É um texto muito interessante mas grande quem quiser lê-lo inteiro está aqui:
http://www.msia.org.br/ibero-am-rica-ib ... l/861.html
Separei essa parte,para não encher meia folha
Parceria França-Brasil: implicações estratégicas
24 September, 2009 03:58:00 Editoria
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Além de todas essas considerações, o impacto estratégico-político da parceria franco-brasileira tem uma dimensão que poucos começaram a avaliar: a criação de uma "manobra de flanco" com um enorme potencial para reforçar o processo dinâmico de reconfiguração da ordem de poder mundial centrada na hegemonia do eixo anglo-americano. E aqui não se está sugerindo que o acordo entre Paris e Brasília seja "antiamericano"; porém, ele representa um importante vetor para o estabelecimento de um novo sistema de relações internacionais que não seja predominantemente influenciado pela visão de mundo anglo-americana, baseada na supremacia militar e financeira (neste particular, é de grande relevância a posição conjunta de Sarkozy e Lula em favor da re-regulamentação financeira e das restrições aos paraísos fiscais). Dada a densidade econômica e política dos dois países nos respectivos continentes, a parceria franco-brasileira poderá desempenhar um papel crucial no estabelecimento de um eixo estratégico Europa-América do Sul em uma dimensão bastante superior à de meros arranjos comerciais. Tal perspectiva se torna ainda mais relevante no âmbito dos entendimentos estratégicos entre a França e a Federação Russa, em curso em várias áreas, cruciais para a consolidação de um eixo eurasiático, o outro "flanco dinâmico" da reconstrução mundial pós-crise global.
A propósito, vale observar uma instigante nota divulgada em 8 de setembro no sítio franco-belga De Defensa, especializado em temas estratégicos, com o sugestivo título "O eixo Brasília-Moscou, símbolo da 'força das coisas'". A nota comenta as repercussões e possíveis desdobramentos do pacote franco-brasileiro e a surpreendente intenção da Rússia de adquirir na França um navio de desembarque anfíbio da classe Mistral e construir outros dois, anunciada em 26 de agosto pelo chefe do Estado-Maior russo, general Nikolai Makarov. Diz o texto:
Não estamos falando aqui de quinquilharias, nem de contas de exportações de boticário, nem mesmo de concorrência comercial e industrial. Falamos da alta política. Somos conduzidos pela simultaneidade das duas notícias sobre as chances de que a França... se torne exportadora de sistemas de armas de altas tecnologias para dois países de grande poder, dois países que se afirmam ou se reafirmam, cada qual à sua maneira, contra a ordem ocidentalista e americanista, dois países que integram o grupo BRIC, que já se manifestou em Ekaterimburgo, há dois meses e meio. (...)
O Brasil e a Rússia são dois países que, por razões diferentes e com abordagens diferentes, estão na primeira linha de batalha contra o sistema do americanismo. Não se nos exija a enunciação de uma teoria política, ou mesmo a sugestão de um complô de aliança, porque pensamos que o que está falando é "a força das coisas" - palavras do general de Gaulle para designar a potência da História - e que a "força das coisas" começa a falar de uma maneira tonitruante, para colocar à luz do dia a realidade de que o sistema americanista está corroído pelos cupins e à beira do colapso. (...)
Para a França, não diremos que "é uma oportunidade" que será seguida pela digitação nas calculadoras dos valores das exportações, ou mesmo do chauvinismo satisfeito pelo valor do material francês... Para a França, essas possíveis exportações para o Brasil e a Rússia abrem (ou reabrem) o caminho para uma época crítica, caracterizada por uma "estrutura de crise", para a reafirmação do seu papel histórico - ou meta-histórico - de fornecedor de soberania e de identidade (enfatizando: para ela e para os outros). Não se exija dos atuais dirigentes franceses que eles expliquem isso... Eles não têm importância, mas trata-se de que as circunstâncias dominantes fazem com que a França continue a ser relevante no essencial - em um sentido e sem hesitação, malgrado os franceses e, sobretudo, as elites francesas, cujas mediocridade e pobreza de espírito são de um prodígio inusitado (sejamos justos: "prodígio", sobretudo, é o fato de que a França ainda possa desempenhar tal papel, a despeito dessa mediocridade e dessa pobreza; mas, também, reconhecimento da potência da "força das coisas").
(...) O país que é um dos mais avançados do sistema do americanismo, que, por detrás das aparências e pelas inclinações de suas elites, o mais sensível à fascinação depreciativa com as quimeras do sistema, está sendo inelutavelmente levado a desempenhar um papel de resistência de primeira linha aos últimos sobressaltos de agressão da derrocada catastrófica do sistema desestruturador do americanismo. As marchas dos armamentos são um meio poderoso dessa resistência. É sem dúvida um fato notável que essa quinquilharia, apesar do seu alto custo e da sua inutilidade fundamental nas guerras de hoje, representem um formidável meio político de resistência à mais terrível ameaça jamais enfrentada pela Civilização. O eixo Moscou-Brasília (aqui mencionado, entenda-se, como símbolo dos acontecimentos) passa por Paris [grifos no original].
Como afirma a maldição chinesa, parece que estamos condenados a viver tempos deveras interessantes - tempos providenciais, poder-se-ia dizer em outras circunstâncias. Não se trata da qualidade das lideranças disponíveis, que deixa muito a desejar em toda parte. Nem Lula e nem mesmo Sarkozy (embora este leve vantagem por conta da superior tradição republicana gaulesa) são homens de Estado com uma visão das suas responsabilidades históricas que pelo menos se aproxime da de líderes como de Gaulle, Kennedy e outros. Não obstante, o quadro de crise estratégica mundial se caracteriza pelo esgotamento das ideologias motrizes das elites hegemônicas do eixo anglo-americano, que está provocando um vácuo que, por sua vez, tende a ser preenchido simplesmente pelo mero efeito da densidade e dimensões das nações maiores, seja em território e população - caso do grupo BRIC - ou em capacidade tecnológico-industrial e iniciativa estratégica, como a França. É essa dinâmica que está permitindo desdobramentos que seriam impensáveis até há bem pouco tempo, como a própria parceria França-Brasil. E é por isso que essa oportunidade histórica não pode ser desperdiçada.
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Sds