ENTREVISTA - Robert Kagan
“O mundo seria pior sem o domínio dos EUA”
O assessor de política externa de Mitt Romney e expoente do pensamento conservador americano
diz que o declínio da superpotência é um mito
CARLOS ALBERTO JR., DE WASHINGTON
Não só os republicanos são influenciados pelas ideias de Robert Kagan, de 53 anos.
O historiador americano é um dos gurus do neoconservadorismo e assessora a campanha presidencial
de Mitt Romney. Seu último livro, The world America made (O mundo que os Estados Unidos fizeram,
sem previsão de lançamento no Brasil), também foi lido e comentado pelo presidente Barack Obama, o
rival democrata nas eleições de novembro. Na obra, Kagan refuta a ideia de que os EUA vivem um
declínio gradual, um tema que Romney tenta explorar ao associar essa visão pessimista à política
externa de Obama – e o presidente tentou usar o livro exatamente para rebater os republicanos. Kagan
disse a ÉPOCA que o Brasil merece uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas e não
vê a China em condições de suplantar a supremacia americana.
ÉPOCA – Como é este mundo que os Estados Unidos “fizeram”?
Robert Kagan – Um mundo bagunçado... (Risos.) Digo no livro que o mundo certamente não é
perfeito e os Estados Unidos não o fizeram sozinhos, obviamente. Mas, se você pensar sobre a ordem
mundial que existe desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esse é basicamente um período de
predominância americana. Comparada a outros períodos do passado, essa ordem tem algumas
qualidades especiais. O primeiro ponto que destacaria é que tem sido mais próspera para o mundo
inteiro que qualquer outra na história humana. O Produto Interno Bruto (PIB) global tem crescido cerca
de 4% ao ano, principalmente fora dos Estados Unidos e da Europa. Ao longo da maior parte da história
do planeta, o crescimento do PIB mundial foi nulo ou em torno de 1%. O resultado é que 4 bilhões de
pessoas ao redor do mundo saíram da pobreza. O segundo ponto é que houve enorme crescimento no
número de democracias no mundo. Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra, havia provavelmente dez
democracias. Agora, há cerca de 120. Quero deixar claro que isso não aconteceu porque os EUA estão
sempre espalhando democracia por aí. Sabemos, particularmente na América Latina e em outras
regiões, que os EUA apoiaram ditaduras e ainda apoiam. Mas, na maioria das vezes, nosso poderio
produziu mais democracias. O terceiro ponto é que não houve guerras entre grandes potências. Não
tenho certeza se isso vai durar para sempre, mas temos um longo período de paz entre as potências. E,
mais uma vez, apenas para deixar claro: isso não significa que não haja guerras nem que os EUA não
tenham iniciado uma série de guerras por conta própria. Mas não houve aquele tipo de guerra
cataclísmica.
ÉPOCA – O declínio americano é um mito ou é apenas imperceptível pela ausência de
outras potências interessadas em assumir o lugar dos EUA?
Kagan – A cada dez ou 15 anos, os americanos e talvez outros ao redor do mundo passam por
essas fases de acreditar que os EUA, finalmente, estão em declínio. Os EUA atravessam uma recessão
que obviamente fortalece tal visão. Mas, se você olhar as medidas básicas de poder militar ou
econômico, os EUA estão numa posição muito especial, e seu competidor mais provável, que todo
mundo aponta como sendo a China, tem muitas dificuldades para suplantar ou mesmo se equiparar.
ÉPOCA – Por que os americanos então têm tanto receio da China? Que tipo de mundo
teríamos se a China fosse a superpotência?
Kagan – Os americanos se preocupam com o surgimento de qualquer outra potência. Lembre-se
de como os EUA ficaram preocupados na década de 1980 e início dos anos 1990, quando havia vários
filmes sobre os japoneses assumindo o controle do país. Eles chegaram a comprar o Rockefeller Center
(famoso complexo de prédios comerciais em Nova York). Antes deles, a preocupação era a União
Soviética. Os americanos têm uma tendência a se preocupar com qualquer um que pareça ser o próximo
competidor. É preciso entender que um mundo dominado pela China não seria este mundo. Poderia ter
outras qualidades, mas não teria essas que conhecemos. Em primeiro lugar, a China não é um governo
liberal e não acredita em economia liberal. Tem um sistema capitalista, mas de capitalismo estatal. É
pesadamente dirigida pelo Estado. O objetivo da ordem econômica chinesa é manter o governo, ou pelo
menos o partido, no poder. A maneira como a China se move no cenário internacional é um pouco
diferente do simples capitalismo de livre mercado porque o país possui basicamente empresas estatais.
A pergunta a fazer é se a China continuaria a apoiar o livre-comércio global do qual todos nos
beneficiamos se fosse a potência número um. A ironia é que a China também se beneficia desse
sistema. Outro ponto que destaco no livro é que esse livre mercado é raro na história mundial. Aconteceu
apenas duas vezes: durante o domínio britânico no século XIX e depois da Segunda Guerra, com a
supremacia dos EUA.
ÉPOCA – Então o mundo seria pior com uma China dominante?
Kagan – O mundo seria pior com uma China dominante, mas não porque a China seja
necessariamente o demônio. Apenas porque o mundo que desfrutamos atualmente é muito característico
e difícil de reproduzir por causa de certas qualidades que, num mundo multipolar, não poderíamos
repetir.
ÉPOCA – Mesmo o candidato republicano Mitt Romney, do qual o senhor é um dos
principais assessores, diz que os EUA não serão mais vistos como uma nação em declínio se ele
for eleito...
Kagan – Ele tem alertado que o presidente Barack Obama está conduzindo a América para o
declínio.
ÉPOCA – Romney não consegue convencer nem seu próprio partido de que é o melhor
candidato. Como ele poderá então convencer o resto do mundo de que seu país não está mais
frágil?
Kagan – Aconteceu um aspecto muito peculiar nesse processo das primárias republicanas. Uma
pequena percentagem dos eleitores republicanos que votam nas primárias, que representa uma parcela
muito pequena do total de eleitores republicanos e ainda muito menor do total de eleitores americanos,
decidiu que Romney não era conservador o bastante para eles, que era necessário ir atrás de algum
herói conservador. Mas isso não significa que Romney não conseguirá os votos. Ele obterá enorme
apoio do Partido Republicano. Haverá uma tremenda unidade partidária. Ele também conseguirá muito
apoio entre os eleitores independentes, que têm mudado de lado nas eleições mais recentes. Em 2008,
Obama conquistou o voto dos independentes. Em 2010, nas eleições legislativas, os republicanos
levaram os votos dos independentes. Romney está em boa posição para conseguir o apoio deles
novamente.
ÉPOCA – Quais são seus conselhos a Romney sobre como lidar com o Brasil e os outros
países da América Latina, como Cuba?
Kagan – O mais importante, pelo menos como primeiro objetivo, é aprovar os acordos
comerciais com a região que não avançaram nos últimos anos. O comércio é o elemento mais importante
da relação. O hemisfério ocidental está se tornando quase autossuficiente em energia. Todo mundo
reconhece esse fato. Romney reconhece que o Brasil também desempenha papel crítico no mundo e
tem de ser um parceiro importante dos EUA, assim como Indonésia e Índia. Em relação a Cuba, é fácil
dizer: “Vamos suspender o embargo e seguir em frente”. O problema é que não estou convencido de que
o governo cubano, mesmo hoje, queira fazer o tipo de reformas que considero essenciais para os
cubanos. E, mesmo se você acabar com o embargo, o governo estará no controle. Todo mundo tem
essa imagem de que, se você suspender o embargo, capitalismo e liberdade inundarão Cuba. Mas não é
assim que as coisas funcionam.
ÉPOCA – Que papel o Brasil pode exercer no cenário global?
Kagan – O Brasil pode desempenhar um papel muito importante porque é uma democracia
vibrante e uma economia bem-sucedida. Ao contrário de outras potências emergentes, como a Índia, o
Brasil não tem qualquer rivalidade estratégica em particular para se preocupar. Ao contrário também da
Turquia, o Brasil não está cercado por algumas das vizinhanças mais perigosas do mundo. O momento é
realmente oportuno. Mas, em termos de política externa, o país precisa determinar que identidade
pretende ter. Há duas vertentes. Uma relaciona-se com a questão Norte-Sul, porque todo país latinoamericano
tem um ressentimento compreensível em relação ao poder do Norte. O Brasil quer se
diferenciar dos EUA e talvez isso explique a relação excessivamente amigável com Mahmoud
Ahmadinejad (presidente do Irã) e com outras pessoas como ele. A segunda vertente reflete a existência
de uma economia avançada, moderna e democrática. Gostaria de ver o Brasil se comportando no palco
internacional como uma grande potência democrática, não necessariamente como um anti-imperialista
pós-colonial numa época em que isso já não é relevante. Estava um pouco preocupado com o caminho
para o qual o ex-presidente Lula levava o país. Ele não serviu aos interesses do Brasil muito bem ao lidar
com o Irã.
ÉPOCA – No caso do Irã, não é melhor manter boas relações com seu governo até para
que se possa exercer alguma influência?
Kagan – Se a influência for benéfica, sim, mas, se essa relação for usada para impedir o
isolamento internacional... Todos concordam que o Irã tem de se sentir isolado para fazer concessões.
Se perceber que tem amigos como o Brasil ou a Venezuela, não se moverá.
ÉPOCA – O que o Brasil precisa fazer para ser aceito no Conselho de Segurança das
Nações Unidas?
Kagan – Os EUA não são um obstáculo à ampliação do Conselho de Segurança. Eu seria
favorável à expansão, que deveria incluir Brasil, Índia, Japão e outras nações. No momento em que
tomamos esse caminho, porém, os chineses se opõem. Além disso, os três europeus (Reino Unido,
França e Alemanha) deveriam ocupar um assento único reservado à União Europeia (hoje há duas
cadeiras, ocupadas por Reino Unido e França), mas os próprios europeus se opõem a isso também.