Dossier especial
EUA podem entrar em bancarrota?
Económico com Lusa
30/07/11 13:11
Barack Obama voltou a dirigir-se ao país numa tentativa de pressionar os congressistas.
Republicanos e democratas ainda não chegaram a acordo. O prazo está a esgotar-se. Os EUA podem entrar em incumprimento?
O Tesouro norte-americano já deixou o aviso: Se o limite da dívida não for aumentado até terça-feira, os Estados Unidos ficam incapazes de fazer face às suas obrigações, o que poderá ter consequências perigosas para a economia.
A dívida bruta federal, de cerca de 14,3 biliões [milhão de milhões] de dólares (9,9 biliões de euros), atingiu em meados de Maio o limite máximo autorizado pelo Congresso e o défice orçamental deve atingir os 1,6 biliões de dólares (1,108 biliões de euros) este ano.
Obama apela ao "sentido comum" para um acordo
O presidente norte-americano Barack Obama apelou, esta madrugada ao "sentido comum" para um entendimento sobre o tecto da dívida dos Estados Unidos quando o Senado rejeitou uma proposta republicana pouco antes aprovada na Câmara dos Representantes.
Barack Obama voltou a dirigir-se ao país numa tentativa de pressionar os congressistas a evitarem a suspensão dos pagamentos dos Estados Unidos a partir de 02 de Agosto e insistiu num compromisso bipartido.
"Há muitas crises que não se podem prever, mas a solução deste problema está nas nossas mãos", disse o presidente que defendeu também devem ser encontrados os "pontos comuns" das duas propostas e criticou o plano apresentado pelo republicano John Boehner (na foto).
Montante mais do que duplicou entre 2007 e 2010
A dívida dos Estados Unidos mais do que duplicou entre 2007 e 2010, ultrapassando actualmente os 14 biliões [milhão de milhões] de dólares, quando no início da década de 2000 rondava os 5,7 biliões.
Em 30 de Setembro de 2000, a dívida norte-americana era de 5,7 biliões de dólares, apresentando um crescimento gradual até aos nove biliões de dólares no final do exercício fiscal de 2007, o que representa um aumento de mais de 50% da dívida federal em sete anos.
Desde então, a dívida dos Estados Unidos voltou a duplicar, disparando dos nove biliões em 2007 para os 13,6 biliões em 2010, mais 50 por cento em apenas três anos, devido designadamente à crise financeira nascida dos empréstimos hipotecários 'subprime'.
Incumprimento teria consequências catastróficas mas é pouco provável
Se o Congresso norte-americano não aumentar o limite da dívida, os Estados Unidos entram em incumprimento na terça-feira, o que teria consequências consideradas "catastróficas", embora os economistas contactados pela Agência Lusa considerem que isso é "pouco provável".
As opiniões dividem-se quanto à capacidade de democratas e republicanos chegarem a um acordo sobre o aumento do tecto de endividamento até terça-feira, dia em que, à falta de entendimento, a maior economia do mundo terá de escolher entre as despesas que pode fazer e as que ficam por pagar.
José Reis, director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, não tem dúvidas: "Seria uma situação grave e teria consequências muito fortes", conduzindo a uma nova "era depressiva na economia mundial".
João César das Neves, economista da Universidade Católica Portuguesa, diz que "é possível que não haja acordo até terça-feira" mas, como "esta não é uma questão financeira, é uma questão política", se não houver acordo no Congresso, "vai haver despesas que não serão feitas".
Já os economistas Jorge Landeiro de Vaz, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), e Aurora Teixeira, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, acreditam que os parlamentares norte-americanos vão entender-se antes que o Estado federal entre em incumprimento.
Para Landeiro de Vaz, a ocorrer, o incumprimento "seria sempre parcial". O economista entende que "ainda há instrumentos" para evitar o 'default' da maior economia mundial: "O governo tem uma parte da dívida pública detida por entidades públicas e portanto pode sempre utilizar essa dívida, colocando-a no mercado sem aumentar o limite máximo a que está obrigado".
A economista Aurora Teixeira acredita que "o Executivo [norte americano] vai ultrapassar esta dificuldade" até porque "o impacto que teria seria extremamente perturbador", pelo que "o bom senso" vai preponderar.
"Ao contrário da Grécia, os Estados Unidos têm uma moeda forte e uma política monetária forte, e, ao contrário do que se passa na Zona Euro, [o país] é capaz de emitir moeda que pode ser adquirida por outros", aponta.
A dívida bruta federal, de cerca de 14,3 biliões [milhão de milhões] de dólares (9,9 biliões de euros), atingiu em meados de Maio o limite máximo autorizado pelo Congresso e o défice orçamental deve atingir os 1,6 biliões de dólares (1,108 biliões de euros) este ano.
Agências de ‘rating' e mercados não acreditam no incumprimento
Democratas e republicanos continuam sem se entender sobre o aumento do limite da dívida, necessário para que o Estado não entre em incumprimento já na terça-feira, mas mercados e agências de 'rating' não acreditam que isto possa acontecer.
Economistas contactados pela Agência Lusa explicam esta calma com o facto de as obrigações norte-americanas continuarem a ser "muito sólidas" e "a referência" para o mercado internacional, mesmo que "o absurdo político" no Congresso não se resolva atempadamente.
Os economistas José Reis, João César das Neves e Jorge Landeiro de Vaz estão de acordo: esta não é uma questão financeira, é uma questão política, um ‘braço de ferro' entre republicanos e democratas, que estão já a disputar jogos políticos a olhar para as presidenciais de 2012.
Para José Reis, director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, trata-se de um "braço de ferro dos republicanos" com uma "conotação política muito forte", pelo que, sem acordo, "os próprios republicanos haveriam de ser responsabilizados por isso", um risco que - prevê - "não levarão até ao fim".
João César das Neves, da Universidade Católica Portuguesa, considera que a regra de impor um limite da dívida "não é muito boa", porque, na prática, esse limite acaba por ser elevado várias vezes. O que sucede é que "cria oportunidades de debate político, para pedir condições de troca cada vez que se atinge esse limite", e gera também "possibilidades de bloqueio" quando não há maioria de um partido nas duas câmaras do Congresso, como se verifica.
De qualquer forma, prossegue, o problema dos Estados Unidos não é igual ao da Zona Euro: "Os Estados Unidos não estão com problemas de ir ao mercado, têm um impedimento legal, mas se fossem não teriam problemas, porque há muita gente interessada na sua dívida. É um problema que não tem nada a ver com o que se passa na Europa", distingue.
Landeiro de Vaz, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), por seu lado, indica que "não estão esgotadas as soluções", uma vez que uma parte da dívida federal é "detida por entidades públicas", pelo que o governo pode vender "essa dívida, colocando-a no mercado sem aumentar o limite máximo a que está obrigado".
Por isso, diz, as agências de ‘rating' acreditam que "o incumprimento provavelmente não se vai dar, a não ser que haja eleições antecipadas", uma possibilidade em que não crê.
José Reis deixa ainda críticas às agências de ‘rating' que, face a possibilidade de incumprimento da maior economia mundial, manifestam calma e despreocupação: "É o reino do absurdo. Se fosse outra [economia] seria terrível, mas como é a americana [joga-se] ao faz de conta", denuncia.
Para o economista, é preciso "dar menos poder, menos importância" às agências de notação financeira, que trabalham numa base especulativa, e "olhar para a economia real", ou seja, criação de emprego, capacidade produtiva e bem-estar das pessoas. "Hoje estamos num mundo às avessas. O capitalismo não é isto: o capitalismo é um sistema de produção, não de especulação", recorda.
Impasse sobre aumento da dívida sem efeitos no sistema político
O impasse político entre democratas e republicanos que pode lançar os Estados Unidos para o incumprimento não vai introduzir alterações significativas no sistema político do país, mantendo-se as clivagens entre ambos, consideram politólogos contactados pela Agência Lusa.
Adelino Maltez, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), aponta a "grande pluralidade contratual" dos senadores e representantes com o seu eleitorado: "O poder nos Estados Unidos é, de facto, contratual. Mesmo um senador ou um representante tem o seu contrato e ai dele se não o cumpre. Não é tanto de carneirada, como são os partidos de Portugal", aponta.
http://economico.sapo.pt/noticias/eua-p ... 23732.html