O Brasil e a geopolítica dos grandes
"O Brasil contou, nesse período recente, com a liderança política de um presidente que transcendeu o país, e projetou mundialmente sua imagem e influência carismática"
Uma análise recente de José Luís Fiori aponta um ângulo interessante para se considerar a articulação do jogo geopolítico no futuro: foi-se o tempo dos pequenos países conquistadores – como Portugal, Inglaterra, Espanha e, mais remotamente, Itália (Roma) –, daqui para frente o sistema mundial dependerá de um jogo de poder entre os grandes países continentais, como foram os EUA e agora serão a China, a Rússia, a Índia e o Brasil, excluindo-se a União Européia enquanto não constituir um Estado único. Trocando em miúdos: qualquer candidato a superpotência precisa ser de tamanho grande.
Neste jogo, os EUA já ocupam o epicentro e lideram a expansão do sistema mundial, mas os outros quatro países possuem, por si só, cerca de um quarto do território e quase um terço da população mundial. Todos disputam hegemonias regionais e já projetam seu poder econômico ou diplomático para fora de suas regiões. Na próxima década, espera-se que a Rússia reconquiste seu antigo território e zona de influência imediata; que a expansão global da China mantenha-se no âmbito econômico e diplomático; e que a Índia continue envolvida com a construção de barreiras e alianças para proteger suas fronteiras, ameaçadas ao norte pelo Paquistão e pelo Afeganistão e, ao sul, pelo novo poder naval da China.
Nessa perspectiva, comparado com esses três “países continentais”, o Brasil tem menor importância econômica do que a China e muito menor poder militar do que a Rússia e a Índia. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil é o único entre eles situado numa região sem disputas territoriais com vizinhos, razão pela qual é o país com maior potencial de expansão pacífica dentro da sua própria região. Além disso, o Brasil desfruta da condição de “potência desarmada”, posto estar situado na zona de proteção militar incondicional dos Estados Unidos. Por isso, a expansão da influência brasileira tem seguido até aqui a trilha já percorrida pelos Estados Unidos e por seus antepassados europeus.
Além disso, é fundamental destacar que o Brasil contou, nesse período recente, com a liderança política de um presidente que transcendeu o país, e projetou mundialmente sua imagem e influência carismática. Como ocorreu, num outro momento e situação, com a liderança mundial de Nelson Mandela, que foi muito além do seu poder real e da influência internacional da África do Sul.
Assim, pode-se prever que o fim do mandato do presidente Lula representará, inevitavelmente, uma perda no cenário internacional, como aconteceu com a saída de Nelson Mandela. Com a diferença de que o Brasil já está objetivamente muito à frente da África do Sul. Assim mesmo, para seguir adiante com um caminho já traçado, o Brasil terá que fazer duas opções fundamentais a longo prazo:
1) Terá que decidir se aceita ou não a condição de “aliado estratégico” dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França – com direito de acesso à tecnologia de ponta, mas mantendo-se na zona de influencia e decisão militar dos Estados Unidos.
2) Caso contrário, o Brasil terá que decidir se quer ou não construir uma capacidade autônoma de sustentar suas posições internacionais com seu próprio poder militar. Sendo assim, o Brasil terá que definir a sua visão e o seu projeto de transformação do sistema mundial, ainda que aceitando sua “matriz originária européia”, mas sem contar com nenhum “mandato” ou “destino” (revelado por Deus ou quem quer que seja) para converter, civilizar ou conquistar os povos mais fracos do sistema.
De qualquer forma, uma coisa é certa: o Brasil já se mobilizou internamente e estabeleceu nexos, dependências e expectativas internacionais muito extensas, num jogo de poder que não mais admite recuos. Nessa altura, qualquer retrocesso custará muito caro à história e ao povo brasileiro.
Resumindo: o avanço geopolítico do Brasil deve passar necessariamente pela consolidação da sua soberania política no interior do próprio território. E, para tanto, o país precisa neutralizar a ação das suas elites eternamente entreguistas, preferencialmente, pelo voto direto, pela via democrática.
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