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Mensagem
por PQD » Ter Set 14, 2010 1:00 pm
Cuba enxuga máquina e se abre ao setor privado
Estado demite meio milhão, mas promete licenças a autônomos
HAVANA
A busca por uma alternativa econômica capaz de salvar sua economia socialista do colapso levou o governo de Cuba a anunciar o corte de pelo menos 500 mil funcionários públicos — cerca de 10% dos trabalhadores estatais do país — nos próximos seis meses.
Considerada a medida mais radical adotada na ilha desde a Revolução Cubana, em 1959, o projeto pretende aumentar para 460 mil o número de permissões para que os cubanos trabalhem por conta própria e abram pequenas empresas, numa tentativa de aumentar a produtividade.
O presidente cubano, Raúl Castro, já anunciara há cerca de um mês que haveria cortes de até 1 milhão de trabalhadores na máquina estatal no prazo de cinco anos, afirmando que gostaria de reduzir o papel do Estado para lidar com a crise econômica. O plano prevê incentivos a cooperativas privadas, ao usufruto e ao arrendamento, mas como o Estado é o maior empregador de Cuba, a decisão de eliminar 20% da força total de trabalho num curto espaço de tempo preocupa trabalhadores — inseguros quanto ao futuro sob um regime cujo setor privado ainda é praticamente inexistente — e analistas.
A Central dos Trabalhadores de Cuba (CTC) reiterou, em comunicado divulgado ontem, que “o excesso de vagas é de mais de 1 milhão nos setores orçamentário e empresarial”. O governo de Havana, no entanto, assegurou que nenhum recém-desempregado ficará desamparado — e planeja uma realocação a setores com escassez de mão de obra no país, como agricultura, construção civil, educação e polícia.
“Nosso Estado não pode nem deve continuar a manter empresas com quadro de funcionários inflados, que criam empecilhos para a economia e deformam a conduta dos trabalhadores”, afirma a CTC.
Todos os órgãos estatais deverão, até abril de 2011, apresentar um plano de ajuste. Entre os ministérios mais afetados pelas dispensas imediatas estão os do Açúcar, Saúde Pública e Turismo.
Os funcionários que não aceitarem seus novos postos de trabalho — de acordo com comissões estudadas para avaliar cada caso — serão demitidos e terão direito a receber um salário mensal a cada dez anos trabalhados. Além de conceder 460 mil licenças para que os cubanos abram seus próprios negócios e contratem funcionários, o plano do governo prevê ainda autorizar cerca de cem tipos de ofícios profissionais particulares. E quem abrir o próprio negócio poderá ainda vender seus produtos ou serviços ao governo.
Para os ideólogos do regime, a medida pode representar, a médio prazo, a ameaçada criação da desigualdade — na contramão dos mais básicos princípios socialistas. O salário médio de um funcionário público cubano é de US$ 17 (cerca de R$ 30) e, bem sucedida, a entrada em massa de milhares de trabalhadores no novo setor privado pode evidenciar que os trabalhadores demitidos poderão ganhar mais que aqueles que permaneceram no antigo emprego. Apesar da onda de boataria e incerteza que se abateu sobre a ilha, muitos cubanos estão otimistas.
— Muitas coisas são deficientes, como os serviços que, claro, poderão ser melhorados pelo setor privado. Sou completamente a favor de o governo distribuir licenças para que as pessoas trabalhem por si. Vai melhorar a vida de muita gente — disse a cubana Moraima Santos, de 65 anos, funcionária do Escritório de História de Havana.
Táxis arrendados multiplicam produtividade
As mudanças em curso confundem pesquisadores.
Enquanto muitos levantam questões sobre o futuro do regime socialista, outros preferem se ater às questões práticas como, por exemplo, com que crédito os demitidos poderão abrir seus próprios negócios. Há ainda quem levante aspectos antropológicos.
— Estão confiando demais numa força de trabalho que não está acostumada a agir sozinha — adverte o especialista em Cuba Arch Ritter, da Universidade de Ottawa, no Canadá.
Apesar de o regime se negar a admitir oficialmente qualquer passo visando a reformas políticas, a retórica parece diferente quando se trata da economia. O ministro cubano dos Transportes, César Arocha, afirmou à revista “Trabajadores” que os táxis que trabalharam no último ano no sistema de arrendamento “multiplicaram 55 vezes sua produtividade” — demonstrando, a seu ver, o sucesso das experiências recentes, como o aluguel de táxis e de prédios públicos para salões de cabeleireiros e barbearias.
Cabeça dos outros é terra que ninguem anda... terras ermas...