O deserto eleitoral .
TIMOTHY EGAN – THE NEW YORK TIMES – É COMENTARISTA POLÍTICO
Em 50 anos, a população dos EUA triplicou, mas os eleitores que participam da escolha do candidato republicano não representam o perfil geral do país
No curto espaço de um século, a população dos Estados Unidos mais que triplicou. Chegou a 313 milhões. O país é um agrupamento assertivo, estridente, de quase todas as raças e religiões do mundo e de muitos idiomas do planeta sob uma mesma bandeira.
Ninguém diria isso se olhasse apenas para quem está votando em uma das campanhas das primárias para as eleições presidenciais mais estranhas da história. Não há outra maneira de expressar isso sem recorrer à pura e simples demografia: a pequena fração de americanos que está tentando escolher o candidato republicano é velha, branca, uniformemente cristã e não representativa do país em geral.
Nada disso causa surpresa. Mas quando se olha para os números, é um espanto como esse eleitorado das primárias republicanas se assemelha pouco ao restante dos Estados Unidos. Ele lembra mais a população de 1890 que a de 2012.
Dado o grau de atenção da mídia, sabemos que está havendo uma eleição de grande importância no lado republicano. Mas ela está ocorrendo num lugar diferente, guiada por extremistas radiofônicos e fanáticos religiosos, com uma vaga semelhança apenas com os Estados onde está se desenrolando. Desse pequeno mundo surgiu um conjunto de posições retrógradas, doidas e impopulares para a vasta maioria dos americanos.
Mas, antes de analisarmos como essa minoria conseguiu acuar o partido, consideremos o tamanho do eleitorado. Os nove Estados que realizaram assembleias (caucus) ou primárias até agora, abrigam um total aproximado de 28 milhões de eleitores registrados de todas as orientações políticas.
Até agora, 3 milhões de eleitores participaram das disputas republicanas, menos que a população de Connecticut. Isso significa que 89% de todos os eleitores registrados nesses Estados não participaram do que é, no linguajar de uma corrida de cavalos, uma disputa cabeça a cabeça.
Sim, é sabido que os republicanos não gostam de suas opções. Mas, em alguns Estados, essa eleição poderia estar ocorrendo numa cidade fantasma. Dos eleitores registrados, menos de 1% compareceu à votação do Maine. Em Nevada, onde o comparecimento republicano foi 25% inferior ao de 2008, somente 3% dos eleitores registrados participaram. Isso não é um regime majoritário sob nenhum parâmetro; mal se qualifica como uma democracia participativa.
Os resultados dos dois Estados populosos que realizaram primárias grandes, com cobertura extensa da mídia e mais propensas a atrair o eleitor médio, também são reveladores. Na Flórida, o Estado maior e mais diversificado entre os nove, o comparecimento foi 14% inferior ao de 2008. E 84% dos eleitores registrados do Estado não participaram na disputa republicana. A Carolina do Sul teve a maior discrepância deste ano. Foi o único Estado a mostrar um forte aumento no comparecimento, 35% maior que o de 2008. Mas, quando se olha quem votou, percebe-se um nicho muito específico.
Nesse Estado, 98% dos votantes na primária eram brancos, 72% tinham 45 anos ou mais e quase dois terços eram cristãos evangélicos, segundo pesquisas de boca de urna. Por esse quadro, daria para pensar que a Carolina do Sul é um Estado de população inteiramente branca, envelhecida, repleto de religiosos praticantes. Mas o Censo diz que o Estado é 66% branco, com uma idade média de 36 anos. As pesquisas de boca de urna de 2008 situaram o voto evangélico em 40% do total.
A Flórida ficou ao menos mais próxima – somente no voto latino – da eleição geral de 2008. Em ambos os casos, ele representou cerca de 14% do total. Mas os eleitores de 45 anos ou mais representaram 78% da primária, ante 59% na disputa geral de quatro anos atrás.
Com a exceção da Flórida, essa disputa foi um assunto quase inteiramente branco. A população de Nevada é 26% latina; na primária, somente 5% eram latinos. Na convenção em Iowa, 99% dos votantes eram brancos.
De novo, esses números representam uma pequena câmara de eco. Os brancos são 63,7% da população total dos Estados Unidos. Em 1900, eles eram 88% – ainda mais diversificados que os eleitores de hoje nas primárias republicanas.
Comparecimento. O ponto importante dessa primária republicana com baixo comparecimento e baixa representatividade não é focar totalmente em quem está votando, mas em por que os candidatos estão tomando posições tão extremas. Uma coisa explica a outra.
Uma pesquisa do New York Times esta semana revelou que os eleitores em geral, 66%, apoiam a exigência federal de que os planos de saúde privados cubram o custo integral do controle de natalidade para pacientes mulheres. Entre as mulheres, o apoio é de 72%. E entre os católicos, é de 67%. Sim, os católicos são um pouquinho mais liberais que a população em geral.
Outras sondagens mostram que uma enorme maioria de americanos quer aumentar os impostos para os ricos, defende a retirada planejada do Afeganistão e acredita que a Terra está se aquecendo por causa da ação humana. No entanto, o republicano Rick Santorum está com a minoria em cada uma dessas questões. Mitt Romney fica perto.
Uma vez que os dois candidatos estão fora de sincronia com o restante do país, como eles podem ser os concorrentes mais bem colocados? É simples: vejam quem está votando, uma nação em si mesma. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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