#1749
Mensagem
por Marino » Seg Set 14, 2009 11:03 am
Correio Brasiliense:
DEFESA AÉREA
As vantagens do negócio
Reserva de mercado para a produção de helicópteros e exclusividade regional no uso de caça seduzem Brasil a fechar acordo com a França
Isabel Fleck
O modo como o governo tem se posicionado desde a visita do presidente da França, Nicolas Sarkozy, mostra que a decisão política definirá quem vai fechar com o Planalto a venda dos 36 caças para a Força Aérea Brasileira (FAB). Contudo, indissociável da questão política está a contrapartida comercial oferecida por cada um dos três concorrentes — a norte-americana Boeing, a sueca Saab e a francesa Dassault, que parece ter fisgado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao oferecer, com exclusividade, o mercado latino-americano do caça Rafale. A ideia é que o Brasil possa usar a compra para aprimorar a indústria aeronáutica militar e, por consequência, conquistar consumidores de equipamentos bélicos.
O peso comercial pôde ser percebido no acordo de R$ 5,1 bilhões fechado com a França sobre os 50 helicópteros EC 725, que serão produzidos em território brasileiro por um consórcio formado pela Helibras e a Eurocopter, fabricante europeia dessas aeronaves. O texto prevê que, após a produção dos 50 helicópteros para o Brasil, a planta da Helibras, no sul de Minas Gerais, será plataforma exclusiva de exportação do EC 725 para a América do Sul e a África. O governo francês garantiu algo parecido para os caças em uma carta entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a visita de Sarkozy: “mercado exclusivo” na América Latina para quando o Rafale for produzido ou montado no Brasil.
“A França não quer só vender ao Brasil e o Brasil não quer só vender à França. Nós queremos pensar juntos, criar juntos, construir juntos e, se for possível, vender juntos”, afirmou Lula, no Sete de setembro, aparentemente convencido. O assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, confirmou que as “reservas de mercado estabelecidas no caso dos helicópteros” foram um “antecedente importante” na escolha política do governo de “entrar em negociações” com a Dassault.
As outras concorrentes, no entanto, também garantem que incluíram contrapartidas comerciais nas propostas enviadas à FAB. O pacote da Boeing prevê parcerias com 27 empresas brasileiras e a produção de 24 dos 36 F-18 Super Hornet na fábrica da Embraer, em São José dos Campos (SP). O texto, no entanto, não especifica a necessidade de o Brasil vender seus caças a alguma “fatia” do seu mercado global. A empresa norte-americana ainda considera a proposta francesa de reservar ao Brasil um “artifício de marketing”, já que poucos países na região poderiam comprar um caça deste porte.
Fornecedor
Agora, mesmo após a preferência declarada pelo Rafale, os americanos continuam investindo no trunfo “comercial” de sua proposta. Amanhã, o vice-presidente da Rede Global de Fornecedores da Boeing, Ronald Shelley, e o vice-presidente do programa F-18 Super Hornet, Bob Gower, se reunirão, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com representantes de 27 empresas brasileiras para avançar mais no diálogo sobre parcerias — as quais a Boeing garante ter interesse, mesmo que não seja a vencedora da concorrência FX-2.
A concorrente sueca Saab, por sua vez, promete não só que os caças, a partir da primeira unidade, serão produzidos no Brasil, como o país poderá vender “para todo o mundo”. “No caso dos outros dois concorrentes, o produto já está pronto e eles vão, simplesmente, entregar a receita. Na nossa proposta, vamos fazer a receita juntos. Será um caça sueco-brasileiro e temos a absoluta confiança de ter um mercado em potencial enorme lá fora para o nosso produto”, destaca Bengt Janer, diretor da Gripen Brasil.
Janer destaca ainda que o Gripen NG, por ser a única opção de monomotor na concorrência, dará ao Brasil mais opção de vendas no mercado internacional. “Acho difícil vender um caça bimotor para a América do Sul — apesar de o (Hugo) Chávez (presidente da Venezuela) ter um bimotor russo —, porque ele é extremamente caro para comprar e operar. E o monomotor tem muito mais aceitação internacional, é só ver o exemplo do F-16, que vendeu mais de 5 mil unidades em todo o mundo”, ressalta.
1- Parte da “rede”
Em entrevista ao Correio em julho, o então presidente da divisão militar da Boeing, Jim Albaugh, afirmou que a oferta do caça F/A-18 Super Hornet prevê parcerias com 27 empresas brasileiras que poderiam, no futuro, fazer parte da sua rede de fornecimento de equipamentos. Segundo Albaugh, as peças produzidas também para o Super Hornet não serão usadas apenas nos aviões comprados pelo Brasil, mas integrarão a cadeia de suprimentos. “Nós acreditamos que podemos criar 5 mil empregos no Brasil. Nós somos a maior empresa aeroespacial do mundo, e se fecharmos uma parceria, será muito mais que uma parceria sobre um avião”, disse Albaugh, referindo-se às outras áreas de atuação da Boeing, como a produção de satélites, sistemas de controle aéreo e ônibus espacial.
SUPER COUGAR EC 725
Fabricante: Eurocopter Group
Capacidade: 2 tripulantes e 29 passageiros
Altura: 4,6m
Comprimento: 19,5m
Diâmetro do rotor principal: 16,2m
Peso (vazio): 5,3t
Peso (carregado): 11,2t
Teto de voo: 6.095m
Taxa de subida: 3,6m/s
Velocidade de cruzeiro: 285km/h
Velocidade máxima: 324km/h
Autonomia de voo: 857km
Principal função: transporte tático de longo alcance. Pode ser usado ainda na retirada de mortos e feridos, em resgate e em ações de busca em combate
Capacidade do tanque de combustível: 3.750l
Voo inaugural: 27 de novembro de 2000
Introdução no mercado: fevereiro de 2005
Operadores: Brasil, França, Malásia e México
Cuidado para não contrariar os EUA
Embora as contrapartidas comerciais e garantias de exclusividade na venda para certas regiões sejam um grande atrativo nas propostas dos caças, é preciso avaliar qual a real possibilidade de o Brasil se tornar um exportador desse tipo de aeronave diante de um mercado dominado por “cachorros grandes”. Apesar do grande desenvolvimento da Embraer nos últimos anos, no ramo militar, o ápice das vendas brasileiras foi a exportação de 70 Super Tucanos, um avião usado geralmente para treinamento, a Colômbia, Chile, Equador e República Dominicana.
Especialistas destacam que o Brasil não terá problemas com o principal fornecedor aeronáutico à região, os Estados Unidos, enquanto exportar aviões como o Super Tucano — apesar do veto à venda desse tipo de aeronave à Venezuela, em 2006. A intenção brasileira de entrar para os negócios de caças supersônicos, contudo, pode criar um atrito perigoso para o país em outras áreas. “A França pode ser um grande aliado nas pretensões brasileiras, e nos oferece uma contrapartida muito boa nesta questão de produção e comércio militar, mas nós não podemos dar um chute nos Estados Unidos. Temos que tomar cuidado com essa decisão, e eu acho que é isso que o governo brasileiro está fazendo agora”, avalia Geraldo Cavagnari, especialista em Defesa do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.
Para outro analista de Defesa ouvido pelo Correio, o objetivo do Brasil de desenvolver a sua capacidade industrial é “flagrantemente contrário” à política americana de fechar acordos de Defesa em todo o mundo e pode provocar reações que não são interessantes ao Brasil. “O mercado americano é o maior mercado de avião civil da Embraer, se fizermos alguma coisa que desagrade aos EUA, eles podem retaliar em cima dos aviões comerciais. Será que é bom negócio ganhar seis caças aqui e perder a oportunidade de vender 100 aviões comerciais para os EUA por ano?”, argumenta o especialista, que pediu para não ser identificado.
Choque
Cavagnari concorda que talvez não seja produtivo “entrar em choque” com os Estados Unidos para vender o Rafale ou mesmo o Gripen para a América do Sul. “No âmbito comercial, estamos entrando numa fase de confrontação com os EUA. O governo brasileiro quer retaliar os EUA na questão do algodão, e isso já cria um problema”, afirma. Entretanto, o especialista acredita que o fato de muitos países da região optarem por um não alinhamento com Washington pode abrir portas aos caças de outros países produzidos no Brasil. “Se nós entrarmos com esses produtos na América do Sul, vamos criar mercado. Além disso, a França é uma das portas da comunidade europeia, o que tem um peso muito significativo.” (IF)
“A França pode ser um grande aliado nas pretensões brasileiras, e nos oferece uma contrapartida muito boa nesta questão de produção e comércio militar, mas nós não podemos dar um chute nos Estados Unidos. Temos que tomar cuidado”
Geraldo Cavagnari, especialista em Defesa do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco