponeses se passando por durões, eles abarrotavam uma estrada com animais ou crianças e atiravam nos sentimentalistas que paravam.
Nós não morríamos às centenas em batalhas campais. Nós morríamos um homem por vez, num passo quase casual. Você podia, algumas vezes, começar a sentir-se seguro e, então, você se pegava olhando em volta e via que do pessoal que você conhecia no começo de sua temporada, certo número estava morto... . E você fazia alguma aritmética nervosa."
Uma vez "no terreno", o soldado de ocupação estava exposto a toda uma gama de armamentos mortíferos, mas um dos mais letais, fosse no Vietnam, Iraque ou Afeganistão, era alguma versão de uma mina. No Vietnam, cerca de 18.500 militares foram mortos por tiros, enquanto cerca de 16 mil foram mortos por ferimentos múltiplos de fragmentos causados por minas, armadilhas para tolos e "outros dispositivos explosivos". Em 1966, apenas, as minas e as armadilhas mataram mais de 1 mil militares americanos, representando cerca de 25 porcento de todas as mortes em combate deste ano. No Iraque e Afeganistão, dispositivos explosivos improvisados (IEDs) foram a maior causa individual de mortes da coalizão. No Afeganistão, por exemplo, as fatalidades por IED, em 2009, contabilizaram mais de 61 porcento de todas as mortes em ação da coalizão.
O mesmo padrão de fatalidades foi experimentado pelo exército soviético durante sua invasão do Afeganistão (1979-89). No curso de toda a guerra, os soviéticos tiveram 14.450 homens mortos de todas as causas, mais outros 53.700 feridos. Nos anos iniciais, a maioria dos mortos soviéticos foi causada por armas leves, mas com a passagem do tempo, baixas por estilhaços e sopro de explosão (principalmente de minas) contabilizaram 2,5 vezes mais do que aquelas causadas por balas, atingindo um pico em 1981-82 em 800 para este ano; estes números caíram, desde então, enquanto medidas anti-IED, tais como viaturas reforçadas, utilização de coletes balísticos e condução dos soldados no topo das viaturas blindadas surtiram efeito. Por volta de 1984, os soviéticos estavam perdendo, apenas 100 homens por ano para IEDs.
O capitão Francis J. West Jr. passou a primavera e o começo do verão de 1966 com o 9º Regimento de Fuzileiros Navais no Vietnam do Sul. A mistura de arrozais e cercas-vivas ao redor da Colina 55 (onde dois batalhões de infantaria franceses tinham sido aniquilados na guerra da França na Indochina) era particularmente mortífera. Dos fuzileiros navais, West relembra,
"O inimigo que odiavam, o inimigo que mais temiam, o inimigo que achavam o mais duro de combater, não era o VC; eram as minas. Uma companhia do regimento - Delta - teve 10 mortos e 58 feridos em cinco semanas. Dois homens foram atingidos por fogo de armas leves, um por uma granada. As minas infligiram todas as outras baixas." As minas estavam por toda parte: "Parecia não haver padrão algum para sua colocação," relembra West. "Elas tinham sido espalhadas nas junções de trilhas, na interseção de diques de arrozais, ao longo de cercas, debaixo de portas. Tendo observado os movimentos de patrulhas dos navais nesta área, o inimigo enterrou suas minas onde antecipavam que eles caminhariam. Com freqüência, eles reconheciam a direção e a trilha que uma patrulha estava tomando e plantavam suas minas à frente. Se a patrulha passava este ponto, com segurança, o VC corria de seu esconderijo, desenterrava suas minas, e as guardavam para outro dia."
Algumas armas eram tão brilhantemente malévolas que pularam entusiasticamente de uma guerra para a próxima. A mina "Beth Balanço" (Bouncing Betty), um horror da Segunda Guerra Mundial, também era terrivelmente temida no Vietnam. Era um mal sublime. O dr. Ronald J. Glasser relembra de uma conversa entre Robert Kurt e seu médico, Peterson, num hospital no Japão:
Kurt cerrou os dentes mas continuou falando sobre um soldado que ficou congelado numa "beth balanço" de acionamento por tração (Pull-Release).
"Mas porque você não o ajudou:" Interrompeu Peterson enquanto abaixava sua sonda.
Kurt olhou para ele, obviamente ofendido. "Como?" disse francamente.
"Tirando-o de lá," disse Peterson, enquanto colocava uma nova bandagem no ferimento.
Kurt encolheu-se. "Se pudéssemos, faríamos. Olhe," disse seriamente, testando sua perna, esticando-a um pouco da cama, "era uma armadilha Beth Balanço. Elas são de acionamento por tração: você tira o pé, e então 'buum', a carga de lançamento detona e arremessa a carga explosiva para o ar."
"Você não podia por alguma coisa nela permitindo que ele tirasse o pé?"
"Quem iria fazer isto? O detonador é pequeno e você não sabe quanta pressão é preciso para que ela não detone. Algumas são realmente instáveis. Você não tem de tirar o pé; apenas mudar o seu peso de posição pode fazer isso. Seu pé vai pelo ar primeiro. Você tem de abandoná-los. Você tem."
No que tange a minas e armadilhas, havia coisas que nunca deveriam ser feitas; coisas que faziam com que você fosse morto:
Bobby sempre me disse, desde que nos encontramos pela primeira vez, "não passe através de uma porta aberta, não faça isto." Eu estava espiando por cima da cerca, justo quando estava preparando-me para dizer, "Não entre pela porta aberta, Bob." Mano, ele atingiu aquela porra de porta e uma carga moldada explodiu o traseiro dele por toda parte. Ele ficou estirado lá, gritando, "Eu vou pra casa! Eu vou pra casa!"
... O socorrista disse, "Você está danado de certo, você está voltando para casa."
Ele permaneceu consciente, assim... Então, morreu... Ele estava sempre dizendo-me, "Não caminhe através de uma porta aberta."... Ah é, olhe só quem está falando agora. Pobre fodido."
O Vietcong usava de frugalidade para modelar o infernal. A vasta maioria das IEDs eram feitos a partir das centenas de toneladas de material bélico não explodido, disponível para eles, todo mês. Noventa porcento eram dispositivos antipessoais, alguns bem rudes, mas, no entanto, ferozmente eficazes. Dan Vandenberg da 25ª Divisão de Infantaria no Vietnam descreve como era tropeçar numa armadilha com granada;
Logo, nos movimentamos, e eu caminhei sobre um fosso. Eu tinha ido uns 25 metros, quando sentei alguma coisa ao redor do meu tornozelo. Eu sabia que não era uma vinha, e rapidamente imaginei que era um arame. Você tem aproximadamente 2 ou 2,5 segundos, uma vez que o pino é puxado de uma granada de mão antes que ela detone. Eu levei cerca de 1,5 segundo para perceber no que eu havia tropeçado, o que deixava cerca de um segundo. Um monte de gente perguntou-me, por quê você não correu, por quê você não mergulhou? Primeiro de tudo, você não sabe para onde correr: você pode correr direto para ela; ela pode estar em qualquer lugar até uns dois metros distante. E, também, você está usando aquela parte deste segundo de tempo para deixar entrar na sua cabeça, exatamente, o que foi que você fez. Meu primeiro pensamento foi, "Ah, merda, vou explodir agora." E, para qualquer um aí, imaginando como é ter uma granada de mão explodindo aos seus pés, isso é comparável a alguém batendo com um bastão de beisebol na sua cara. Seu corpo inteiro fica dormente, isso dói pra diabo nos primeiros dez segundos, e depois disso, você não pode mais se mexer.
Cerca de 77 porcento das mortes sofridas enquanto em transporte por viaturas blindadas de pessoa, no Vietnam, foram provocadas por IEDs, uma percentagem que aumentou no Iraque e no Afeganistão. O poder explosivo das IEDs intensifica-se dentro do espaço de uma viatura, como Tobias Wolff testemunhou:
Nós passamos por alguns vilarejos... Eu dirigi rápido para ficar em vantagem sobre os tocaieiros, mas estes não eram o problema nesta estrada. Minas eram o problema. Seu eu passasse por uma granada de 105 mm com fuso de contato, não ia fazer diferença a velocidade que eu estivesse. Eu tinha visto um caminhão 2,5 toneladas explodir direto para fora da estrada por uma destas, apenas umas poucas viaturas na minha frente, num comboio voltando de Saigon. O caminhão corcoveou como um cavalo brabo e aterrisou de lado no fosso. O restante de nós parou e se jogou ao chão, esperando por uma emboscada que nunca veio. Quando finalmente nos levantamos e olhamos no caminhão, não havia ninguém lá, nada que você pudesse pensar ser uma pessoa. Os dois soldados vietnamitas no interior tinham sido transformados em mingau, pelo sopro vindo através do piso da cabine.
Um sargento fuzileiro naval e seu rádio-operador tropeçaram numa IED, no Vietnam; o jornalista Charles Anderson viu o resultado:
A mina cumpriu justamente o que os russos que a fabricaram e os norte-vietnamitas que a plantaram tinham em mente. As únicas coisas deixadas invioladas nestes dois corpos humanos e suas roupas foram os coturnos, embora os pés tivessem sido arrancados de suas pernas. A mina misturou calças com músculos da panturrilha, tendões com genitais, com intestinos, com bexigas, com merda, com fígados e baços com rins e estômagos, e mandou essa massa grudenta para cima, nos pulmões e gargantas. Então, queimou as mãos e os braços e peitos e rostos até a textura e aparência de ameixas secas. Justamente como se esperava que fizessem. O que acontece aos seres humanos na guerra mecanizada absolutamente não tem nada de poético ou teatral.
Minas e armadilhas infligem não apenas hediondos danos físicos, mas também profundos danos psicológicos - induzindo a "nervosa aritimética" de Tobias Wolff. David Hackworth podia ver a mesma computação em seus homens:
A maioria dos soldados do IV/39º sabia que toda vez que davam um passo, arriscavam-se aos ferimentos mais feios. Uma bala abre um buraco, um estilhaço pode arrancar fora um braço - mas uma mina reduz um soldado a uma cesta de lixo esparramada, perfurada por estilhaços.
Muitos soldados no batalhão concluíram que travar a guerra consistia de atravessar um campo, atingir uma mina, chamar um socorrista, remendar os feridos, conseguir evacuação médica; então movimentar-se de novo e atingir outra mina. Eles também faziam matemática e consideravam que não muitos deles seriam sortudos o bastante para atravessarem 365 dias e voltarem para casa.
"As próprias palavras 'armadilha para tolos' trazem de volta o cheiro de sangue, sempre que as ouço," relembra Jim Robertson. "Estas coisas danadas eram tão numerosas, tão variadas, e 'Charley' era tão bom em fabricá-las e ocultá-las, que a sensação era de que, se você permanecesse em campo tempo o bastante, você caíria vítima de uma armadilha. Era só questão de tempo."
Num tiroteio, os "grunts" sabiam que tinham chance de dar o troco. Se você fosse emboscado e não fosse atingido na primeira rajada, você podia entrar em ação. "Mas com uma armadilha," relembra Robertson, "era BANG, jogo encerrado... Isto era o pior - a frustração e desamparo."
Era, relembra Dan Krehbiel da 25ª Divisão, "uma natureza de guerra diferente, uma guerra de armadilhas, minas, olhar por onde andar, e não tendo ninguém em quem atirar de volta, quando saía ferido ou voava pelos ares." Era uma guerra na maior parte, roubada da satisfação da confrontação.
Nós caminhamos direto para uma enorme área armadilhada. Não havia nenhum soldado inimigo, nenhum tiro. O sujeito na minha frente, pisou num poço punji [um buraco camuflado no qual estacas afiadas tinham sido fincadas - um retorno a uma técnica de caça de nossos ancestrais]... . Ao mesmo tempo, três soldados do ERV caminharam para uma armadilha de artilharia com fósforo branco, uma grande granada de 155 mm, e ela detonou, jogando fósforo branco por cima deles, queimando-os - eles simplesmente cozinharam. Todos os três morreram... . Então, alguém fez detonar uma granada de mão atrás de nós que feriu alguns... . Eu coloquei minha arma no automático e esperei por alguma coisa se movendo nos matos. Eu achei que iríamos ser avassalados ou algo assim, mas isso foi tudo.
Um soldado da 5ª Brigada Stryker americana no Afeganistão ecoa a frustração:
Um monte de sujeitos sentia-se engrupido. Todas as outras unidades tinham aquelas grandes histórias sobre tiroteios, então aqui estávamos, sem conseguir nada assim. Nós sentamos por aí e apenas esperando sermos explodidos."
Apenas, ocasionalmente, os vingativos deuses da guerra (os mesmos caprichosos velhos bastardos que infestam A Ilíada), davam uma colher de chá, para espanto de um sargento ex-combatente do Vietnam:
Nós entramos naquelas porras de helicópteros e decolamos, voando talvez por uma hora, chegamos lá e todo mundo fez tudo certo. Sabe, esta foi a parte gozada sobre isso, tudo estava nos trinques... Nós pulamos fora do helicóptero, todo mundo correu para onde se supunha que estivessem - e a primeira merda veio pelo rádio, "ESTEJAM DE SOBREAVISO, VOCÊS ESTÃO NUM CAMPO MINADO FRANCÊS."
E eu lembro que a primeira coisa que eu disse foi, "Eu não acredito nisto, seus filhas da puta!" Então... eu disse para o meu rádio-operador, "Transmita isso: estamos num campo minado." E setenta e dois babacas se levantaram e correram para fora do campo minado. Estava tudo tão perfeito, sabem, e lá estava eu, "Eu não acredito nisto... Seus babacas, para onde estão correndo?" E eles apenas correram para fora. E eu agarrei o merda do rádio-operador pela merda do correame e lá fomos nós. Quer dizer. Eu também corri! Nós apenas corremos para fora de um campo minado - e nada explodiu.
E então, sabe, você está sentado com o suor escorrendo de você. Não devido ao calor. E todo mundo falando merda, sabe. Agora, você é invencível. Você acabou de correr de um campo minado fodido... Tínhamos uma estrela brilhando conosco.
Varrer estradas em busca de IEDs era como jogar roleta russa, exceto que não era um divertimento discricionário. Lee Reynolds pertencia a uma guarnição de VBTP no Vietnam.
Nós fazíamos um bocado de segurança de estrada. Nós íamos em busca de sinais do inimigo e "revirar" a estrada, o que é, na verdade, uma estúpida técnica de varredura de minas, dirigindo por uma estrada e ver se você pode passar sobre uma mina e explodir algo. Nós tivemos um bocado de gente machucada e morta desnecessariamente fazendo isto. Eu lembro de escrever para minha namorada e contar a ela sobre isto e ela escrever de volta... "se vocês sabem que as estradas estão minadas, porque não ficam fora delas?" Era uma lógica brutal mas, de início, complexa demais para o nosso coronel. Um dia, uma de nossas viaturas foi demolida por uma mina enorme. Oito de nossos caras foram explodidos em pedaços. Fiapos de seus tecidos pendiam das árvores, e pássaros vieram para se alimentar deles. Depois disto acontecer, ficamos fora das estradas.
O tenente fuzileiro naval Donovan Campbell descreve o procedimento de arrepiar os cabelos, da meticulosa varredura matutina de uma estrada em Ramadi, Iraque:
Devido a Michigan ser uma artéria de transporte de tal importância para todas as força da coalizão na área, mantê-la livre e desimpedida de IEDs tornou-se uma alta prioridade para nossa companhia, portanto, quase toda manhã começava com uma patrulha de pelotão descendo a auto-estrada desde o Posto Avançado... . A missão parece sólida e prática na teoria; mesmo o termo, "varredura de rota" soa profissional, eficiente, antiséptico. A realidade era qualquer coisa menos isso - varredura de rota é uma missão desagradável, que só pode ser cumprida por métodos feios, primitivos e bem arriscados.
O Exército desempenhava suas varreduras dirigindo pela auto-estrada em "Humvees" totalmente blindados, à 60 Km/h, no mínimo, buscando por quaisquer objetos suspeitos que pudessem avistar em velocidade tão alta, enquanto prendiam a respiração, apenas esperando para serem detonados. Por contraste, nós desempenhávamos nossas varreduras de rota, caminhando pela Michigan, usando blindagem corporal. Como o Exército, também prendíamos a respiração, esperando para sermos detonados. Caminhando à 8 Km/h antes do que dirigindo a 60 Km/h, nós tínhamos chances muito melhores de divisar objetos inusitados entre o lixo e outros detritos juncando a estrada. Usando apenas blindagem corporal, no entanto, também tínhamos chances piores de sobreviver à uma explosão. Mesmo nesta baixa velocidade, os fuzileiros navais raramente avistam IEDs bem-camufladas até que estejam cerca de 10 a 15 metros de distância, bem dentro da zona mortal.
Algumas das mais letais IEDs pareciam enganadoramente inocentes, quase tão assustadoras quanto uma lata de coca-cola. Mas estes "Penetradores Explosivamente Formados" [Explosively Formed Penetrators - EFPs] - cargas moldadas que projetam metal derretido no alvo - eram mortíferos. Sean Michael Flynn, um comandante de companhia do 69º Regimento de Infantaria da Guarda Nacional do Exército dos Estados Unidos, descreve o que aconteceu quando um de seus "Humvees' foi atingido por um EFP:
O EFP que os insurgentes detonaram contra a viatura de Lwin e Ali estava a uns poucos metros, numa moita ao longo do caminho. O penetrador foi disparado de uma lata e entrou no "Humvee" por trás de Lwin, que dirigia. O aço derretido matou o birmanês-americano [Lwin] instantaneamente. Ali estava sentado na torreta de armas, voltado para a traseira. Quando o projétio saiu de Lwin estourou o quadril de Ali, antes de enviar fragmentos de aço na cabeça e cavidade torácica do sargento Maiella."
Ali sangrou até a morte no caminho para o hospital; Maiella sobreviveu.
Próximo as minas e armadilhas para tolos, provavelmente a mais potente arma no arsenal insurgente era o RPG - lançador de granadas de propulsão à foguete, herdeiro da bazuca. Sendo altamente portátil, relativamente barato de fabricar e sem complicações para operar, ele se encaixa lindamente no inventário do insurgente. O único problema, do ponto de vista insurgente, é que o operador tem de estar bem próximo do alvo, o que junto com o sopro traseiro altamente visível, o torna extremamente vulnerável ao fogo de resposta.
As táticas de RPG normalmente seguem um padrão distintamente consistente. Primeiro, o inimigo é levado a se deter, talvez com uma IED ou algum tipo de bloqueio de estrada, e então é atingido com um RPG. Jim Ross era um soldado da 25ª Divisão de Infantaria numa viatura blindada de transporte de pessoal no Vietnam:
Sendo de infantaria mecanizada, nosso poder de fogo era tão superior a uma unidade de infantaria "pé-de-poeira" que não considerávamos o inimigo à altura quando se tratava de uma batalha mano-a-mano. Porém, o inimigo quase sempre tinha a oportunidade de desfechar o primeiro golpe. Esta é uma das principais desvantagens das forças mecanizadas. Você se movimenta um bocado, você oferece um alvo tremendo, você pode ser visto de muita distância e você podia ser ouvido de uma distância ainda maior, portanto eles tinham amplo tempo para nos interditar se o escolhessem fazer. E com muita freqüência, eles conseguiam isto sem pagar qualquer preço no final. Tudo o que tinham de fazer era, muito simplesmente, estabelecer uma emboscada de RPG com dois ou três homens, atacar a VBTP na ponta ou talvez a VBTP de cauda e ou danificar ou destruir a viatura.
Motoristas de caminhões no Vietnam eram particularmente vulneráveis porque as viaturas eram propulsadas por 90 galões de gasolina e, como o novelista (Paco's Story) e ex-combatente da 25ª Divisão de Infantaria Larry Heinemann relembra:
Um galão de gasolina é igual a 8 Kg de TNT e um galão de gasolina tem energia o suficiente para levantar 400 Kg a 300 metros no ar, instantaneamente. Não se meta com gasolina. Você tem aqui 90 galões e se um RPG acerta a mosca, você acende como uma cabeça de fósforo. ... Se isso acontece, o motorista morre sempre."
(continua...)
- Clermont
- Sênior
- Mensagens: 8842
- Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
- Agradeceu: 632 vezes
- Agradeceram: 644 vezes
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
(parte final...)
Se escutarmos de perto as vozes dos modernos campos de batalha, ouviremos, bem distintamente, os ecos dos antigos. Debaixo do Kevlar ainda podemos sentir o odor dos guerreiros de antigamente que nenhum moderno meio sanitário pode retirar, com freqüência para nosso embaraço, algumas vezes para nossa vergonha.
Os guerreiros modernos falam velhas línguas e respondem a deuses antigos. O júbilo de rolar pela lama primordial pode ser maravilhosamente libertador. A presença da morte torna-se um narcótico revigorante. O cabo-arvorado Thomas P. Noonan escreveu para sua irmã em 17 de outubro de 1968, do Vietnam:
Noonan foi morto quatro meses depois.
O caos, paradoxalmente, pode oferecer clareza não encontrada na vida "ordinária":
Quase pode-se ouvir o grito louco dos antigos deuses da guerra na voz de um soldado no Iraque:
Ou este atirador de helicóptero no Vietnam:
O poder de matar em combate - uma liberação sancionada de nosso instinto homicida - é como se fosse algum antigo e psicótico gênio que, normalmente mantemos preso na sua garrafa de civilização, então é libertado. Nós podemos sentir isso pela voz deste soldado no Vietnam:
É tão fácil e emocionante deixar o gênio sair. Apenas uma pressão do dedo no gatilho. O sargento-ajudante David Bellavia exulta com uma das mortes em Al Fallujah, Iraque:
Bellavia está reencenando uma das mais velhas formas de combate na qual a matança real é feita não cara-a-cara, em confronto heróico, mas furtivamente, em emboscada, por detrás. Semelhante ao homicídio, que minimiza o risco para o matador, ela está despida de qualquer pretensão de nobreza. É um ato de execução, puro e simples.
Embora a matança íntima seja relativamente rara na guerra moderna, Bellavia também viu-se engajado num tipo de combate no outro extremo da emboscada: o clássico duelo mano-a-mano, que está no coração da tradição heróica. Mas, na sujeira e caos de Al Fallujah, o confronto é despido até o horrendo rasgar e esmurrar de uma briga letal. Quando a máscara heróica escorrega, ela revela o focinho rosnando, manchado de sangue, suor e secreção do verdadeiro combate. E sempre foi assim:
A mutilação e profanação do inimigo morto - algo normalmente associado com culturais tribais antigas - é outra necessidade atavistica da qual a guerra moderna não está isenta.
Quando um GI no Vietnam é ensinado a profanar os corpos inimigos, lembramos que, na caçada de animais, os jovens brincavam de matar em presas já mortas, de forma a ficarem acostumados e confortáveis com a matança. Há um propósito no macabro:
Mas não é apenaas o eco de antigas maldições e gritos mortíferos que o guerreiro moderno escuta. Ocasionalmente, fora do lamaçal primordial do combate, alguém encontra um diamante, talvez uma pobre justificativa para sangrenta bagunça, lamentável em sua totalidade, mas algo de precioso, assim mesmo.
No 12º Hospital de Evacuação da 25ª Divisão no Vietnam:
Ou isto, ao norte de Dak To no Planalto Central do Vietnam, 8 de junho de 1966:
E numa carta deixada no Memorial dos Ex-Combatentes do Vietnam, em Washington, DC:
___________________________________________________
Extraído de STEPHENSON, Michael - The Last Full Measure - How Soldiers Die in Battle, 2012, Crown Publishers, New York.
Se escutarmos de perto as vozes dos modernos campos de batalha, ouviremos, bem distintamente, os ecos dos antigos. Debaixo do Kevlar ainda podemos sentir o odor dos guerreiros de antigamente que nenhum moderno meio sanitário pode retirar, com freqüência para nosso embaraço, algumas vezes para nossa vergonha.
Os guerreiros modernos falam velhas línguas e respondem a deuses antigos. O júbilo de rolar pela lama primordial pode ser maravilhosamente libertador. A presença da morte torna-se um narcótico revigorante. O cabo-arvorado Thomas P. Noonan escreveu para sua irmã em 17 de outubro de 1968, do Vietnam:
Por favor, desconsidere qualquer pequena nota de frivolidade que possa aparecer nesta carta. Eu tentei evitar mas, quando alguém está passando por uma experiência tão boa, fica difícil não estar animado. Eu joguei fora todas as amarras da tola sociedade. Eu descartei minha gilete, divorciei-me de meu sabão, enterrei minhas boas maneiras, assinei um contrato de dois anos com meu par de meias e provei que você não precisa entrar para fugir da chuva. Eu escalei montanhas, nadei em rios, subi pelos céus em tapetes mágicos chamados helicópteros. Minha revelação foi apresentada pela Morte e eu estou com chiclete grudado no meu bigode."
Noonan foi morto quatro meses depois.
O caos, paradoxalmente, pode oferecer clareza não encontrada na vida "ordinária":
Basicamente, eu gostei do Vietnam. Foi a parte mais vívida da minha vida. Eu gostei da anarquia de lá. Sabe, sua própria lei. Ninguém jamais incomoda você. Sabe lá o que é caminhar por uma estrada com doze sujeitos armados até os dentes, e qualquer um que atire em você está encrencado? Você vive cada minuto; você está com camaradas que realmente tomam conta de você... Eu senti um bocado de falta disso, quando voltei para os "States". Você realmente aprecia aquilo, agora que está sendo fodido o tempo tendo de lidar com a sociedade."
Quase pode-se ouvir o grito louco dos antigos deuses da guerra na voz de um soldado no Iraque:
Em certo momento, um observador insurgente aparece... Eu o vejo apontar a gente para seus companheiros.
Foda-se.
Eu me levanto da cadeira, aponto para trás, e rosno, "Eu sou Morte, o destruidor de mundos"... seus merdas!
Ou este atirador de helicóptero no Vietnam:
Virou um tiro ao peru. Eles estavam indefesos... Eu estava lá, com os melhores deles. Estourando gente em barcos, em arrozais, em árvores, por Cristo. Luxúria de sangue. Eu nem consigo imaginar uma forma melhor de descrever isso. Arrebatado pelo momento. Eu relembro de ter esse pensamento insano, de que eu era Deus e a vingança era minha, agora, na forma da minha metralhadora e das Miniguns que eu controlava e dos foguetes que disparávamos... Nesse ponto, você começa a entender como é que acontece o genocídio.
O poder de matar em combate - uma liberação sancionada de nosso instinto homicida - é como se fosse algum antigo e psicótico gênio que, normalmente mantemos preso na sua garrafa de civilização, então é libertado. Nós podemos sentir isso pela voz deste soldado no Vietnam:
Eu pegava latas de ração-C e as armadilhava com dispositivos de descompressão. Muito pequenos. Você bota o explosivo dentro da lata, vira ela de cabeça para baixo, para que não pareça estar aberta. Então você a coloca encima de um dispositivo de acionamento por descompressão. Quando alguém a recolhe - buumm - tudo acaba. Amávamos fazer isto.
Eu tenho de admitir que adorava matar. Isso era uma grande emoção enquanto estive lá... Há um certo prazer que você tem em matar, uma excitação que é difícil de explicar. Depois de uma luta, os caras ficavam realmente ligados. "Uau, mano, aquele cara se arrebentou. Puta merda."
É tão fácil e emocionante deixar o gênio sair. Apenas uma pressão do dedo no gatilho. O sargento-ajudante David Bellavia exulta com uma das mortes em Al Fallujah, Iraque:
Ele não me percebe (...) Está de costas para mim. Ele casualmente continua a fumar, com seu AK na bandoleira no ombro direito. De início, acho que estou alucinando. Será que essa besta pensa que algum sindicato estabelece que haverá pausas para o cigarro no meio da batalha?
Minha arma toma posição automaticamente. Eu nem mesmo raciocino. No segundo que leva para colocar a carabina em fogo de rajada controlada, minha surpresa abre espaço para uma fúria fria. O cano faz contato com a nuca dele.
Foda-se o "zero". Não posso errar agora.
Meu dedo preme o gatilho duas vezes. Seis cartuchos atravessam o seu crânio. Seus joelhos desabam como ele tivesse acabado de quebrar ambas as pernas. Enquanto ele grunhe, resfolegando como um porco, eu abaixo o cano e disparo outra rajada de três tiros no seu peito, só por garantia.
Sua cabeça move-se para frente e para trás. Ele resfolega de novo ... . Sua cara parece com uma sangrenta máscara de Halloween e eu piso nela com meu coturno até que ele finalmente morre.
Bellavia está reencenando uma das mais velhas formas de combate na qual a matança real é feita não cara-a-cara, em confronto heróico, mas furtivamente, em emboscada, por detrás. Semelhante ao homicídio, que minimiza o risco para o matador, ela está despida de qualquer pretensão de nobreza. É um ato de execução, puro e simples.
Embora a matança íntima seja relativamente rara na guerra moderna, Bellavia também viu-se engajado num tipo de combate no outro extremo da emboscada: o clássico duelo mano-a-mano, que está no coração da tradição heróica. Mas, na sujeira e caos de Al Fallujah, o confronto é despido até o horrendo rasgar e esmurrar de uma briga letal. Quando a máscara heróica escorrega, ela revela o focinho rosnando, manchado de sangue, suor e secreção do verdadeiro combate. E sempre foi assim:
O bicho-papão ferido ainda se mexia. Ele estava deitado de costas, mas ainda segurava seu AK numa das mãos.
Eu dei um passo à frente e meti o cano do meu fuzil em sua cabeça. Ele grunhiu e, de repente, girou seu AK para cima. O cano bateu no meu queixo e eu senti um dente quebrar. Cambaleei do golpe, mas antes que pudesse fazer algo ele me acertou de revés com o AK. Desta vez, a empunhadura de madeira resvalou no meu nariz. Senti o gosto de sangue.
Eu recuei e segurei meu M16 como um bastão de beisebol. Então, avançei contra ele e golpeei com tudo que tinha. O poste de mira frontal o pegou no lado da cabeça. Levantei-o para acertá-lo de novo... sua perna voou do chão e acertou no meio das minhas pernas.
Cambaleei para trás, com a dor irradiando da minha virilha...
Pulei em cima do meu inimigo. Antes que elel pudesse reagir, caí em cima do seu peito. O ar saiu de sua boca...
Bati nele com minha placa de armadura. Eu a bati contra seu rosto, de novo e de novo até que o sangue escorresse pelo lado da minha túnica. Ele chuta, se contorce e grita... Ele chuta e uiva, mas ainda se recusa a submeter-se...
"Cala a merda da sua boca!" Eu acerto sua cara de novo. O sangue escorre pela minha mão esquerda e deixo seu cabelo escapulir. Sua cabeça bate no chão. Num instante, os punhos dele estão me martelando. Eu me esquivo de seus contragolpes. Ele acerta no meu queixo ileso e a dor quase me cega. Ele encaixa outro no meu nariz e o sangue e secreção descem pela garganta. Eu cuspo sangue por entre os dentes e grito com ele. Nós dois parecemos cachorros na gaiola, travados numa disputa de morte...
Ele abre a boca debaixo da minha mão. Por um segundo, penso que está acabado. Ele vai se render. Então, uma dor dilacerante atravessa meu braço. Ele meteu os dentes no lado do meu poleger próximo ao punho, e agora está rasgando, tentando arrancar a carne dos ossos...
Meu cinto. Eu tenho uma faca no meu cinto.
... Eu alcanço meu cinto justamente quando ele vem pra cima de mim. Seu rosto mergulha entre minhas pernas. Eu sinto seus dentes travarem em mim....
Finalmente, eu fico maluco.
Meu braço sobe acima da cabeça, então mergulha com cada partícula de poder que eu tenho...
Caio com tudo em cima dele. Meu corpo se esparrama por cima do seu e eu enfio a faca bem debaixo de sua clavícula. Minha primeira estocada acerta carne sólida. A lâmina pára e minha mão escorrega do cabo, descendo pela lâmina, cortando meu dedo mindinho. Eu agarro a empunhadura de novo e empurro com força. A lâmina afunda e ele se contorce com terror e dor...
A faca finalmente corta uma artéria. Nós dois ouvimos o som suave de líquido esguichando...
Estou banhado em calor do pescoço ao peito... Seus olhos perdem o brilho. O ódio evapora. Sua mão direita agarra um tufo do meu cabelo... Ele está fraco...
Seus olhos não mostram nada além de medo agora. Ele sabe que está morrendo. Seu rosto está a centímetros do meu, e eu o vejo observar-me por uma fração de segundo. No fim, ele disse, "Por favor."
"Renda-se!" Eu grito. Estou quase em lágrimas.
"Não..." ele responde fracamente.
Seu rosto afrouxa. Sua mão direita escorrega do meu cabelo. Ela pende no ar por um instante, então com um último espasmo de força, ele a coloca na minha bochecha. Ela repousa, então olho em seus olhos moribundos, ele toca o lado do meu rosto.
A mutilação e profanação do inimigo morto - algo normalmente associado com culturais tribais antigas - é outra necessidade atavistica da qual a guerra moderna não está isenta.
Os soldados do Batalhão Hardcore [IV Batalhão do 39º Regimento, 9ª Divisão de Infantaria] utilizavam, com orgulho, seus distintivos Recondo com a flecha em metal preto, mas eu descobri recentemente que o VC algumas vezes tinha o infortúnio de usar o distintivo Recondo também... "Costumávamos usar os distintivos Recondo para que Charley soubesse que fomos nós que os pegamos," disse um sargento de pelotão do Hardcore. "Nós os pregávamos nos peitos nus do VC e, às vezes, em suas testas."
Quando um GI no Vietnam é ensinado a profanar os corpos inimigos, lembramos que, na caçada de animais, os jovens brincavam de matar em presas já mortas, de forma a ficarem acostumados e confortáveis com a matança. Há um propósito no macabro:
Em nossa primeira patrulha fomos até onde alguns fuzileiros navais tinham emboscado um punhado de vietcongues. Eles me fizeram movimentar os corpos. Vietcongues e norte-vietnamitas. Empurra este corpo aqui... vira aquele lá. Veja as tripas e as cabeças estouradas. Eu estava vomitando no lugar todo.
"Continua fazendo. Arrasta esse corpo aqui... Você tem de se acostumar com a morte antes de entrar num tiroteio, e fazer com que todos nós sejamos mortos.'...
A seguir, eu tive de chutar o lado da cabeça de um cadáver, até que parte do cérebro começasse a sair do outro lado... "Chuta aí," eles diziam. "Você está começando a sentir como é matar. Este homem já está morto, mas na sua mente você o está matando de novo. Cara, isso não é nada. Olha aqui." E eles jogaram alguns corpos pelo despenhadeiro e merdas assim.
Mas não é apenaas o eco de antigas maldições e gritos mortíferos que o guerreiro moderno escuta. Ocasionalmente, fora do lamaçal primordial do combate, alguém encontra um diamante, talvez uma pobre justificativa para sangrenta bagunça, lamentável em sua totalidade, mas algo de precioso, assim mesmo.
No 12º Hospital de Evacuação da 25ª Divisão no Vietnam:
Nós vimos homens chegarem que exibiam sentimentos de amor, gentileza, afeição, proximidade, um comportamento que jamais havíamos visto entre dois homens antes. Não de uma forma homossexual, mas de uma forma fraternal - mais próximo do que entre irmãos de verdade. Homens chegavam arrebentados pedindo que cuidássemos de seus amigos primeiro. Sujeitos preocupados uns com os outros. "Olhe o Smitty ali, como Smitty está indo?" Smitty poderia estar bem comparado com o sujeito que perguntava, que podia estar morrendo.... Ver dois homens amarem um ao outro fazia com que me perguntasse por que não podíamos ser assim no mundo civilizado. Por que isso só existe numa zona de guerra?
Ou isto, ao norte de Dak To no Planalto Central do Vietnam, 8 de junho de 1966:
Eu tinha um bocado de buracos e estava um tanto grogue, mas sabia muito bem que não ia morrer. E haviam pessoas no terreno que estavam danadamente pior do que eu. Havia um sargento do Exército chamado Pellum Bryant, que realmente nos salvou naquele dia. Se não fosse ele, a coisa toda teria acabado em quinze minutos. Por qualquer prognósticos, deveríamos ter sido varridos do mapa - o pelotão inteiro deveria ter sido morto. Mas vendo-o se movimentar, eu juro por Cristo, era quase como observar um bailarino, movendo-se para frente e para trás. Todos nós estávamos dispersos naquela trilha, alguns no lado alto, alguns no lado baixo, e eu estava no meio com o posto de comando. Bryant se movia para frente e para trás, esquerda e direita, atirando enquanto procedia. E não atirando às cegas - atirando com propósito.
Era alguém com soberba confiança em si e no que estava fazendo. Da mesma forma que um grande músico precisa compreender a importância do que está tocando, Pellum Bryant devia ter o entendimento no fundo de sua mente que suas ações salvariam um bocado de gente. E todo o tempo ele estava executando este tipo de dança, para frente e para trás, ele não pronunciou uma única palavra.
Tudo isso está totalmente separado se você gosta ou não gosta da Guerra do Vietnam. Isso não é algo que digo levianamente, mas foi inspirador vê-lo no meio desta guerra danadamente estúpida. Não querendo ser muito pomposo, mas chegou perto de ser espiritual... Umas poucas semanas depois, ele foi explodido por uma mina.
E numa carta deixada no Memorial dos Ex-Combatentes do Vietnam, em Washington, DC:
18 de novembro de 1989
Caro Senhor,
Por vinte anos, eu carreguei sua foto em minha carteira. Eu tinha somente dezoito anos naquele dia quando encaramos um ao outro naquela trilha em Chu Lai, Vietnam. Por quê você não tirou minha vida, nunca saberei. Você olhou-me por tanto tempo com seu AK-47 e ainda assim não atirou. Perdoe-me por tirar sua vida, eu estava reagindo do modo como fui treinado, para matar V.C. ou gooks, que diabos, vocês nem mesmo eram considerados humanos, somente alvo/gook, uma coisa só.
Desde aquele dia, em 1967, eu cresci um bocado e tenho um grande respeito pela vida e as outras pessoas do mundo.
Tantas vezes através dos anos eu tenho contemplado a sua foto e de sua filha, suponho. Toda vez meu coração e minhas tripas queimam com a dor da culpa. Eu mesmo tenho duas filhas agora. Uma tem vinte anos, a outra vinte e dois, e elas abençoaram-me com duas netas, com um ano e quatro anos.
Hoje, eu visito o Memorial dos Ex-combatentes em D.C. Eu tenho desejado vir aqui a muitos anos para dizer adeus a muitos dos meus antigos camaradas.
De alguma forma, eu espero e acredito que eles saberão que estou aqui, eu amava de verdade muitos deles, como estou certo que você amava muitos dos seus antigos camaradas.
Hoje, não somos mais inimigos. Eu vejo você como um valente soldado defendendo sua pátria. Acima de tudo mais, eu posso respeitar a importância que esta vida tinha para você. Acho que é por isso que estou aqui hoje.
Quando me retirar, deixarei sua foto e esta carta. É tempo de continuar o processo da vida e libertar-me da dor e da culpa. Perdoe-me Senhor, eu tentarei viver a minha vida em toda sua plenitude, uma oportunidade que foi negada a você e a muitos outros.
Encerro agora, Senhor, portanto até que tenhamos a chance de encontrar-nos novamente, em outro tempo e lugar, descanse em paz.
Respeitosamente,
Richard A. Luttrell, 101ª Divisão Aeroterrestre.
___________________________________________________
Extraído de STEPHENSON, Michael - The Last Full Measure - How Soldiers Die in Battle, 2012, Crown Publishers, New York.
- arcanjo
- Sênior
- Mensagens: 1923
- Registrado em: Seg Dez 12, 2011 4:35 pm
- Localização: Santo André, SP
- Agradeceu: 381 vezes
- Agradeceram: 830 vezes
- Contato:
Re: Doutrinas táticas, operacionais e estratégicas.
DOUTRINA MILITAR TERRESTRE EM REVISTA
Doutrina Militar terrestre em revista é uma publicação do Estado-Maior do Exército, editada trimestralmente nas versões digital e impressa, com tiragem limitada. O portal do Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex), http://www.cdoutex.com.br, é a principal forma de acesso à revista.
A publicação foi concebida para oferecer um fórum de debates que favoreça o livre fluxo de ideias sobre temas de interesse para a profissão militar, sobretudo no que diz respeito à evolução da doutrina militar terrestre. A publicação prioriza os debates em torno de conceitos e experiências inovadoras na condução de operações militares, de modo a apoiar a evolução da doutrina do Exército e, consequentemente, de seus sistemas de educação, instrução e adestramento.
O C Dout Ex está convencido de que a divulgação de artigos com pontos de vista antagônicos sobre um mesmo tema contribui grandemente para o enriquecimento do debate de ideias, cujos efeitos positivos acabarão por se refletir na produção doutrinária da Força Terrestre.
Assim, a Revista pretende adotar, na medida do possível, a técnica do “ponto e contraponto”. O C Dout Ex não só deseja incentivar a produção de trabalhos inovadores, mas também espera receber textos de autores que contestem ou apresentem sua discordância sobre esses mesmos temas.
Para submeter artigos à apreciação da equipe editorial ou obter mais informações, entre em contato conosco (vide expediente no verso da capa) ou acesse nosso portal, onde você encontrará as diretrizes para a elaboração e envio de artigos.
EDIÇÕES
1ª Edição
– clique em http://www.cdoutex.eb.mil.br/images/rev ... ilitar.pdf para baixar a versão pdf ou
– acesse a versão eletrônica para desktop ou tablet em http://v.calameo.com/?bkcode=0012382066d47c7ce7f20
2ª Edição
– clique em http://www.cdoutex.eb.mil.br/images/rev ... estre2.pdf para baixar a versão pdf ou
– acesse a versão eletrônica para desktop ou tablet em http://pt.calameo.com/read/0012382062f6ee152be3b
http://www.cdoutex.eb.mil.br/index.php/ ... 40-revista
arcanjo
Doutrina Militar terrestre em revista é uma publicação do Estado-Maior do Exército, editada trimestralmente nas versões digital e impressa, com tiragem limitada. O portal do Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex), http://www.cdoutex.com.br, é a principal forma de acesso à revista.
A publicação foi concebida para oferecer um fórum de debates que favoreça o livre fluxo de ideias sobre temas de interesse para a profissão militar, sobretudo no que diz respeito à evolução da doutrina militar terrestre. A publicação prioriza os debates em torno de conceitos e experiências inovadoras na condução de operações militares, de modo a apoiar a evolução da doutrina do Exército e, consequentemente, de seus sistemas de educação, instrução e adestramento.
O C Dout Ex está convencido de que a divulgação de artigos com pontos de vista antagônicos sobre um mesmo tema contribui grandemente para o enriquecimento do debate de ideias, cujos efeitos positivos acabarão por se refletir na produção doutrinária da Força Terrestre.
Assim, a Revista pretende adotar, na medida do possível, a técnica do “ponto e contraponto”. O C Dout Ex não só deseja incentivar a produção de trabalhos inovadores, mas também espera receber textos de autores que contestem ou apresentem sua discordância sobre esses mesmos temas.
Para submeter artigos à apreciação da equipe editorial ou obter mais informações, entre em contato conosco (vide expediente no verso da capa) ou acesse nosso portal, onde você encontrará as diretrizes para a elaboração e envio de artigos.
EDIÇÕES
1ª Edição
– clique em http://www.cdoutex.eb.mil.br/images/rev ... ilitar.pdf para baixar a versão pdf ou
– acesse a versão eletrônica para desktop ou tablet em http://v.calameo.com/?bkcode=0012382066d47c7ce7f20
2ª Edição
– clique em http://www.cdoutex.eb.mil.br/images/rev ... estre2.pdf para baixar a versão pdf ou
– acesse a versão eletrônica para desktop ou tablet em http://pt.calameo.com/read/0012382062f6ee152be3b
http://www.cdoutex.eb.mil.br/index.php/ ... 40-revista
arcanjo