soultrain escreveu:Perfeito foxtroop.
Leandro, mas porquê a fixação com o crescimento? A Europa não necessita de crescimentos brutais, o povo não precisa. Não é necessário uma melhoria assinalável na qualidade de vida no geral.
Alguém me pode explicar porque esta obsessão com o crescimento?
Soultrain,
Você tem razão neste ponto, em princípio nações em que a população já atingiu um estado de bem-estar bastante razoável e com economias maduras poderiam perfeitamente abrir mão do crescimento acelerado em prol da estabilidade. Na minha opinião pessoal inclusive era isso exatamente que o mundo todo deveria buscar.
Mas eu não mando no mundo, e duas forças bastante poderosas conspiram para que a busca pela estabilidade e o abandono do crescimento acelerado acabem criando vulnerabilidades que cedo ou tarde podem trazer problemas para os países que optarem por este caminho:
- A primeira é a própria ambição humana. Não é difícil para cidadãos conscientes membros de uma classe média bem de vida como eu e provavelmente você nos contentar com o que já possuímos e procurarmos agora outras coisas nesta existência, como realização familiar, intelectual, artística, etc... . Mas para muita gente, enquanto não se tiver uma Ferrari último tipo na garagem de uma mansão de 10 milhões de dólares, um iate com helicóptero na marina e algumas modelos internacionais como amantes, a satisfação não virá, e eles trabalharão muito para terem sempre mais e mais, acumulando riqueza na maior quantidade e o mais rapidamente possível. E em um sistema capitalista isto não será apenas permitido, mas ativamente incentivado pela sociedade e pelos governos.
Mas se o crescimento econômico geral for baixo, de onde virá a riqueza que estes tais acumularão sempre mais e mais? Em um mundo mais integrado seria fácil trazê-la de outras nações onde o crescimento econômico ainda é forte e pode suportar esta acumulação (embora em detrimento de muitos cidadãos locais que sequer atingiram o status de classe média). Mas se a Europa se fechar como continente isolado, adivinha de onde esta riqueza a ser acumulada sairá? Justamente dos pacatos cidadãos de classe média que não se importam tanto em correr atrás para acumular riqueza também (através de vários mecanismos insidiosos como aumento de preço dos serviços e produtos de consumo, o aumento de taxas de juros privadas, a redução das políticas de bem-estar social dos governos, etc...). O que se veria seria o surgimento de um fosso econômico cada vez maior entre os cidadãos destas sociedades isoladas, no limite levando à própria perda de suas características de economias maduras e estáveis. Isto já está acontecendo por exemplo nos EUA há décadas, e a crise atual deixou este cenário bem mais visível. O isolamento e um crescimento mais lento agora seriam para eles uma verdadeira catástrofe, e por isso eles sequer cogitam esta possibilidade (os que pensam, deixemos de lado os Tea Party da vida). A alternativa para a Europa seria a implantação de sistemas socialistas (o que seria a minha opção), mas não me parece que o velho continente caminhe no sentido à esquerda, muito pelo contrário. Então o isolamento seria em si uma ameaça ao próprio estado de bem estar da sociedade européia.
- A segunda força a conspirar contra a Europa é a mudança do equilíbrio mundial dos países de baixo crescimento para os de alto, o que colocaria a Europa em uma posição em que seu acesso aos próprios mercados e recursos que lhes garantem a atual riqueza seriam tomados por outras nações.
Imagine como exemplos os americanos passando a adquirir automóveis de alto-luxo chineses e indianos, que teriam qualidade pelo menos igual aos dos alemães, ingleses e suecos dada a alta capacidade de investimentos destes países (que inclusive já estão adquirindo os fabricantes tradicionais europeus e levando sua tecnologia para seus próprios países), e cujos preços seriam imbatíveis (em função das escalas de produção possíveis nestes países e aos seus baixos custos). E ao mesmo tempo a Rússia fechando acordos para transferir sua produção de gás e petróleo para a China e a Índia, já que a Europa não teria capacidade nem econômica nem política de oferecer aos russos condições de aquisição mais favoráveis que as oferecidas pelas ricas economias orientais em rápido crescimento. E o mesmo se passando com o ferro e o petróleo brasileiros, com o cobre do Chile, com a borracha da Malásia, etc... . Os europeus conseguiriam manter seus padrões elevados de vida tendo que pagar cada vez mais caro para adquirir recursos de países que não teriam mais como influenciar?
Por serem praticamente auto-suficientes em recursos naturais e possuírem populações pequenas países como Austrália e Canadá podem se dar ao luxo de buscar sobretudo a estabilidade e ainda assim manterem uma orientação sócio/econômica capitalista e um alto grau de desenvolvimento. Mas poderá a Europa (ou o Japão, que já começou a sofrer humilhações diplomáticas da China e da Rússia) conseguir o mesmo feito, ainda mais se seu grande aliado, os EUA, entrarem em colapso econômico?
Não tenho muita certeza de que isto seria possível.
Um grande abraço,
Leandro G. Card