Guerra escreveu:
Leandro, a ciência vem da duvida, a fé tb. A certeza da ciência vem do raciocinio, as certezas da fé tb. Porém fé e ciência são coisas distintas. A ciência funciona dentro do nosso mundo. A fé é um evento pessoal que vem do raciocinio.
Se vc falar que a fé as vezes é contaminada pelo mundo material, dai eu tenho que concordar. A fé acontece dentro de cada um, mas vivemos num mundo material, portanto é aqui que a fé acontece. Sim, nós comparamos a fé como comparamos nossos carros, casas, roupas.
A fé não vem do raciocínio, ela vem da crença "a priori" em uma dada base de idéias que se considera em princípio como verdadeiras, e que não são questionadas. À partir desta base são criadas racionalizações que definem a tradição ligada àquela religião ou seita em particular, mas a base é sempre a pura fé.
Por exemplo, os católicos e evangélicos acreditam cada um que sua bíblia oficial (elas não são exatamente iguais) é a palavra inspirada por Deus e que, portanto, toda a verdade relativa à natureza divina, do universo e do homem está contida nela. Interpretações do texto são possíveis, e o homem pode em princípio interpretar os escritos erroneamente, mas o texto em si é perfeito, por ser de origem divina. Mas em última instância a única corroboração que apresentam para a divindade do texto bíblico é o conteúdo do próprio texto, o que leva a um argumento circular ou seja, o único razão para considerar o texto bíblico como correto e verdadeiro é a própria fé nele. E obviamente isto não é válido como argumento.
Muitas racionallizações são feitas à partir do texto bíblico, tentando ajustá-lo à realidade observável e às regras sociais aceitas, e neste ponto pode-se até dizer que a religião tem um método parecido com a ciência, que é desenvolver o raciocínio logicamente à partir de uma reduzida base de idéias centrais (chamada de paradigma na ciência e dogma na crença). Mas no caso da ciência os paradigmas são sempre baseados em observação e experimentação, e nunca são considerados absolutos, sempre é possível que apareça uma nova observação ou modelo teórico que substitua ou complemente o paradigma pré-existente. Por isso os cientistas ficam muito confortáveis em chamar seus paradigmas apenas de teorias (da relatividade, da evolução, do big-bang, etc...).
Os religiosos por outro lado consideram seus dogmas como verdades absolutas e imutáveis, mesmo que não se possa exibir evidências consistentes deles além das próprias crenças e textos (existência de Deus, inspiração divina do texto bíblico, existência do Cristo, sua própria divindade, etc...). Bastam algumas indicações difusas de qualquer coisa relacionada às suas crenças para que eles as considerem como abolutamente comprovadas, sem a necessidade de observações adicionais ou resultados experimentais. Ou a ocorrência de experiências pessoais, que são sempre de caráter íntimo e subjetivo (eu senti a presença de Deus, eu senti Sua ação na minha vida, Ele falou comigo, etc...). Já nos pontos onde os textos religiosos contradizem frontalmente os dados observacionais e experimentais, ou estes são ignorados, ou a ciência é considerada como estando enganada apesar de todas as evidências em contrário, ou quando nada disso é possível alega-se que o texto religioso tem uma interpretação diferente da literal, e desenvolve-se uma que permita ajustá-lo aos fatos irrecusáveis. Já me desculpando por parecer rude, acho muito fácil um crente dizer que sua fé é baseada em raciocínio, mas em décadas de discussões sobre o assunto sempre que vi algum deles tentando desenvolver este argumento chegou-se novamente a uma questão de pura fé.
Se são utilizados apenas argumentos objetivos a similaridade entre a crença religiosa e o conhecimento científico é apenas superficial, limitada à racionalização posterior ao estabelecimento da base conceitual de cada uma. Mas as próprias bases conceituais são completamente diferentes (observação para a ciência e pura fé para a religião), e não há muito cabimento em compará-las.
Leandro G. Card