#6360
Mensagem
por Marino » Ter Ago 02, 2011 7:03 pm
Não sabia onde postar, então veio para cá:
A defesa no sentimento nacional
02 de agosto de 2011 | 0h 00
Mario Cesar Flores - O Estado de S.Paulo
Ressalvado o restrito mundo profissional da defesa, nos últimos
decênios nosso sistema militar vem sendo lembrado principalmente na
síndrome da insegurança pública e (se tanto) no cenário da
criminalidade transnacional fronteiriça, problemas de natureza
basicamente policial, embora também militar, nos limites definidos em
legislação. Nas pesquisas de opinião as Forças Armadas são bem
hierarquizadas no quesito confiabilidade. Entretanto, trata-se de
confiabilidade relacionada mais à correção ética num universo público
visto como venal do que como instrumento de defesa, preocupação
ausente. Praticamente não existe no Brasil interesse político e
societário pela defesa nacional.
A Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada em dezembro de 2008, é
um documento abrangente, aberto ao conhecimento público, sobre a
defesa em seus vários aspectos interativos, militares e civis. Pode e
deve ser aperfeiçoada - como certamente será -, mas já é um passo
positivo, despercebido pela opinião pública e pelo universo político.
Vigente há mais de dois anos, qual foi até agora a sua repercussão no
Congresso Nacional? Não houve, ao menos em nível que chamasse a
atenção da mídia e, por intermédio da mídia, provocasse a da
sociedade, em particular, da intelligentzia nacional. Essa apatia
preocupa, porque numa democracia a construção de poder militar
eficiente, em coerência com o País e sua inserção internacional, não é
viável na contramão do sentimento nacional, principalmente de sua
representação política. Depende da aceitação política e societária de
que fraqueza, pacifismo autista e jurisdicismo utópico não são
virtudes absolutas, não garantem em quaisquer circunstâncias o
progresso em tranquilidade.
A falta de interesse decorre de quatro razões.
Primeira: o preconceito gerado pelas interveniências militares na vida
nacional, tema superado, mas ainda influente em segmentos do
sectarismo anacrônico.
Segunda: no sistema militar não há espaço para a cultura clientelista
e patrimonialista - o que reduz ainda mais o já precário interesse dos
políticos brasileiros pautado nessa cultura.
Terceira: a defesa nacional não gera votos, tanto assim que na
discussão política o tema militar praticamente se limita ao que afeta
o humor eleitoral corporativo (salário, por exemplo).
E quarta: a mais que centenária ausência de ameaça clássica em que o
Brasil tivesse vivido papel protagônico ou ao menos significativo (na
2.ª Guerra Mundial fomos atores coadjuvantes). Depois de Rio Branco,
que via espaço para o poder militar, a política brasileira não o tem
enfatizado - propensão insegura no incerto maior prazo, porque poder
militar moderno não se improvisa ao se manifestar sua necessidade.
Solução emergencial ao estilo "voluntários da Pátria" mal armados e
mal preparados, da Guerra do Paraguai, seria hoje catastrófica;
lembremos a esse respeito nosso despreparo na entrada na 2.ª Guerra
Mundial, que compulsou à dependência tutelar dos EUA. Curiosamente, o
ministro do Exterior não está explicitado no rol de ministros
responsáveis pela formulação da END; a ser real a ausência, é, no
mínimo, instigante!
O sentido desta última razão está sintetizado no final dessa frase de
professor universitário, proferida com tranquila convicção no coffee
break de seminário numa universidade: "Realmente os militares ganham
pouco, mas por que pagar-lhes mais se não precisamos deles?"!
Remuneração à parte, sem espaço neste artigo, a afirmação "não
precisamos deles" é preocupante.
Sintoma emblemático do descaso: na votação do Orçamento a outorga ou a
negação de recursos independem de seus efeitos na defesa nacional. Não
se pode pretender do Congresso atenção detalhada, mas os recursos são
concedidos ou negados à revelia daqueles efeitos, embora na democracia
o Congresso também seja responsável pela defesa. Na conciliação do
preparo militar com as limitações orçamentárias - compreensíveis,
errado é atuarem no bojo da apatia refletida no corte abstrato, tanto
na tramitação congressual como na liberação pelo Executivo -, o
orçamento da defesa precisa ser estruturado com a visão que assegure
continuidade aos projetos prioritários, em geral longos e caros. Esse
quesito não tem sido atendido, exigindo ajustagens que tumultuam o
preparo militar e prejudicam o desenvolvimento tecnológico de
interesse da defesa e a continuidade da indústria de defesa,
insustentável sem demanda segura.
Não havendo trauma de risco que a precipite dramaticamente, a elevação
da sensibilidade nacional sobre defesa é processo cultural que se
estenderá por longo tempo. O processo deve esclarecer por que, como e
quanto a dimensão estratégica do poder continua atuante no século 21,
deve contextualizar a segurança do Brasil na sua região e no mundo,
sem arroubos ufanistas, mas também sem escapismos utópicos como se o
mundo vivesse a paz kantiana, embora Hobbes continue vivo nele... Na
medida em que ocorra a elevação, a defesa nacional passará a assunto
de mérito, vista com responsabilidade e menos sujeita a mudanças
radicais com as eleições porque é assunto de Estado, transcende os
governos. Será resgatada da apatia e exercerá seu papel de respaldo ao
progresso em tranquilidade e à interação do Brasil com o mundo, cujas
turbulências pedem atenção, sem exageros, mas prudente.
Voltando à END: embora de fato um primeiro passo positivo, falta-lhe o
aval do sentimento nacional, dependente do interesse político e
societário pela defesa, sobretudo do político, hoje em claro déficit.
A configuração do sistema militar é problema profissional, interno ao
Ministério da Defesa, mas sua moldura é política. A dúvida que permeia
as agendas nacionais dos países relevantes em todo o mundo, sobre o
sistema militar que responde às vulnerabilidades e aos interesses do
País nas circunstâncias do século 21, não terá resposta consistente
sem aquele aval.
ALMIRANTE DE ESQUADRA
(REFORMADO)
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco