NARCOTERRORISMO - O Flagelo do Século XXI
Gen Bda R/1 Alvaro de Souza Pinheiro
Analista Militar especialista em Guerra Irregular
pinheiroa@terra.com.br
A América Latina é, hoje, internacionalmente reconhecida como uma das mais pacíficas regiões do mundo. Apesar das sandices irresponsáveis de Hugo Chávez, as ameaças de agressões externas são extremamente remotas. Entretanto, a existência de determinadas situações em alguns estados nacionais pode criar crises capazes de afetar a estabilidade regional. Movimentos revolucionários radicais e sua associação com o narcotráfico, contrabando de armas, lavagem de dinheiro e um fluxo de migrações difícil de controlar são condições que podem acarretar graves problemas transnacionais.
O espectro do narcoterrorismo, internacionalmente caracterizado pelo triângulo letal integrado por narcotraficantes, terroristas e contrabandistas de armas, enfatizando atividades do crime organizado nos grandes centros urbanos já atingidos pela migração descontrolada, emerge, na atualidade, como uma ameaça nova e extremamente perigosa à sociedade humana.
É nesse contexto que se deve analisar as informações registradas nas matérias publicadas nos dias 30 e 31 de outubro, no jornal "Correio Braziliense", de autoria da jornalista Maria Clara Prates, do Estado de Minas, enviada especial ao Paraguai. Tendo como título "Guerrilha treina Sem Terra", as reportagens descrevem atividades de treinamento de técnicas de guerrilha urbana, na região de Pindoty Porá, Departamento de Canindeyú, território do Paraguai fronteiriço aos estados brasileiros de Mato Grosso do Sul e Paraná. Este adestramento foi ministrado, nos meses de maio, julho e agosto, por instrutores colombianos das FARC a brasileiros integrantes do MST (Movimento dos Sem Terra) e de organizações criminosas responsáveis pela segurança de pontos de distribuição de drogas no Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo as informações publicadas, a escolha da região de Pindoty Porá pelas FARC não é aleatória. O local vem sendo utilizado, há pelo menos dois anos, como ponto estratégico para o tráfico de cocaína, maconha e armas, que prospera com a conivência de autoridades paraguaias e sob o beneplácito da frágil legislação daquele país.
O tema não se constitui em novidade. Matéria semelhante já tinha sido publicada na edição de 4 de julho, do jornal "Estado de S. Paulo". Nesta matéria, o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, expõe evidências (inclusive com a apresentação de um vídeo) da atuação de terroristas das FARC no treinamento de bandidos ligados às organizações Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), visando à execução de seqüestros, atividade criminosa que rende às FARC uma receita anual de 250 milhões de dólares.
Para um perfeito entendimento da gravidade de tais indícios, há que se compreender , primeiramente, o contexto global do narcoterrorismo.
A eclosão de um novo cenário geopolítico, característico da era pós-Guerra Fria, determinou, na última década, uma drástica redução dos fundos alocados por estados nacionais patrocinadores para grupos terroristas. Dessa forma, as diferentes organizações operando em diferentes áreas do mundo tornaram-se altamente dependentes de auto-financiamento, por meio de atividades criminais. E o resultado foi que o relacionamento entre o terrorismo e o crime organizado ganhou uma significativa relevância.
As alianças foram estabelecidas em ambas as extremidades do espectro. Os grupos terroristas procurando as organizações criminosas e as organizações criminosas procurando os grupos terroristas. Os acordos estabelecidos possibilitaram, sobretudo, a obtenção de know-how específico, como por exemplo, lavagem de dinheiro e confecção de bombas, ou de apoio operacional, como por exemplo, acesso a rotas de contrabando. As ligações transnacionais das FARC com o cartel narcotraficante mexicano de Tijuana e com a Máfia Russa que opera nos EUA , é um exemplo típico desse tipo de aliança.
Muitas organizações criminosas e terroristas evoluíram tremendamente no emprego de suas respectivas táticas, técnicas e procedimentos operacionais; e, na atualidade, manifestam características simultâneas tanto de terrorismo quanto de crime organizado. Nesse contexto, não raro, grupos criminosos estão divulgando motivações político-ideológicas, num esforço orientado a manipular condições operacionais junto a populações de estados fracos ou falidos (aqueles em que o governo não satisfaz as necessidades primárias da população); e organizações terroristas estão plenamente engajadas na obtenção de lucros em atividades criminosas, de modo a substituir os recursos perdidos dos seus antigos estados patrocinadores. Na verdade, na sua grande maioria, tais organizações estão utilizando retórica político-ideológica (ou étnico-religiosa) como uma fachada para a condução cada vez mais intensa de atividades criminosas (que estão se transformando na sua atividade fim).
A convergência de motivações políticas e criminosas num único grupo (que se torna híbrido) é uma condição que lhe permite ganhar, gradativamente, de forma altamente subversiva, controle político e econômico sobre o estado que, pela incapacidade de seu governo central, se torna falido. É o exemplo característico que se observa, atualmente, dentre outros, no Afeganistão, Serra Leoa, Somália, Libéria, Costa do Marfim, Myanmar e na Província Fronteiriça Noroeste do Paquistão.
No que se refere às organizações colombianas, as FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia), o ELN (Ejercito de Liberacion Nacional) e as AUC (Autodefensas Unidas de Colombia), todas estão profundamente comprometidas com ações terroristas, particularmente seqüestros e atentados a bomba, inclusive com cerrados laços táticos com outras organizações terroristas, como é o caso das FARC e de suas ligações com o IRA (Irish Republican Army) e o ETA (Basque Fatherland and Liberty). E todas também estão profundamente comprometidas com o narcotráfico, em todas as suas fases: orçamento, produção, processamento, transporte e distribuição. Há que se ter em mente que a Colômbia é o maior produtor de cocaína refinada, 80% da produção mundial, da qual 70% é orientada para o mercado norte-americano.
Complementarmente, a Colômbia é o maior produtor de ópio e heroína do hemisfério ocidental, ficando atrás do "Triângulo Dourado" do Sudeste da Ásia (Burma, Tailândia e Laos) e do "Crescente Dourado" do Sudoeste da Ásia (Irã, Afeganistão e Paquistão). Também possui uma expressiva produção de maconha, responsável por 40% do consumido no mercado norte-americano.
As FARC , tradicionalmente, sempre se constituíram em motivo de preocupação para as Unidades do Exército Brasileiro, na área estratégica prioritária, do Comando Militar da Amazônia (CMA), em particular, na região da fronteira noroeste, conhecida como "Cabeça do Cachorro". Em fevereiro de 1991, uma coluna de 40 guerrilheiros que se auto denominou de "Comando Simon Bolívar", atacou um Destacamento de Fronteira com um efetivo de 17 homens, no Rio Traíra, a 400 Km ao norte da localidade de Tabatinga/AM, numa ação até então inédita em postos de fronteira na Amazônia. O resultado deste incidente foram três combatentes de selva mortos e nove feridos. A ação foi efetuada como uma retaliação, em função de que este Destacamento disciplinava e controlava o movimento em áreas indígenas, bem como impedia a garimpagem clandestina. Em resposta, o Exército Brasileiro desencadeou a "Operação Traíra", comandada pelo CMA e contando com a presença de unidades de Infantaria de Selva locais e unidades da Força de Ação Rápida Estratégica, bem como com o apoio da Força Aérea Brasileira. Esta operação , desenvolvida em conjunto com unidades do Exército Colombiano, foi coroada de êxito e, desde então, não se teve mais indícios de presença das FARC em território nacional.
No dia 21 de abril de 2001, o Exército Colombiano desencadeou a "Operação Gato Negro", contra as FARC , na região próxima à localidade de Barrancominas, Departamento de Vichada, a este da Colômbia, próxima à fronteira com a Venezuela, e não longe da fronteira com o Brasil. Nessa jornada, foi preso (após confronto armado, no qual ficou ferido) Luiz Fernando da Costa, 33 anos, vulgo "Fernandinho Beira Mar", o maior narcotraficante brasileiro, responsável pela distribuição de 70% da cocaína refinada distribuída no território nacional. A 16ª Frente das FARC, comandada pelo Comandante "Negro Acácio" utilizava aquele Departamento, juntamente com os de Guainía e Guaviare, como um corredor de mobilidade, e como área de cultivo de coca, refino e distribuição de cocaína para a Venezuela e para o Brasil. "Beira Mar" lá se encontrava trocando armas (AK-47 Kalashnikov) por cocaína. Conforme algumas de suas declarações ao Exército Colombiano, para cada quilo preparado de cocaína, as FARC cobram 500 dólares e para cada vôo, 15 000 dólares. Que ele pagou da ordem de 10 a 12 milhões de dólares por mês às FARC, e que parte do pagamento pela cocaína foram 3 000 fuzís (AK-47) mais 3,5 milhões de cartuchos, todo o armamento e a munição oriunda do Paraguai.
É absolutamente fundamental que a sociedade brasileira conheça essas realidades de modo a rejeitar, independentemente de preferências político-ideológicas, de modo contundente, qualquer tipo de simpatia a essa que, hoje, é uma organização narcoterrorista, na verdadeira expressão da palavra, e que, assim, deve ser encarada como uma ameaça aos interesses vitais do Estado brasileiro. E que o MST seja cobrado pelas perniciosas ações desenvolvidas junto às FARC, que nada contribuem para as suas reivindicações sociais, muito pelo contrário.
E que as autoridades brasileiras responsáveis pelas áreas da segurança e defesa sejam dotadas de meios para cumprir de forma oportuna, eficiente e eficaz, as suas relevantes missões no combate a este verdadeiro câncer que, cada vez mais, agride, de forma extremamente perversa, a sociedade brasileira , em todos os quadrantes deste País continente.
http://www.defesanet.com.br/terror/narcoterrorismo.htm