#3334
Mensagem
por Clermont » Sáb Dez 17, 2011 2:14 pm
COM AMIGOS COMO GINGRICH, ISRAEL PRECISA DE INIMIGOS?
Por Ury Avnery - 17 de dezembro de 2011.
Meu Deus, que conjunto bizarro este dos aspirantes à presidência dos Estados Unidos!
Que lamentável bando de ignorantes e malucos completos. Ou, no melhor dos casos, que bando de trapaceiros e cínicos! (Com a possível exceção do bom doutor Ron Paul).
Isso é o melhor que uma grande e orgulhosa nação pode produzir? Como é assustador o pensamento de que um deles pode realmente tornar-se a pessoa mais poderosa no mundo, com um dedo no botão nuclear mais poderoso de todos!
Mas, vamos concentrar-nos no atual primeiro lugar. (Os republicanos parecem mudar o primeiro lugar com fastidiosa rapidez.)
Este é Newt Gingrich. Lembram dele? O porta-voz da Casa que teve um caso extramarital com uma estagiária, embora ao mesmo tempo liderasse a campanha pelo impeachment do presidente Bill Clinton por manter um caso com uma estagiária.
Mas este não é ponto. O ponto é que este gigante intelectual - batizado em homenagem a Isaac Newton, talvez o maior cientista de todos - descobriu uma verdade histórica.
O Newton original descobriu a Lei da Gravidade. Newton Leroy Gingrich descobriu algo não menos abalador: existe um povo "inventado" por aí, referindo-se aos palestinos.
Ao que um humilde israelense como eu poderia responder, no melhor jargão hebreu: "Bom dia, Eliyahu!" Assim nós honramos as pessoas que fizeram uma grande descoberta que, infelizmente, já tinha sido descoberta por outros, muito tempo antes.
Pois desde o seu próprio começo, o movimento sionista nega a existência do povo palestino. Isto é um artigo de fé.
A razão é óbvia: se existisse um povo palestino, então o país que os sionistas estavam prestes a tomar não estava vazio. O sionismo cometeria uma injustiça de proporções históricas. Sendo gente muito idealista, os sionistas originais descobriram uma forma de se descartarem deste dilema moral: eles simplesmente negaram sua existência. O slogan vencedor foi "Uma Terra Sem Povo, Para Um Povo Sem Terra."
Portanto, quem seriam estes curiosos seres humanos que foram encontrados quando os sionistas vieram para este país? Oh, ah, bem, eles eram apenas pessoas que calharam de estar por aqui, não "um" povo. Transeuntes, por assim dizer. Mais tarde, a história continuou, após termos feito o deserto florescer e transformado uma terra árida e negligenciada num paraíso, árabes de toda a região fluíram para o país, e agora eles tem a temeridade - na verdade, a chutzpah (palavra hebraica que significa, "suprema autoconfiança, ousadia, coragem, às vezes uma agressividade detestável".) - de proclamarem que constituem uma nação palestina!
Por muitos anos depois da fundação do Estado de Israel, esta foi a linha oficial. Golda Meir famosamente exclamou: "Não há uma coisa assim, como um povo palestino!"
(Ao que eu repliquei no Knesset: "Senhora primeira-ministra, talvez você esteja certa. Talvez realmente não exista nenhum povo palestino. Mas se milhões de pessoas errôneamente acreditam que são um povo, e se comportam como um povo, então elas são um povo.")
Uma enorme máquina de propaganda - tanto em Israel quanto no exterior - foi empregada para "provar" que não havia nenhum povo palestino. Uma dama chamada Joan Peters escreveu um livro ("From Time Immemorial") para demonstrar que a cambada que chamava a si mesma de "palestinos" nada tinha que ver com a Palestina. Eles não eram nada além de intrometidos e impostores. O livro foi imensamente bem-sucedido - até que alguns especialistas o desmontaram e provaram que todo o edifício de provas conclusivas era completo lixo.
Eu mesmo passei muitas centenas de horas tentando convencer audiências israelenses e estrangeiras que há um povo palestino e que nós temos de fazer a paz com ele. Até que um dia o Estado de Israel reconheceu a OLP como única representante do "povo palestino", e o argumento foi posto para descansar.
Até que Newt apareceu e, como um Jesus da modernidade, levantou-o dos mortos.
Obviamente, ele é muito ocupado para ler livros. É verdade, ele já foi professor de história, mas por muitos anos ele tem estado ocupado falando no Congresso, fazendo fortuna como "conselheiro" de grandes corporações e agora tentando virar presidente.
De outra forma, ele provavelmente teria esbarrado num brilhante livro histórico de Benedict Anderson, "Imagined Communities', que afirma que todas as nações modernas são inventadas.
Nacionalismo é um fenômeno histórico relativamente recente. Quando uma comunidade decide tornar-se uma nação, ela tem de reinventar a si própria. Isso significa inventar um passado nacional, remanejando fatos históricos (e não-fatos) de modo a criar um retrato coerente de uma nação existindo desde a antiguidade. Armínio (Hermann), o querusco, membro de uma tribo germânica que traiu seus empregadores romanos, tornou-se um herói "nacional". Refugiados religiosos que desembarcaram na América e destruíram a população nativa tornaram-se uma "nação". Membros de uma Diáspora étnico-religiosa formaram uma "nação judaica". Muitos outros fizeram mais ou menos o mesmo.
Na verdade, Newt lucraria com a leitura de um livro de um professor da Universidade de Tel Aviv, Shlomo Sand, um judeu kosher, cujo título em hebraico fala por si mesmo: "Quando e Como Foi Inventado o Povo Judeu?"
Quem são estes palestinos? Cerca de cem anos atrás, dois jovens estudantes em Istambul, David Ben-Gurion e Yitzhak Ben-Zvi, os futuros primeiro-ministro e presidente (respectivamente) de Israel, escreveram um tratado sobre os palestinos. A população deste país, disseram, nunca mudou. Apenas pequenas elites foram algumas vezes deportadas. As vilas e aldeias nunca se moveram, como seus nomes provam. Cananitas tornaram-se israelitas, então judeus e samaritanos, então bizantinos cristãos. Com a conquista árabe, eles lentamente adotaram a religião do Islã e a cultura árabe. Estes são os palestinos de hoje. Eu tendo a concordar com eles.
Papagueando a linha de propaganda ortodoxa sionista - agora já descartada pela maioria dos sionistas - Gingrich argumenta que não pode existir nenhum povo palestino porque nunca existiu um estado palestino. As pessoas neste país eram, apenas "árabes" sob domínio otomano.
E então? Eu costumava ouvir dos mestres coloniais franceses de que não existia nenhum povo argelino, porque nunca existiu um estado argelino, nunca existiu um país unido chamado Argélia. Algum defensor desta teoria agora?
O nome "Palestina" foi mencionado por um historiador grego cerca de 2.500 anos atrás. Um "duque da Palestina" é mencionado no Talmude. Quando os árabes conquistaram o país, eles o chamaram "Filastin", como ainda fazem. O movimento nacional árabe passou a existir por todo o mundo árabe, incluindo a Palestina - ao mesmo tempo que o movimento sionista - e lutou pela pela independência do sultão otomano.
Por séculos, a Palestina foi considerada uma parte da Grande Síria (a região conhecida em árabe como "Sham"). Não havia nenhuma distinção formal entre sírios, libaneses, palestinos e jordanianos. Mas então, após o colapso do Império otomano, as potências européias dividiram o mundo árabe entre elas, um estado chamado Palestina tornou-se uma realidade sob o Mandato britânico, e o povo árabe palestino estabeleceu-se como uma nação separada com um hino nacional próprio. Muitos povos na Europa, Ásia, África e América Latina fizeram o mesmo, sem pedir a confirmação de Gingrich.
Certamente seria irônico se fosse esperado que os membros da "inventada" nação palestina pedissem por reconhecimento dos membros da "inventada" nação judaico-israelense, por exigência de um membro da "inventada" nação americana, uma pessoa que, à propósito, é uma mestiça de origens irlandesa, escocesa, inglesa e alemã.
Anos atrás, ocorreu uma controvérsia de vida curta sobre os livros escolares palestinos. Foi argumentado que eles eram anti-semitas e incitavam ao assassinato. Isso foi posto para descansar quando ficou claro que todos os livros escolares palestinos eram checados pelas autoridades de ocupação israelenses, e a maioria fôra herdada do anterior regime jordaniano. Mas Gingrich não se esquivou de ressuscitar este cadáver também.
Todos os palestinos - homens, mulheres e crianças - são terroristas, ele garante, e os estudantes palestinos aprendem na escola como matar, a nós, pobres e indefesos israelenses. Ah, o que faríamos sem enérgicos defensores como Newt? Que pena que esta semana, uma foto dele, apertando a mão de Yasser Arafat, foi publicada.
E, por favor, não mostrem a ele os livros escolares de algumas de nossas escolas, especialmente as religiosas!
É realmente uma perda de tempo escrever sobre uma tal insensatez?
Pode ser, mas não se pode ignorar o fato de que o propagador de tais inutilidades possa ser, amanhã, o presidente dos Estados Unidos da América. Dada a situação econômica isto não é tão improvável como pode parecer.
Por enquanto, Gingrich está causando um imenso dano aos interesses nacionais dos Estados Unidos. Neste momento histórico, as massas nas Praças Tahir por todo o mundo árabe perguntam-se sobre a atitude da América. A resposta de Newt contribui para um novo e mais profundo anti-americanismo.
Ai de nós, ele não é o único extremista de direita buscando abraçar Israel. Este tem, ultimamente, tornado-se a Meca de todos os racistas do mundo. Esta semana fomos honrados pela visita do marido de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional Francesa. Uma peregrinação ao Estado Judaico é agora uma obrigação para qualquer aspirante a fascista.
Um de nossos antigos sábios cunhou a frase: "Não é à toa que o estorninho vai até o corvo. Isso é porque eles são da mesma espécie."
Grato. Mas não. Eles não são da minha espécie.
Para citar outro provérbio: Com amigos que nem estes, quem precisa de inimigos?