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ANATOMIA DO CONFLITO ISRAELENSE-PALESTINO
AS (DES)RAZÕES DO BLOQUEIO Daniel Golovaty
Guerra – [ raiz INDO-EUROPEIA wers – “confusão” > GERMÂNICO OCIDENTAL ( da Francofônia ) “werra” > PORTUGUÊS “guerra” ].
( M. F. Whitaker Salles, “Dentro do Dentro – os nomes das coisas”).
Com a única exceção da eleição de Barak Obama para a Casa Branca, a situação atual do conflito israelense-palestino encarna um verdadeiro pesadelo para todos aqueles que defendem o fim desta longa e dolorosa guerra através de uma paz negociada que seja justa e duradoura. Em fevereiro de 2009 o povo israelense elegeu o governo mais direitista da história de seu país, cuja coalizão é encabeçada por um partido tradicionalmente rejeicionista do direito palestino a possuir um Estado - o mesmo direito que foi justamente reconhecido aos judeus pela ONU em 1948 - e por outro partido que possui como uma de suas principais bandeiras o virtual cancelamento da cidadania da minoria árabe-israelense. Isto após duas guerras evitáveis e desnecessárias (Líbano, 2006 e Gaza, 2009) que resultaram na morte de um grande número de civis libaneses e palestinos e que não melhoraram em nada a segurança estratégica de Israel. Ao contrário, a última ofensiva sobre Gaza teve dentre seus principais efeitos políticos aumentar ainda mais o isolamento internacional do país - afastando, inclusive, as duas potências regionais moderadas ( Egito e Turquia ) que poderiam atuar politicamente em favor de acordos de paz – além de revigorar, com o sangue de inocentes, o discurso jihadista que prega uma guerra de extermínio contra os judeus, discurso este que nos últimos anos tem sido encabeçado e turbinado por uma potência regional em vias de nuclearização.
A democracia israelense subsiste, mas estiola-se sob a percepção geral de um panorama de guerra permanente e de um contexto exasperante de retorno do espectro da destruição do país, agora não mais encarnado no pan-arabismo com seus exércitos convencionais, mas na sombria conjunção da bomba iraniana com a guerra irregular que grupos terroristas como o Hizbollah e o Hamas lhe dirigem a partir do norte e do sul. Contra tais ameaças, o poder de dissuasão sobre o qual desde sempre se erigiu a política israelense em relação aos países árabes, a da “Muralha de Ferro”[1], tem demonstrado ser de pouca eficácia. De fato, Israel não tem mais diante de si inimigos estabelecidos na forma do Estado-nação e impulsionados por ideologias nacionalistas, militaristas e modernizadoras, tal como ocorreu no passado, mas sim grupos fundamentalistas organizados em “sub-Estados” precários ou então regimes islâmicos fim de linha que não possuem qualquer perspectiva crível de inclusão sócio-econômica a oferecer aos seus povos, a qual é então substituída pela ideologia apocalíptica da jihad e do martírio.
Se a isto acrescentarmos a circunstância, demagogicamente explorada pela direita, de que a importante minoria árabe-israelense tem, desde a eclosão da Segunda Intifada em setembro de 2000, adotado posições cada vez mais extremistas, alienando-se de Israel e se solidarizando com os grupos islâmicos supracitados que pregam abertamente a destruição do país no qual vive, então temos o quadro aterrador, vivenciado por muitos como verdadeiro, de uma pequena nação constituída por descendentes de sobreviventes e refugiados que se vê internamente acossada por uma potencial “quinta coluna” de 20% da sua própria população e, externamente, emparedada por todos os lados por um inimigo tão grande quanto irredutível, capaz de sacrificar parcelas inteiras da “nação islâmica” ( Umma ) para alcançar os seus objetivos maiores de destruição da “entidade sionista” e de resgate da “terra islâmica”[2]. É neste pântano de paranóia e medo que vicejam os frutos podres da intolerância, do racismo e do fanatismo nacional-religioso, e que os valores democráticos passam a ser vistos por uma parcela crescente da população de Israel como um luxo a que o país, se quiser sobreviver, não pode se dar. Como fronteira avançada na guerra contra a “jihad mundial”, Israel deveria se resignar a viver pela espada e, portanto, em um quase permanente estado de exceção.[3]
É claro que este quadro desolador não é ( ou ainda não é ) verdadeiro, como o sabem todos aqueles que não têm as mentes embotadas pela ideologia da “guerra de civilizações”[4], visto que decorre de uma manipulação seletiva de fatos, bem como da omissão da política ativa dos sucessivos governos israelenses desde Ariel Sharon de congelamento do processo de paz e de colonização e anexação de terras palestinas na Cisjordânia – uma política que, por sua vez, também possui um caráter marcadamente suicida e autodestrutivo, visto que já ameaça tornar inviável uma solução de dois Estados, a qual, fora de um hipotético longuíssimo prazo, constitui a única solução possível capaz de estabelecer uma paz duradoura na região. Mas se não é verdadeiro, o quadro é objetivo o suficiente para ser plausível e convincente para a maioria de israelenses que elegeu B. Netaniahu e A. Liberman, bem como para uma parcela significativa dos judeus da Diáspora.
Sendo assim, a questão que se coloca é: como foi possível se passar de uma situação de amplo apoio ao processo de paz e à solução de dois Estados, nos inícios da década de 1990, para um panorama de ascensão aparentemente irrefreável do fundamentalismo e do rejeicionismo em ambos os lados do conflito, no qual a narrativa da “guerra de civilizações” pode ser enunciada com alto grau de verossimilhança?[5] Há várias respostas circunstanciais e conjunturais para esta questão que, como sublinha V. Safatle em um importante artigo sobre o assunto, “há muito deixou de ser um problema regional” para tornar-se uma “peça maior da pauta da política externa ( e não só externa ) mundial”[6]. A existência em ambos os lados de grandes minorias rejeicionistas ( passando dos 30% da população ) que estão muito bem organizadas politicamente; a perda de confiança do público israelense sobre as reais intenções dos palestinos após o fracasso das negociações de Camp David e a irrupção da Segunda Intifada, com seus atentados terroristas e sua característica islamização; inversamente, a perda da confiança palestina nas reais intenções de Israel, que não só continuou expandindo mas acelerou o ritmo da implantação de assentamentos na Cisjordânia palestina e no Leste de Jerusalém em pleno processo de paz; a influência iraniana através do Hizbollah e do Hamas; o peso do lobby direitista “pró-Israel” nos EUA; todos estes ( e há outros ) são elementos imprescindíveis para entender o fracasso do processo de paz e que mereceriam uma análise atenta. Entretanto, neste artigo pretendo abordar apenas as questões que considero ser estruturais a este conflito, de cuja análise teórica e correto encaminhamento político depende a possibilidade, mesmo que agora distante, de uma futura paz na região.
O conflito israelense-palestino constituiu-se historicamente como o confronto estruturalmente simétrico entre dois movimentos nacionais pelo mesmo território, o da região compreendida entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão, correspondente à antiga Palestina do mandato britânico. Tal simetria de estrutura envolvia, contudo, um conjunto de relações assimétricas entre os dois contendores. A favor dos judeus estava o fato de que após a Primeira Guerra Mundial a Inglaterra - guindada pela Liga das Nações ao posto de potência mandatária da região - passou a apoiar, embora de modo ambíguo, o empreendimento sionista, protegendo-o até o final da década de 1930, numa época em que suas forças ainda eram insuficientes para garantir sua autodefesa. No transcorrer daqueles anos, os líderes do movimento sionista lograram transformar a Agência Judaica ( Sochnut Hayehudit ) em um verdadeiro proto-Estado, com uma estrutura político-organizacional que capacitaria o ishuv[7]a enfrentar com sucesso as imensas dificuldades relativas à criação do Estado de Israel.
Além de uma organização superior, os judeus constituíam um povo que podia mobilizar uma consciência nacional extremamente arraigada, visto que remontava não a séculos, mas a milênios. Em contraste, a identidade nacional dos árabes-palestinos ainda estava em seus primórdios, mal se diferenciando do entorno dos demais países árabes da região. Com uma organização política centrada na liderança de clãs tradicionais, os “palestinos”[8] pouco puderam fazer para evitar que o empreendimento sionista prosperasse, sendo que uma revolta organizada contra a presença judaica só foi efetivada com a Rebelião Árabe de 1936-39, sob a liderança de Haj Amin al-Husseini, o mufti de Jerusalém, no contexto de sua aliança política e ideológica com a Alemanha nazista.[9]
Por outro lado, com relação ao fator demográfico havia um brutal desequilíbrio entre os lados. Na década de 1930, o ishuv contava com algumas poucas centenas de milhares de pessoas, face à imensidão do entorno árabe que, no caso de uma guerra, estava claro que cerraria fileiras ao lado de seus irmãos da Palestina contra o “invasor sionista”. Já as lideranças do movimento sionista pensavam que sua densidade demográfica seria aumentada pelo que esperavam ser um grande afluxo de judeus europeus que teriam na Palestina seu único refúgio contra o anti-semitismo europeu que recrudescia. Desgraçadamente, antes do início da Segunda Guerra Mundial poucos podiam imaginar a aterradora dimensão da exterminação nazista. Assim, com a sua base demográfica drasticamente reduzida, o projeto sionista adquiriria um aspecto tão implausível quanto inexorável. Implausível, pois mesmo em caso de vitória na guerra que se avizinhava, os judeus estavam de antemão condenados tanto pela geografia quanto pela demografia a constituir um pequeno enclave permanentemente sitiado por um universo hostil. Inexorável, pois o ishuv e os sobreviventes europeus da Shoah já não tinham outra opção além da de prosseguir em direção à criação do sonhado Estado Judeu[10]. Além disso, após o conhecimento público das dimensões da Shoah, estavam mais do que nunca convictos da justeza de sua causa, afinal não era verdade que a premonição de Herzl de que “a luta de classes será travada às nossas custas” (O Estado Judeu) realizara-se numa escala inimaginável para o próprio idealizador do sionismo político?
Após a vitória na Guerra de 1948, o Estado de Israel estabeleceu-se em 78% do território da Palestina britânica, sendo as atuais regiões da Cisjordânia e Gaza ocupadas pela Jordânia e pelo Egito, respectivamente. Dentro da área conquistada por Israel, constituiu-se uma sólida maioria judaica, mas ao preço da expulsão de mais de 700 mil árabes para os países adjacentes, onde passaram a viver como refugiados[11]. Travara-se uma guerra extremamente violenta, a qual, para os árabes palestinos, cujas lideranças haviam apostado todas as suas fichas em “jogar os judeus no mar”[12], resultou em uma catástrofe nacional, a Nakba. Também para os judeus, o que estava em jogo era muito mais do que traçados de linhas de fronteiras, pois havia a consciência geral de que uma eventual derrota frente aos exércitos árabes significaria a destruição completa do ishuv, isto é, um possível segundo genocídio de judeus apenas três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas mesmo com a vitória, as fronteiras do novo Estado permaneciam extremamente precárias do ponto de vista defensivo, devido ao fato de que Ben Gurion recusara-se, contra a opinião de seus generais, a ordenar um avanço do exército israelense sobre a Cisjordânia e Gaza em novembro de 1949, quando isto havia se tornado militarmente possível[13]. Se tivermos em mente o fato de que as elites políticas e militares israelenses acreditavam que uma paz com os árabes só seria possível quando estes estivessem convencidos da impossibilidade de destruir Israel, então poderemos compreender o significado da frase que Ygal Allon, um dos legendários generais israelenses do período, proferiu após o fim dos confrontos militares: “Israel ganhou a guerra, mas perdeu a paz”.
Neste ponto, já emerge um dos elementos essenciais do conflito palestino-israelense e, mais amplamente, do conflito árabe-israelense, a saber, o fato de que não estamos tratando aqui de um conflito territorial de configuração clássica, isto é, de um conflito em que duas ou mais nações disputam entre si territórios e fronteiras[14]. E isto por algumas razões básicas. Uma delas assenta-se na constatação de que, em ambos os lados do conflito, constituíram-se narrativas que o alçam a uma dimensão propriamente existencial. Para os árabes-palesinos, é a sua identidade nacional mesma que foi construída sobre a idéia de uma pátria ancestral invadida e profanada por uma espécie particularmente abominável de imperialistas ocidentais, “os sionistas”, os quais não possuiriam nenhum vínculo histórico com a região para a qual teriam se dirigido apenas com objetivos de domínio e exploração.[15]
De forma análoga, embora não simétrica, também para os judeus a guerra com os países árabes sempre abarcou uma dimensão existencial, isto é, sempre colocou em perigo o mais elementar direito à vida e à existência coletiva da nação israelense. Com efeito, uma das coisas que explica a vitória de Israel nas três grandes guerras contra os países árabes ( 1948, 1967 e 1973 ) é a presença de uma convicção generalizada entre seu povo de que, se quisesse viver, simplesmente não poderia sair de qualquer uma dessas guerras como derrotado. Se a doutrina da Muralha de Ferro sempre foi falsa, dado que homogeneíza no espaço e no tempo o grande e diversificado mundo árabe[16], ela saiu-se até hoje politicamente vitoriosa pelo fato de repousar sobre uma verdade inegável: a radicalidade da recusa árabe em reconhecer o direito à existência de Israel.[17]
Uma ironia desta história é que a circunstância de excepcionalidade de uma nação lutando pelo seu direito de existir pode ser vista contra o pano de fundo de que o sionismo político assumiu historicamente a forma um tanto paradoxal de uma “revolução normalizadora”. Dado o fato de que a dispersão e o esgarçamento dos vínculos nacionais do povo judeu tendiam a se acentuar pela ação das tendências niveladoras e homogeneizadoras de uma modernidade que se queria emancipada, não havia nada como uma corrente histórica considerada “inexorável” ou “progressiva” que assegurasse a continuidade da existência dos judeus enquanto nação. Uma vez constatada a realidade de que a existência do povo judeu - um povo perseguido e disperso por quase dois mil anos - não ocorrera apenas através da história, mas também apesar dela, tratava-se, segundo David Ben-Gurion, de encetar a “revolução judaica” ( o sionismo ) como uma revolução contra a História[18], isto é, como a afirmação de uma vontade nacional rebelde tanto frente ao anti-semitismo quanto ao que era visto como resignação assimilacionista daqueles que não mais queriam sustentar a dívida da lembrança de que eram filhos de Israel.[19] Uma revolução, portanto, duplamente sui generis, pois além de estar em oposição à uma suposta corrente histórica, tinha como objetivo principal assegurar aos judeus o direito universalmente reconhecido a todos os povos de se organizar nacionalmente dentro das fronteiras territoriais de um Estado que lhes garantisse segurança e autodeterminação. Portanto, uma revolução que transformasse os judeus em um povo “normal”, uma nação vivendo e atuando em meio às outras nações...
[1] Cf. Shlaim, Avi, “A Muralha de Ferro”, Editora Fissus.
[2] Cf. Beny Morris, “Um muro se fecha sobre Israel”, In: Jornal Estado de São Paulo 01/01/2009.
[3] Esta visão é expressa de forma dramática por B. Morris na antológica entrevista por ele concedida a Ari Shavit, publicada, no jornal israelense Ha´aretz em 08/01/04.
[4] Infelizmente, este é o caso de Benny Morris. Outrora um corajoso ativista contra a ocupação israelense e um crítico lúcido da história de Israel, sua conversão para a doutrina da “guerra de civilizações” conferiu o característico tom exasperante e apocalíptico aos seus escritos, que geralmente justificam toda a política de Israel como “autodefesa”.
[5] É bom lembrar que ainda em 2004 a “Iniciativa de Genebra”, uma iniciativa não oficial articulada por lideranças políticas de ambos os lados e que propõe uma solução concreta para todos os temas fundamentais do conflito ( fronteiras, Jerusalém, refugiados e segurança ), alcançou 40% de apoio dentro de Israel, em pleno governo de Ariel Sharon, o que, segundo Dov Weiglass, amigo e confidente político do ex-primeiro ministro, teria sido uma das razões principais para que ele lançasse seu plano de retirada unilateral de Gaza, um diversionismo político para consolidar as posições israelenses na Cisjordânia e congelar o processo de paz “até que os palestinos se comportassem como finlandeses”... Cf. Wiglass, D., Haaretz 08/10/2004.
[6] Safatle, V. “O verdadeiro alvo”, publicado na revista eletrônica “Trópico”. Ver
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/3051,1.shl. Trata-se de um artigo cujo grande mérito é expor de forma muito clara e lúcida algumas das problemáticas centrais que envolvem o conflito israelense-palestino. No presente texto, discordarei de algumas das teses de V. Safatle.
[7] Comunidade Judia da Palestina pré-Estado de Israel.
[8] Esta denominação para referir-se somente aos árabes da Palestina é obviamente anacrônica para este período, daí as aspas.
[9] Como é bem sabido, após a derrota da Rebelião Árabe frente aos ingleses, Al-Husseini seria calorosamente recebido na Alemanha por Hitler, que lhe confiaria o comando das SS muçulmanas na Bósnia-Herzegovina, com o qual praticaria notórios massacres e crimes de guerra. Para a participação da liderança árabe-palestina na “solução final nazista”, ver Alan M. Dershowitz -- Hudson New York, 21/08/09 ).
[10] A possibilidade de um Estado binacional foi defendida antes da criação do Estado de Israel pelo chamado “sionismo classista”, de orientação marxista e que, na época, possuía um grande peso político. Também intelectuais judeus ligados à Universidade Hebraica de Jerusalém, pertencentes ao grupo Brit Shalom, militaram por esta solução, a qual, todavia, estava inviabilizada desde o início pela quase inexistência de grupos árabes que apoiassem uma solução deste tipo. Para a esmagadora maioria das lideranças árabes-palestinas da época, os judeus não deveriam ter qualquer tipo de soberania sobre nenhuma parte da terra em disputa.
[11] A maioria judaica no Estado de Israel seria posteriormente reforçada pelas sucessivas expulsões de judeus dos países árabes, que se seguiram à guerra de 1948. Grande parte desses refugiados seguiu para Israel e foi absorvida, com imenso esforço coletivo e superando-se grandes dificuldades, como cidadãos no novo Estado.
[12] Tal fato, que em si é inegável, não isenta Israel da sua parcela de responsabilidade sobre a Nakba.
[13] “Um erro a se lamentar por gerações”, Ben-Gurion teria dito posteriormente. As razões para a não realização da ofensiva militar sobre Gaza e Cisjordânia em 1949 foi, provavelmente, além do medo de uma intervenção britânica a favor dos árabes, a convicção de Ben Gurion de que não se reproduziriam nessas áreas uma debandada geral da população árabe. Cf. Shlaim, Avi., “A Muralha de Ferro”, p.p. 67-93.
[14]Ao contrário do que afirma V. Safatle no artigo supracitado. Ele o faz, entretanto, por um bom motivo, o de criticar a hipóstase deste conflito através de grandes narrativas maniqueístas e demonizadoras produzidas por ambos os lados. Vale citá-lo. “Melhor seria assumir o conflito por aquilo que ele é: não um conflito de civilizações, uma reedição das cruzadas ou uma luta do bem contra o mal radical, mas um conflito territorial que assumiu proporções que nunca deveria ter assumido ( grifo meu )”. Eu poderia assinar embaixo, mas a questão de fundo permanece: por que este conflito, e justamente este em meio a tantos outros similares ( alguns, inclusive, muito mais violentos ), adquiriu uma tal proporção apocalíptica? A esta questão fulcral, somente através da qual, a meu ver, podemos entender por que, para citar novamente o Autor, “não há hoje assunto ao mesmo tempo mais urgente e mais bloqueado do que o conflito palestino”, V. Safatle não nos fornece em seu artigo uma resposta satisfatória.
[15] O fato de que a própria identidade palestina se definiu historicamente em oposição ao “sionismo” ( devidamente demonizado ) tem dificultado um reconhecimento efetivo, para além de concessões territoriais de ordem tática ou pragmática, da legitimidade histórica dos direitos da nação israelense. Alguns analistas atribuem a recusa de Arafat em Camp David ao fato de que ele teria ficado refém de uma mitologia nacional da qual ele foi a um só tempo um dos principais construtores e símbolos. Ver. Bem-Ami, S. “Qual és el futuro de Israel”, e Demant, P., “O fracasso das negociações de paz Israel-Palestina”, In: “Israel-Palestin: a construção de paz de uma perspectiva global”, orgs. Gilberto Dupas e Tullo Vigevani.
[16] Como corretamente Moshe Sharret já sustentava contra Bem-Gurion na década de 1950. Cf. Shlaim,A., op., cit., p.p. 139-190.
[17] Neste contexto, os Acordos de Oslo adquirem uma importância simbólica duradoura, para além de seu fracasso momentâneo, pois consistiram na primeira vez que os representantes de ambos os povos reconheceram oficialmente a legitimidade dos direitos nacionais de seus adversários. Entretanto, seria um grande erro pensar que este reconhecimento oficial, por si só, é capaz de encerrar a questão do ponto de vista simbólico, visto tratar-se de um acordo político entre lideranças que, isoladamente, é incapaz de alterar as narrativas básicas de ambas as nações a respeito do “outro”, como ficaria evidente nos fatídicos anos que se seguiriam.
[18] Ao contrário do que à época se pensava sobre as revolução socialista que, entretanto, na visão da esquerda sionista, eram ambas a uma só tempo convergentes e indissociáveis. Cf., Ben~Gurion, D., “Os imperativos da Revolução Judaica”, In: “O judeu e a modernidade”, organizado por Jacob Guinsburg, Editor Perspectiva.
[19] A notar que as comunidades judias religiosas, em sua grande maioria não sionistas, eram vistas pela ampla maioria do movimento sionista como resquícios do passado, isto é, formas de convivência comunitária destinadas pela História à desaparição...
"If the people who marched actually voted, we wouldn’t have to march in the first place".
"(Poor) countries are poor because those who have power make choices that create poverty".
ubi solitudinem faciunt pacem appellant