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Mensagem
por Penguin » Seg Jun 22, 2009 9:13 pm
P & D MILITAR: SITUAÇÃO, AVALIAÇÃO E PERSPECTIVAS
GERALDO LESBAT CAVAGNARI FILHO
Diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos
da Universidade Estadual de Campinas
(...)
O programa de aeronáutica avançada
O Programa AMX nasceu, em 1977, da necessidade sentida pela Itália de renovar os meios
operacionais de sua Força Aérea. A aeronave AMX viria a complementar tais meios, somando-se às
possibilidades táticas dos F-104 e Tornado, que continuariam em uso.
Por essa época, o Brasil desativava velhas aeronaves, ficando a sua Força Aérea privada de aviões capazes de executar
missões de penetração profunda em território inimigo. Tomando conhecimento das características
técnicas do projeto italiano, a Aeronáutica concluíra que, com algumas alterações, o AMX poderia
servir para o Brasil. Assim, Brasil e Itália concordaram em desenvolver em conjunto o Programa
AMX. Em dezembro de 1980, foram definidos, em exposição de motivos, os objetivos a atingir:
.formação de uma frota de aviões modernos, de ataque, para a Força Aérea, com raio de ação
superior a mil quilômetros, levando 4 mil libras de carga bélica;
.capacitação tecnológica da indústria aeronáutica nacional, que lhe permita construir aviões
militares complexos e, assim, colocar-se na vanguarda das indústrias aeronáuticas mundiais;
.criação de um programa economicamente viável, complementado por um alto potencial de
exportação, capaz de ativar a indústria aeronáutica e as múltiplas indústrias associadas, com duração
de mais de dez anos.
Para o Ministério da Aeronáutica apresentava-se a alternativa: ou recorrer ao mercado
internacional para adquirir, em curto prazo, as aeronaves de que necessitava para o cumprimento de
sua missão; ou integrar algum programa em que pudesse participar diretamente do desenvolvimento
e produção de aviões. A opção pelo primeiro termo da alternativa reeditaria a compra dos "pacotes"
impingidos pelas potências militares, mantendo uma dependência abrangente - dos aviões, do
suprimento de peças e componentes, da manutenção e da assistência técnica -, que em nada (ou
pouco) contribuiriam para o desenvolvimento tecnológico do País. Já a opção pelo segundo termo
da alternativa significaria razoável redução da dependência externa, mas com o risco de reequipar a
Força Aérea a longo prazo.
Em 1979 e 1980, houve freqüentes contatos com as autoridades italianas e com as indústrias
envolvidas - Aeritalia (atual Alenia), Aermacchi e Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer)
-, tendo em vista conciliar interesses e definir requisitos militares no âmbito do governo e integrar
conhecimentos, através de uma associação, no âmbito industrial. Com a conciliação dos objetivos e
verificação das capacidades e especificações técnicas, o Programa AMX foi formalizado em 1980,
na seqüência de um acordo de cooperação técnica entre o Brasil e a Itália, que já existia desde 1977.
A opção pelo AMX foi feita para atender aos requisitos operacionais básicos de um avião de
ataque e não de um interceptador. Embora concebido para complementar atividades de combate no
teatro de operações europeu, ele dispõe de características válidas para o teatro de operações sulamericano.
Para a Aeronáutica, levando-se em conta o nível de atualização da aeronave e a sua
missão primária, não havia, à época, no mercado mundial, nenhum vetor em sua categoria com grau
de otimização igual ao dele. Para ela, ele ainda continua sendo um avião de tecnologia avançada, que
satisfaz às necessidades brasileiras nas missões para as quais foi planejado o caça-bombardeiro
subsônico: apoio e ataque ao solo.
A produção do AMX obedece a uma divisão de trabalho entre as três empresas que
participam do programa, onde cada uma é responsável por determinada parte do avião, seja ele
montado no Brasil ou na Itália. O mesmo critério é válido para os aviões que forem exportados - ou
seja, cada empresa participa da venda proporcionalmente à sua parte produzida. A Alenia (ex-
Aeritalia) é responsável pela maior parte do avião (45%), cabendo-lhe a fuselagem central e a cabine
de comando. A Aermacchi fabrica o "nariz" do avião e suas engrenagens (25%), e à Embraer cabem
as asas, as entradas de ar, os estabilizadores, o tanque de combustível e o trem de pouso, que
significam 30% do avião.
A partir de 1981, definidas as especificações para cada teatro de operações - europeu e sulamericano
-, teve início o desenvolvimento do AMX, com todos os ensaios, testes, adaptações e
modificações. Nesse período foram produzidos seis protótipos. Na seqüência, houve a fase da
industrialização, ou seja, a fase de confecção dos gabaritos e das fichas de processo e de início dos
trabalhos para a produção do avião, com uma cadência de seis aviões por mês. Por último, a fase da
produção, iniciada em 1986, cujo primeiro avião de série foi entregue em novembro de 1988 à Força
Aérea Italiana.
A Embraer teve que duplicar o seu parque de usinagem, além de realizar um intenso
treinamento de pessoal para operá-lo, já que é totalmente em controle numérico, controlado por um
computador central. Assim, teve que se capacitar para o desenvolvimento da "inteligência" do avião,
do software, do qual é responsável por 30%, necessitando então conhecer basicamente a totalidade
do processo. Outro setor onde houve incorporação de tecnologia nova foi no desenvolvimento de
material composto, utilizado em várias partes do AMX. Devido a essa capacitação, a Embraer passou
a receber importantes encomendas da McDonnell Douglas para fabricar flaps do MD-11, avião de
passageiros de grande porte. Outras empresas de componentes foram também incorporando novas
tecnologias no processo de desenvolvimento do AMX, como a Elebra, a ABC Sistemas Eletrônicos
e a Companhia Eletromecânica (Celma), que se capacitou para produzir 350 peças do motor do
AMX, sob licença da Rolls Royce, além da própria montagem e revisão dos motores.
A parte eletrônica, principalmente a que integra seu sistema de autodefesa, é que faz do AMX
o avião com os recursos mais modernos em sua faixa de atuação. Nesse setor, a Embraer teve que
fazer um esforço de capacitação de diversas empresas nacionais para a produção, teste, calibragem
e principalmente para a manutenção dos equipamentos. Além daqueles desenvolvidos no Brasil,
existem 101 equipamentos produzidos sob licença, dos quais 51 são inteiramente eletrônicos. Eles
garantem à empresa nacional três condições que a Aeronáutica considera principais: engenharia de
produto, de processo e de qualidade.
Outro ganho considerado importante pelo Ministério da Aeronáutica foi a aquisição de
conhecimentos de gerenciamento tanto do desenvolvimento em si, de um produto bastante complexo,
quanto de um programa multinacional, o qual permitiu acesso a todos os documentos e projetos, além
da tomada de decisões ter sido paritária. Com isso a Embraer estará de tal forma capacitada para o
desenvolvimento de projetos que os acordos de cooperação industrial, para fabricação de aeronaves,
só deverão ser implementados sob a sua liderança.
Em 1988, foi assinado o memorando de fabricação em série dos aviões e, no ano seguinte,
o de distribuição dos 79 aviões destinados à Força Aérea Brasileira (FAB). Eles estipulavam que, a
partir de setembro de 1989, seriam entregues três aviões, com um avião para treinamento; em 1991,
onze aviões e três aviões para treinamento; em 1992, onze; em 1993, oito e vários outros para
treinamento. Em 1994, seria definido o prosseguimento das outras entregas anuais. No entanto, até
o início do ano de 1993, a FAB recebeu apenas 21 aviões - sendo um para treinamento -, enquanto
a Itália já incorporou 60 deles à sua Força Aérea. Nos últimos três anos houve recorrentes cortes no
cronograma de entregas do AMX, enquanto uma série de socorros orçamentários foram destinados
à Embraer. Além disso, a distribuição que seria de 79 aviões para a FAB foi reduzida para 54, com
a concordância da Itália.
Em 1991, ano do primeiro vôo oficial do AMX, incorporado à FAB com a designação A-1,
o Ministério da Economia chegou a liberar 110 milhões de dólares para o programa, na tentativa de
cumprir seu cronograma de fornecimento. No entanto, o agravamento da crise da Embraer implicou
a redução de 50% do seu pessoal, queda vertiginosa das exportações e o aumento de suas dívidas de
curto prazo, encerrando o primeiro semestre de 1993 com cerca de 930 milhões de dólares de dívida
de médio para longo prazo. O AMX tem um peso considerável no rombo da empresa. A média dos
investimentos em P&D, no cômputo dos investimentos totais da empresa, entre 1983 e 1989, foi de
63%, sendo que o AMX consumiu a maior parcela dos investimentos da empresa no período. É
deprimente tal situação, já que a Embraer é a segunda empresa fabricante de aviões regionais no
mundo. Em 23 anos de existência, produziu mais de 4.500 aeronaves, que estão voando em cerca de
50 países. Na classe do Brasília (EMB-120), detém 31% do mercado mundial, e com o Tucano
(EMB-312), 46% da comercialização de treinadores militares de sua categoria.
O custo total previsto da participação brasileira no Programa AMX é de 2,5 bilhões de
dólares, dos quais se estima que já foram gastos cerca de um bilhão de dólares. Segundo o Ministério
da Aeronáutica, 1,5 bilhão de dólares seriam gastos no Brasil e 1 bilhão de dólares, no exterior -
gastos com importações de máquinas, equipamentos e componentes. O contra-argumento utilizado
pelo Ministério da Aeronáutica, no que se refere à relação custo-benefício financeiro, para justificar
tal investimento no AMX, seria sua aceitação no mercado internacional. Segundo pesquisa realizada
pela coordenação do programa, esse mercado teria condições de absorver cerca de 2500 aeronaves
desse tipo e, como o preço do avião (cerca de 16 milhões de dólares a unidade) é considerado
bastante competitivo, haveria grande possibilidade de se vender algo em torno de 600 unidades a
médio prazo. E, para isso, foi criada uma empresa, a AMX Internacional, sediada em Londres, com
a exclusiva função de cuidar da comercialização do avião. No entanto, até agora não existem
encomendas. Ao contrário, existem sérias dúvidas quanto às suas possibilidades de bom desempenho
no mercado internacional. Um estudo indica que o fato de se ter demorado 10 anos entre a concepção
do produto e as primeiras entregas já revela algum grau de dificuldades que o avião deverá enfrentar
nesse exigente mercado internacional.
Além disso, o mercado bélico mundial está retraído. O acirramento da disputa pelos negócios
de armamentos acaba sendo definido pelo poder de pressão que as grandes potências exercem em
várias partes do mundo, cujo exemplo significativo é a derrota da Engesa numa concorrência para
fornecer carros de combate à Arábia Saudita. Mesmo depois de ter vencido nos quesitos técnicos e
financeiros, a empresa brasileira foi politicamente derrotada pelos Estados Unidos. Existe uma grave
crise no mercado aeronáutico, civil e militar, com quedas generalizadas de encomendas e prejuízos
enormes nas grandes empresas, contribuindo ainda mais para o acirramento das disputas por novos
negócios. Em fevereiro de 1992, em Varese (Itália), ocorreu a segunda queda do AMX durante a
realização de testes, o que pode ter influenciado no cancelamento da primeira encomenda, de 38
aeronaves, por parte da Tailândia, que estava sendo negociada com o Brasil. Por último, à época da
formalização do Acordo Brasil-Itália, entre 1979 e 1980, a situação econômica do País era
completamente diferente, quando ainda se faziam projetos de futuro baseados nos índices de
crescimento que ele obteve na década de 70. Além disso, torna-se difícil, até mesmo para a FAB,
manter seu programa de aquisições de 54 aeronaves, o que poderá estreitar o próprio mercado
interno para o AMX.
No entanto, o programa deverá prosseguir, tanto para honrar o acordo com a Itália quanto
para atender às necessidades imediatas da Aeronáutica de aeronaves de tecnologia avançada. A quase
inadimplência da Embraer não decorreu de incompetente administração empresarial, mas porque o
governo não honrou seus compromissos com ela. Além disso, ao Programa AMX se deve o salto de
10 anos dado pela Embraer em termos de capacitação tecnológica e industrial. Tal avanço permitiu
a fabricação de trens de pouso e a de outros produtos de tecnologia mais avançada do que a do avião
Bandeirante - tais como o EMB-120 (Brasília) e o jato regional EMB-145.
(...)
Editado pela última vez por
Penguin em Seg Jun 22, 2009 9:21 pm, em um total de 1 vez.
Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos que circulam pelo mundo.
Carlo M. Cipolla