Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

Assuntos em discussão: Exército Brasileiro e exércitos estrangeiros, armamentos, equipamentos de exércitos em geral.

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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#106 Mensagem por legionario » Qui Set 23, 2010 7:58 am

Como tambem era habitual nestes casos, as autoridades militares francesas ofereceram uma recompensa a quem desse informaçoes a meu respeito. No bairro onde eu me encontrava, muitas pessoas sabiam do meu paradeiro, mas aquela gente tem um sentido tao nobre da lealdade, da honra e da hospitalidade, que ninguem me denunciou ! Faço notar que a recompensa oferecida era o equivalente a muitos meses de salario e que a maior parte das pessoas do bairro, estavam desempregadas e viviam com grandes dificuldades.


Nao querendo abusar da sorte e para nao comprometer as pessoas que me abrigavam, decidi partir juntamente com o Ismael, que nao me queria deixar sozinho, para Ali Sabieh, uma cidade do norte a cerca de 100 quilometros da capital e que se situava nao muito longe da fronteira etiope.
Em Ali Sabieh tinhamos previsto apanhar boleia (pagando claro) num dos muitos veiculos todo-o-terreno de contrabandistas que fazem a ligaçao desta localidade para a cidade etiope de Dire Dawa, sem passar pelo posto fronteiriço. Em Dire Dawa, voltava a apanhar o mesmo comboio, que vem de Djibouti, até Adis Abeba, o meu destino.
Eu, como ja disse, nao podia atravessar a fronteira no comboio. Podia muito bem subornar a policia djibutiana da fronteira o que nao era dificil, mas provavelmente haveria tambem gendarmes ou militares franceses presentes…

Em Djibouti circulam muitos arabes provenientes dos paises do outro lado do Mar Vermelho, sobretudo do Yemen. Antes de me alistar na legiao ja tinha andado pela Mauritania e Marrocos vestido com os trajes locais, e conseguia passar despercebido, desde que nao abrisse a boca, claro…
( Ainda hoje em França, muitos arabes que aqui vivem me saudam na lingua deles, tomando-me por um dos seus… ).

Em Djibouti usei o mesmo estratagema. Comprei umas vestes arabes, e foi assim que, quase transformado em arabe, e juntamente com o Ismael, apanhamos tranquilamente o comboio até Ali Sabieh.
O Ismael acompanhava-me até Dire Dawa onde existiam elementos do seu clan que eram pequenos comerciantes. Eu depois seguiria caminho sozinho, depois de lhe ter deixado os meios necessarios para o seu regresso. Ficava prometido um reencontro assim que as circunstancias futuras o permitissem.




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#107 Mensagem por legionario » Qui Set 23, 2010 8:03 am

Os planos estavam traçados mas muito pouca coisa haveria de correr segundo o previsto.
Logo à chegada a Ali Sabieh : surpresa ! A minha companhia tinha sido enviada para esta zona em manobras. Depois de ter deixado o comboio, dirigimo-nos ao mercado perto do qual se encontravam os transportes para os paises vizinhos, a Somalia e a Etiopia. Logo aqui dei de caras com dois camaradas que tinham abandonado o acampamento às escondidas para aqui virem se aprovisionar… Largaram-se a rir quando me reconheceram, o que aconteceu imediatamente pois eu ia, destraidamente, de cabeça descoberta, apesar de trazer vestida uma longa tunica arabe…a que eles, nao sei porquê, acharam muita piada .
Eles nao me denunciariam claro esta, e eu menti-lhes dizendo que estava ali em casa de um amigo djibutiano e que brevemente iria regressar ao regimento.

Nao demorou muito até encontrarmos um etiope que , no seu Toyota pick up 4x4,, aceitou levar-nos até Dire Dawa a troco de alguns dolares.
Partimos de madrugada depois de uma noite de frio, onde so nao congelamos porque dormimos colados um ao outro enrolados numa manta rota que cheirava a camelo, e que o etiope, dono do Toyota, nos emprestou.
As noites na zona da capital eram muito quentes, mas aqui no interior das terras, eram frias enquanto durante o dia, o calor era abrasador, tao quente que mesmo o suor parecia que secava assim que saia dos poros.

Connosco iam, alem do dono que conduzia o jipe, o seu ajudante e mais 4 passageiros masculinos de idade indefinida, cuja farta cabeleira de estilo «rasta« , e os simbolos religiosos cristaos que ostentavam, denunciavam tambem a origem etiope. Estes acomodaram-se em silencio em cima da montanha de carga dispare transportada pelo veiculo : baldes e bacias de plastico empilhados, embalagems de latas de leite condensado, jerricans, sacos que pareciam conter arroz , farinha ou açucar, e por baixo disto tudo, outra carga que nao consegui identificar mas que parecia justificar a vontade de discriçao da viagem, evitando a passagem do posto fronteirço.




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#108 Mensagem por legionario » Qui Set 23, 2010 8:09 am

O etiope, um antigo soldado da guarda imperial de Hailé Selassié, o ultimo imperador da Etiopia deposto em 1974, percebia alguma coisa de inglês mas era um homem de poucas falas e tinha, tanto ele, como o seu ajudante, uma AK47 dissimulada no veiculo.
O interior da viatura era decorada por berliques e berloques, além de imagens da Virgem com o Menino e de Sao Jorge lutando com o dragao . Destacava-se tambem a foto do defunto imperador, que a tradiçao dizia descender dos reis biblicos David e Salomao e que tanto inspirou o cantor Bob Marley ( titulo War, no album Rastaman Vibration) . A sua memoria é venerada ainda hoje por parte da populaçao etiope sobretudo pelos cristaos ortodoxos assim como pelos Rastas do mundo inteiro. NT. A palavra « rasta » vem do etiope Ras Tafari.

O Toyota seguiu por pistas em muito mau estado, atravessando as eternas paisagens deserticas, esgueirando-se por desfiladeiros escarpados, subindo e descendo ao gré dos declives do terreno. Viam-se de vez em quando alguns camelos que pareciam pastar no meio das raras arvores e arbustos ressequidos mas sem que vissemos o seu pastor. Muito de vez em quando uma nuvem de po anunciava ao longe um outro veiculo que se aproximava e nos cruzava, geralmente toyotas 4x4 arruinados ou velhos camioes que pareciam de origem russa.

Eu viajava ao lado do condutor. O Ismael que ao principio tinha tomado lugar ao meu lado, pediu, quando o calor começou a apertar, para viajar ao lado dos outros, por cima da carga,




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#109 Mensagem por legionario » Qui Set 23, 2010 8:11 am

Perguntei ao etiope quanto tempo faltava para chegar à Etiopia, e ele riu-se dizendo que ha muito tempo que tinhamos atravessado a fronteira ; esta afinal de contas nao era muito longe do nosso ponto de partida. Eu estava completamente absorto na apreciaçao da paisagem e os meus pensamentos voavam tao alto como uma aguia que eu tinha mais uma vez observado, elevando-se nos ares com uma comprida e fina serpente que se debatia nas suas garras contorcendo-se inutilmente. As serpentes deviam ser uma das principais fontes de alimentaçao das aves de rapina, tao frequente era este espectaculo de ver aqueles repteis pelo ar, capturados pelas aguias.
Tinha perdido completamente a noçao do tempo de tal maneira estava hipnotizado pela paisagem e entorpecido pelo calor.

Quase que me assustei quando o ajudante do motorista deu uma pancada forte no tecto do carro e a sua cabeça apareceu virada ao contrario no lado exterior da minha janela. Disse alguma coisa ao condutor e este pareceu ficar inquieto, respondendo com um grunhido, ao mesmo tempo que com a sua mao, procurou a AK47 que se encontrava atraz do banco por debaixo dum monte de trapos e colocando-a em cima dos joelhos.

Onde eu so via uma nuvem de po igualzinha a outras nuvens de po provocadas pelos veiculos que ja nos tinham cruzado anteriormente, o ajudante tinha visto um perigo qualquer. Este veiculo vinha muito mais depressa do que os outros, era a unica diferença que eu via, assim de repente…
O Ismael passou pela janela e veio novamente sentar-se ao pé de mim dizendo-me assustado que o ajudante do motorista tinha a Kalash na mao.

- Que se passa ? Perguntei novamente em inglês ao condutor .
- Bandidos. Respondeu ele, e nao disse mais nada, mas abrandou a velocidade para menos de 20km/h, embora nao o possa certificar porque o conta-quilometros nao funcionava.
-Eles estao armados Pedro ! Disse-me inquieto o Ismael.
Estes gajos têm todos uma excelente vista ,pensei , ou entao sou eu que sou cego !

Aqui toda a gente anda armada, qual é o problema com estes ? Insisti eu, virando-me para o etiope que conduzia. Este nao respondeu.




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#110 Mensagem por legionario » Qui Set 23, 2010 8:14 am

O outro jipe aproximava-se de frente e ja estava a menos de 200 metros quando o nosso toyota acelerou e virou obliquamente à direita saindo da pista e saltando por cima dos calhaus. A arma do etiope saltou-lhe dos joelhos e quando a agarrei, com os solavancos do carro, bateu-me na cara, fazendo-me um golpe na cana do nariz que imediatamente começou a sangrar. Nao fomos longe. Nao andamos mais do que 20 ou 30 metros quando batemos de frente numa enorme pedra que levantou o jipe deixando-o « estacionado » com o pedragulho debaixo do carter e do eixo, as rodas da frente no ar, e parte da carga e dos passageiros espalhados no chao.

Ouviu-se o matraquear das AK47 dos bandoleiros cuja viatura tinha parado na pista diante de nos. Uma parte dos passageiros que estavam na caixa tinham caido quando do embate, os outros saltaram ; todos se refugiaram atraz das enormes pedras, uns ajudando os outros que tinham sofrido mais com o embate.
O Ismael, que milagrosamente nao tinha sofrido um beliscao, puxou-me para fora do carro, donde sai com a arma do motorista na mao, deitando-me imediatamente por traz do carro e do pedragulho que tinha provocado o acidente.




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#111 Mensagem por eligioep » Sex Set 24, 2010 3:50 pm

Muito bom.....
Continues, por favor! [004]




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#112 Mensagem por legionario » Sáb Set 25, 2010 3:06 am

Dei uma rapida olhadela à minha volta para avaliar a situaçao. O Ismael estava ao meu lado, o condutor estava uns poucos metros à direita enfiado numa depressao do terreno e os outros estavam dispersos, aproveitando as pedras e os montes de terra para se abrigarem. O ajudante do motorista estava agachado à minha esquerda a uns quinze metros de distancia com a sua arma na mao e fazia pequenos e rapidos movimentos de cabeça por cima da pedra que o abrigava, em direçao dos assaltantes, observando-os. Estes eram cinco, todos armados de AK 47 . Ja tinham saltado da sua viatura mas ficaram na pista , a pouco mais de 50 metros de mim, procurando-nos com o olhar, de armas em posiçao, mas sem avançar. Um deles deu mais uma rajada para o alto, aparentemente sem intençao de atingir alguem e gritou uma algaraviada qualquer na nossa direçao.
O Ismael traduziu :
- Pedro, eles dizem que so querem o branco…nao querem nada com os outros.

Neste momento pensei o quanto fui estupido em andar de cabeça descoberta em Ali Sabieh . Nao so os meus camaradas me tinham visto, como tambem algum comparsa destes tipos me tinha visto embarcar no Toyota e se tinha apressado em lhes comunicar a informaçao . Nos tinhamos tomado uma pista bastante afastada da estrada principal de Dire Dawa, pois o meu condutor devia fazer escala numa aldeola bastante a sul desta cidade e so depois é que me conduziria ao meu destino. Mas esta pista nao era, pelos vistos, nada confidencial, pois os assaltantes sabiam que iamos passar por ali. Neste momento comecei a desconfiar dos meus companheiros de viagem etiopes e apertei com mais força a arma nas minhas maos, ao mesmo tempo que olhei inquieto para os lados, à procura de algum indicio de traiçao…




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#113 Mensagem por legionario » Sáb Set 25, 2010 3:07 am

Os tipos lançaram mais umas rajadas desta vez para o chao, mesmo à nossa frente e gritaram qualquer coisa. Os meus companheiros de viagem, à excepçao do Ismael que continuava deitado ao pé de mim, levantaram-se todos com as maos no ar e avançaram para a pista. Vi o ajudante do motorista largar a arma no chao e responder qualquer coisa a um dos assaltantes, apontando na minha direçao.
Sem esperar, levantei-me o suficiente para poder disparar certeiro, pelo lado da pedra que me escondia e larguei duas curtas rajadas em direçao dos dois que se encontravam mais perto e a descoberto ; estes rebolaram logo no chao…
Os assaltantes nao deviam estar à espera que eu estivesse armado…ficaram a saber ! Os outros 3 refugiaram-se por traz do seu Toyota e despejaram os carregadores na minha direçao enquanto os meus companheiros de viagem corriam em todas as direçoes, procurando abrigar-se.
Um dos que eu tinha ferido aproveitou o fogo de cobertura dos colegas para se arrastar para traz do seu carro, o segundo mexia-se e gemia mas nao saiu dali.

Uma chuva de balas bateu novamente contra a pedra e a chapa do nosso Toyota, fazendo saltar gravilha e poeira por todo o lado. Eles faziam fogo de cobertura para tentar retirar o outro ferido , o que acabaram por fazer…agora estavam mais ocupados, pensei eu.
Fiz sinal ao Ismael para agarrar na minha mochila pequena (a grande estava fora do nosso alcance) e para se preparar para correr para traz da pequena colina que se encontrava por traz de nos. Enviei-lhes mais duas rajadas curtas para os vidros do jipe para os estilhaçar e… largamos a correr aos zig-zagues entre os montes de terra, os arbustos e as rochas. So paramos mais de 300 metros à frente no alto de uma colina e ao abrigo. Os tipos dispararam umas rajadas quando retiramos, que ainda bateram perto, mas nao nos tinham seguido e podia-os agora vêr ao longe a ocuparem-se dos seus feridos, carregando-os para a caixa do veiculo.




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#114 Mensagem por legionario » Sáb Set 25, 2010 3:08 am

Afastamo-nos rapidamente em direçao ao norte e depois nordeste, seguindo inicialmente um percurso acidentado e quase sempre inacessivel a veiculos. Andamos cerca de três horas em marcha rapida debaixo do calor intenso e estavamos completamente extenuados. Tinhamos visto ao longe alguns dromedarios a pastar entre duas colinas. O seu dono haveria de passar por ali mais tarde ou mais cedo e decidimos pedir-lhe ajuda ; a hospitalidade nestas regioes costuma ser sagrada.

Esta etapa, de Ali Sabieh até Dire Dawa, que eu julgava ser a mais facil e que nao devia durar mais do que algumas horas, tinha afinal de contas corrido muito mal. Iamos na direçao da fronteira de Djibouti que pelos meus calculos se encontrava a uns bons 100 quilometros. Eu so tinha salvo a minha pequena mochila onde, para além das coisas de valor, da bussola e dum mapa, tinha tambem uma garrafa de 2 litros de agua e algumas coca-colas que ja tinhamos entretanto consumido. A minha mochila grande onde tinha a maior parte das minhas roupas, comida e outros objetos, tinha ficado no jipe. O Ismael tinha tambem trazido o seu saco de pano onde tinha uns biscoitos e duas garrafas de agua de 1,5 litro , que pouco tempo durariam…

Quando nos aproximamos mais dos dromedarios apareceu um cao a ladrar, e logo atraz dele, saido do meio das rochas, surgiu um rapazito de 12 ou 13 anos. O Ismael foi falar com ele e pouco depois fez-me grandes gestos para me aproximar. Os grandes sorrisos que ambos faziam encheram-me de esperança.
Essa noite fomos comer e dormir numa pequena aldeia proxima dali onde aparentemente todos os habitantes eram da mesma familia. O avô do garoto era o chefe do clan e disse-nos que no dia seguinte um dos seus filhos deveria regressar do mercado e nos levaria a Djibouti na sua pick-up 4x4. Ofereci-lhe a AK47 em pagamento e ele pareceu ficar muito satisfeito, apesar de ja ter uma.




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#115 Mensagem por legionario » Sáb Set 25, 2010 3:10 am

Ofereceram-nos uma cabana onde dormimos sozinhos e quando acordamos no dia seguinte, o Idris, assim se chamava o filho do chefe do clan, ja tinha chegado. Era um homem ainda jovem, alto, magro e de aspecto austero mas muito amavel. Convidou-nos para a sua cabana que, tal como aquela onde tinhamos dormido, tinha uma so divisao e era toda feita de pedra com telhado de colmo e alguns bocados de zinco. Ofereceu-nos cha e leite de camela assim como uma especie de pao achatado que ele mesmo cozia em cima das brazas. O Ismael contou-lhe o que nos tinha acontecido e ele nao pareceu supreendido.

- Esta regiao é muito perigosa, explicou ele, sobretudo para estrangeiros ! Quem vos assaltou nao é daqui, mas sim gente que vem do norte fugida da guerra e que esta acampada perto de Dire Dawa. Esta cidade nao é boa para um turista europeu neste momento . E nao te aconselho a ires agora para Adis Abeba, é muito perigoso por causa da guerra !

Ele referia-se à guerra com os eritreus, que estavam a derrotar as forças governamentais e que alguns meses mais tarde, efetivamente, chegariam às portas da capital, provocando a queda do regime de Mengistu, apelidado o « Negus vermelho».

Tive que adiar o meu projecto de percorrer a Etiopia. Nao seria desta,seria para a proxima. Até hoje nunca mais la voltei mas ainda nao perdi a esperança.

Decidi-me pela segunda opçao, o meu plano B : regressar a Djibouti e comprar uma passagem num dos boutres (barcos de madeira tradicionais) que fazem a ligaçao por mar de Djibouti até aos paises vizinhos. Tencionava ir para Mogadiscio que nesta altura, apesar do clima de revolta, ainda era frequentavel e aqui pediria um passaporte na embaixada portuguesa.




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#116 Mensagem por Moccelin » Sáb Set 25, 2010 6:01 pm

Interessante, está aí uma situação que eu não esperava na história... Aguardando do desenrrolar!




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#117 Mensagem por legionario » Dom Set 26, 2010 2:49 am

Ao fim da tarde desse mesmo dia partimos pela pista em direçao da fronteira de Djibouti onde chegamos cerca de 3 horas depois. Despedimo-nos do Idriss que mais uma vez insistiu para o voltarmos a visitar, se a ocasiao se apresentasse um dia, Inch Allah.

No dia seguinte de madrugada, chegados às portas da capital a bordo dum « taxi brousse », uma barragem da gendarmeria djiboutiana fazia parar os veiculos que entravam na cidade, para os muito habituais controles dos passageiros e das mercadorias. Mostrei o meu documento militar, tudo se passou bem e preparava-me com o Ismael para voltar a entrar no meu taxi colectivo, quando ouvi uma voz que me chamou :
- Pedro ! Ça va mon ami ?
Era o sargento Ahmed (nome ficticio), um sargento da gendarmeria djiboutiana que eu tinha conhecido no hospital militar francês quando seguia a minha formaçao de enfermeiro. Ele na altura esteve la internado durante duas semanas devido a um calculo renal e tinhamos falado muitas vezes um com o outro. Era um rapaz de vinte e poucos anos muito jovial, com quem eu tinha logo simpatizado.

Encontro providencial. Nessa noite e nas seguintes fui seu convidado em casa da familia com quem ele vivia. E graças a este encontro, os meus planos mudariam pela segunda vez.
O Ismael voltou para o seu bairro mas todos os dias vinha ter comigo.

Decidi logo nessa noite, depois do jantar, ser directo e dizer-lhe a verdade pois ele nao tinha ouvido falar da minha deserçao.

- Ahmed, eu nao estou de férias, confessei-lhe. Os franceses andam à minha procura, eu quero sair de Djibouti mas nao tenho passaporte, muito menos o visto de saida . Tenho é algum dinheiro … podes-me ajudar ?




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#118 Mensagem por legionario » Dom Set 26, 2010 2:50 am

Contei-lhe o meu plano de embarcar num boutre, e ele riu-se.
- Porque nao vais de aviao até Mogadiscio ? Tenho la familia que te pode receber e ajudar.
O Ahmed era da etnia Issa, uma tribo somali que, como ja expliquei, é maioritaria em Djibouti. Ele tinha, como uma boa parte dos Issas djiboutianos, familiares na Somalia.

Alguns dias depois, munido dum salvo-conduto oficial que o Ahmed me arranjou (para substituir provisoriamente o meu passaporte que dei como perdido), um jipe da gendarmaria djiboutiana conduziu-me, sem passar por nenhum controlo, até às escadas que davam acesso diretamente a um aviao da Air Somalia. Aqui mostrei o meu bilhete ao comissario de bordo e entrei sem mais formalidades.
Poucas horas depois desembarcava em Mogadiscio (a capital da Somalia), onde me aguardava um primo do Ahmed.
A viagem de barco ter-me-ia ficado muito mais barata e seria certamente mais divertida, pensei eu na altura, fazendo contas ao preço do salvo-conduto, do bilhete de aviao e das « prendas » que paguei aos colegas do Ahmed…

Antes de partir, tinha-me despedido com alguma emoçao do meu amigo Ismael e da sua familia. Foram sempre amigos leais que eu nunca esquecerei. Até hoje nao cumpri a promessa que fiz de os voltar a visitar.

- Business or pleasure ? Perguntou-me com ar de gozo o policia somali do aeroporto de Mogadiscio quando me sobressaltei com o barulho muito proximo de rajadas duma « pesada » .
Tive que lhe repetir duas vezes a minha historia inventada da perda do passaporte, porque razao tinha tao pouca bagagem, quanto tempo ficava no pais, etc.
Cobrou-me 80 dolares pelo visto de entrada, que tinha que ser especial dizia ele, por causa do salvo-conduto nao estar conforme.
As suas perguntas cessaram imediatamente assim que lhe passei o dinheiro para a mao. No entanto a ultima que me fez surpreendeu-me :
- Tem a certeza que ainda existe uma embaixada de Portugal em Mogadiscio ?
Ele e o colega deram uma sonora gargalhada sem esperar pela minha resposta.
- Welcom to Somalia, Mr Ferreira !




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#119 Mensagem por Frederico Vitor » Dom Set 26, 2010 3:15 pm

Legionário, uma dúvida. Acho que o senhor poderia me ajudar.
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Quem são esses legionários? Por quê ostentam essas barbas tão exóticas? E qual é o significado daquele "traje", que se assemelha a um avental, que sobrepõe a farda e dos machados em punho?




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Re: Legião Estrangeira, a minha experiência pessoal.

#120 Mensagem por legionario » Seg Set 27, 2010 2:51 am

Esses legionarios sao os pioneiros. Todos os regimentos da legiao continuam hoje em dia a têr uma secçao de pioneiros (secçao nao permanente) que basicamente so servem para os desfiles e as cerimonias.
A legiao tem tradiçoes nao so como guerreiros, mas tambem como obreiros (batisseurs), nos trabalhos de engenharia civil e da construçao : estradas, pontes, tuneis, etc.
Antigamente, sobretudo na Africa do Norte francesa, os legionarios recebiam como missoes esse tipo de trabalhos : "les légionnaires batisseurs".
O avental e o machado representam os antigos utensilios de trabalho. Como nas regioes deserticas nao havia muita agua para a higiene pessoal, os legionarios passavam semanas sem cortar a barba, dai os pioneiros terem ainda hoje estas barbas .
O 1° regimento estrangeiro, o que esta na foto, é o unico que tem uma secçao de pioneiros permanente. Nos outros regimentos, uns meses antes do desfile, o comando costuma designar alguns legionarios para deixarem crescer as barbas, apesar de alguns as usarem de maneira permanente, sempre com uma autorizaçao especial.
Na foto, por traz da secçao de pioneiros, vem a MPLE : Musica Principal da Legiao Estrangeira, que tambem esta sediada no 1°RE, em Aubagne.




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