Para não criarem mitos sobre a interceptação do vulcan pelos F-5 da FAB ou historias como essa que os ingleses ignoraram as ordens de pousar em Santa Cruz, ou houve falha no alerta e demora que levou a quebra da barreira do som sobre o Rio. Tá aqui o relato do ocorrido com depoimentos do então na época capitão Raul José Ferreira Dias, hoje Major Brigadeiro do Ar.
Era um dia claro e ensolarado em Brasília. Na sala do Centro de Controle de Área de Brasília, do CINDACTA l (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), ouviu-se um chamado incomum na frequência de emergência (121.5).
- " Mayday, Mayday, this is Ascott 2357, Mayday, Mayday".
Esta chamada-rádio, muito pausada, e naquela fleuma britânica, repetiu-se duas ou três vezes, até que o controlador do Setor Rio, que abrangia toda a área do Rio de Janeiro, estendendo-se por mais ou menos 350 km para dentro do Oceano Atlântico, respondeu à chamada:
- (controlador): "Ascot2357, this is Brazilian Center, go ahead."
-(piloto): "say callsign again!!!" Aí já não tão fleumaticamente como antes.
- (controlador): "Ascot2357, this is Brazilian Center, go ahead."
A reação do piloto foi disparar uma série de informações, sobre a situação do seu voo, em uma velocidade, agora sem fleuma britânica, e com tantos dados, que o controlador só disse uma frase:
- "Sayagain."
O piloto disse então, mais ou menos o seguinte: "Ascot2357, position...., due shortage offuel, unable to go further than Rio, request immediate diversion to Rio".
A transcrição de tudo o que o piloto falou naquele con-tato-rádio nunca foi possível de se realizar, nem mesmo com a ajuda de um americano que dava aulas de Inglês para algumas pessoas do CINDACTA, pois havia frases impossíveis de serem entendidas.
Após algumas trocas de mensagens entre controlador e piloto, o piloto acionou o seu transponderno modo A, o código internacional de emergência, que é 7700. O radar secundário do Pico do Couto, em Petrópolis (RJ), passou a detectar o avião, e, mais tarde, o radar primário também o detectou, e não somente aquele avião, mas também outros dois que voavam perto dele.
Graças ao nosso sistema brasileiro ser integrado, controlando-se a Circulação Aérea Geral, integradamente com a Circulação Operacional Militar (infelizmente alguns desavisados e outros mal intencionados, e muitos farejando dinheiro, querem destruir este sistema), ao mesmo tempo que o Centro Brasília tentava dar assistência ao avião que se declarava em emergência, na sala ao lado, no Centro de Operações Militares (COpM/Defesa Aérea ), acompa nhava-se a ocorrência, e aguardava-se uma definição da identificação daquela aeronave.
O controlador do Centro Brasília solicitou, várias vezes, que o piloto se identificasse, e a resposta era sempre:
- (piloto): "this is Ascot 2357, a fourjets."
Diante dos fatos conhecidos, o COpM (Defesa Aérea) acionou o 1° Grupo de Caça para uma missão de interceptação real, ou seja, com aviões armados.
O que o controlador do CINDACTA l estava ouvindo era a voz de Rod Trevaskus, mas sua transmissão dentro da máscara apertada e a situação de pressão na cabine faziam com que sua voz chegasse como se fosse a do Pato Donald! "Lembro-me bem ", recorda-se um controlador, "que ele só nos disse tratar-se de um avião com quatro motores. Ele repetiu várias vezes tratar-se de uma aeronave com f ou r jets', mas falava muito rapidamente e mal conseguíamos entendê-lo". Enquanto os controladores em Brasília tentavam administrar aquela situação inusitada, outros acontecimentos começavam a ocorrer a cerca de mil e duzentos quilómetros dali, na Base Aérea de Santa Cruz.
Rojão de Fogo!
Naquele mesmo momento, na Base Aérea de Santa Cruz, a oeste do Rio de Janeiro, os Capitães-Aviadores Raul José Ferreira Dias e Marco Aurélio dos Santos Coelho haviam acabado de fazer o checkexterno de dois caças Northrop F-5E Tiger II do 2° Esquadrão do 1° Grupo de Aviação de Caça, e já se ajustavam em seus assentos antes de sair para uma missão de navegação a baixa altura (NBA) com tiro-foto no estande da Marambaia no regresso. "Nós fazíamos a missão de navegação saindo de Santa Cruz em direção ao Vale do Paraíba, e depois retornávamos pela Baía da Ilha Grande para atacar o objetivo, que era na Marambaia", conta o então Capitão Dias. "Eu me lembro que quando nós estávamos nos preparando para guarnecer nossos aviões, vi o avião de alerta voltando de um acionamento. Naquela época, era comum se fazer dois acionamentos do alerta, um pela manhã e outro à tarde, para treinamento. Ou seja, naquele exaro momento não havia aeronave de alerta disponível."Eram cerca de dez horas da manhã e o dia não podia estar melhor para voar. "Era um dia belíssimo", continua Dias, "daqueles de pós-frontal que entusiasma qualquer piloto. De repente notei um dos mecânicos correndo para o meu avião, abrir o cofre e dar o golpe no canhão! Lembro que gritei: 'Ei, não! A missão é de tiro-foto! Não vamos sair armados'". O Capitão Dias já estava de capacete e pouco ouvia além de sua própria respiração e o rugir dos motores a jato que costumam encher qualquer rampa de base aérea operacional. No meio daquela confusão, já estava aciona-da a sirene de alerta, mas esse foi o único barulho que ele não conseguiu ouvir. "Aí, o mecânico me fez um sinal com a mão que eu entendi como sendo de 'liga o rádio'/" Dias fez o que ele pediu e aí não restou mais dúvida do que estava acontecendo: "Quando eu liguei o rádio imediatamente ouvi o Joca*, coitado, se esgoelando na frequência para fazercontato conosco. tspadas é o Joca, Espadas é o Joca!' ( Joca - Oficial de Permanência Operacional (OPO) de Santa Cruz)
Ele berrava tanto que eu tive que esperar uma brecha na fonia para poder responder, 'prossiga', eu disse para ele, 'Espadas na escuta...'"O hoje Major-Brigadeiro Dias continua o relato transportando-se novamente para aquele 3 de junho; "Eu sei que nós éramos a esquadrilha de Espadas porque eu sempre voava Espadas. Eu era o Operações do Esquadrão mas havia sido o Comandante de Espadas então eu mantinha aquele código rádio comigo. O Joca então falou algo que modificou de imediato todo o cenário. Ele disse "Rojão de Fogo!' e imediatamente soubemos que a coisa era para valer!"
Rojão de Fogo era o indicativo de um alerta real. Os aviões partiriam para interceptar uma aeronave em situação de combate. Raul Dias ainda não estava totalmente amarrado no assento, mas assim mesmo deu partida e saiu rumo à pista de decolagem. "Eu só pensava em chegar à cabeceira primeiro porque a doutrina naquela época ditava que num alerta respondido por mais de um avião, aquele que chegasse na frente à cabeceira liderava a missão! Por isso eu completei minha amarração no táxi. Quando chegamos à posição de decolagem, fizemos os checks finais e decolamos na ala. Uma coisa que me marcou foi que PRIMAV (indicativo da torre de Santa Cruz) nos passou di-reto para Thor (Indicativo da Defesa Aérea do CINDACTA l, em Brasília) sem nos passar antes para Taba (código da aproximação em Santa Cruz) ou pelo Controle Rio, e Thor pediu 'Subida PC Maxi, deu nos bearing (direção magnética) tal, anjos (nível de voo) três dois zero'."
Os dois pilotos do Pif-Paf haviam treinado a vida inteira para aquele momento. Mas quando ele veio pegou-os de surpresa. "A verdade é que nada te prepara para um alerta real", diz o então Capitão Coelho. "A adrenalina começa a correr no corpo e a excitação é grande. Mas, apesar disso, o treinamento parece tomar conta de você e as ações começam a acontecer automaticamente. O que me chamou a atenção, além do corre-corre natural de um momento como aquele, foi o fato de que recebemos as pranchetas do alerta com os códigos secretos que nos dariam a autorização para abater o alvo em voo. Elas ficavam trancadas com o oficial de inteligência e só eram passadas aos pilotos do alerta em situações reais. E naquele momento elas estavam sendo entregues para nós!"
Após o táxi, os Tiger decolaram na pista 04 e logo curvaram à direita tomando a proa do mar. Raul Dias retoma a narrativa: "Pouco depois da decolagem aproamos a zona sul e com o PC (Pós-Combustão) a pleno, subimos com o pé no horizonte e com a viseira molhada! Quando finalmente nivelamos aos trinta e poucos mil pés eu comandei uma linha de frente tática. Se não me engano o Coelho estava na minha direita e ele abriu. Lembro-me que eu nivelei no dorso porque a subida tinha sido tão agressiva que quando chegou no nível eu pus o avião no dorso, segurei de nariz e nivelei. Só que na hora em que nivelamos entramos supersônico. Nem pensamos nas consequências que aquilo poderia ter. Afinal de contas estávamos num Rojão de Fogo!"
Naquele momento a cidade inteira descobriu que algo estava acontecendo porque um òoomsônico a atingiu em cheio assustando os seus cerca de cinco milhões de moradores! Enquanto a população carioca se recuperava do susto, as ações se sucediam a cerca de dez quilómetros de altura.
O Vulcan de McDougall vinha descendo numa rampa suave buscando chegar na costa brasileira. A comunicação era difícil porque o oxigénio pressurizado que emanava das máscaras que a tripulação usava fazia com que cada palavra tivesse que ser gritada. O barulho dentro da cabine era enorme porque o fluxo de ar que entrava pela portinhola de escape misturado ao som das turbinas do bombardeiro fazia de qualquer comunicação em tom normal algo impossível. Trevaskus identificou o jato somente como uma aeronave de quatro motores omitindo exatamente quem era e de onde estavam vindo. O controlador do COpM, no entanto, conseguia ver claramente os três plotes voando em formação. Evidentemente ele não deixou transparecer que os interceptadores brasileiros voavam na direção contrária e no seu alcance. Até aquele momento tanto o Nimrod quanto o Victor envolvidos na missão continuavam a comboiar o Vulcan até onde podiam. As autoridades inglesas em Ascensão também já haviam sido avisadas através de comunicações seguras.
O Vulcan nivelou aos 20.000 pés. Abaixo daquela altura, as chances de sobrevivência no caso de uma parada dos motores seriam mais difíceis. Mas ainda havia um problema. O Shrike pendurado tranquilo sob a asa do Vulcan estava armado e poderia causar problemas na aproximação e no pouso. Bastava para isso, que a sua cabeça de guiamento encontrasse emissões "apetitosas" pela frente, um radar do Pico do Couto, ou do Galeão, por exemplo. Uma boa sacudidela também poderia ser desastrosa. Mas àquela altura o míssil era um risco que a tripulação de McDougall teria que enfrentar.
Aos 20.000 pés o frio diminuíra assim como a pressão do ar e Gardner finalmente conseguiu fechar a portinhola de escape. A cabine rapidamente deixava de ser um local hostil.
Diretamente à frente do nariz do Vulcan, a mais ou menos Mach 1.3, porém a cerca de 10.000 pés acima, Dias e Coelho queimavam o céu buscando sua presa. "Na minha lembrança", relata o Capitão Coelho, "tivemos um tempo de reação muito rápido, naquelas condições de acionamento. Os minutos que consumimos para decolar, após o primeiro entoar da sirene, não cabem em todos os dedos das mãos. Quando já estávamos em voo, rumando para o alvo, sempre o tivemos frente a frente. O que não permitia uma detecção radar ideal. Posso dizer que não foi fácil encontrá-lo".
O então Capitão Dias completa, "A primeira informação de Thor que chegou era mais ou menos o seguinte: Eram três aviões não identificados que estavam seguindo para o Rio de Janeiro. Imediatamente vimos uma trilha de condensação à nossa frente fazendo uma curva ascendente à direita de onde deveria estar o alvo e para o nosso lado esquerdo. Mas logo depois o alvo saiu do nível de trilha e desapareceu". No COpM, o pessoal da Defesa Aérea acompanhava o voo daquela aeronave ainda sem identificação. Ainda não ficara claro qual era o problema com o jato inglês, a não ser o que foi entendido naquela primeira chamada-rádio, ou seja: ele estava com pouco combustível, não podia ir além do Rio, e queria orientação para um pouso imediato.
A decisão, então, era de orientar o avião para o Galeão. Esta tarefa era conduzida pelo Centro de Controle, e tudo acompanhado pela Defesa Aérea, que a seu tempo vetorava os caças para o rumo mais direto possível em direção ao alvo ainda desconhecido.
Os três aviões ingleses vinham voando meio enviesado rumo à costa brasileira e quando o controlador do Centro Brasília ordenou que o Ascot 2357 curvasse para um melhor ajuste de aproximação direta para a pista 14 do Galeão, aquela curva, coincidentemente, o colocava de proa com os interceptadores, o que causou certo "frisson" nos controladores dos caças, pois imaginou-se que o avião inglês ia partir para o combate; mas a tensão foi logo desfeita ao saber-se o que se fazia na sala ao lado (Centro de Controle); mais uma vez, graças ao nosso sistema ser totalmente integrado. Naquele momento, a escolta do XM597 deixava o pesado bombardeiro à sua própria sorte e abandonava o espaço aéreo brasileiro. Certamente foi esse o movimento que os pilotos do Pif-Paf viram diante de seus caças. Os pilotos brasileiros vasculhavam o céu à sua frente como manda o figurino, com um dos caças varrendo o céu com seu radar à frente e acima do horizonte enquanto o outro fazia o mesmo para abaixo do horizonte. Mas não havia nada à frente na tela de seus radares de bordo! "Quando passamos a linha da praia", continua Dias, "comandei o check de armamento conforme dita a doutrina. Ligamos os canhões, demos as rajadas padrão e prosseguimos. Naquela época, apesar de nossos radares conseguirem alcançar cerca de 20 milhas, para um avião do tamanho daquele ali a umas 18/17 milhas já deveríamos ter tido contato, por mais que estivéssemos frente a frente com ele". Ocorre que, naquele momento, o radar tridimensional do CINDACTA l, o Volex III estava inoperante. Os controladores de Brasília então só conseguiam ver o plote primário e secundário (só modo A) do alvo, não dispondo de informações sobre a sua altitude. Esta era estimada pelos controladores e passadas para os caças que já estavam no local. Só que eles não conseguiam ver a aeronave que rapidamente se aproximava da cidade porque a distância já era muito curta e a diferença de altura entre os caças e o Vulcan grande demais. O Vulcan, que voava a cerca de 10.000 pés abaixo dos caças já havia saído do cone de varredura do radar dos F-5E. A esta altura, o controle já havia informado à esquadrilha de Espadas que o alvo era uma aeronave inglesa. O grande bombardeiro já estava a umas 25 milhas da Boca da Barra que separa a Baía de Guanabara do mar e o operador em Brasília vinha cantando pelo rádio a distância que separava os caçadores doalvo. "Quando o controlador disse:'Dez milhas', eu abandonei a tela de radar e comecei a olhar para fora", lembra-se o Brigadeiro Dias transportando-se para a cabine de seu F-5 naquele dia ensolarado. "De repente, o controlador disse: 'Piotes confundidos.' E aí eu não tive mais dúvida. Fiz um movimento com a cabeça girando com o avião ao mesmo tempo e coloquei o caça no dorso. E ai eu vi aquela enorme 'arraia' voando embaixo de mim. E dali de onde eu estava eu comandei: Tally Ho!, é um Vulcan. Judite. Espadas Dois, Cobertura!' E o fiz de forma absolutamente automática. Zero raciocínio! Porque era aquilo que a gente fazia todos os dias".
Imediatamente Dias manobrou sua aeronave em um mergulho para concluir a interceptação do intruso. Foi só nesse momento que se soube qual era o tipo de avião que voava em direçáo ao Rio, em emergência.
"Eu vinha atrás e quando o Dias fez a manobra, que na verdade era um retournement, eu o segui, em cobertura e atento na manutenção do visual, porque o ala nunca pode perder o seu líder de vista. Principalmente numa situação como essa. Ao completar a manobra para me posicionar onde eu teria que estar, que era protegendo o meu líder, me lembro que vi o Pão de Açúcar perto", complementa Coelho. Raul Dias assume a narrativa: "A manobra havia nos colocado atrás do alvo. Eu me lembro que logo que nivelei atrás dele eu girei um 'tonneauzão' para matara velocidade, e fiquei na asa esquerda dele enquanto o Coelho se posicionou às suas seis horas. Em seguida, comecei a fazer os procedimentos padrão previstos em qualquer interceptação enquanto chamava o Vulcan na frequência 121.5 como manda o figurino." Preocupado com o estado de seu nível de combustível, McDougall não respondeu às interpelações do piloto brasileiro e continuou rumando para o Rio de Janeiro.
"Nada. O bicho não falava nada!" Lembra-se Dias: "O capacete deles do tipo HGU-2Tera bem padrão todo branco e não como os nossos, que eram cheios de 'firula'. A sensação que eu tinha era a de que ele mexia levemente a cabeça e me olhava de rabo de olho. Mas não falava nada! Só mantinha a reta do jeito que vinha. "Ocorre, no entanto, que Raul Dias não estava gostando muito daquilo.
"Eu então disse para o meu ala: 'Coelho, fica de olho que eu vou fazer esse cara falar com a gente'. "Vinte e cinco anos depois do episódio, o piloto brasileiro cerra os olhos quase imperceptivelmente quando se lembra: "Eu então dei uma 'asada' nele." E talvez por um segundo apenas se lembra que é um Oficial General da Força Aérea Brasileira e pausa a narrativa considerando se devia ter dito aquilo. Mas o piloto de caça dentro dele fala mais alto e ele confirma: "Dei mesmo."
Dias passou com o Tiger da esquerda para a direita diante do nariz do Vulcan. E como se aquilo não bastasse, girou um tonneau por sobre o bombardeiro da RAF voltando para a posição que ocupara anteriormente ao seu lado. "Quando passei por ele, cheguei a vê-lo se abaixar dentro da cabine. Aí ele finalmente olhou para mim e entrou na fonia." A ideia inicial do COpM era levar o Vulcan para Santa Cruz, mas no rápido diálogo que se seguiu ficou claro para todos que acompanhavam aquele momento que o grande bombardeiro não teria combustível para aquilo.
"Eu não havia notado inicialmente que ele estava com problemas", continua o líder da Esquadrilha de Espadas, "mas quando olhei com cuidado, notei que o probe de reabastecimento que fica bem na frente da cabine do Vulcan estava quebrado. Nessa coordenação entre eu, Thor e ele ficou definido que nós o acompanharíamos até o pouso. Daí para frente passamos a acompanhá-lo visando o seu recolhimento com segurança no Galeão onde pousaria na pista 32".
O Vulcan sobrevoou a cidade já com o trem baixo e todo flapeado para perder altura, mas seus problemas ainda não haviam terminado. Segue o depoimento de um dos controladores: "Enquanto o Vulcan se aproximava do Rio de Janeiro, o Controle de Brasília mandou que o piloto passasse para a frequência do Controle de Aproximação do Rio, mas ele negou-se a mudar daquela frequência de emergência (121.5). Foi preciso, então, fazer-se a coordenação entre o Centro de Brasília e o Controle do Rio, dando ao piloto as coordenadas para o pouso. No entanto ele respondeu que não teria combustível para efetuar sequer um circuito para se aproximar da pista em uso. O Centro Brasília perguntou se ele conseguia ver a pista ao que ele respondeu afirmativamente. 'Então pode pousar nela', foi o que disse o controlador". Ele agora vinha para uma longa final na pista 32.
McDougall estava alinhado com a pista do Galeão, mas vinha alto demais. Com cerca de seis milhas para o pouso, o Vulcan ainda voava a uns 20.000 pés. Precisaria descer de uma só vez o mais rapidamente possível. Ele então puxou as manetes para idle, estendeu os freios de mergulho, e entrou numa curva descendente em espiral puxando dois Gs e com uma inclinação de 65°. Sem o empuxo de seus motores, o avião começou a descer verticalmente, quase numa queda livre. Mas quando estava a cerca de 250 pés, e a 3/4 de milha da cabeceira, McDougall aplicou potência total e sentiu o jato voltar a voar sob tração novamente. Estava perfeitamente alinhado com a pista 32 do Galeão! O comandante do Vulcan ganharia a Distinguished Flying Cross (DFC) por aquela manobra, mas interessantemente, nenhum dos dois pilotos brasileiros que acompanhavam o Vulcan até o pouso se recorda dela.
O então Capitão Dias olhava o Vulcan de cima: "Me impressionou o silêncio que de repente se abateu na fonia sobre o Galeão", lembra, "o Controle havia tirado todo mundo da área. Fizemos mais algumas passagens sobre o aeroporto e quando vimos que ele estava livrando a pista rumo ao estacionamento, pedi proa de Maloca via Barra e rumamos para Santa Cruz. Sobrevoamos a Zona Sul da cidade e quando estávamos já no través da Pedra da Gávea, minhas pernas começaram a tremer! Chamei o Coelho no rádio e disse para ele que eu estava com as pernas tremendo. 'E como é que você acha que estão as minhas!?!' veio a resposta!". Era o nível de adrenalina que estava começando a abaixar no corpo dos dois pilotos brasileiros.
Os dois F-5E chegaram sobre a Base Aérea de Santa Cruz, mas não pousaram. Seus dois pilotos os levaram para a área de instrução e fizeram acrobacias na ala até que se esgotasse o combustível. Em seguida entraram no circuito, fizeram um pilofe e vieram para o pouso. Já no chão taxiaram até o Esquadrão onde praticamente todo o efetivo da Base os esperava para recebê-los, e curiosos, para saber como havia sido a missão. Afinal de contas, aquela havia sido a primeira interceptação real na História do 1° Grupo de Aviação de Caça!
Conclusão
McDougall e sua tripulação permaneceram por mais oito dias no Brasil sendo bem tratados por seus colegas da FAB, que os alojaram no Cassino de Oficiais da Base Aérea do Galeão. Passaram a maior parte de seus dias no Brasil tomando banho de sol na piscina da Base. No dia 11 de junho subiram no XM597 e decolaram rumo a Ascensão. O míssil Shrike, no entanto, ficou no Brasil. Na noite seguinte, os ingleses voaram a última missão Black Buck, de número sete. Bombardearam posições de tropa argentinas perto de Stanley. Suas bombas convencionais vindo a cair do lado leste da pista sem maiores consequências. Pouco depois a guerra terminava.
"O que fica é a satisfação do dever cumprido e a constatação de teratuado com profissionalismo", conclui o então Capitão Coelho, "colocar aquele 'm' na caderneta de voo, e que denota uma missão real pode não significar nada para muita gente. Mas para nós vale muito. Porque significa que fizemos aquilo que esperavam de nós quando o momento chegou. Para nós aquele 'm' foi maiúsculo".
O boom sônico que sacudiu a cidade do Rio de Janeiro foi interpretado por muitos de formas diferentes. Houve quem dissesse que o Gasómetro do Rio tinha explodido. Para a maioria o que ocorrera de verdade só veio à tona às oito horas da noite, no Jornal Nacional. Raul Dias, no entanto, sentiu a repercussão pouco depois de pousar: "Eu estava na sala do OPO (Oficial de Permanência Operacional) que naquela época era bem à esquerda de quem entra no Esquadrão. Estava fazendo o relatório imediato da missão quando tocou um dos vários telefones que se alinhavam no console à minha frente. Eu atendi automaticamente e disse: Bom-dia, OPO, Grupo de Caça...' Foi quando uma voz em altos brados irrompeu do outro lado dizendo: 'Aqui é o Coronel Fulano. Quero saber imediatamente quem era o piloto de F-5 que estava fazendo firulasem cima do Galeão...'. Eu confesso que até hoje não sei quem foi, mas peço que me perdoe, porque como um bom e jovem capitão com a adrenalina ainda fluindo no corpo, eu falei algumas coisas que eu não devia."Coelho também teve tempo para pensar naquele 3 de junho após estes 25 anos: "Aquele boom sônico pesou durante algum tempo na minha consciência ", recorda, "porque parece que o metro parou, e que alguém que estava limpando vidros no vigésimo terceiro andar de um edifício quase caiu. Mas a verdade é que naquele dia, todo mundo lembrou que tem uma Força Aérea! ".