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Mensagem
por marcelo l. » Sex Mai 21, 2010 1:14 pm
Os mercados estão fora de controle, diz Schäuble
Valor Econômico - 21/05/2010
O homem no olho da tempestade financeira que envolveu o euro aprendeu a ser paciente, após 20 anos confinado a uma cadeira de rodas. Mas Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, é também um homem com pressa.
Ele quer urgentemente reescrever as regras da zona euro, para evitar que uma crise semelhante volte a ocorrer e para revitalizar a dinâmica da negociação internacional por uma regulamentação mais dura para os mercados financeiros. E retomou a ideia de uma taxa sobre transações financeiras internacionais, para que o setor financeiro compartilhe os custos da crise, mesmo se for aprovada apenas no âmbito da União Europeia (UE).
Schäuble admite que o maior problema que afeta os mercados é de confiança na capacidade da UE, especialmente dos 16 membros da zona do euro, de controlar suas dívidas e seus déficits, como prometeram. "Essa é a tarefa que temos de cumprir", disse ao "Financial Times" a bordo de seu jato Challenger Luftwaffe com destino a Berlim. "Mas isso não altera o fato de que a regulamentação do mercado financeiro é também necessária.
"Estou convencido de que os mercados estão fora de controle. É por isso que precisamos de regulamentação realmente eficaz, para criar um mecanismo de mercado com bom funcionamento."
O senso de urgência de Schäuble, de 67 anos, é intensificado por seu próprio estado de saúde. Dez dias atrás, ele sobreviveu a uma tentativa de assassinato, praticada por um homem mentalmente perturbado, e foi levado às pressas a um hospital, após uma reação alérgica a um novo antibiótico, quando chegou a Bruxelas para a reunião de emergência de ministros das Finanças da UE que fechou o pacote de ajuda de € 750 bilhões.
Na primeira entrevista desde que voltou ao trabalho, ele insiste estar à altura do que é frequentemente considerado o cargo mais difícil no governo alemão. "Deixo muito claro sobre o que posso e o que não posso me responsabilizar. É minha decisão e minha responsabilidade. Sinto-me bem assim."
A crise da zona do euro foi desencadeada por temores de um calote da dívida grega, a despeito do enorme pacote de socorro conjunto da UE e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Especulações no mercado então passaram a focar a dívida soberana de Portugal e da Espanha, causando uma queda no valor do euro nos mercados cambiais e deflagrando agudas críticas em toda a Europa contra a especulação em massa no mercado.
O retorno de Schäuble a Bruxelas na terça-feira ocorreu apenas horas antes do anúncio de a Alemanha proibir vendas totalmente a descoberto - a venda de papéis por investidores que não os têm em suas carteiras, seja mediante compra ou empréstimo -, de títulos soberanos da zona do euro, de swaps de risco de crédito e de ações das dez mais importantes instituições financeiras alemãs. A decisão foi coerente com o pensamento do ministro sobre o perigo de desconexão entre operações financeiras e as atividades econômicas reais.
"Um mercado não funciona adequadamente se os riscos e as recompensas ficam completamente desequilibrados", diz ele. "Precisamos de transparência. Dada a complexidade da tecnologia moderna, as pessoas precisam ter uma chance de analisar o que estão fazendo. É por isso que necessitamos padronização de produtos. E precisamos de transparência para todos os participantes no mercado."
"Precisamos regulamentar as transações de balcão e temos de focar a proporção entre as transações financeiras e o comércio real de bens e serviços. Eles não guardam [atualmente] nenhuma relação entre si. Precisamos de novos instrumentos financeiros para enfrentar as grandes tarefas financeiras com que nos defrontamos. Mas, perdoe-me dizer, lucros de no mínimo 25% são simplesmente inimagináveis na economia real. Isso não é saudável".
Schäuble receia que enfraqueceu o impulso por regulamentação financeira internacional, e ele está determinado a revitalizar a iniciativa. Essa visão, compartilhada em Washington, está agora "ficando muito forte na Europa". Mas a UE precisa acelerar seu complicado processo de tomada de decisão.
Embora a ideia de um imposto sobre transações financeiras mundiais pareça ter sido descartada tanto pelos EUA como pelo FMI, Schäuble diz que o G-20 (grupo que reúne os principais países ricos e emergentes "terá de voltar a examinar [a ideia] sem posturas pré-concebidas". Ele admite ser "muito provável" que não haverá acordo na cúpula do G-20, no Canadá em junho, e que então o debate será "para ver se é possível negociar um imposto sobre transações em nível europeu".
Tanto uma regulamentação mais rigorosa do mercado como a obrigatoriedade de as instituições financeiras contribuírem mais para arcar com o custo da crise (mediante uma taxa sobre operações bancárias que o governo já aprovou e um eventual imposto sobre transações financeiras) são populares na Alemanha, mas oferecer garantias de crédito a economias mais fracas, não. Ao interligar os dois, o governo claramente espera esvaziar uma reação contrária.
O acordo na zona do euro comprometeria Berlim a oferecer garantias de até € 150 bilhões, sua participação no aporte total de € 440 bilhões proveniente dos países-membros da zona do euro. O restante viria do FMI e da Comissão Europeia (CE). O que os cidadãos alemães temem é que a Alemanha se torne responsável pelo ônus integral das garantias sobre a dívida. Eles cunharam o termo "união para transferência" para descrever uma UE que simplesmente toma o dinheiro do parcimonioso contribuinte alemão e o disponibiliza aos perdulários gregos, espanhóis e portugueses. O "Bild", eurocético jornal de circulação em massa, empenhou-se numa estridente campanha condenando tal iniciativa.
O ministro tenta ser tranquilizador. "Ao final, os alemães são razoavelmente mais sensatos do que se poderia pensar da leitura de artigos em jornais", diz ele. Mas, como se já não tivesse o suficiente para fazer no combate a incêndios da crise na zona euro e no planejamento de seu próprio programa de austeridade para o próximo orçamento anual, Schäuble está ansioso por engajar-se num debate com os eurocéticos alemães.
"Primeiro, é preciso dizer: Por que a Alemanha é tão próspera? Porque se beneficia da integração europeia mais do que qualquer outro país." Christine Lagarde, ministra das Finanças francesa e amigo próxima de Schäuble, que exortou a Alemanha a impulsionar o crescimento e gastar mais com importações provenientes do resto da zona euro, estava, em parte, certa. "O problema não é o superávit alemão", diz ele. "Eu respeito a reprimenda, que também ouvi do [secretário do Tesouro dos EUA] Tim Geithner, de que a Alemanha deveria fazer mais pelo crescimento [da Europa]. Temos um papel de locomotiva. Mas, por outro lado, devo perguntar: o que devemos fazer para crescer mais rápido? Não pode ser acumulando maiores déficits, ao contrário das recomendações do Pacto de Estabilidade e Crescimento [da UE]. Isso é loucura. Preciso reduzir meu déficit".
Em vez disso, acrescenta ele, a Alemanha deve agir no sentido de melhorar sua taxa de emprego. Uma maneira de fazê-lo seria mediante melhor integração dos imigrantes na economia alemã. "Não devemos cortar gastos em educação, serviços de saúde ou na criação de igualdade de oportunidades no mercado de trabalho."
Ele critica os efeitos do seguro contra desemprego de longo prazo na Alemanha, que ergue barreiras ao retorno dos desempregados ao mercado de trabalho. "Precisamos mudar isso", diz. "É difícil, mas é crucial". Isso poderá ser uma fonte de poupança na próxima rodada de cortes no orçamento do país. "Porém ainda mais importante é aumentar a taxa de emprego de uma população que tem encolhido e envelhecido".
Schäuble está pedindo ações dolorosas dos membros da zona euro que registram os maiores déficits orçamentários e comerciais, como Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Se algum deles for obrigado a pedir apoio do mecanismo de estabilização, terá de cumprir condições rigorosas estabelecidas pelo FMI em conjunto com o Banco Central Europeu (BCE) e a CE. Uma decisão de conceder garantias de crédito precisa ser unânime, o que concede à Alemanha um direito efetivo de veto.
Todos estão diante da necessidade de reformas estruturais mais fundamentais para se tornarem mais competitivos, disse ele. "A Espanha, por exemplo, precisa solucionar seu problema do mercado de trabalho. Devido à regulamentação, [a Espanha] tem um mercado de trabalho completamente cindido, com um nível de desemprego de 40% entre os jovens. A Itália precisa solucionar seu problema no Mezzogiorno [sul do país]. A Itália não tem nenhum problema no norte, no que diz respeito a crescimento, mas tem um problema de diferenças regionais."
"Não estou dando conselhos a outros países, mas apenas dizendo que todo mundo tem algum problema específico, e todos também têm margem de manobra orçamentária específica para estimular o crescimento".
Mas não estará a Alemanha simplesmente tentando fazer com que o restante da Europa se comporte como os parcimoniosos alemães? " Bobagem", diz ele. "Estudei um pouco sobre como era o mundo antes do início do século passado. A Alemanha não ajudou o mundo a se tornar um lugar melhor, e isso não fez nenhum bem aos alemães. Portanto, temos uma responsabilidade europeia. Precisamos levar a Europa um pouco mais adiante."
"A Europa precisa de liderança. Qualquer organização precisa disso. A Alemanha não pode liderar sozinha - isso seria um absurdo. A França e a Alemanha podem fazer muita coisa juntas. Seria melhor se o Reino Unido também fizesse parte da liderança, mas essa decisão cabe ao Reino Unido, depende de eles quererem ou não."
Na verdade, longe de refletir crescente euroceticismo alemão, tanto Schäuble como Merkel renovaram suas exortações por maior união política para dar sustentação à união econômica e monetária. "Quando adotamos o euro, na década de 90, a Alemanha desejava uma união política, e a França, não. É por isso que temos uma união econômica sem união política", diz ele. "União política significa, naturalmente, um pouco do federalismo, no sentido alemão de federal. Isso significa que não se poderia mais tomar certas decisões em nível nacional. Isso é muito difícil para o Reino Unido. Muitas vezes não é tão simples para a França, mas a França acha mais fácil assumir decisões europeias."
"A Alemanha tem muita experiência com o federalismo, mais do que Reino Unido ou França. Se você quer criar uma organização federativa, deve estar disposto a ter uma certa dose de redistribuição em seu interior. Você pode desqualificar isso, aplicando rudemente o rótulo 'união para transferência'. Mas tanto Estados fortes como os mais fracos têm responsabilidades. Estamos cobrando muita coisa dos mais fracos, mas os fortes também têm responsabilidade, e temos de explicar isso também."
"Temos de dizer claramente à Alemanha: podemos desempenhar nosso papel, mas precisamos saber que isso significa que haverá decisões tomadas contra nós. No penúltimo fim de semana [nas negociações sobre o mecanismo de estabilização da zona euro] vimos que não era do interesse alemão permanecer numa posição isolada. Isso também [faz parte de] um bom processo de aprendizagem para a opinião pública alemã."
"If the people who marched actually voted, we wouldn’t have to march in the first place".
"(Poor) countries are poor because those who have power make choices that create poverty".
ubi solitudinem faciunt pacem appellant