Por João Dell’Aglio - Observatório da Imprensa - 26/06/2012.
"Hoje, pedi demissão do site Bocão News, onde trabalhei nos últimos três meses. Escrevi, com base em dados oficiais, uma matéria que mostrava o crescimento exponencial dos gastos com publicidade do governo Wagner. Para minha surpresa, cerca de uma hora após a matéria ter sido postada, ordens da chefia chegaram até a redação para que a reportagem fosse retirada do ar. De maneira truculenta e desrespeitosa, fui comunicado da decisão por terceiros através de mensagens de texto via celular. Também me foi dito que, por interesses econômicos e por pressão do ‘democrático’ governo petista, a ordem era irrevogável. Diante disso, não poderia agir de outra forma. Não se trata de querer bancar o herói, mas a demissão era a única saída honrosa. A coerência, a dignidade e a liberdade são valores inegociáveis para mim..."
Este texto foi escrito por um jovem repórter baiano, Guilherme Vasconcelos, de 22 anos, e postado semana passada em um blog de origem regional (blogdobrown), de onde caiu nas redes sociais, principalmente nas contas pessoais de jornalistas da Bahia. O desabafo de Vasconcelos expõe de maneira clara o quanto políticos inescrupulosos ditam as regras a serem seguidas pela mídia baiana. Trata-se de um problema enfrentado dia após dia por grande parte dos nossos jornalistas. Na realidade, trata-se de um câncer que maltrata a ética e acaba por assassinar a tão sonhada liberdade de imprensa nas terras de Gabriela, dos coronéis e seus capangas.
O motivo pelo qual o jornalista pediu demissão do site baiano é gravíssimo e certamente atinge outras searas midiáticas, portanto merece profunda reflexão. Necessita ser discutido nacionalmente e com mais intensidade tanto pelos profissionais que trabalham na área quanto por instituições que lutam pelo direito de livre expressão em nosso país.
Livre veiculação de notícias.
Se o caso do quase anônimo Vasconcelos – que nos mostrou como deve agir um verdadeiro profissional – tivesse acontecido em algum grande veículo do eixo Rio-São Paulo, provavelmente, e merecidamente, teria ocupado as manchetes dos jornais, telejornais e sites com visibilidade nacional, até porque tudo o que aconteceu e acontece em nível regional, guardadas as devidas proporções, certamente já aconteceu e ainda acontece nacionalmente, da mesma forma e com os mesmos objetivos.
Atitudes arbitrárias como esta, praticadas seja onde for, devem ser investigadas e denunciadas não só pela grande imprensa comprometida com a defesa do Estado Democrático de Direito, mas também pelo Ministério Público, que tem o dever de atuar na defesa dos interesses sociais. O cidadão brasileiro tem o direito de saber o que se passa nos bastidores escusos que envolvem o mundo político e o midiático.
Ao mesmo tempo, os donos dos veículos de comunicação devem se profissionalizar e respeitar as normas éticas que norteiam a atividade jornalística. Eles precisam entender que a publicidade pode e deve patrocinar a imprensa, mas que esta mesma publicidade não tem o direito de cercear a livre veiculação de notícias, principalmente quando se trata de um assunto de relevante interesse social.
Hipocrisia e desrespeito.
De acordo com a Declaração de Chapultepec, documento elaborado em 1994, no México, pela Sociedad Interamericana de Prensa e assinado por 44 chefes de Estado (inclusive pelo ex-presidente Lula, amigo e correligionário do governador da Bahia) e por dezenas de entidades internacionais, "nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser penalizado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público".
Acredito que o ato praticado pelo governo da Bahia pode ser definido como abuso do poder econômico, com objetivo explícito de cercear a livre expressão da atividade de comunicação – atividade esta protegida pela Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso IX. É preciso, portanto, que providências urgentes sejam tomadas com o firme propósito de coibir, de uma vez por todas, esta prática ainda tão comum em um país carente de informações com conteúdo verdadeiro e de qualidade.
Ainda falando de coerência, dignidade e liberdade, e aproveitando a oportunidade, a postura assumida pelo jovem jornalista baiano contrapôs-se ao caso de alguns outros homens que se dizem brasileiros e que insistem em querer se valer do bom caráter e ingenuidade do povo para alcançar benesses, sejam elas quais forem, nas entranhas do poder público. Refiro-me, obviamente, ao encontro do ex-presidente Lula com o deputado federal Paulo Maluf na segunda-feira (18/6). Simplesmente os dois políticos, que até então se diziam inimigos irreconciliáveis, nos brindaram com a mais pura e cruel demonstração de hipocrisia, de falta de coerência política e de desrespeito para com o cidadão brasileiro.
Perda de confiança.
Em um congraçamento nos belos jardins da casa do deputado mais procurado pela Interpol, acusado pelos crimes de conspiração, roubo de dinheiro público em São Paulo e auxílio na remessa de dinheiro ilegal para Nova York, entre outros, os dois senhores oficializaram uma esdrúxula adesão do Partido Progressista (PP) à chapa do pré-candidato Fernando Haddad (PT) a prefeito de São Paulo, simbolizado por largos sorrisos, abraços e apertos de mãos. Leitores e telespectadores ingênuos que defendiam um ou outro político, deste ou daquele partido, movidos, certamente, por ideologias infelizmente ultrapassadas, sentiram o chão tremer e desmoronar os seus castelos que abrigavam verdadeiros sapos trasvestidos de príncipes encantados.
A sensação que ficou na mente dos correligionários e eleitores do ex-presidente, com sua história política já conturbada pelas suas declarações estapafúrdias proferidas em diversas ocasiões, foi a de que – parafraseando um dito policialesco – a casa caiu. Do lado malufista, ao contrário, correligionários e eleitores festejaram mais uma artimanha bem sucedida do picareta-mor da política brasileira. Lula perdeu a confiança dos eleitores de todo um país em troca de 1m35s de tempo de TV na eleição municipal, enquanto Maluf, afastado por muitos anos do poder federal, ganhou, apesar de ter negado o fato, um cargo no Ministério das Cidades, onde pretende empossar o engenheiro Osvaldo Garcia, um dos seus pupilos.
Mais respeito.
A lição que nos fica é a de que, tanto no mundo da mídia quanto no da política nada se perde, tudo se transforma. Se ACM foi o grande coronel da Bahia, Jaques Wagner parece ter ocupado o seu posto e Lula está se tornando o poderoso coronel do Brasil, considerando a prepotência com que o ex-presidente (des) tratou a atividade política brasileira ao dizer que não admite que a oposição chegue ao poder em 2014, como se o país fosse apenas um pequeno e desinformado feudo comandado inteiramente por ele.
Não milito na política e não compactuo com qualquer partido político. Sou apenas um jornalista, observador dos caminhos e descaminhos por onde o país trafega, portanto sinto-me à vontade para propor, tanto a Lula quanto a Maluf e a outros tantos que fazem da política brasileira um ninho de cobras, que se espelhem no jovem Guilherme Vasconcelos (isto se ainda houver um pouquinho de bom-senso em suas mentes maquiavélicas). Peçam demissão de suas atribuições políticas, e deixem o povo viver com o respeito que merece. Caso isto não aconteça, certamente, nas próximas eleições presidenciais, os cidadãos votarão em massa no deputado Tiririca para presidente do Brasil, mesmo se porventura não seja ele candidato ao cargo, e por um motivo muito simples: assim como o personagem interpretado pelo senhor Francisco Everardo Oliveira Silva, todos nós estamos nos sentindo verdadeiros palhaços do Gran Circo Brasil.
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João Dell’Aglio é jornalista, Salvador, BA